segunda-feira, 24 de junho de 2013

Não existe almoço grátis

Revista Época - 24/06/2013

 A ideia de tarifa zero soa atraente, mas é quase impossível fechar a conta. De uma forma ou de outra, a sociedade paga pelos serviços públicos.
 
José Fucs

A ideia de tornar gratuitos os ônibus urbanos no Brasil, defendida pelo Movimento Passe Livre (MPL), pode ter um forte apelo social, mas provocaria um rombo dramático nas finanças dos municípios e comprometeria outros serviços prestados à população. De acordo com a teoria econômica, tudo tem um custo — mesmo que ele não seja visível a olho nu. Como dizia o economista Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia em 1976, "não existe almoço grátis". Como os recursos disponíveis são limitados, seria preciso encontrar fontes alternativas para custear o sistema, se o ônibus fosse de graça.

Isso poderia ser feito por meio de um aumento da arrecadação, com a elevação de impostos, hoje já altíssimos no país. Ou da redistribuição do dinheiro reservado a outros gastos, como os salários dos professores, a melhoria do atendimento nos postos de saúde e a contratação de mais policiais para garantir a segurança da população. Também seria possível fazer isso por meio do corte de despesas. Só que, diante da incapacidade crônica de os governos em todas as instâncias - municipal, estadual e federal - apertarem o cinto, tal solução teria poucas chances de se transformar em realidade. "A tarifa zero é um cobertor curto", diz o professor Samy Dana, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. "Se você puxar de um lado, descobrirá do outro." O rombo gerado no orçamento dos municípios pela tarifa zero não estaria restrito apenas a cobrir o custo do sistema hoje, estimado em R$ 5,5 bilhões anuais só em São Paulo (em 2013, com a redução do bilhete de R$ 3,20 para R$ 3, as despesas da cidade com subsídios na área deverão ficar em R$ 1,4 bilhão, ou 25% do total do orçamento). Com a tarifa zero, o custo da operação tenderia a subir.

Segundo a clássica lei da oferta e da procura, com a redução do preço das passagens, o número de usuários pode dar um salto. Isso obrigaria as prefeituras a investir mais na ampliação da frota. Caso contrário, a superlotação observada hoje se agravaria, levando a uma deterioração ainda maior na qualidade do sistema. É o que ocorre hoje na índia e em outros países emergentes, onde o sistema de transporte coletivo é bem pior que nas principais cidades brasileiras.

É possível que a demanda por transporte coletivo seja menos suscetível a mudanças de preços do que outros produtos e serviços. As viagens de ida e volta para o trabalho e para a escola estão incluídas na conta atual de usuários.

Os sete dias que mudaram o Brasil

Revista Veja - 24/06/2013

Quando se espalhou por São Paulo um protesto contra o aumento de 20 centavos na passagem de ônibus, todo mundo sentiu que a coisa era bem maior. Tão maior, mais inebriante, mais mobilizadora, mais assustadora e mais apaixonante que, em uma semana, multidões bem acima de 1 milhão de pessoas jorraram Brasil afora na histórica noite de quinta-feira. Todos os parâmetros comparativos anteriores, como Diretas Já e Fora Collor, empalideceram diante do abismo aberto entre os representantes dos poderes, de um lado, e o poder dos que se sentem muito mal representados, de outro. A presidente acuada, as instituições em estado de estupor, os políticos desaparecidos e a turbamulta subindo a frágil passarela do Palácio Itamaraty criaram outro sentimento estarrecedor: é muito fácil quebrar o vidro que separa a ordem do caos.

