domingo, 23 de junho de 2013

Bonito - Caetano Veloso


 O Globo  

 23/06/2013

Os recuos — primeiro na repressão e, depois, no preço das tarifas dos ônibus — reafirmam, em vez de desmentir, a falta de inspiração dos governantes

Acabo de chegar a Natal e, ao abrir o Yahoo para ler e-mails, fico sabendo que Dilma não vai ao Japão agora porque as movimentações das ruas brasileiras demandam sua presença. Um amigo me escreve que ela vai reunir-se com os ministros. Outro me reenvia um longo texto em que uma moça de São Paulo mostra-se paranoica com os usos a que o movimento está se prestando: para ela, palavras de ordem “vazias”, tipo “abaixo a corrupção”, revelam um conservadorismo velho conhecido. Pelo que ela diz, a agenda do MPL foi esquecida, afogada no estilo anódino que as manifestações ganharam desde que a mídia decidiu incentivá-las em vez de rechaçá-las, como tinham feito a princípio. Ela descreve aspectos nada anódinos do fenômeno: nota que ninguém agredia o governador Alckmin, enquanto muitos insultavam os nomes de Dilma e Haddad. Diz-se de esquerda e teme um golpe, alertando para o fato de que a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil é a mesma que servia no Paraguai quando do “golpe contra Lugo”. Lendo rápido, observo, de cara, que ela nada diz sobre os cartazes de protesto contra a PEC 37. Para não falar de frases como “Meu cu é laico”.

É interessante ler o que ela narra de suas andanças pelas ruas, pontes e estações de metrô de Sampa. E a desconfiança de que as manifestações podem estar sendo roubadas por forças da direita não soa absurda. Mil posturas podem aparecer em meio a essas multidões. E uma saída às ruas de tão grande número de pessoas (e a simpatia da maioria da população por elas) pode produzir efeitos importantes. E isso mais no Brasil (e nos países árabes) do que nos EUA ou na Inglaterra. É o monstro de Gaspari/Juscelino. Até aqui, os governantes imediatamente atingidos reagiram mal. Alckmin e Haddad, num primeiro momento, mostraram fazer a mais errada das avaliações. Os recuos — primeiro na repressão e, depois, no preço das tarifas dos ônibus — reafirmam, em vez de desmentir, a falta de inspiração deles e dos outros que os seguiram. Vimos ruas demagogicamente despoliciadas e rebaixamento dos preços oferecidos como ameaça aos serviços de saúde.

Três outros textos que li (e, tal como o da paulistana, nem sequer pude digerir direito) falam igualmente da domesticação do grande acontecimento pela apenas um pouco tardia conversão da mídia (sobretudo a Rede Globo) a seu favor. Mas esses são textos mais intelectualizados. Neles encontrei, não um esboço de defesa do PT e dos governos “de esquerda” da América Latina, mas um depoimento do transe que foi ser arrastado pela imprevisível mobilidade flexível dos corpos na ruas do Rio. Um dos autores se vê sendo levado até a Alerj, sem que tenha tido tempo de pensar. Toda a sua linguagem exala um apaixonado foucaultianismo, a veraz narração de sua experiência (realmente forte como texto) vem eivada de palavras-chave do pós-estruturalismo francês: o “corpo” nietzscheano retomado por Deleuze e pela “política do corpo”, que ecoa nos livros de Toni Negri. A impressão que dá é de que o autor carioca deslumbra-se por estar vivenciando tudo aquilo que ele amava na literatura desses filósofos. Mas não que isso destrua a força da reavaliação dos atos ditos vândalos, praticados por aqueles encapuzados que vimos na TV, que seu texto sugere. Não. A gente percebe que a violência da destruição direta das ferramentas concretas do poder instituído tem papel propriamente político importante — e não apenas o de ser pretexto arranjado para justificar golpes.

