sábado, 22 de março de 2014

50 ANOS DO GOLPE

O Globo 22/03/2014



Contradições do autoritarismo: as universidades e o regime militar

Obra mostra como as universidades, focos de resistência ao regime, sofreram com a opressão, mas também foram peça fundamental do projeto desenvolvimentista, passando por amplas mudanças

Por Leonardo Cazes

As universidades foram o principal centro de resistência à ditadura militar que começou em 1964. Ao mesmo tempo, tinham um papel central no projeto desenvolvimentista que ganhou corpo a partir do governo Costa e Silva, em 1967. Esse conflito atravessou todas as políticas dos regime para o ensino superior. Com uma mão, os militares criaram o regime de dedicação exclusiva para professores, investiram em laboratórios, na construção de novos campi e quadruplicaram o número de vagas. Com a outra, aposentaram compulsoriamente dezenas de docentes e pesquisadores, perseguiram e expulsaram estudantes. Os dois grupos foram alvos preferenciais da máquina da repressão.

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  Repressão e crescimento

 

Nas universidades do Rio, crescimento e repressão andaram juntos

 



Durante a ditadura, campus da UFRJ no Fundão foi construído e Unirio foi criada, mas expurgos de alunos e professores desfiguraram as instituições


Por Leonardo Cazes


 No dia 7 de setembro de 1972, o presidente Emílio Garrastazu Médici inaugurou a cidade universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão. A cerimônia fez parte das comemorações dos 150 anos da independência e é exemplo da importância dada pelo regime à sua política para o ensino superior público. Para os militares, a reforma universitária empreendida em 1968 e o investimento na construção de novos campi era uma forma de aplacar o principal foco de oposição, que se concentrava nas instituições, e de viabilizar o projeto desenvolvimentista. Durante a ditadura, as universidades viveram um boom de investimentos e foram reorganizadas no modelo departamental, atualmente em vigor.

 

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Ideias no exílio

 

Prisões, torturas e cassações forçaram alguns dos mais destacados pensadores da época, nas humanidades e nas ciências, a deixar o país. Projetos de pesquisa foram interrompidos e carreiras acadêmicas tiveram o rumo alterado

 Por Guilherme Freitas e Leonardo Cazes

Em 1º de abril de 1964, Luiz Costa Lima saiu de casa cedo e foi para a Universidade do Recife, onde dava aulas de literatura e colaborava com o Serviço de Extensão Cultural (SEC), inovador programa de alfabetização de adultos liderado pelo educador Paulo Freire. Preparava-se para enfrentar o golpe iminente. No campus, ele e um colega expropriaram uma kombi e um mimeógrafo, que julgaram essenciais para a resistência democrática. 

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Artigo

 O cultivo da terra estéril - LUIZ COSTA LIMA

ENTRE
NÓS, OS
PRÓPRIOS
TERMOS
“CULTURA” E
“REFLEXÃO”
SÃO VISTOS
COM FASTIO

 Já não se duvida que o golpe de 64 instaurou uma ditadura. Tampouco é questionável que toda ditadura representa uma presença letal a qualquer vigor cultural. Cultura supõe cultivo, seja das terras do chão, seja da terra da mente. Para que o golpe tivesse significado outra coisa senão medo, rancor surdo, sensação de impotência seria preciso que tivesse lidado com outra humanidade. Chega a ser ocioso pensar-se que a nossa recente ditadura pudesse ter tido outro perfil que não o de suas semelhantes. O que escrevo só fará sentido se considerarmos a ditadura de 64 dentro das coordenadas nacionais.

 

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Brasilianistas denunciaram regime militar no exterior

Acadêmicos americanos divulgaram casos de tortura, desafiaram governos e acolheram colegas brasileiros, recorda Ralph Della Cava
Por Guilherme Freitas