Podem-se passar décadas sem que nada mude, mas uma semana pode concentrar décadas de mudança. Foi o que se viu no Brasil semana passada. Quem acha que não mudou passou os últimos dias isolado em uma bolha hemértica. Curiosamente, aqueles que mais enxergam como agentes da mudança, os partidos de esquerda, foram os que mais se viram emparedados pela nova realidade das ruas. O PT acreditava que a paixão dos brasileiros pelo futebol seria exacerbada pelas Copas, de tal forma que ninguém mais notaria a corrupção e a ineficiência do governo. Errou feio. Os cartazes nas ruas fizeram das Copas símbolos odiados dos gasto público de péssima qualidades, do desvio de dinheiro e do abuso de poder. O pobre presidente do PT, Rui Falcão, saiu do episódio apelidados de Rui Falcollor. Em 1992, em gesto de desespero, o então presidente Fernando Collor convocou os brasileiros a sair às ruas de verde e amarelo. O povo saiu de preto, e ele saiu do Palácio do Planalto. Falcollor mandou a militância retomar as ruas das quais os petitas se achavam donos, e viu o povo cair de pau na hipocrisia. Lula mandou os sindicalistas se fingirem de povo e o resultado foi o mesmo. Cascudos nos intrusos e bandeiras queimadas e rasgadas. Os esquerdistas tiveram de ouvir um dos mais elegantes xingamentos da história mundial das manifestações: "Oportunistas, oportunistas". Para quem não é do ramo, a frase que abre este texto é do pai de todas as revoluções, o russo Lênin. Até que ficaria sem palpite se tivesse presenciado as mudanças dos últimos dias no Brasil.

Dilma continua franca favorita

Revista Carta Capital - 24/06/2013

Análise: Apesar de vários revezes, o saldo para o governo federal é muito positivo

  POR MARCOS COIMBRA

A primeira pesquisa da parceria Vox Populi/CartaCapital confirma os dados mostrados por outras recentes e ajuda a explicá-los. Como as demais, ela indica um elevado nível de satisfação da população com a situação nacional e alta aprovação do governo Dilma Rousseff.

Mundo afora, são poucos os países e os governantes que alcançam resultados semelhantes. Se na quase totalidade da Europa ou nos Estados Unidos saíssem pesquisas como as atuais no Brasil, muita gente por lá soltaria foguetes.

A mais evidente consequência da prevalência desses sentimentos é a folgada dianteira de Dilma nos cenários para a eleição presidencial de 2014. Ela é a destacada favorita, seja nas menções espontâneas, seja diante de qualquer simulação com adversários possíveis.

De novo, tanto quando se comparam suas perspectivas eleitorais com aquelas de outras lideranças internacionais quanto com a situação de seus antecessores em momento semelhante, a presidenta tem muitos motivos para se alegrar. A 15 meses do pleito em que disputaram a reeleição. Fernando Henrique Cardoso e Lula tinham números piores comparados aos atuais de Dilma. E ambos terminaram por vencer.

Quando cotejamos as pesquisas de junho com aquelas realizadas há alguns meses, registram-se, porém, quedas. Seja nos resultados publicados do Datafolha e da CNT, seja em levantamentos não divulgados de outros institutos (entre os quais da própria Vox Populi), elas são perceptíveis.

São quedas pequenas, insuficientes para mudar o panorama geral. Satisfação (com o Brasil), aprovação (da presidenta) e favoritismo (da candidata) continuam predominantes, por largas maiorias.

A nossa cultura política se desacostumou, no entanto, das oscilações negativas nas pesquisas de avaliação do governo, tão comuns no resto do mundo e tão frequentes em nosso passado recente. Qualquer queda, por menor que seja, passou a ser considerada "anormal" e prenúncio de mudanças definitivas nos humores da população.

Do lado do PT, de seus aliados e simpatizantes, difundiu-se a crença de que nada seria capaz de arranhar a solidez dos sentimentos populares em relação ao governo. Do lado das oposições, depois de tudo tentarem para abalá-los e sem obter sucesso, o desalento passou a ser regra.

Vivemos um longo ciclo de popularidade governamental cm alta, iniciado com Lula em 2007 e que atravessou a transição para Dilma e durou quase seis anos. Desde quando Lula saiu incólume daquele desastre aéreo em Congonhas, que tentaram tornar responsabilidade sua, até agora, nunca tivemos qualquer inflexão nessa tendência, nem mesmo no auge da crise internacional em 2008.

Há, é claro, limites para esse movimento. O aumento ininterrupto da popularidade esbarra na reação dos opositores, que se tornam mais combativos à medida que se sentem mais acuados. Os segmentos recentemente incorporados às maiorias da aprovação são menos convictos do que aqueles apoiadores de longa data. Suas motivações são menos sólidas.

A nova radical idade da oposição, somada à volatilidade do "neogovernismo", bastaria para explicar as quedas observadas. Mas não parece ser a única explicação.