Estamos no meio dessa complexidade fascinante, exaltante e aterradora. Vi os atos violentos em Salvador, direcionados sobretudo ao estádio de futebol. A polícia afastou os manifestantes das imediações da Arena Fonte Nova (que, com meia casa, torcia acaloradamente pelo time da Nigéria), mas no centro da cidade o tema dos gastos com os eventos esportivos dava a tônica. Na véspera, eu tinha assistido àquele passe de Neymar que resultou no segundo gol do Brasil contra o México. Neymar saiu do armário. O drible que ele deu nos adversários antes de passar, com precisão absoluta, a bola para Jô golear, foi tudo o que desejamos que qualquer coisa produzida por brasileiros seja. Com os ânimos divididos, dentro da gente, com relação à preparação do país para a Copa, entre simplesmente apoiar o gesto que esboça demolir os estádios (pelos modos suspeitos como foram erguidos, pela omissão de possível contaminação de áreas a eles adjacentes, pelo, enfim, mero fato de que outras prioridades gritam) e torcer pelo renascimento da grandeza de nosso futebol, o jogo de Neymar ensina que o movimento emaranhado das ruas tem de achar o jeito inspirado de acertar no melhor. Que saibamos chegar ao mais bonito.


Entrevista: Eduardo Giannetti da Fonseca

O Estado de S.Paulo - 23/06/2013

‘O BRASILEIRO TEM ESPINHA DORSAL E ELA NÃO É UMA MARIA-MOLE’

País estaria dando uma resposta à sucessão de desacertos da política econômica que somam inflação em alta, baixo crescimento, ressaca de consumo e infraestrutura precária

Alexa Salomão

O economista e cientista social Eduardo Giannetti da Fonseca acredita que há um nítida ligação entre as manifestações que tomaram conta do Brasil e a má gestão da economia. “O governo represou o aumento da tarifa e, quando liberou, coincidiu que a inflação está alta.” Na entrevista a seguir, Giannetti explica como o governo terá de rever a condução da política econômica e a relação com o cidadão, hoje muito distante, se quiser reverter a situação.

O que provocou as manifestações?
Muitos elementos se combinaram. O primeiro deles foi retardar o reajuste da tarifa de transporte público para segurar a inflação. O governo represou o aumento e, quando liberou, coincidiu com o momento em que a inflação está em alta e as pessoas estão endividadas. Como os serviços tiveram uma alta grande, a inflação para as famílias é muito maior do que a inflação oficial. Há restrição orçamentária neste momento. A aposta desastrada no carro particular também pesou. O governo fez um movimento agressivo para estimular a venda do automóvel com a crise, em 2008, mas não investiu na infraestrutura para acomodar o aumento da frota. Para quem comprou, o carro era para ser o instrumento de liberdade individual, mas virou um cárcere privado e uma câmara de estresse. Com mais carros, as cidades vivem a angústia diária da mobilidade imóvel. Outro elemento foi a truculência da repressão na quinta-feira passada (13/06) em São Paulo. Muita gente que não estava disposta a se engajar aderiu porque ficou indignada A visibilidade do Brasil na Copa das Confederações ajudou. O Brasil está na vitrine, o que abre espaço para se constranger os governantes e maximizar a reivindicação. Junte tudo isso e teremos um ambiente propício para a revolta.

Qual é a alternativa do governo para
amenizar as manifestações se elas
continuarem?

Eu acho que uma reforma ministerial é inevitável. Os protestos, sem dúvida, reforçam as fragilidade na condução da política econômica. Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), um pragmático, já fala abertamente isso.

Faltou, então, visão ao governo?
Faltou estratégia. Esse governo reage caso a caso. Criou tantas incertezas em relação às regras do jogo
que é temerário investir no País hoje. Os empresários se perguntam: ‘Será que a isenção que recebi vale daqui a quatro anos? Será que a proteção tarifária que eu consegui no lobby em Brasília permanece? Será que o crédito subsidiário que estão me oferecendo fica?’. Ninguém sabe. A política econômica
não tem um norte. Para controlar a inflação e favorecer a compra do carro, o governo eliminou a Cide, a contribuição cobrada sobre o preço da gasolina para financiar a infraestrutura de transporte. Eu fui olhar os números. No acumulado, deixamos de arrecadar R$ 22 bilhões desde 2008. O custo acumulado do não reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo, até o final da gestão Haddad (Fernando Haddad, prefeito de São Paulo), será de R$ 2,6 bilhões – um décimo. Se o dinheiro da Cide tivesse sido investido na infraestrutura de transporte público, estaríamos em outro patamar.

