domingo, 29 de novembro de 2015

Impunidade ambiental - Carlos Minc

A tragédia de Mariana teve alertas não levados a sério. O Ibama multou a Samarco por desmatamento ilegal, que desprotege as barragens, e pediu a sua interdição


No Brasil, não existe cultura de prevenção. Em países onde há ciclones e terremotos, há simulações e exercícios frequentes, até para crianças. Aqui, até há pouco, sirenes e Mapeamentos de Risco (MRs) inexistiam. A impunidade ambiental (e não só) é regra: empresas não pagam multas e protelam obrigações de reconstituir ecossistemas — artigo 225 da Constituição federal, que, independentemente de comprovação de culpa, é responsabilidade objetiva.

A tragédia de Mariana teve alertas não levados a sério. O Ibama multou a Samarco por desmatamento ilegal, que desprotege as barragens, e pediu sua interdição, após ouvir órgão ambiental de Minas, que não se pronunciou. Condicionante ambiental da licença exigia plano de contingência, sirenes, que não existiam.

A Lei 1898 — das auditorias ambientais para empresas poluidoras, aprovada no Rio de Janeiro em 1991 — foi criticada: seria caro. Só foi cumprida 15 anos depois, inclusive pela CSN e Reduc: com diagnóstico preciso e ações de mudança tecnológica preventiva de R$ 400 milhões e R$ 1 bilhão, respectivamente. Pelo potencial destrutivo das barragens de rejeitos, estas devem ser submetidas a auditorias independentes. Municípios do Rio de Janeiro passaram a ter MRs, sirenes e sistemas de alerta de cheias dos rios a partir de 2007, com recursos do Fecam para o Departamento de Recursos Minerais, a Defesa Civil e o Inea. Vários prefeitos colocavam a publicação sob um jarro de flores e faziam obras em encostas e beira de rios, vedadas pelo MR. Nova lei obrigou que diretrizes do mapeamento fossem incorporadas ao uso do solo das cidades.

Em 2007, no segundo acidente das barragens da Cataguases, que contaminou as bacias dos rios Pomba, Muriaé e municípios do Noroeste Fluminense, acionamos, à frente da Secretaria do Ambiente, a Agência Nacional de Águas, o Ministério Público Federal e secretarias mineiras — que prometeram fiscalização e transparência. Admitiram que havia 40 barragens de risco, sem auditoria e plano da Defesa Civil, por pressão das mineradoras, por conta de custos. Até hoje, pescadores e agricultores do Noroeste fluminense não foram indenizados: um alerta para que a impunidade não se repita.

A proposta de Sebastião Salgado, que dedicou a vida ao reflorestamento das nascentes do Rio Doce, é a melhor. A volta à vida e atividades na região dependem da recuperação da Mata Atlântica e dos olhos d’água. Salgado propôs um fundo de recuperação, mas preocupa-se com quem irá geri-lo, para o recurso não ser desviado. No Ministério do Meio Ambiente, criamos, em 2009, o Fundo Amazônia — operado pelo BNDES e gerido por conselho com SBPC, sssociações de seringueiros, municípios. Não houve desvios, mas a execução foi lenta: foram aplicados só 30% de uma doação da Noruega, de US$ 1 bilhão.
 Há que ter probidade e agilidade, para que o fundo apoie já ações que enfrentem a tragédia, regenerem o deserto produzido pela inépcia e reconstituam condições de vida de populações desterradas e agredidas.


  • 29 nov 2015
  • O Globo
  • CARLOS MINC Carlos Minc é deputado estadual (PT-RJ)


