quinta-feira, 24 de abril de 2014

ENTREVISTA/JANET BALASKAS » Em defesa do parto ativo

ENTREVISTA/JANET BALASKAS » Em defesa do parto ativo

Obstetra sul-africana defende que mulheres deem à luz na posição que se sentirem mais confortáveis. Segundo ela, o método promove a saúde física e mental das mães



Rodrigo Craveiro
Estado de Minas: 24/04/2014

 


"Em um parto ativo, a mulher tem liberdade para seguir seus instintos. Ela se movimenta, relaxa em qualquer situação que se sinta confortável e dá à luz em posição vertical, ou ajoelhada, de cócoras ou na água" 

"Existe uma guerra entre a maioria dos obstetras e as mulheres brasileiras que querem um parto natural, quando deveria haver parceria e cooperação"  
Em 4 de abril de 1982, uma obstetra sul-africana organizou uma passeata no norte de Londres, durante a qual 60 mil pessoas exigiram o direito da mulher a dar à luz em qualquer posição que escolhesse. O chamado Movimento pelo Parto Ativo acabava de ser criado por Janet Balaskas, uma das mais respeitadas do mundo na área. Foi uma resposta à dificuldade imposta pelo Hampestad’s Royal Free Hospital, que obrigou uma gestante a assinar termo de responsabilidade, isentando quatro parteiras de culpa, quando ela tentava dar à luz em quatro apoios.

No fim, ela cedeu e o parto ocorreu na posição ginecológica. “Eu não fazia a menor ideia de que seria a fundadora do movimento. Ainda acho isso inacreditável”, afirmou Balaskas ao Estado de Minas, durante a passagem pelo Brasil. Em entrevista, ela assegurou que o parto ativo é o mais natural método de concepção e enumerou benefícios para a mãe e o bebê.

Balaskas também criticou a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul, que, no fim do mês passado, determinou que uma gestante teria que se submeter à cesariana, mesmo contra a própria vontade. “Eu entendo essa situação como uma violência obstétrica”, comentou. No último dia 10, a sul-africana Janet Balaskas visitou a Casa de Parto de São Sebastião, no Distrito Federal, e promoveu uma palestra na Universidade de Brasília (UnB), com a participação de Maria Esther Vilela, coordenadora do Programa Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde; e de Daphne Rattner, professora da UnB e presidente da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna).

Repercussão nacional

A Justiça do Rio Grande do Sul determinou, em 31 de maço, que Adelir Carmen Lemos de Goés, de 29 anos, fosse submetida, contra a vontade dela, a uma cesariana em um hospital de Torres, no litoral norte do estado. Ela estava grávida de 42 semanas e, segundo a juíza que expediu a decisão, Liniane Mog da Silva, “o bebê estava em pé no útero, sendo necessária uma cesariana, por indicação médica”. Adelir tinha a intenção de que o parto fosse natural. Ao ser atendida no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, ela foi informada da necessidade da cesariana, “quis deixar o hospital para fazer o parto em casa e assinou um termo de responsabilidade”. O Ministério Público foi acionado. Duas viaturas da Brigada Militar e uma ambulância buscaram a gestante em casa. Ela retornou ao hospital acompanhada de um oficial de justiça e foi submetida ao procedimento cirúrgico no dia seguinte. Não houve complicações no procedimento, mas Adelir reclama que teve a escolha do parto natural “roubada”.

Por que a cesariana desperta tanta polêmica e não é considerada o melhor tipo de parto?
Há vários tipos de cirurgia cesariana: a eletiva, aquela feita durante o trabalho de parto, e a de emergência. Atualmente, no Brasil, a taxa de cesarianas está próxima de 60%. É um índice bastante alto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que a taxa deve estar entre 10% e 15%. Quando esse índice ultrapassa 15%, os prejuízos são maiores que os benefícios. A cesariana traz riscos tanto para a mãe quanto para o bebê e, mesmo que ela seja às vezes necessária e que salve vidas, um parto como o que você descreve nesta pergunta é uma extração cirúrgica. Não é um parto. Todos os inúmeros benefícios que a natureza traz para a mãe e o bebê durante o processo de parto são perdidos.

