sábado, 4 de maio de 2013

Seis meses para o fim do sufoco na Biblioteca Nacional

O Globo - 04/05/2013

André Miranda

Novo presidente diz que ar-condicionado só volta em 120 dias 

 Dirigente da instituiçã também critica gastos assumidos pelo governo brasileiro para a participação na Feira de Frankfurt, que acontecerá em outubro

Quando foi anunciado que o cientista político Renato Lessa, de 58 anos, seria o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, uma amiga mandou a ele uma mensagem: "Que Deus e o governo ajudem você". Pelos problemas que o esperam, Lessa realmente vai precisar de ajuda. Em entrevista, ele disse que serão necessários mais 120 dias para que o ar-condicionado, desligado há um ano, volte a funcionar. Lessa também lamenta os gastos assumidos pelo governo para a Feira de Frankfurt, em outubro, por acreditar que a homenagem feita ao Brasil deveria ser assumida pelo setor privado. Ele discorda, ainda, de Galeno Amorim, que esteve no cargo nos últimos dois anos, quanto à quantidade de municípios sem bibliotecas no Brasil: "É um número vergonhoso".


Há um ano a Biblioteca Nacional está sem um sistema de ar-condicionado. Ainda falta muito para que isso seja resolvido?

 No pico do verão, me disseram que a temperatura no armazém de obras gerais bateu 50 graus. O ideal é 23 graus, 22 graus. Mas, infelizmente, ainda está longe de chegarmos lá. Começamos agora um processo de recuperação de um sistema antigo de ar-condicionado, e a estimativa que me deram é que a obra termine em 120 dias. Então a expectativa é que enfrentemos o verão com esse sistema antigo em funcionamento. Já o sistema geral de refrigeração vai depender de um projeto de reforma, e seria irresponsável eu dizer quando isso vai ficar pronto.

 Outra questão muito discutida é a participação brasileira na Feira de Frankfurt, em outubro, quando o país será homenageado. Com a mudança na diretoria da Biblioteca Nacional, muda algo na organização da feira? 

Acho importante desfazer um pouco a ideia de que a Feira de Frankfurt é a Biblioteca Nacional. Não é. A homenagem em Frankfurt significa que o governo brasileiro aceitou e entendeu que essa é uma oportunidade de promoção brasileira no exterior. O projeto é gerido por um comitê gestor, e a Biblioteca faz parte desse comitê, mas há outros integrantes, como a Funarte e o Ministério das Relações Exteriores.

 Mas a biblioteca tem um papel grande na organização. 

Tem um papel grande, sim. Mas, na minha perspectiva, não é um papel compatível com as funções próprias da biblioteca. Como a Feira de Frankfurt tem uma dimensão econômica muito forte, algumas questões deveriam estar a cuidado dos editores do setor privado. Mas o modelo atual foi decidido em 2010, com comprometimentos financeiros e com o comprometimento da biblioteca em algumas decisões, e isso será mantido. Estamos discutindo, hoje, que esse paradigma não se repita em outros eventos dessa natureza. E ainda tenho uma reserva aos custos assumidos para a viabilização de negócios, sobretudo numa indústria que tem pujança e muita qualidade.

Quanto vai ser o gasto do governo em Frankfurt? 

O orçamento total não vai passar de R$ 18 milhões. Desses, R$ 15 milhões vêm do orçamento do Estado brasileiro, pelo Fundo Nacional de Cultura. Já a Câmara Brasileira do Livro teve autorização para captar, via Lei Rouanet, R$ 13 milhões, dos quais nada ainda foi captado. Então, o que temos garantido hoje são R$ 15 milhões, e ainda faltam R$ 3 milhões para fechar o orçamento. Esse dinheiro virá ou de renúncia fiscal ou de patrocínio.

Uma pergunta que é feita há anos e cuja resposta sempre foi um pouco nebulosa é sobre o número de municípios brasileiros ainda sem bibliotecas. O senhor sabe quantos são? 

Eu não sei o número, mas sei que é vergonhoso. A questão não é apenas o número de municípios sem biblioteca. Temos que nos perguntar que bibliotecas existem e que pessoas trabalham nessas bibliotecas. A leitura no Brasil ainda é muito pequena, precisamos aumentar a familiaridade do brasileiro com o livro. Temos que ver isso realisticamente, como um obstáculo e desafio. A democratização do país não é só poder votar e ter liberdade para dizer o que pensa. Democratização é a população ter acesso à cultura. E a biblioteca é um espaço fundamental desse processo.

