sexta-feira, 15 de março de 2013

Quando menos vale mais -Nelson Motta

NELSON MOTTA - O Estado de S.Paulo
 
 
Como disse a presidente Dilma, com conhecimento de causa, para ganhar eleições faz-se o diabo. Como fez o presidente Geisel, em 1977, editando o "Pacote de abril" para ajudar a Arena a ganhar as eleições legislativas. Entre outras leis e decretos para assegurar a maioria no Congresso, dava mais cadeiras de deputados aos Estados menos populosos e mais pobres e atrasados, dominados pelo governismo e o coronelismo. Ganhou as eleições, mas até hoje o Brasil democrático perde com esse entulho autoritário.

LEIA AQUI

A gostosa da estação - Arthur Dapieve


A chegada de um mulherão em busca de fama nas praias do Rio

Ainda não esquentou de verdade quando a gostosa da estação chega à praia. Há mães com filhos pequenos na areia, um grupo de atletas da terceira idade perto do mar, dois ou três surfistas à espera de uma onda que não virá. Ninguém presta muita atenção na mulher musculosa, de blusa e short atochados. Ela olha em volta, mas sabe que está bem adiantada. Marcou com o paparazzo apenas para dali a duas horas.

Mundo e guerras ciber - Hermano Vianna


 O Globo - 15/03/2013

 

Alguma obras de ficção não são apenas proféticas: sua leitura exerce tal influência no pensamento contemporâneo que passamos a agir para que aquele universo se transforme em realidade

Vivo momento de descobertas em série de acontecimentos reais previamente “anunciados” em romances. Exemplo da coluna anterior: não prestaria tanta atenção no meteoro russo se não tivesse lido antes a “Trilogia do Gelo” de Vladimir Sorokin. Outras obras de ficção não são apenas proféticas. Sua leitura exerce tal influência no pensamento contemporâneo que passamos a agir, pragmaticamente, para que aquele universo paralelo se transforme em realidade. Esse é o caso de “Neuromancer”, de William Gibson, cuja primeira edição completará 30 anos em 2013. Foi lá que a palavra ciberespaço apareceu pela primeira vez. Ficamos tão encantados com sua descrição ficcional que continuamos trabalhando duro para que o mundo em que vivemos fique cada vez mais parecido — para o bem e para o mal — com tudo que o livro apresentava de mais improvável.

Claro que tive que lembrar de “Neuromancer” — onde as verdadeiras guerras acontecem dentro das redes de computadores — ao me deparar com as notícias, publicadas no final de janeiro, de que a Unidade Ciber Comando do Pentágono vai passar por uma grande expansão nos próximos anos, quintuplicando seu tamanho, segundo o “Washington Post”, e passando dos atuais 900 funcionários para 4.000, segundo o “New York Times”. Fui pego de surpresa: não tinha ideia que as forças armadas dos EUA criaram um comando chamado “ciber”. Curioso e assustado, acabei encontrando a declaração de Leon Panetta, secretário da Defesa na presidência Obama, nos alertando em outubro do ano passado para a possibilidade de um “ciber-Pearl Harbor”.

Seguindo links de texto apocalítico de colunista do “The Guardian”, fui parar em artigo de 1/6/2012 assinado por David E. Sanger, o correspondente chefe do “New York Times” em Washington, que considero uma das peças jornalísticas mais impressionantes do novo século. Se não fossem as credenciais realistas do seu autor e do órgão de imprensa para o qual trabalha, eu desconfiaria que se tratava na verdade da mais delirante criação da ficção científica. Porém, o texto somente revelava pela primeira vez fatos acontecidos há vários anos.

Tudo é nebuloso. O governo Obama, com reforço israelense, teria dado continuidade a projeto secreto anterior— denominado “Jogos olímpicos” — de criação de cibervírus poderoso capaz de sabotar o programa nuclear iraniano. Provavelmente um espião conseguiu entrar em Natanz com um pen drive contendo o vírus que foi passado para a rede de computadores interna — portanto desconectada da internet — dessa usina de refinamento de urânio. Centenas de suas centrifugadoras começaram a deixar de funcionar, mas os técnicos iranianos não desconfiaram de cibersabotagem e sim pensavam que os problema eram gerados por seus próprios erros.

O que aparentemente não estava nos planos americanos (mas há suspeita de que algum hacker militar deixou essa possibilidade aberta de propósito): um laptop de engenheiro pode ter se conectado à rede interna da usina, foi infectado e depois —sem querer — transmitiu o vírus, chamado de Stuxnet, para a internet, contaminando vários sistemas, inclusive bancários. As empresas de antivírus nunca tinham visto nada parecido. Começaram a circular rumores de que deveria haver governos poderosos por trás da nova ameaça. Mas só o artigo de David E. Sanger confirmou o que ninguém tinha coragem de afirmar publicamente.

