Deborah Berlinck
Enviada especial
ROMA
O futuro Papa - o homem que vai guiar estimados 1,2 bilhão de católicos
no mundo e comandar uma Cúria Romana dividida e indomável - terá que
ser um santo. Pelo menos no sentido figurado da palavra. Ao fim de quase
oito anos do conturbado pontificado de Bento XVI, marcado por
escândalos de pedofilia, disputas internas e até roubo de documentos
secretos, o fator que mais pesará na escolha dos 115 cardeais que vão se
reunir a partir de amanhã em Roma não será origem ou idade, mas mãos
limpas. Mani pulite , diriam os italianos.
Com
base nessa tese, Salvatore Izzo, especialista em Vaticano da Agência
Itália (AGI), conta já ter eliminado de sua lista de papáveis sete ou
oito cardeais que participarão do conclave:
-
O verdadeiro debate no momento diz respeito à santidade pessoal do
candidato. Esse vai ser o elemento principal. O candidato deve ser
absolutamente íntegro e acima de qualquer suspeita. Não apenas
comportamento pessoal, mas também se combateu de forma justa o fenômeno
da pedofilia.
Izzo não é o único. James Weiss, teólogo do Departamento de Artes e Ciências do Boston College, nos Estados Unidos, também diz:
-
Eles todos vão estar se perguntando quem está seguro. Seguro significa
quem está livre de chantagem, que não tem roupa suja, mas também quem
tem poucos inimigos (na Cúria) e que vai conseguir fazer o trabalho.
Pelo
critério de não ter muitos inimigos na Cúria, Weiss elimina dois
papáveis que figuram em muitas listas como fortes candidatos: Peter
Turkson, de Gana, e Christoph Schönborn, da Áustria. Segundo ele, os
dois "falaram demais" e têm inimizades internas.
ITALIANOS COM POUCAS CHANCES
Entre
os cardeais eliminados por Izzo, o mais óbvio é Roger Mahony, que
estará no conclave apesar de estar sendo investigado sob suspeita de ter
acobertado 129 casos de abuso sexual em Los Angeles. Nos EUA, a
organização Catholics United coletou dez mil assinaturas em um manifesto
exigindo que ele não participe da escolha do novo Papa.
Mas
Mahony resiste. E junto com ele, resistem os que acham que os pecados
da Igreja devem ser acertados com Deus ou pela Igreja, como o cardeal
William Levada. Este americano, que ocupou o mais alto cargo na Cúria
Romana (de 2005 a 2012, foi prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé), partiu em defesa de Mahony. "Existem alguns grupos de vítimas, para
quem o suficiente nunca é suficiente, por isso temos de fazer o nosso
trabalho da melhor forma que vemos... Mahony pediu desculpas por erros
de julgamento cometidos. Eu acredito que ele deveria estar no conclave",
escreveu.
Mahony
se apresenta como vítima de perseguição. Em seu blog, ele escreveu:
"Não me lembro de um momento como agora, quando as pessoas tendem a ser
tão críticas e até mesmo hipócritas, tão rápidas para acusar, julgar e
condenar ... O que aconteceu com a regra de dar aos outros o benefício
da dúvida até que se prove o contrário?".
O
ex-padre católico Tom Rastrelli - uma das vítimas de abuso sexual
-reagiu com indignação num blog no Huffington Post: "A mensagem
implícita para nós, vítimas de abuso, é: por que você (vítima) não pode
simplesmente nos perdoar e pôr um ponto final nisso? As vítimas com quem
eu falo querem justiça!"
Outro
eliminado da lista de Izzo é o cardeal primaz da Irlanda, Sean Brady.
Embora continue no comando da Igreja do país, o vaticanista diz que ele
"foi praticamente demitido", tendo seus poderes diminuídos pelo
Vaticano. Um documentário da BBC mostrou que Brady tinha nome e endereço
de crianças que estavam sendo abusadas por um padre, mas não revelou o
fato à polícia, nem aos pais das vítimas - escândalo que chocou a
profundamente Irlanda. Ele, porém, participa do conclave.