Faltou, então, visão ao governo?
Faltou estratégia. Esse governo reage caso a caso. Criou tantas incertezas em relação às regras do jogo
que é temerário investir no País hoje. Os empresários se perguntam: ‘Será que a isenção que recebi vale daqui a quatro anos? Será que a proteção tarifária que eu consegui no lobby em Brasília permanece? Será que o crédito subsidiário que estão me oferecendo fica?’. Ninguém sabe. A política econômica não tem um norte. Para controlar a inflação e favorecer a compra do carro, o governo eliminou a Cide, a contribuição cobrada sobre o preço da gasolina para financiar a infraestrutura de transporte. Eu fui olhar os números. No acumulado, deixamos de arrecadar R$ 22 bilhões desde 2008. O custo acumulado do não reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo, até o final da gestão Haddad (Fernando Haddad, prefeito de São Paulo), será de R$ 2,6 bilhões – um décimo. Se o dinheiro da Cide tivesse sido investido na infraestrutura de transporte público, estaríamos em outro patamar.

A classe C foi beneficiada pelo governo porque teve aumento de renda e ascendeu no consumo, mas também está nas ruas protestando. Ela não deveria estar satisfeita?
Cerca de 37 milhões de brasileiros mudaram de categoria de renda em 10 anos. É ótimo. Mas agora começamos a sentir o que isso representa. O governo esqueceu que essa nova classe média ascendeu ao consumo, mas também tem mais acesso à informação. Tem internet. Tem uma consciência mais clara de que paga impostos e pode cobrar serviços compatíveis com essa contribuição. Esse novo grupo demanda automóveis, transporte aéreo, eletrodomésticos, educação. Veja só: cresceu a demanda por automóveis e o governo ajudou, reduzindo o IPI, facilitando o crédito. Mas não foi feita a outra parte, os investimentos na infraestrutura urbana para suportar o aumento da frota. Transporte aéreo: há mais pessoas com dinheiro para viajar de avião, mas sem a estrutura aeroportuária é um caos embarcar e desembarcar. Eletrodomésticos: o Brasil se tornou um dos cinco mercados de aparelhos elétricos do mundo – vendemos mais geladeiras, microondas, freezers. Mas se a economia tivesse crescido no ano passado, tinha tido apagão. A sorte – se é que isso é sorte – foi que o baixíssimo crescimento evitou um colapso. Moradia: o Minha Casa, Minha Vida é a cereja no bolo do PAC, e onde está o saneamento básico? E há ainda o caso grave da educação. A nova classe média vê na educação uma credencial para continuar ascendendo socialmente, mas se não houver um controle de qualidade, as escolas privadas vão virar um balcão de negócios. Percebe que há um padrão? A demanda infla, mas não há consistência na oferta. Aquilo que exige poupança e investimento, que não seja um anseio imediato, não está sendo atendido.

As manifestações vêm em um momento já complicado para o governo: os indicadores econômicos estão piorando e há eleição no ano que vem...
O governo já vinha perdendo popularidade e agora isso se acentua. O capital político do governo da Dilma está em depreciação.

Apenas o da Dilma?
Pega principalmente o governo federal. No fundo é a democracia brasileira e os órgãos de poder que estão se desgastando. Deixaram de nos representar. Temos um Executivo tecnocrata e um pouco autista, com 39 ministérios, inoperante, que não consegue fazer as concessões acontecerem e tem muita dificuldade de deslanchar os investimentos prometidos. Eu chamo o PAC de Plano de Abuso da Credulidade. O Congresso Nacional virou um balcão de negócios de onde só saem coisas ruins, sem compromisso com o País.

O que ocorre se o mercado de trabalho
virar e houver desemprego?

Já temos crescimento baixo, inflação pressionada e deterioração das contas externas. Se acrescentarmos o desemprego, haverá um estress social adicional e o quadro piora. Poderíamos ter tido políticas de geração de emprego mais inteligentes durante a crise. Por exemplo, investir em infraestrutura para criar as bases de um crescimento sustentado.

O fim dos 20 centavos de reajuste
da passagem vai tirar a força das manifestações
ou elas tendem a migrar
para outras causas?