 Em 1964, o americano Ralph Della Cava desembarcou no Brasil para pesquisar sobre Padre Cícero, tema de seu doutorado em ciências sociais na Universidade de Columbia. Depois de uma passagem por Juazeiro do Norte, no Ceará, veio para o Rio, onde se viu no turbilhão do golpe em 1º de abril. Testemunha de primeira hora dos abusos cometidos pelos militares, ele se tornou, ao voltar para os Estados Unidos, um dos principais articuladores de uma campanha que buscava denunciar a ditadura brasileira no exterior. Ao lado de outros especialistas em história do Brasil, conhecidos como “brasilianistas”, Della Cava fundou associações como o American Committee for Information on Brazil (Comitê Americano para Informação sobre o Brasil) e o American Friends of Brazil (Amigos Americanos do Brasil). Nos anos 1970, esses acadêmicos traduziram e divulgaram depoimentos de presos políticos e documentos comprovando torturas, promoveram palestras de exilados brasileiros em universidades e denunciaram o envolvimento de autoridades americanas no golpe. Pesquisador do Instituto de Estudos Latino-americanos de Columbia e autor de uma obra de referência sobre Cícero (”Milagre em Joaseiro”, que acaba de ganhar nova edição pela Companhia das Letras), ele relembra a campanha nesta entrevista por e-mail.

 

O senhor estava no Rio no momento do golpe de 1964. Quais são suas lembranças daquele dia?

Minha esposa e eu tínhamos ido ver um filme na Cinelândia com um casal de amigos. Quando saímos do cinema, em meio ao som de tiros, ficou claro que a “Gloriosa” estava em marcha. Conseguimos pegar um táxi e fomos para a casa de nossos amigos, em Copacabana. Não foi a primeira nem a última depredação que testemunhei. Um colega de Columbia, que trabalhava como repórter na revista “Time”, pediu que eu ficasse de olho no prédio da UNE. Contra todas as nossas esperanças, ele foi incendiado — e o ódio foi um dos combustíveis.

 

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Terror cultural

Editoras e livrarias que se tornaram refúgio e referência para autores perseguidos enfrentaram forte
repressão, incluindo atentados a bomba, mas procuraram manter o debate político durante o período


Por Guilherme Freitas

 

 

Numa das muitas ocasiões em que foi preso durante a ditadura, em maio de 1965, o editor Ênio Silveira recebeu uma inesperada demonstração de apoio. Na mira do regime desde o início por sua atuação à frente da Civilização Brasileira, casa de vários autores de oposição, ele foi detido por promover uma feijoada em homenagem ao ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, cassado logo após o golpe. A prisão arbitrária foi contestada por um abaixo-assinado com mais de mil nomes, de militantes históricos de esquerda ao compositor Pixinguinha. E por um bilhete manuscrito do marechal Castelo Branco ao chefe de seu Gabinete Militar, general Ernesto Geisel: “Por que a prisão do Ênio? Só para depor?”, perguntava o presidente. “Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural”.

 

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A origem do método - José Castello



“FELIZ ANO NOVO” NOS MOSTRA UMA ESPÉCIE DE MARCO ZERO DE UMA VIOLÊNCIA QUE, APESAR DOS LONGOS ANOS DE DEMOCRACIA, AINDA SE ENCENA NO PAÍS

Fixo-me em “Feliz ano novo”, o conto que empresta título ao já lendário livro que Rubem Fonseca, cuja obra vem sendo relançada pela editora Agir, publicou em 1975. Não só, provavelmente, é o mais cruel relato da coletânea, mas uma das narrativas mais violentas produzidas pela literatura brasileira dos anos 1970. O conto guarda uma estranha síntese dos métodos da ditadura, que se espalharam pela entranhas da sociedade brasileira na ordem de uma peste — o livro de Fonseca seria censurado no ano seguinte ao seu lançamento. Antes de tudo, a violência, arbitrária, indiferente ao sentido, cruel que, na narrativa de Fonseca, deixa os cárceres do poder para penetrar na penumbra do dia a dia e se transformar em um método de ação. Contra a violência, mais violência. Contra a miséria, mais miséria. O método nefasto da duplicação e da retaliação.


A palavra como um risco para a sociedade


Censura a livros na ditadura deixou herança autoritária

Veto a livros considerados 'imorais' e proibição de obras de opositores deixaram como legado a ideia de que informação pode ser controlada, diz pesquisadora

Por Guilherme Freitas

 
A coletânea de contos “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, “retrata, em quase sua totalidade, personagens portadores de complexos, vícios e taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade na prática da delinquência, suborno, latrocínio e homicídio, sem qualquer referência a sanções”. A história que dá título à obra, sobre três marginais que invadem uma festa grã-fina de réveillon, assim como as outras 12 narrativas do volume, têm uma linguagem “bastante popular, onde a pornografia foi largamente empregada”, e “alusões desmerecedoras aos responsáveis pelo destino do Brasil”.