ZERO HORA - 07/02/2013
Quando minhas irmãs e eu éramos crianças, o pai fazia questão de que
comêssemos frutas. Muitas. Ele tinha o hábito de trazer caixas de fruta
para casa, enchendo a geladeira de uvas, pêssegos, mangas e ameixas. Eu
sempre gostei de frutas, mas era difícil dar cabo das quantidades que o
pai trazia.
No verão, quando a família ia para o Litoral, e o pai passava a
semana trabalhando na cidade, ele chegava na praia com o carro cheio de
frutas, e a nossa obrigação era comer aquilo até a próxima sexta-feira.
Nunca dávamos conta... Até que o pai criou o subterfúgio de pagar
por caroços e sementes. Talvez hoje, neste mundo asséptico onde o
politicamente correto tornou tudo meio chato, alguns torçam o nariz para
a ideia do pai – mas garanto que, nos anos 1980, foi uma sacada genial.
Naquele verão, caroços e sementes passaram a valer grana. Éramos
várias crianças – eu e minhas duas irmãs, mais os dois filhos do meu tio
que passavam as férias conosco. O pai chamou-nos e, muito sério,
informou a cotação vigente.
Era mais ou menos assim: 20 centavos por caroço de pêssego, 15
centavos por caroço de ameixa. Sementes de uva valiam cinco centavos. A
gente deveria comer as frutas durante a semana, guardando os caroços
para que o pai nos pagasse proporcionalmente na sexta-feira. Nunca
comemos tantas frutas na vida!
Os caroços viraram a moeda oficial daquele verão: um picolé se
comprava com três caroços de pêssego, um sorvete de duas bolas
necessitava cinco pêssegos, 10 ameixas e um cacho de uvas. E a gente
dê-lhe comer. Meu primo economizava caroços para comprar revistinhas,
minha irmã torrava tudo em picolés.
Na sexta, o pai chegava e, coitado, antes de se estirar na cadeira
da varanda, tinha que sentar à mesa da sala e fazer a contabilidade dos
caroços (e os caroços eram guardados em sacos, e ali ficavam fermentando
durante dias e dias, no calor do verão).
Contar aquilo era um nojo e uma trabalheira, mas o pai seguia firme.
E cada vez trazia mais frutas para casa. Até que um dia, a minha prima
resolveu juntar sementes para comprar alguma coisa grande, acho que era
uma boneca. Era uma guria obstinada, e naquela semana comeu ameixas dia e
noite, até que amanheceu na sexta-feira com febre, vômitos e diarreia.
A mãe ficou fula. Fruta demais soltava o intestino, foi o que ela
disse para o pai quando ele chegou naquela tarde com suas ameixas e
pêssegos. Diante do estado da sobrinha, o pai capitulou. Recebemos o
nosso último pagamento, consternados: acabava-se ali a mina de ouro. Eu
sigo adorando frutas, mas, como naquele verão, nunca mais.