O Brasil é pródigo em explosões efêmeras de indignação. Mas minha intuição me diz fortemente que tende amigrar para outras causas. Os manifestantes foram vitoriosos. Os protestos, basicamente, mostraram que o brasileiro tem espinha dorsal e que ela não é flexível. Não é uma maria-mole.

Mas o governo vai ter caixa para
atender novas demandas, em áreas
como saúde e educação?

Vai ter de ter. A carga tributária do Brasil é de 36% do PIB. Cerca de 40% da renda gerada pelo trabalho dos brasileiros transita pelo governo – União, estados e municípios. Como é que os nossos serviços públicos são o que são? Essa é a pergunta fundamental dessa brincadeira toda. Gasta-se muito mal.

Criou-se um novo cenário eleitoral?
O cenário ficou bem mais aberto.

O sr. apoia a Marina Silva. Como a
situação repercute para eventuais
candidatos fora do poder?

Acredito que os 20 milhões de votos que a Marina recebeu foram apenas o prenúncio da insatisfação que hoje vemos nas ruas.

Eduardo Giannetti da Fonseca Economista associa temas cotidianos com teoria econômica
Mineiro de Belo Horizonte, cursou economia e ciência social na Universidade de São Paulo e o doutorado em economia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Foi professor em ambas instituições. Seus artigos e livros têm a peculiaridade de estabelecer relações entre temas cotidianos e psicológicos com a teoria econômica

SEM VERGONHA... de protestar

 Zero Hora - 23/06/2013

A garota que parou o Congresso em 2001 ao sair nua contra o governo FHC ainda espera construir um Brasil socialista

Na semana em que caras, pintadas ou não, ajudaram a desenhar o maior movimento da juventude brasileira dos últimos 20 anos, alguém aí se lembra da "bunda-pintada"?

Carla Taís dos Santos, 33, ou Carlinha, para os mais chegados, recorda-se como se fosse ontem do dia em que "parou tudo" em Brasília, ao desfilar nua em frente ao Congresso Nacional.

Era 2001. A garota tinha 21 aninhos --e atributos típicos da idade, por exemplo os bem distribuídos 56 quilos, um generoso painel para abrigar frases do tipo "CPI Já".

Ao tirar a roupa contra o segundo governo de FHC (1999-2002), Carla, então presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), ganhou fama nacional de "bunda-pintada".

Na semana passada, ela participou de uma manifestação em Novo Hamburgo (RS) que fechou a BR 116.

Dessa vez, ou seja, 12 anos depois da nudez, de roupa.

Considera a redução das tarifas uma grande vitória que deve ser comemorada e "servir de impulso para mais organização e novas conquistas", embora "ainda não inverta a lógica das máfias do transporte". Rechaça a proibição ou hostilidade às bandeiras de partidos nos atos.

"É um absurdo. Lutamos por 21 anos contra uma ditadura que fez exatamente o mesmo. Está na contramão da liberdade de expressão tão defendida nos protestos."

Acha que a depredação de bancos, grandes redes de lojas e ônibus não se justifica, mas "se explica". "Serão os empresários que mais lucram que pagarão a conta."

Já a do patrimônio público, "não faz o menor sentido, pois, além de ser mais um dinheiro que deixará de ser investido na educação e na saúde, divide e afasta o movimento". Só serve ao "prazer egoísta de quem se acha ultrarrevolucionário".

'TAPA-TETA'

Formada em letras pela USP, Carla hoje assessora uma das diretoras da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Rosana dos Santos Alcântara. Jura que o cargo não é "boquinha", tampouco cota do PC do B, partido ao qual ela é filiada. "Mandei meu currículo para diferentes pessoas, e a Rosana conhecia minha história de orelhada."

Só de orelhada? "Hoje, sou uma outra mulher", diz, mas os sonhos continuam os mesmos da época de "bunda-pintada". "Se mudanças não começarem a acontecer, a rua continuará a aumentar o volume de seu grito. E eu estarei em todas as manifestações com a perspectiva de construir um Brasil socialista."

Ok, mas pretende ficar pelada de novo? "Tirar a roupa sempre me pareceu um gesto natural", filosofa Carla, que hoje só se despe para o namorado, com quem está há três meses, ou numa praia de nudismo, "pra extravasar".