Vanzolini e a biodiversidade da Amazônia - Fernando Reinach

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
 
 
"Perdemos Vanzo." Me veio à mente Paulo Vanzolini em sua enorme sala no Museu de Zoologia. Sobre a bancada, inúmeros vidros contendo lagartos. Em 1975, na faculdade, eu estudava o epitélio da cloaca de uma cobra. Vanzolini queria me conhecer. Fui ao museu e lá estava ele, vestindo um avental cinza, sem camisa por baixo, unhas sujas, cercado de répteis. Nunca soube por que me chamou, suspeito que ele tenha julgado minha primeira bolsa de iniciação científica. Queria ver a cara do jovem que se interessava por cloacas de cobra.

Vanzolini deixou uma primorosa coleção de sambas. Algumas rimas revelam seu humor irônico e debochado:

"Mulher que se vira pro outro lado
Tá convocando a suplente
Mulher que não ri não precisa dente".

Vanzolini deixou uma das maiores coleções de répteis. Mas sua maior contribuição foi a descoberta de como surgiu parte da biodiversidade amazônica.

Durante sua viagem a bordo do Beagle, Darwin ficou impressionado com a enorme diversidade de plantas e animais. Como teriam surgido tantas espécies? No livro A Origem das Espécies, Darwin descreve o processo de seleção natural, que ao longo de bilhões de anos deu origem a todos os seres vivos que conhecemos.

Quando a população de uma espécie é dividida em dois grupos, separados por um acidente geográfico (imagine uma população de pássaros que passa a habitar duas ilhas), existe a chance de surgir uma nova espécie. Impedidos de se encontrar, esses dois grupos deixam de acasalar (o que chamamos de isolamento reprodutivo). Como os dois grupos passam a viver em ambientes diferentes (ilhas com diferentes espécies de frutas), aos poucos, sob pressão de diferentes ambientes, sobrevivem os pássaros mais adaptados a cada um dos ambientes (em uma ilha, os bicos ficam mais longos; na outra, mais curtos). Com passar do tempo, essas diferenças aumentam até que os dois grupos deixam de ser capazes de acasalar. Pronto, uma espécie deu origem a duas outras. Esse processo, repetido milhões de vezes, gerou toda a biodiversidade do planeta.

Mas como explicar a origem de espécies em ambientes sem barreiras geográficas? É o caso da Amazônia, uma das regiões com maior biodiversidade. A Amazônia é uma imensa planície, sem montanhas, com uma floresta aparentemente contínua e homogênea. Como teriam surgido as espécies nesse ambiente em que o isolamento reprodutivo parece ser impossível? Foi esse problema que Vanzolini ajudou a resolver.

Vanzolini organizava longas expedições para coletar répteis. Desenhava uma linha reta no mapa da Amazônia e se embrenhava no mato, seguindo trilhas e rios, coletando todos os répteis que podia encontrar. Foi assim que conheceu o Brasil, milhares de quilômetros coletando répteis. De volta ao museu, analisava os animais, classificando cada exemplar, contando escamas, medindo e pesando. Desse modo é possível descobrir como uma espécie varia ao longo de cada uma dessas retas e como a frequência das diferentes espécies varia de região para região. Vanzolini descobriu uma Amazônia mais heterogênea do que imaginava. A distribuição das espécies parecia estar centrada em algumas regiões da Amazônia, como se essas regiões tivessem sido ilhas isoladas no passado.

Com a ajuda de Aziz Ab'Saber, da USP, e Ernest Williams, de Harvard, Vanzolini propôs uma explicação para a origem da biodiversidade amazônica: no passado, a Floresta Amazônica teria encolhido e se expandido diversas vezes. Durante os períodos glaciais, o clima árido fez com que parte da floresta desaparecesse. Nesses períodos, somente algumas ilhas ricas em vegetação teriam se mantido. Nos períodos interglaciais, com o aumento da umidade, as ilhas teriam se juntado, reformando a cobertura florestal. Cada vez que se formavam as ilhas, as populações de plantas e animais se isolavam e novas espécies se formavam. Com o espalhamento da floresta nos períodos úmidos, as espécies se misturavam. Juntando os dados de Aziz Ab'Saber que descreviam essas mudanças climáticas e a localização das ilhas de florestas com a distribuição atual das espécies de lagartos, os três cientistas demonstraram como teria se formado parte da biodiversidade que hoje encontramos na Amazônia.

Esse é o grande legado científico de Vanzolini. Ele desvendou parte do mistério que cerca a origem da biodiversidade amazônica.