Resultado, como declarou um ex-chefe da CIA: ficou claro que “alguém cruzou o Rubicão”. Entramos em nova fase, com consequências imprevisíveis, da história das guerras e da estratégia militar, uma realidade bem próxima com aquela de “Neuromancer”. Quando o Irã e a China descobriram o que os EUA e Israel tinham feito, logo criaram seus próprios e secretos cibercomandos. Dezenas de vírus novos e cada vez mais imperceptíveis, como o Flame, podem estar prontos para escapar de uma base militar escondida em algum recanto isolado do planeta. O pior: não existe tratado regulamentando o uso dessas novas ciber-armas, como aquele que cuida da não proliferação do nuclear. E lembrando: o Stuxnet fui utilizado em tempo de paz, onde não havia guerra oficial declarada.

Mesmo países que não pretendem atacar ninguém com vírus eletrônico vão precisar aprender a se defender, detectando ameaças em seu ciberespaço (e hoje tudo, de redes elétricas a hospitais, depende do ciberespaço para funcionar). Detesto voltar a falar de educação neste contexto guerreiro, mas precisamos ser realistas (está tudo cibermisturado): uma nação sem boa cultura de programação digital está condenada a ser vítima fácil de ciber-ataques, mesmo amadores”. Voltarei a falar do lado Jedi da força educativa na coluna da semana que vem.


Leonardo Boff- O papa Francisco é chamado a restaurar a Igreja‏

 O Tempo - 15/03/2013

Francisco tomou ao pé da letra essas palavras e reconstruiu a igrejinha da Porciúncula que existe ainda em Assis dentro de uma imensa catedral. Depois, entendeu que se tratava de algo espiritual: restaurar a "Igreja que Cristo resgatara com seu sangue" (op.cit). Foi então que começou seu movimento de renovação da Igreja, que era presidida pelo papa mais poderoso da história, Inocêncio III. Começou morando com os hansenianos e, de braço com um deles, ia pelos caminhos pregando o evangelho em língua popular, e não em latim. É bom que se saiba que Francisco nunca foi padre, mas apenas leigo. Só no fim da vida, quando os papas proibiram que os leigos pregassem, aceitou ser diácono à condição de não receber nenhuma remuneração pelo cargo.

Por que o cardeal Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome de Francisco? A meu ver, foi exatamente porque se deu conta de que a Igreja está em ruínas pela desmoralização dos vários escândalos que atingiram o que ela tinha de mais precioso: a moralidade e a credibilidade.

Francisco não é um nome. É um projeto de Igreja pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder. É uma Igreja que anda pelos caminhos, junto com os últimos; que cria as primeiras comunidades de irmãos que rezam o breviário debaixo de árvores junto com os passarinhos. É uma Igreja ecológica, que chama a todos os seres com as doces palavras de "irmãos e irmãs". Francisco se mostrou obediente à Igreja dos papas e, ao mesmo tempo, seguiu seu próprio caminho com o evangelho da pobreza na mão. Escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger: "O não de Francisco àquele tipo imperial de Igreja não poderia ser mais radical, é o que chamaríamos de protesto profético" (em Zeit Jesu,Herder 1970, 269). Ele não fala, simplesmente inaugura o novo.

Creio que o papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente, os papas - e Ratzinger, principalmente - punham sobre os ombros a mozeta, aquela capinha cheia de brocados e ouro que só os imperadores podiam usar. O papa Francisco veio simplesmente vestido de branco. Três pontos devem ser ressaltadas em sua fala inaugural e são de grande significação simbólica.

O primeiro: disse que quer "presidir na caridade". Isso, desde a Reforma e nos melhores teólogos do ecumenismo, era pedido. O papa não deve presidir como um monarca absoluto, revestido de poder sagrado como o prevê o direito canônico. Segundo Jesus, deve presidir no amor e fortalecer a fé dos irmãos e irmãs.

O segundo: deu centralidade ao povo de Deus, tão realçada pelo Vaticano II e posta de lado pelos dois papas anteriores em favor da hierarquia. O papa Francisco, humildemente, pede que o povo de Deus reze por ele e o abençoe. Somente depois, ele abençoará o povo de Deus. Isso significa: ele está aí para servir, e não para ser servido. Pede que o ajudem a construir um caminho juntos. E clama por fraternidade para toda a humanidade, onde os seres humanos não se reconhecem como irmãos e irmãs, mas estão atados às forças da economia.

Por fim, evitou toda a espetacularização da figura do papa. Não estendeu os braços para saudar o povo. Ficou parado, imóvel, sério e sóbrio - eu diria quase assustado. Apenas se via a figura branca que olhava com carinho para a multidão. Mas irradiava paz e confiança. Usou de humor falando sem uma retórica oficialista. Como um pastor fala aos seus fiéis.

Cabe, por último, ressaltar que é um papa que vem do "Grande Sul", onde estão os pobres da humanidade e onde vivem 60% dos católicos. Com sua experiência de pastor, com uma nova visão das coisas, a partir de baixo, poderá reformar a Cúria, descentralizar a administração e conferir um rosto novo e crível à Igreja.

Leonardo Boff é autor de "São Francisco de Assis: Ternura e Vigor", Vozes 1999.