Recorda-se, então, daquele momento que precedeu à nudez de Brasília. "Diante do Congresso, os manifestantes da Ubes precisavam de um desfecho para o protesto." Uns sugeriram velas; outros cogitaram "enterrar" um boneco de FHC, ideias que demandavam tempo e, é claro, uma corridinha ao mercado.

"Me lembrei de protestos na Europa em que as pessoas tiravam a roupa. Vamos ficar pelados", disse, para o espanto dos garotos. "Eu fico!" O carro de som virou camarim. Em cinco minutos, estava pintada de guache.

Quando saiu, surpresa! Cadê os peladões? "Rodei a baiana. Agora que estou aqui, vou até o final", disse.

A imagem estampada nos principais jornais do Brasil e do mundo derrubou a máxima de Andy Warhol: em vez dos 15 minutos de fama, o espetáculo de Carlinha na capital do país durou 20.

Com uma bandeirinha da Ubes cobrindo os seios, entrou no espelho-d'água do Congresso e organizou os estudantes para formar a palavra CPI deitados no gramado.

E por que raios escondeu os peitos? "Desde menina, tenho complexo dos meus seios. O que me incomoda é a forma. Acho caído. Nunca gostei dessa parte do meu corpo", diz Carla, em sua casa, numa vilinha no centro do Rio, onde vive desde março.

COMUNISTA TEEN

Apesar dessa relação, digamos, delicada, foram os seios que "empurraram" Carlinha para a política. Gaúcha de Campo Bom (RS), a "menina da roça", então com 11 anos, não curtia o uniforme da escola. A blusa apertava os peitos, motivo para ela organizar um abaixo-assinado.

Assistia à aula de matemática, quando foi chamada à diretoria para ser expulsa sob a alcunha de "comunista", baita palavrão na época.

Demorou menos de um ano para a "comunista" se infiltrar em grupos culturais, se amarrar na história de Olga Benário e assumir de fato a verdadeira identidade. Em novembro de 1999, Carlinha, que, quando menina, sonhava ser bailarina do Bolshoi, finalmente livra-se das aspas e torna-se comunista ao ingressar no PC do B.

Assim como o primeiro sutiã, que soltou a alça e machucou a menina aos 12 anos, o primeiro "livro comunista", ela nunca esquece: "30 Anos de Confronto Ideológico: Marxismo x Revisionismo".

Sem entender ao certo o que tudo aquilo significava, pintou, antes do corpo, a cara em protesto contra o presidente Collor. "Até meus pais, que votaram nele, me incentivaram a participar da passeata", lembra a gaúcha.

Filha de um mecânico e de uma comerciante, Carlinha tem uma irmã mais nova, de 29 anos, que é modelista.

Mas a guria mais velha sempre foi uma "rebelde com causas". No final de 99, já como presidente da Ubes, fugiu de casa, ao inventar que iria a um seminário de educação em Goiânia. Veio parar em São Paulo, onde dividiu uma república com 11 rapazes no bairro da Aclimação. Vivia na pindaíba, dura que só, à base de doações da entidade.

A "bunda-pintada" repercutiu, mas o que pintou de concreto? "Pintaram umas baixarias", brinca Carlinha, que chegou a ser assediada à época por congressistas. "Virei motivo de gozação: a peladona do PC do B, a banda pelada do partido", conta.

Qualquer bunda com outro sentido estava valendo, mas a dela era um problema. "Preconceito contra uma bunda politizada. Nunca quis virar celebridade. Meu sonho sempre foi e continua sendo fazer revolução no Brasil."

Como filiada a um partido que faz parte da base aliada do governo, acha que o PT está "fazendo uma revolução ao criar condições para isso". Lula é o "melhor presidente que o país já teve". Dilma representa "as mulheres no poder", mas "precisa de mais diálogo com os movimentos sociais". Mensalão? "Não há provas concretas nos autos."

"Libertária comunista" --assim se define--, é a favor do aborto, da legalização da maconha e da união homoafetiva. Não esconde discreto orgulho ao assumir que ainda desperta nos homens um "fetiche de pegar a Carlinha", aquela da "bunda-pintada".