Rotunda - José Miguel Wisnik


O Globo - 04/05/2013

 

Na roda da fortuna do futebol, sobe o Bayern de Munique e caem o Barcelona e a Seleção Brasileira

O Bayern de Munique impôs ao Barcelona uma derrota surpreendente e rotunda, somando 7 x 0 nos dois jogos pelas semifinais da Liga dos Campeões da Europa. Derrota rotunda quer dizer categórica, indiscutível, insofismável. A palavra rotunda está na origem da palavra redonda, e a derrota foi também líquida, esférica e na bola. Associando livremente, lembro-me de uma visita ao Museu Pérgamo, em Berlim, durante a Copa de 2006, quando era exibida uma exposição sobre as figurações da esfera na história humana. O único jogador citado era Garrincha: num filme em loop na entrada do museu, ele bailava um drible infinito, convidando o seu marcador para dançar, sem tocar a bola, como se o tempo, parado, girasse em círculos aos pés de uma criança (“Como se o ritmo do nada/ Fosse, sim, todos os ritmos por dentro”).

Há dois anos o Barcelona dava demonstrações do mais completo domínio de jogo, de uma posse de bola sem precedentes, de uma superioridade avassaladora sobre os adversários, como se tivesse descoberto a fórmula do futebol que os outros desconhecem, como se tivesse decodificado a própria quadratura do círculo que está na base secreta do futebol. Contando ainda com a eficácia absurda de Messi, despida de qualquer estrelismo (em contraste com a petulância irreprimível de seu rival máximo, Cristiano Ronaldo), o efeito estava próximo de uma condição supra-humana.

Mas a Roda da Fortuna, que aparecia na exposição berlinense como uma alegoria medieval, gira acelerada num futebol turbinado pela preparação atlética, exigido pela ocupação intensiva de todos os espaços, cobrado em toda linha por uma concorrência publicitária sem trégua, sugado rapidamente pelo tempo. O Barcelona, que não usa publicidade na camisa, e cujo futebol totalizante, que alguns consideraram totalitário, parecia pairar soberano acima das periclitantes economias europeias, sucumbe, junto com o Real Madri, à envolvente ascensão do futebol alemão, que parece, pelo menos por um momento, equalizar o poder futebolístico com o poder econômico nacional. Como já tem sido comentado, o futebol desses times alemães, o Bayern e o Borussia Dortmund, combina qualidades do Barcelona com mais volúpia, intensidade e verticalidade atacante. O giro de bola paciente, meticuloso, calculado e às vezes tedioso do time catalão, é contrastado por uma explosão sôfrega de contra-ataque. A inteligência tática se combina com técnica, dribles e vitalidade interna.

Não acredito que o ciclo do Barcelona esteja terminado. Acredito, isso sim, que esteja se dando uma espécie de revolução dentro da revolução de um futebol europeu jogado compactamente, e no qual, por uma espécie de aceleração, o feitiço reverte contra o próprio feiticeiro, aplicado por um outro feiticeiro da vez. Longe desse futebol estranhamente vivo, pela intensidade com que se supera, o brasileiro não tem sabido como sair da condição de espectro de si mesmo.

O Brasil jogou com o Chile num Mineirão renovado, mas num gramado castigado, segundo li, por shows realizados nos dias anteriores. A bola era essa usada na Copa do Brasil, que parece uma pipoca doce pela sua mistura informe de preto, amarelo e vermelho, distribuídos entre figuras meio geométricas e pinceladas indistintas que não dão leitura e não oferecem uma boa diferenciação de figura e fundo. Os detalhes, altamente sintomáticos, podem parecer desimportantes, mas só para uma cultura futebolística degradada que esqueceu o que é o campo e a bola. Não ouvi nenhum comentário a respeito disso na transmissão da Globo, entre os elogios irrestritos ao estádio. A esfera parecia pipocar continuamente no terreno mais irregular do que deveria ser, e queimava mais nos pés brasileiros do que nos chilenos.

Luiz Felipe Scolari substituiu o meio-campista Jadson pelo atacante Osvaldo caindo pela direita, que era imediatamente anulado por três adversários quando pegava na bola. O time, que não estava mal na partida naquele momento, perdeu o meio-campo, abandonado a um Ronaldo Gaúcho solitário. Esse tipo de situação (jogadores isolados pela ponta, na ilusão de que somam mais um elemento ao ataque destituído de alimentação) não existe mais no futebol contemporâneo, nem nas seleções medianas. A torcida começa com o “sou brasileiro com muito orgulho” e não espera muito para começar as vaias. Neymar desenha-se como o possível bode expiatório dessas velhas síndromes, se a Roda da Fortuna não girar a favor de um renascimento, enquanto João Havelange foge pela porta dos fundos.