Godfried
Danneels, da Bélgica, também saiu da lista de papáveis de Izzo. Aos 79
anos, por pouco o belga não fica de fora do conclave: ele completa 80
anos, idade limite para votar, daqui a três meses. Conservador, o
cardeal, que comandou durante três décadas a Igreja na Bélgica, foi
flagrado recomendando a uma vítima de abuso sexual não divulgar o caso,
até que o bispo agressor, Roger Vangheluwe, se aposentasse. A vítima
gravou secretamente a conversa e divulgou para a imprensa. Depois, o
bispo admitiu o abuso e se demitiu. Na gravação, o cardeal dizia:
"Melhor esperar por uma data no ano que vem, quando ele vai renunciar.
Não sei se haverá muito a ganhar fazendo muito barulho sobre isso, nem
para você nem para ele".
O
vaticanista italiano também descarta o cardeal Vigário Geral de Roma,
Agostino Vallini, "que certamente é inocente, mas quem quando era bispo
de Albanom não transferiu de forma justa um sacerdote que depois se
matou". Ele elimina também dois outros cardeais italianos, Giuseppe
Betori, atual arcebispo de Florença, e seu antecessor na cidade, Ennio
Antonelli, que poderiam ser cobrados por casos de pedofilia sob a gestão
deles.
-
No caso de todos os cardeais que assumiram cargo episcopal na Itália,
há um problema: a lei italiana não prevê a denúncia obrigatória (de um
suspeito de pedofilia) - diz Izzo, para quem o único com maiores chances
seria Angelo Scola, arcebispo de Milão.
Para
o vaticanista, pelo critério das mãos limpas, os italianos em melhor
posição seriam os da Cúria Romana, embora não haja uma figura de
destaque.
Também
houve denúncias de casos de pedofilia na diocese de Sidney, ocupada
pelo australiano George Pell, outro cardeal integrante do conclave que
poderia ser eliminado. Pell criticara Bento XVI um dia antes da renúncia
ao dizer, numa entrevista à televisão australiana, que o Papa Emérito
foi um professor brilhante, mas governar a Igreja "não era o seu forte".
PROGRESSISTAS X CONSERVADORES
Para
Izzo, se a Igreja deve ir para as mãos de um Papa conservador ou
progressista será uma questão marginal neste conclave histórico após a
renúncia extraordinária de um Papa, algo que não acontecia há 600 anos.
Até porque, segundo ele, a divisão entre conservador e progressista não é
preto no branco.
-
Ratzinger, considerado um conservador, inovou a própria figura do Papa,
ao introduzir esta ideia de que um Papa não precisa esperar morrer para
deixar o cargo. Isso é um ato progressista, embora eu ache que um pouco
perigoso - opina.
Marco
Politi, outro vaticanista em Roma, afirma que, sem dúvida, há
diferentes correntes no conclave. Para ele, o problema é que depois de
tantos anos de "conformismo" sob o comando de um conservador como Joseph
Ratzinger, está difícil identificar quem é, de fato, reformador. Isto
é, quem estaria disposto a enfrentar questões espinhosas como a crise da
falta de padres, o debate sobre casamento de sacerdotes e o papel da
mulher na Igreja.
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Não sabemos o quão forte são os reformadores no conclave ou como pensam
os papáveis, porque nestes anos havia um clima de conformismo. Ninguém
dizia nada diferente do que dizia Ratzinger - disse, em entrevista à
rede de TV Euronews.
O
americano John Allen Jr, autor de diversos livros sobre a Igreja
Católica, entre eles, duas biografias de Joseph Ratzinger, disse ao
GLOBO que é uma ilusão imaginar uma mudança progressista com o olhar de
quem está fora da Igreja:
-
Estes sujeitos (os cardeais) não vão estar sentados fazendo debates
altamente ideológicos do tipo: devemos ou não ser contra o aborto?
Devemos ou não aceitar casamento homossexual? Não, não são essas coisas
que estão em jogo. Mudanças, como são definidas no mundo secular, não
estão na mesa. Eleição de Papa é sobre mudança de tom, não de
substância. Então, o que podemos esperar é isso: mudança de tom.