Futuro? Que futuro? - Aldir Blanc

Juiz Moro, suas delações vazam mais que os rejeitos das barragens


O Fürher da Samarco, tal de Ricardo Viscoso, pediu “calma” e “equilíbrio”. Calma? Sendo arrastado até o litoral do Espírito Santo, aos gritos de socorro, agarrado a um pedaço de cerca? Não dá para manter o “equilíbrio” diante de um pavoroso afogamento, idiota! Vem outro palhaço falando em indenização: um salário-mínimo! Um infeliz perde o filho, o casebre, o roçado, a vaca, a mula manca, a cabra, três galinhas sub-BBB, as ferramentas primitivas, o futuro, e querem lhe dar um salário-mínimo?
Todos aqueles canalhas da casa de tolerância, votando pela merecida cadeia para Delcídio, o Bestalhão, pelo amor de meus netinhos! Não escapava um da mão na grade, que estão lá, relinchando ao vivo, com o Zé Peruca botando (des)ordem nos procedimentos. Quer dizer que um crime de 50 mil por mês gera prisão imediata, enquanto uma propina de 5 milhões de dólares continua impune na pátria que pariu as pobres crianças do Rio Morto? Essa é a aritmética do futuro?

Mais: Delcídio teria proposto mesada e fuga para evitar a delação de Cerveró, que envolveria a presidente no superfaturamento da refinaria Passadilma. Juiz Moro, suas delações vazam mais que os rejeitos das barragens. O sr. é tão severo. Não notou que tem alguém levando grana? Enquanto isso, Romário retiraria sua candidatura para apoiar o espancador Pedro Paulo. Assim ficaria blindado pelo PMDB. Chega! É preciso denunciar ainda o tonitruante silêncio do presidenciável mineiro Aócio Neves. Tem amiguinhos na Vale o Quanto Vaza, que virou privada na gestão de FHC. Vão todos se fifar — ou se sarnar!
Sugiro homicídio culposo para os irresponsáveis da Samarco & Vale. É o mínimo que o Brasil emporcalhado exige.

O texto abaixo vai para o grande Lédio Carmona, comentarista-símbolo da concisão e da elegância, que atua de forma diametralmente oposta aos elementos a seguir. O Comentarista do Futuro: — Ao ver o objeto do desejo, a terceira bola, diante de sua libido, representação do seio materno idealizado pela ansiedade primeva e edipiana contra o domínio do Nome do Pai, o atleta, no que era chamada de meia-lua, hoje topo do incidente russo-turco, foi acometido por uma desleitura bloomiana da jogada e, além de causar fratura exposta na tíbia do pseudo-Laio, afundou no que antes era conhecida como zona do agrião, atual Samarco. Uma curiosidade: devido a um transtorno no genoma, talvez ribossômico, o player gabava-se de possuir três testículos. Conta-se que ao voltar das desnudas, ex-peladas, em Honório Gurgel, as periguetes ironizavam o futuro volante: — Aí, hein? Tá com as bolas todas! A bibliografia para meu comentário pode ser encontrada em:
1 —“A Aimée de Lacan” — Jean Allouch;

2 — “Angústia de influência” — Harold Bloom;

3 —“O enigma da esfera”, “O Talmude” e o “Talismã-Badalhoca do Muezin” — Paulo Coelho;

4 — “The Future of Embryology and Genetics” — Roger Bighouse;

5 — “Meiões com chulé também são divinos” — Padre Marcelo de Rossi;

6 — “O seminal Hilda, a Mineirinha” — Carlos Zéfiro.


  • 29 nov 2015
  • O Globo
  • Aldir Blanc é compositor

Mistério há de pintar por aí - Cacá Diegues

   O Brasil é um país, para o bem ou para o mal, cheio de mistérios. Três filmes brasileiros, em cartaz na cidade, tentam dar conta de alguns deles. Nenhum tem muito a ver com o outro, os mistérios que eles procuram nos desvendar são de natureza totalmente diferente um do outro.

O primeiro desses filmes chama-se “Chico, artista brasileiro”, foi realizado por Miguel Faria Jr. e nos revela um Chico Buarque que o público muito mais supõe do que conhece. É impressionante como um artista que sempre esteve na linha de frente da música popular e da cultura brasileira em geral, às vezes com repercussão artística e política estrondosa, conseguiu preservar sua intimidade e, mais do que isso, sua individualidade solidária durante os seus 50 anos de atividade.