Quando no fim de 2012 ficou nítido que o grande circo armado em torno do "julgamento du século" havia sido incapaz de alterar os prognósticos para 2011, as oposições, especialmente seu braço midiático, assestaram suas baterias para novos alvos e foram atacar a competência do governo. Passaram o primeiro semestre de 2013 em dedicação exclusiva e tempo integral na missão de desconstruí-la.

Seu maior sucesso foi transformar uma situação crônica, mas relativamente administrada, com a qual convivemos há mais de 15 anos, em problema agudo e urgente: a inflação. De tanto insistir no risco de "explosão inflacionária", o coro da mídia oposicionista ampliou o tamanho da parcela da sociedade sempre assustada com a "carestia".

Segundo os dados da pesquisa Vox Populi/CartaCapital, 92% dos entrevistados perceberam que os preços aumentaram nos últimos meses e 72% esperam que continuem a subir nos próximos. Ou seja, para uma significativa maioria, a situação econômica se deteriorou e tende a piorar no futuro imediato.

Metade dos entrevistados diz preocupar-se "muito" e outros 38% se "preocupam, mas não muito" com a inflação. Em maior ou menor intensidade, mostra a pesquisa, 88% da população não está tranquila com o risco do "retorno da inflação".

Quanto desse sentimento é pura subjetividade e quanto é fato objetivo? Quem olha o conjunto dos indicadores da economia brasileira não tem dúvidas: a maior parte guia-se por temores artificialmente estimulados.

A construção da inflação como "ameaça iminente" provoca (ou aguça) sentimentos raros nos últimos tempos, quase desaparecidos: de insegurança em relação ao futuro e ã capacidade do governo de resolver os problemas do País.

A população brasileira conhece bem a sensação: experimentou-a com José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Para ficar apenas no último, quem não se lembra do sobressalto com a volta da hiperinflação e o racionamento de energia no segundo governo do tucano?

Dois episódios encarregaram-se de ampliar a sensação difusa de insegurança de maio para cá: os boatos a respeito do fim do Bolsa Família e a temporada de caos urbano em São Paulo. Esta começou com manifestações inteiramente comuns na democracia, contra aumentos nos preços das passagens de ônibus (assim contribuindo para tornar mais consistente o "medo da inflação"), mas logo virou um quebra-quebra c estimulou imagens assustadoras na cobertura dos canais de televisão.

Quem ganha com o aumento da insegurança da sociedade? Os porcentuais de popularidade perdidos pelo governo se transformam cm algo positivo pai a alguém?

Não, sugere a pesquisa. Em parte pelo fato de o processo de perda não ser grande e parecer limitado. Também pela ausência de uma oposição com credenciais para capitalizar o desgaste. De seus possíveis candidatos, alguns têm um passado bastante pesado para carregar, en quanto outros inexistem para a vasta maioria do eleitorado.

O caso mais complicado é o do PSDB. Embora houvesse se aproveitada do tempo integral da propaganda partidária nacional e de boa parte das inserções nos estados, Aécio Neves mostrou crescimento pequeno entre março e junho. Subiu somente 4 pontos porcentuais, de acordo com o Datafolha. Nesta pesquisa, varia de 4% a 15% das intenções de voto, a depender do quadro de concorrentes,

Se a primeira janela de mídia partidária foi-lhe tão pouco proveitosa, como esperar um crescimento nas duas vindouras (no segundo semestre deste ano e no primeiro de 2014), as únicas antes de começar o período da propaganda eleitoral gratuita, em agosto do próximo ano?

Com todos os acontecimentos desses primeiros seis meses de 2013, o saldo para Dilma Rousseff e o governo só pode ser considerado satisfatório. No fundo, é a oposição que deveria se preocupar. Quem acumula mais de 50% de intenções de voto, equivalentes a quase 62% dos votos válidos, tem muitos problemas a menos.

E as manifestações populares dos últimos dias? Por enquanto, é impossível estimar suas consequências eleitorais. De um lado, falta-lhes sentido político direto, pois a maioria dos participantes parece orgulhar-se de um vago viés apolítico. De outro, exatamente por isso, não favorecem ou prejudicam os candidatos reais na disputa, por mais que a direita queira se apropriar dos protestos.

Em 5 de outubro de 2014, os eleitores terão nomes concretos dentre os quais escolher, cada um com seu passado e suas propostas para o futuro. Até aqueles que são "contra tudo e contra todos" terminarão por fazer uma opção.