Quais são esses benefícios?
Eles incluem os chamados hormônios do amor, que regem o nascimento. No momento do parto, mãe e bebê estão repletos desses hormônios e formam um vínculo forte, que é impossível de ser replicado em uma cesariana. Em um parto natural, o bebê nasce por meio de um ato de paixão e de amor, e a mãe faz sua entrada na maternidade em um estado de êxtase, sentindo-se bem e cheia de energia, em vez de ter que passar por uma recuperação pós-operatória de uma cirurgia de grande porte. A amamentação é mais fácil e mais bem-sucedida; a depressão pós-parto se torna muito improvável de acontecer, e a mãe achará mais fácil cuidar de seu bebê.

O que é o parto ativo e que benefícios ele representa para a mãe e o bebê?
Em um parto ativo, a mulher tem liberdade para seguir seus instintos. Ela se movimenta, relaxa em qualquer situação que se sinta confortável e dá à luz em posição vertical, ou ajoelhada, de cócoras ou na água. Ela pode se soltar e se entregar para o processo natural que vai parir o bebê. O parto não é algo que fazemos — ele acontece. Os principais benefícios são a ajuda da força da gravidade, que torna tudo menos dolorido para a mulher e mais fácil para o bebê; o suprimento de oxigênio para o bebê e para o útero é melhor; os diâmetros da pélvis ficam maiores; e as contrações uterinas se tornam mais eficientes.

Que tipo de precauções é preciso tomar durante esse tipo de parto?
Como não é um procedimento cirúrgico, um parto ativo não exige nenhum cuidado especial em relação à higiene, a não ser o bom senso. O bebê está naturalmente protegido pelas bactérias que estão no corpo da mãe, pois ambos compartilham dos mesmos fatores imunes. Provavelmente, é mais higiênico parir em casa, rodeada por bactérias familiares às quais a mãe e o bebê terão uma resistência natural. No parto, não somos diferentes dos outros mamíferos, e não ouvimos falar de infecções serem um problema comum entre os animais, ou no mundo selvagem.

Então, o parto ativo é o mais natural que existe?
O parto ativo não é nenhuma novidade. Não é um método. As mulheres vinham parindo de forma ativa por milhares de anos em todo o mundo — inclusive no Brasil —, antes de a cirurgia cesariana assumir. Parto ativo é apenas uma maneira de descrever um parto natural. Só há um tipo de parto, e os princípios de um parto ativo são universais e verdadeiros.

Uma gaúcha de 29 anos foi  obrigada pela Justiça a fazer uma cesariana contra a própria vontade. Como a senhora vê esse caso?
Eu entendo essa situação como uma violência obstétrica. Todas as mulheres têm o direito de consentir e de recusar qualquer procedimento feito em seu corpo. Se a cirurgia foi realizada sem o consentimento prévio dela, eu consideraria isso um abuso dos direitos humanos básicos. Isso aponta para a necessidade de uma melhor comunicação e colaboração entre as mulheres e os médicos, e uma compreensão muito mais profunda da fisiologia do nascimento por parte dos médicos e dos pais. No momento, existe uma guerra entre a maioria dos obstetras e as mulheres brasileiras que querem um parto natural, quando deveria haver parceria e cooperação. As mulheres, hoje, são muito mais informadas sobre o parto. Elas têm opiniões bem formadas e desejos em relação ao nascimento de seus bebês. Elas conhecem seus direitos. Penso que os médicos se beneficiariam muito se ouvissem o que as mulheres no Brasil estão dizendo e se tentassem oferecer mais apoio às que querem parir naturalmente, ao mesmo tempo em que oferecem apoio obstétrico quando necessário.

Em que culturas o parto ativo é considerado uma norma?
O parto ativo era a norma em todas as culturas antes do advento da obstetrícia moderna. No mundo de hoje, é difícil encontrar uma região onde ele seja a norma. No entanto, nos lugares onde há uma forte cultura para o parto natural, o parto ativo é parte fundamental. Em tais locais, os resultados geralmente são muito bons, com uma taxa de complicações muito baixa. O parto ativo é seguro, traz satisfação e promove saúde física e mental ótima para o recém-nascido. Isso dá ao bebê uma base de resistência a doenças e um sistema imunológico forte por toda a vida. Essa é uma das muitas razões pelas quais mulheres inteligentes e bem informadas queiram dar à luz naturalmente os seus bebês. Foi isso que me motivou no início. No Reino Unido, estamos em uma situação em que o parto ativo é comum, se não for a norma. Há muito respeito pelas mulheres que fazem essa escolha, e o sistema nacional de saúde lhes oferece, gratuitamente, condições e recursos para utilizar centros para parto normal e para o parto domiciliar planejado.