Um raro padrão brasileiro de integridade, Chico foi sempre um guerrilheiro do próprio pensamento, usando seu talento a serviço de causas que julgava justas, fossem elas de que natureza fossem, retirando-se quando considerava suficiente o que já fizera. Chico sempre teve o pudor do sucesso, sem se negar nunca a aceitá-lo com naturalidade e sem exibicionismo.

No filme de Miguel Faria Jr., pela primeira vez Chico nos mostra, num documento público, como ele é em sua privacidade. Um homem cheio de humor e ternura, capaz de rir-se de si mesmo e de nos dizer coisas da maior importância da maneira mais simples (me surpreendi com sua justíssima fala sobre a bossa nova). Os números musicais, montados com bom gosto e sobriedade, iluminam essa descoberta comovente da obra imortal de Chico.

Diferentemente do consagrado “Vinicius”, esse novo filme de Miguel Faria Jr. se dedica à compreensão mais íntima de seu personagem. Enquanto “Vinicius” era uma fascinante reportagem sobre o famoso poeta e letrista, “Chico” se aproxima de seu personagem para entendê-lo melhor. Enquanto o primeiro filme é um discurso de admiração por um grande artista, esse de agora é um delicado e confessional canto de amor por alguém que mexeu com nossas vidas nestas últimas cinco décadas.

Por provocação do próprio Chico, esse canto de amor vai de assuntos como a censura durante a ditadura militar, até seu orgulho pessoal como boleiro; ou de confissões como a descoberta de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, através da literatura, até o elogio das relações com sua ex-mulher, a atriz Marieta Severo.

Artista brasileiro por sua própria definição, o filme termina com a interpretação emocionada e emocionante de “Paratodos”, uma criação de antropologia lírica do Brasil, o retrato do indecifrável mistério da genialidade. A cara de Chico.

Outro mistério do cinema brasileiro: “Chatô, o rei do Brasil”, filme de Guilherme Fontes. O que se poderia esperar de um filme iniciado 20 anos atrás, dirigido e produzido por um menino com então pouco mais de 20 anos de idade, sem maiores compromissos com a cinematografia, a política e a cultura do país, um filme que, ainda por cima, havia de sofrer tantos e tão controvertidos acidentes de produção que só lhe permitiriam ficar pronto agora, duas décadas depois?

Pois a vítima de todos esses percalços é um grande filme!

Guilherme Fontes obteve os direitos do livro de Fernando Morais sobre Assis Chateaubriand, o tycoon da imprensa brasileira dos anos 1940 aos 60, e transformou a biografia literária em poesia cinematográfica. Uma poesia osvaldiana, refletida do tropicalismo da segunda metade do século passado, a poesia de “Terra em transe”, “O rei da vela” ou “Alegria, alegria”. Um exaltado carnaval de travellings e jump cuts, sempre surpreendentes e inspirados, para falar do Brasil e de brasileiros menos arcaicos do que podemos supor.
Como um milagre, o filme iniciado há 20 anos tem o frescor de um documento contemporâneo sobre o estado do país e seus líderes em diferentes setores da sociedade. O delírio político, o exibicionismo de comportamento, a ganância e o excesso, a ausência festiva de escrúpulos, parecem inspirados no que lemos diariamente nos jornais e vemos na televisão em nossos dias. Uma comédia dolorosa.

Embora tenha sido lançado em apenas 19 cinemas, “Chatô” fez, na semana passada, a segunda média de ingressos por sala. O que significa que atraiu a inesperada curiosidade de muita gente e, se fosse lançado em circuito maior, teria certamente feito bilheteria significativa. O grande sucesso cinematográfico é sempre aquele de filmes que o público ainda não sabe que vai gostar.

Ainda não vi o terceiro filme de minha lista, mas não posso deixar de lembrar que “Idolo”, documentário de Ricardo Calvet, trata de um grande mistério de nosso futebol, o gênio de Nilton Santos. Nilton, a Enciclopédia do Futebol, nunca deu um carrinho em toda a sua vida e, como jogava sempre de cabeça erguida, nunca soube de que cor era o gramado de futebol. Não dá para perder.


  • 29 nov 2015
  • O Globo
  • CACÁ DIEGUES Cacá Diegues é cineasta carlosdiegues2015@gmail.com