ENGRAÇADO DESDE SEMPRE

CL. GENTE BOA - O GLOBO - 24/06/2013

Ney Latorraca conta histórias de sua vida em gravação de programa para o Canal Brasil, que vai ao ar em agosto


HOLOFOTE. Ney Latorraca na gravação do programa: “Quando era pequeno, virei atração da vila onde morava”

Ney Latorraca tem “ódio”
da TV de alta definição.
“A linda Paolla Oliveira
tem um cravinho que vira uma
coisa enorme na tela”, dizia ele,
na gravação do programa Palco
& Plateia, do Canal Brasil,
que vai ao ar em agosto.

Uma brincadeira dos pais, que
diziam tê-lo adotado, fez Ney
ter a primeira experiência de representar.
“Para me vingar, eu
fingia receber uma entidade”.

“Virei atração da vila e aproveitava
para pedir pão, leite...”,
brinca ele, contando que sua família
estava dura, enfrentava dificuldades
financeiras.

“Quando melhorei de vida, mamãe
encheu a casa de freezers,
tudo lotado de comida”. Numa
temporada de “Hair”, Ney pedia
esmola na porta do teatro. “Ele
dizia: ‘Me pagam muito mal’”,
lembrava José Wilker, apresentador
do programa.

Encontros - Lígia Cortez

"Por ser uma atividade de corpo presente, o teatro provoca embates"

 Direto da Fonte - Sônia Racy

 O Estado de S. Paulo - 24/06/2013

 

Lígia Cortez arranca, há pouco mais de quinze dias, aplausos do público no Sesc Pinheiros. O motivo é sua atuação em A Dama do Mar, de Henrik Johan Ibsen - peça adaptada por Susan Sontag e dirigida por Bob Wilson, que fica em cartaz em São Paulo até o dia 7.

O diretor norte-americano está em um relacionamento sério com o Brasil desde o ano passado, quando começou a trazer seus espetáculos para cá. A Dama do Mar foi o primeiro realizado com atores brasileiros. Para Lígia, a experiência foi intensa. A preparação da personagem Élida exigiu da atriz oito horas diárias. "Foi um processo diferente do que eu estou acostumada", conta. "Mas tem sido maravilhoso.”

O desafio de interpretar o papel moveu a atriz a mergulhar em reflexões colocadas pelo autor. "A peça aborda a questão de um desejo de liberdade que é universal", diz. "Élida é uma mulher desambientada, que não foi aceita. Ninguém se debruçou sobre o universo dela, ela que tinha que se adaptar".

Além de atriz e diretora, teatral Lígia também é diretora artística da Escola Superior de Artes Célia Helena, do Célia Helena Teatro-escola e da Casa do Teatro. "Sou uma pessoa do teatro. Meus pais eram atores", ressalta, lembrando o legado de seus pais, Raul Cortez e Célia Helena.

Uma das principais educadoras da área teatral do País, ela acredita que é preciso ter uma política cultural para esse incentivo. "As universidades públicas, em todo o País, estão abrindo um departamento de artes cênicas. Isso vai mudar, a médio prazo, todo o panorama cultural no Brasil", explica. E defende: “O teatro mexe com estruturas. Nesse sentido, acho que mantém uma linha, sim, de contravenção, mas também tem uma linha muito forte: a de que o ser humano precisa ouvir histórias. E quando uma história é bem. contada ao vivo, ninguém esquece. É muito difícil esquecermos de uma peça de teatro boa".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Ibsen escreveu a peça em 1887, Susan Sontag adaptou para a década de 90. As questões apresentadas no texto, sobre os conflitos do casamento, o desejo de liberdade, o senso de família ainda assombram as mulheres?

Muito. Acho que a peça trata de um desejo de liberdade que é universal. Esse sentimento talvez não exista, senão na forma de desejo. A liberdade, é algo bem discutível, mas a questão da mulher ainda está muito presente como um conflito. As mulheres conquistaram muitas coisas, mas, em diversas situações, ainda são um apêndice social do homem. Falar sobre desejo também não é uma questão fácil para ninguém, tanto homens quanto mulheres. Acho que a peça, de alguma forma, aborda tudo isso de uma maneira bastante profunda.