Opiniões - Fábio Porchat


Dois chocolates e a conta com...HARRY LOUIS

O Globo - 22/06/2013

POR MARCELLA SOBRAL
marcella.sobral@oglobo.com.br


Harry Louis ficou conhecido por aqui quando
começou a namorar o estilista nova-iorquino Marc
Jacobs, em novembro de 2011. Mas, lá fora, o rapaz,
que nasceu numa cidade de Bambuí, de 20 mil
habitantes, em Minas Gerais, já era uma celebridade
— uma estrela da indústria de filmes adultos gays,
tendo participado de 32 produções. Há dois meses,
Harry saiu de seu apartamento em Londres para
abrir sua primeira loja de chocolates artesanais no
Rio, a HL Chocolates: “Não estou aqui de vez. Aliás,
eu não moro de vez mais em lugar algum.” Apesar
do pouco tempo na cidade, Harry poderia receber o
título honorário de Garoto de Ipanema. Tirando o
topete irretocável e um sotaque quase chegando à
Marginal Tietê, ele já aprendeu direitinho como ser
feliz no Rio de Janeiro. Trabalha em casa, vai à praia
todos os dias e tem um perfil bombado no
Instagram com quase 28 mil seguidores, repleto de
corpos sarados . A primeira coisa que ele fez, aliás,
foi tirar uma foto nossa — antes, teve que deletar
um dos 16 mil arquivos da memória do telefone.
Entre fotos, trocas de mensagens de voz e
filminhos, 4.162 são só com Marc.

REVISTA O GLOBO Onde você aprendeu a fazer chocolate?

HARRY LOUIS:
Os chocolates são uma receita caseira da minha avó,
Maria Celeste. Sempre gostei de cozinhar. Meus amigos me chamam
de Mama Harry. Sou superfamília, aliás. Tenho meus pilares,
que são a minha avó, a minha mãe, Kenia, minha irmã Cristiane
e Marilene, minha madrinha.

Seus chocolates hoje não têm nada de caseiros. São pequenas
joias. Dá até pena de comer.
 
Tem que comer, não pode ter pena. Assim vocês me quebram.
Foi na festa de aniversário do Lorenzo (ex de Marc) que as pessoas
ficaram sabendo dos meus dotes culinários. Fiz 300 chocolates
de cinco sabores diferentes, todos ficaram loucos. Para o Andrey
Leon Talley (editor da revista “Vogue”), naquele dia, era
Deus no céu e eu na terra. Quando ele viu que tinha mais, levou
um prato cheio de doces. Pensei que só brasileiro gostava de levar
quentinha.

Como você começou a fazer pornô?
 
Estava morando em Londres, tinha um perfil de pegação na internet,
me convidaram para fazer um casting, e eu fui. Em menos
de duas semanas, me chamaram. No primeiro filme, já tinha
feito meu nome. Todos queriam saber quem era aquele latino.

Foi a sua latinidade que mais chamou a atenção do público?
 
É lógico que foram os meus atributos. Acho que não foi a minha
carinha linda, não.

Tinha roteiro?
 
Não está escrito “ai-ai-ai”, “ui-ui-ui”. A única coisa que eu pedia
era que, se tivesse diálogo, que, pelo amor de Dadá, me entregassem
uns dois dias antes, porque na hora você tem que se preocupar
com outras coisas, né?

Você deixou a carreira quando começou a namorar o Marc?
 
Em 2011, eu já tinha decidido parar e abrir a minha própria produtora.
Mas meu sócio investidor era grego, e isso foi justamente
na época em que a Grécia quebrou.

Você mora no Rio e em Londres. Ele fica entre Paris e Nova
 
York. Dá para namorar assim?
A gente tem uma megaconfiança um no outro. Quando a gente
está away, sempre encontra tempo para ligar, mandar uma foto.
Ele está sempre me incluindo no que faz.

Você chegou aqui justamente na época do debate sobre a liberação
do casamento gay.
 
É uma sina. Sempre estou num lugar em que o casamento gay
está sendo aprovado. Cheguei na Espanha e liberaram o casamento
gay, em Londres, a mesma coisa. E agora aqui.

Você já encontrou alguém para cortar o cabelo por aqui?
Já, é do W, lá em São Paulo. Eu postei uma foto depois de cortar o
cabelo, e o David, o meu cabeleireiro lá de Londres, botou uma
carinha triste no Instgram. Sorry, David.