O Estado de S.Paulo
Todos os domingos, à meia-noite, quando Nabor cantava
"Quizás, quizás, quizás", eu sabia que a domingueira tinha acabado e
aquelas meninas de Araraquara desceriam as escadas, passariam por mim,
nem me olhando, e iriam para casa. Algumas com os pais, várias sozinhas
(não havia perigo), outras acompanhadas pelos namorados. Inveja daqueles
namorados, tinham dançado com as moças mais lindas, colado o rosto
(apesar da vigilância materna), conseguido um beijo furtivo. Dali a
pouco, nos portões, viriam os "amassos", porque mais do que carinhos, os
namorados se amassavam com sofreguidão. Em que estado iam dormir.
Dia desses, indo para uma reunião na Fundação Carlos Chagas, ouvi no
táxi ouvi o bolero siempre que te pregunto, que quando, donde y como.
Comentei na reunião: "Ali estou, sentado no banco gelado, sabendo que o
domingo acabou". Sandra e Mariana Lapeiz, condutoras do projeto
maravilhoso que é o Livro para Todos, (que este ano tem Milton Hatoum
como padrinho, assim como Lygia Fagundes Telles e eu fomos nos dois
últimos anos), indagou: "O que isso quer dizer?" E eu: "Há canções que
me provocam, volto no tempo". Ela: "Já escreveu sobre isso? Não é um
livro?"
Era. É. Nove meses depois, o livro estava terminado. Tempo de
gestação de um ser humano. Vim arrancando de dentro desde aquela canção
Amado Mio, do filme Gilda, ainda na minha infância, até Alfonsina y el
Mar, com Mercedes Sosa, que Irina e eu ouvíamos em Hanabanilla, Cuba,
pouco antes dela, jovem jornalista mexicana, linda, partir para a
Nicarágua para lutar com os sandinistas contra o ditador Somoza. Fui
reencontrando Valsinha, de Chico e Vinicius, que embala duas mulheres
solitárias numa sala a tecerem bordados de uma vida, bem como Patricia,
bolero para ser dançado cheek to cheek nas festinhas da adolescência,
mas que Fellini usou para a orgia final em A Doce Vida, filme que marcou
uma geração. "Quero, quero ser chamada de querida", lembram-se?
Uma noite, no Recife, no Sesc, vi e ouvi no palco uma mulher que me
impressionou ao falar sobre educação e ao contar sobre seus textos,
Viviane Mosé. Dela retirei o título de meu livro, Solidão no Fundo da
Agulha, porque me trouxe minhas tias e primas em tardes araraquarenses,
me trouxe mulheres que conheci e se encerraram no silêncio do fundo da
agulha. Mulheres que esperaram ou ainda esperam que ele chegue um dia
com um jeito diferente daquele jeito que ele tinha ao chegar. Nossas
vidas são atravessadas e marcadas por músicas, por canções que nos
devolvem momentos, felizes ou não. Recuperei algumas, mas a cada dia
acumulo outras.
Por que uma americana que vi certa manhã, uma única vez, em Roma,
perto da Praça de Espanha, eu voltaria a reencontrar 17 anos depois,
mulher madura, numa palestra em San Diego, Estados Unidos, ligada por
uma carta que ela recebeu e eu nunca li? Ligada ainda por Antonio
Tabucchi, o escritor italiano falecido ano passado, um grande amigo.
Mais, ligada por Isaura Garcia a cantar: "Quando o carteiro chegou e o
meu nome gritou com uma carta na mão". Como e por que a vida estende
linhas misteriosas, unido ou desunindo pedaços de nós?
A primeira entrevista de sua vida, capa do caderno de variedades do
jornal Última Hora, fui eu que fiz com Dina Sfat, quando ela começou no
Teatro de Arena, em 1962. Naquela tarde, nos fundos do teatro vazio,
alguém cantava Estrela do Mar. Quem não conhece? Um pequenino grão de
areia. Dina ficou de descobrir quem era a cantora. Descobriu? Um
mistério que continua. Dina morreu três meses do dia em que, indo a
Israel, me vi na cidade de Sfat, terra dos cabalistas. Sfat que lhe deu o
nome.
Solidão no Fundo da Agulha está pronto e será lançado terça-feira,
dia 26, no bar Vianna, em Pinheiros. O bar vizinho à minha casa, onde
vou certos fins de tarde e sento-me na mesma mesa, lendo, anotando
coisas, ou simplesmente esperando a noite chegar ao meu bairro, porque
com ela chegam Marcia e Rita para sentar comigo. O livro está saindo
pelo selo Livro para Todos, um dos projetos que tornam diferenciada a
Fundação Carlos Chagas, a que estrutura todos os grandes concursos
públicos deste Brasil. Projeto que dá a ela um plus.
Paulo Melo Jr., um fotógrafo pernambucano, leu os textos e, câmera em
punho, saiu para capturar o espírito de Araraquara, ou de lugares de
São Paulo: Rua Javari, Livraria Francesa, ruas do centro, bancas de
frutas ao sol, estação da Luz, Avenida 23 de Maio vazia, um pastel de
feira sendo frito, o teatrinho de Arena, o relógio do Mappin, debaixo do
qual gerações marcaram encontros. O que é este livro? Minhas memórias?
