sábado, 17 de julho de 2021

Rebeldia teen - Sérgio Augusto

Gostaria de saber como os jovens de hoje reagem a ‘O Apanhador no Campo de Centeio’

O Estado de São Paulo / 17/07/2021

Para brasileiros e uruguaios, 16 de julho é uma data histórica pelo que aconteceu no Maracanã no jogo decisivo da Copa de 1950. Na história da literatura, o dia de ontem pertence a Catcher in the Rye , o romance que celebrizou JD Salinger, lançado pela Little, Brown justo um ano depois do Maracanazo, e aqui traduzido, tempos depois, pela visionária Editora do Autor (de Rubem Braga e Fernando Sabino) com o título de O Apanhador no Campo de Centeio .

Muita gente lamenta não o ter lido na idade mais adequada: a de seu protagonista e narrador, Holden Caulfield - ou seja, aos 16 anos - para plenamente usufruí-lo. Tal purismo, como quase todo purismo, parece altamente discutível. John Updike, por exemplo, só o leu aos 23, embora já lhe conhecesse alguns trechos que um companheiro de quarto na Universidade Harvard vivia a recitar obsessivamente.

Sou desse grupo de “retardatários”. Era cinco anos mais velho do que Caulfield quando devorei o livro pela primeira vez.

Já conhecia algumas coisas de Salinger, publicado na revista Esquire e o conto Um Dia Ideal Para os Peixes-Banana , publicado na revista Senhor , quando, em outubro de 1963, à procura de um livro de bolso no aeroporto que ainda se chamava apenas Idlewild (John Kennedy só seria assassinado no mês seguinte), para amainar o frisson de minha primeira viagem de Nova York a Los Angeles, bati os olhos em The Catcher in the Rye , na clássica edição da Signet, com o herói carregando um mala numa rua de Manhattan .

Se a revista The New Yorker já fizesse parte da minha vida, teria lido várias outras narrativas curtas depois reunidas em Nove Estórias , também traduzidas pela Editora do Autor. Década e meia mais tarde, ao folhear uma Esquire de 1945, comprada no sebo ambulante que fez o ponto na calçada do Teatro Municipal do Rio, deparei com o que me fez ter sido o primeiro conto de Salinger publicado num veículo de grande expressão. Com Outro título intrigante ( Este Sandwich não tem nenhuma Maionese ), era introduzido na abertura da revista com Uma foto e hum Bilhete do Autor.

Salinger não se deixava fotografar, mas ali estava ele, fardado, na frente aliada. “Tenho 26 anos de idade e quatro de Exército”, dizia o bilhete. “Passei os últimos 17 meses além-mar. Desembarquei na praia de Utah, no Dia D, com a Quarta Divisão, e estive no 12º Batalhão de Infantaria até o final da guerra. ” Era contista desde o 15 anos e no início sentira bastante dificuldade para “escrever de maneira simples e natural”. Fechando o bilhete, esta promessa, cinco ou seis anos depois desmentida: “Sou um velocista, não um fundista, e provavelmente nunca escreverei um romance”.

Tendo como pano de fundo um campo militar debaixo de chuva, o “sanduíche sem maionese” tinha como narrador o soldado Vincent Caulfield, que deixara na América um irmão, Holden, e uma irmã, Phoebe. Pensei estar diante do embrião de Catcher in the Rye . Vincent, pouco depois descobri, verdadeiro despontara num relato sobre o último dia de sua última folga no quartel, Último Dia do Último Furlough , publicado 15 meses antes no Saturday Evening Post .

Nesse conto, o soldado Vincent já se manifestava preocupado com o paradeiro de Holden no Exército. O irmão não desertara; apenas desaparecera, provavelmente morto em combate, com 19 anos. Porém, pelas minhas contas, Holden seria uma criança de 10 anos em 1944. Vincent morreria no conto O Estranho . Holden seria dependente oficialmente, e já descrito como um típico adolescente neurótico do pós-guerra, em I'm Crazy , publicado na revista Collier’s .

Nenhum desses contos foi incluído em Nove Estórias , desprezo estendido, ainda mais inexplicavelmente, uma Slight Rebellion na Madison . Publicado na última edição da The New Yorker de 1946, era quase um trailer do Apanhador , com Holden dotado de um sobrenome adicional (Morrissey), patinando com Sally Hayes na pista de gelo do Rockefeller Center e indo com ela assistir a uma peça na Broadway , com Alfred Lunt e Lynn Fontanne.

“Esse rapaz é louco”, argumentou o primeiro editor nova-iorquino um devolver os originais de The Catcher in the Rye . Irritado, Salinger entregou-os à Little, Brown de Boston. Rompendo com sua regra de não selecionar obras de estreantes, o Livro do Mês americano indicado como leitura para o verão de 1951. Em cinco semanas, já era o livro do ano. Nunca deixou de ser um best-seller mundial.

De louco Caulfield nada tem. Personagem-símbolo da rebeldia teen dos anos Truman-Eisenhower, cheio de prevenções contra a impostura dos adultos, dos “fones” de ambos os sexos, já o compararam a James Dean, Jesus, Hamlet e Don Quixote.

Os “phonies” mais carolas encrencaram com os 237 “goddams”, os 58 “bastards”, os 31 “Chrissakes” e expletivos do gênero proferidos pelo personagem, contra o qual moveram uma campanha moralizante, tenaz, mas infrutífera. Faz tempo que o Apanhador é leitura obrigatória no ensino médio - com o egrégio timbre de Faulkner, Harold Bloom, Updike, entre outros.

Gostaria de saber como os adolescentes de hoje reagem ao romance e se relacionam com Caulfield e sua desbocada impaciência com os adultos (“costumam dormir de boca aberta”), seu cinismo nervoso e sua opinião, para muitos preconceituosa e generalizante, mas inegavelmente divertida, sobre as mulheres (“sempre deixam a bolsa por onde a gente passa”), os professores (“ridículos”), as mães (“todas piradas”), e a Bíblia (“Jesus é legal, mas o resto é chato”).

Harold Bloom o releu. Achou-o ainda comovente, mas meio enjoativo. Eu ainda estou tomando coragem.

É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE 'ESSE MUNDO É UM PANDEIRO'

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