O conflito de sua personagem, Élida, é recorrente em várias obras, literárias e cinematográficas. Você acredita que o desejo na figura da mulher reflete algo pejorativo?

Muitas vezes. Realmente tem uma coisa extremamente pejorativa quando entra nessa relação com a mulher. Às vezes - a peça fala um pouco disso também -, a questão com que o homem precisa manifestar o seu poder. Élida é uma mulher desambientada, que não foi aceita. Ninguém se debruçou sobre o universo dela, ela que tinha que se adaptar.

Como foi a preparação para interpretar esse papel?

Foi muito intensa e diferente do que eu estou acostumada. Além disso, a parte coreográfica é essencial para o Bob - a limpeza, a rigidez de movimentos. Foram oito horas de preparação diária. Mas esta foi uma experiência maravilhosa. Porque ele é um diretor que deixa ator trabalhar.

E a sinergia do elenco?

Demais. Eu já conhecia alguns integrantes do elenco. Todos têm uma trajetória enorme no teatro. Então, foi criativamente muito intenso.

Bob Wilson tem desenvolvido e apresentado muitos trabalhos no Brasil. Há uma tendência de diretores estrangeiros virem para cá mostrar sua arte?

Antigamente tínhamos poucas oportunidades de ver coisas estrangeiras. Hoje temos o Sesc, que é um grande fomentador das artes cênicas em SP. Política cultural de nenhum governo fez o que Sesc faz.
Como foi o trabalho com ele?

Eu já tinha visto muitas coisas do Bob. Isso me deu uma sensação engraçada, de que eu já o conhecia. O artista, às vezes, se coloca tanto, que a gente se sente um pouco íntimo dele. O trabalho foi muito bom. Entramos em uma sintonia ótima. E meu trabalho é diferente, venho de uma linha de muita interioridade. Então, quando me chamaram para o teste eu pensei: "será?" Mas foi um encontro maravilhoso.

Gostar de teatro é uma questão de educar o olhar?

Totalmente. Quem nunca foi ao teatro nunca vai “precisar ir”. Cultura é algo que você passa a precisar depois que tem um contato com ela.

Você acredita que ainda existe, no Brasil, um estereótipo do teatro como uma arte considerada “marginal”?

Existem duas vertentes: o teatro enquanto linguagem artística - que pode trazer muito crescimento na formação de uma pessoa. E, neste sentido, existir uma formação sólida é fundamental, que proporcione a parte técnica e conceitual. É essa preocupação que temos na faculdade. A outra questão é artística. O teatro lida com coisas que são novas, que são caóticas. O teatro desorganiza. E, por ser uma atividade de corpo presente, existe um embate, que muitas vez pode ser de ideias, ou político, ou de questões de comportamento. Não há como dizer que o teatro não é uma arte.

Provocativa.

Exatamente. Que mexe com estruturas. Acho que mantém uma linha, sim, de contravenção. No entanto, também tem uma linha muito forte: a de que o ser humano precisa ouvir histórias. Quando essa história é bem contada ao vivo, ninguém esquece. É muito difícil esquecermos uma peça de teatro boa. A gente esquece filme, mas peça nunca.

Fala-se muito nos preços dos espetáculos. O que você acha da meia-entrada?

Há um abuso da meia-entrada, que faz com que todo mundo pague um preço. Por conta disso, o ingresso fica mais caro. É tanta meia-entrada que a meia-entrada vira quase o valor do ingresso. Acredito que, antes de discutir isso, temos que levantar a dificuldade que é sustentar um espetáculo sem apoios. Precisamos de uma política cultural de governo, de novos espaços, de novas propostas. Hoje o espetáculo tem que estrear pago, senão toma prejuízo.

E o que acha da nossa política cultural voltada para o teatro? Existe algum formato de incentivo que poderia ser implementado no País?

Acho que tem coisas muito boas acontecendo. A Lei do Fomento, por exemplo, fez com que muitos grupos novos aparecessem. Entretanto, a verba destinada à cultura ainda é muito baixa. É necessário um incentivo aos grupos que estão começando. Em São Paulo, acredito que faltem espaços públicos, teatros bem cuidados. A boa perspectiva é que universidades públicas, em todo o País, estão abrindo um departamento de artes cênicas. Isso vai mudar, a médio prazo, todo o panorama cultural no Brasil.