Mas são as suas também. Minha músicas? São as de todos. É realidade,
lembrança, é ficção. E tanto é um livro de gerações mais velhas ou
atuais, que a jovem Rita Gullo interpreta as 11 canções do livro (porque
haverá um CD dentro) como se fossem dela, do tempo dela. Ela se
comprometeu com cada nota, cada palavra. Tocaremos todas as canções na
noite do dia 26, na Rua Cristiano Vianna, 315, e beberemos, e falaremos,
porque será um encontro de todos nós, a partir de 19 horas.
sexta-feira, 22 de março de 2013
Quem acredita em estrelas? - Nelson Motta
Estado de Minas - 22/03/2013
A perigo de dançar na troca de cadeiras de Dilma, o ministro do Turismo, Gastão Vieira, publicou artigo nos jornais anunciando seu grande projeto: recadastrar todos os hotéis do Brasil e classificá-los com estrelas. A justificativa é que o turista paga um hotel de tantas estrelas, mas chega aqui e se decepciona.
Bem, isso era no século passado, hoje ninguém faz uma reserva sem antes ver fotos e vídeos nos sites dos hotéis, ler as críticas dos hóspedes e avaliar preços, serviços e quartos. Ninguém liga mais para estrelas, ministro.
Propaganda enganosa, ciladas e otários sempre vão existir, mas para isso existe o Procon. Para o ministro, a atual classificação por estrelas dos hotéis "provocou constrangimentos durante dez anos e perda de confiança na hotelaria brasileira". As estrelas, não os péssimos serviços e preços abusivos.
Então, com dez anos de atraso, anunciou o SBClass - Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem, o bolsa-estrela. Para quê? Basta os hotéis manterem seus sites atualizados - o que todos já fazem, como marketing: hoje são os consumidores que dão as estrelas.
O projeto estelar oficial fez viagens e oficinas, pesquisas em 24 países, seis cursos de capacitação e 26 avaliações-piloto, contratou 300 especialistas. Mas o ministro estranha que só 30 dos 6.260 hotéis brasileiros tenham se interessado no SBClass. Por que será?
Imaginem quanto vai nos custar esse plano genial, tão atrasado quanto inútil? E, como sempre no Brasil, alguns vão querer uma estrela a mais na camaradagem, ou coisa pior, para enganar os otários.
Falando em estrelas, o Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, que conquistou 25% dos votos na Itália e elegeu 166 parlamentares, divulgou suas contas de campanha: arrecadou 570 mil (R$ 1,5 milhão) com cerca de 15 mil doações individuais e média de 40 per capita.
Quase tudo foi gasto na montagem de palcos, som e luz dos comícios, as sobras da campanha vão ser doadas às vítimas do terremoto na Emilia. Quem precisa de empresas ou financiamento público quando tem novas propostas e a internet?
A perigo de dançar na troca de cadeiras de Dilma, o ministro do Turismo, Gastão Vieira, publicou artigo nos jornais anunciando seu grande projeto: recadastrar todos os hotéis do Brasil e classificá-los com estrelas. A justificativa é que o turista paga um hotel de tantas estrelas, mas chega aqui e se decepciona.
Bem, isso era no século passado, hoje ninguém faz uma reserva sem antes ver fotos e vídeos nos sites dos hotéis, ler as críticas dos hóspedes e avaliar preços, serviços e quartos. Ninguém liga mais para estrelas, ministro.
Propaganda enganosa, ciladas e otários sempre vão existir, mas para isso existe o Procon. Para o ministro, a atual classificação por estrelas dos hotéis "provocou constrangimentos durante dez anos e perda de confiança na hotelaria brasileira". As estrelas, não os péssimos serviços e preços abusivos.
Então, com dez anos de atraso, anunciou o SBClass - Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem, o bolsa-estrela. Para quê? Basta os hotéis manterem seus sites atualizados - o que todos já fazem, como marketing: hoje são os consumidores que dão as estrelas.
O projeto estelar oficial fez viagens e oficinas, pesquisas em 24 países, seis cursos de capacitação e 26 avaliações-piloto, contratou 300 especialistas. Mas o ministro estranha que só 30 dos 6.260 hotéis brasileiros tenham se interessado no SBClass. Por que será?
Imaginem quanto vai nos custar esse plano genial, tão atrasado quanto inútil? E, como sempre no Brasil, alguns vão querer uma estrela a mais na camaradagem, ou coisa pior, para enganar os otários.
Falando em estrelas, o Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, que conquistou 25% dos votos na Itália e elegeu 166 parlamentares, divulgou suas contas de campanha: arrecadou 570 mil (R$ 1,5 milhão) com cerca de 15 mil doações individuais e média de 40 per capita.
Quase tudo foi gasto na montagem de palcos, som e luz dos comícios, as sobras da campanha vão ser doadas às vítimas do terremoto na Emilia. Quem precisa de empresas ou financiamento público quando tem novas propostas e a internet?