sábado, 24 de outubro de 2020

Vacina não é 'santinho' para ser distribuído antes da eleição - Fernando Reinach

Estamos entrando numa nova fase do combate ao Sars-CoV-2


O Estado de S.Paulo 


Estamos entrando numa nova fase do combate ao Sars-CoV-2 . Os resultados da Fase 3 de teste das diversas vacinas começarão a ser divulgados. (veja “Como Funciona um Estudo Fase 3 de uma Vacina” publicado no Estadão em 22 de julho)

Na Fase 3 os cientistas determinam a eficiência e os efeitos da vacina . Essa é a última fase de testes, mas também à primeira. Explico. Nas Fases 1 e 2 a vacina é aplicada em pessoas com o objetivo de descobrir se ela é segura o suficiente para ser testada em um grande número de pessoas durante uma Fase 3, mas nessas etapas não se tenta avaliar se ela confere aos vacinados alguma proteção contra infecção pelo vírus. Mesmo porque com o pequeno número de pessoas envolvidas isso seria impossível.


Assim, a Fase 3 é a última na qual se avalia a segurança de uma vacina e a primeira em que se avalia se ela realmente protege pessoas. É a primeira e única em que a eficiência da vacina é medida diretamente. Por esse motivo é impossível prever se uma vacina vai funcionar antes que ela termine. Uma maneira como as pessoas descrevem a Fase 3 cria a impressão de que é uma espécie de confirmação, um último ajuste antes da liberação. Isso não é verdade. A verdade é que não temos o mínimo ideia se uma vacina vai proteger as pessoas, e com que eficiência, antes da publicação dos resultados da Fase 3.

Para acelerar a oferta das vacinas duas medidas estão sendo atendidos pelos governos e empresas. A primeira é a decisão de órgãos regulatórios e da Organização Mundial da Saúde (OMS) de aprovar vacinas que protejam 50% ou mais dos vacinados (esse critério é geralmente 70% ou mais). A segunda é que fábricas de vacinas foram construídas e a produção de muitas delas está em andamento antes mesmo de os resultados da Fase 3 conhecidos. Isso é ótimo, mas todo esse investimento vai para o lixo se a vacina tiver capacidade de proteção menor que 50%.

O que vai acontecer então nos próximos dois meses? Provavelmente, o resultado de uma das vacinas vai ser anunciado antes dos outros. Na prática pode acontecer que a primeira vacina a apresentar os resultados simplesmente não funcione (ou tenha eficiência menor que 50%). Nesse caso vamos ter de esperar ansiosos pelos outros resultados nos perguntando se as outras funcionarão. Existe é claro a possibilidade de uma primeira vacina ser segura e conferir 95% de proteção.

Mas suponha que a primeira vacina a apresentar os resultados tenha uma eficiência de aproximadamente 50%. Isso quer dizer que, se ela para usada para a população vacinar, de todos os vacinados somente 50% estarão protegidos. E pior, nenhum dos vacinados saberá se está ou não protegido. Uma vacina como essa vai ajudar a combater uma pandemia, mas não resolve o problema.

Imagine agora que você é um governante honesto e não está em campanha eleitoral. Você tem duas opções: pode comprar uma vacina com 50% de eficiência e vacinar toda a população ou esperar um ou dois meses pelos resultados das outras vacinas. Se você comprar a de 50% e um mês depois da segunda mostrar-se 80% eficiente, você errou feio: teria sido melhor esperar e comprar a vacina melhor. Agora se você esperar e não comprar a 50% pode ser que conforme tenha eficiência mais baixa. Aí você também errou, pois uma população passou dois meses sem ser vacinada.

Mas há outras complicações para um governante considerar. Nos primeiros anos não saberemos se é seguro vacinar uma população primeiro com uma vacina e depois com outra melhor. Outro problema é que os dados iniciais tão restritos que não saberemos se a vacina é eficiente em todos os grupos etários.

E, finalmente, um último problema. Governantes que apostaram suas carreiras políticas em uma ou outra vacina, que investiram dinheiro nos testes de Fase 3 de uma vacina, e até na construção de fábricas, agindo com a isenção necessária para todos esses fatores? Pelo comportamento que estamos observando, parece que cada um quer vacinar uma população com a "sua" vacina, o que é lamentável. Vacina não é “santinho” para ser distribuído antes da eleição.

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, E

SCORREGADOR DE MOSQUITO; EA LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS


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