Maria Stella de Azevedo Santos
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opoafonja@gmail.com
Bira Gordo conta a
trajetória da libertação
dos escravos alertando
para a necessidade
constante de luta
pela liberdade, pois
as correntes de ferro,
hoje imperceptíveis,
marginalizam
e excluem
trajetória da libertação
dos escravos alertando
para a necessidade
constante de luta
pela liberdade, pois
as correntes de ferro,
hoje imperceptíveis,
marginalizam
e excluem
A alma poética de Castro Alves grito clamando pela liberdade física dos negros; Bira Gordo, com sua capacidade única de contar a história e estórias, tudo fez para mostrar a contribuição indiscutível deste povo; eu, como cultuadora de divindades, sigo esforçando-me no sentido de fazer com que a religião trazida pelo povo africano para o Brasil seja mais bem compreendida e, assim, mais respeitada.
Imitando o historiador Ubiratan Castro de Araújo, tentei construir meu discurso de posse narrando fatos de modo histórico, mas com a leveza de uma contadora de "causos". Nascido em Salvador, em 22 de dezembro de 1948, o professor doutor Ubiratan Castro de Araújo foi graduado em história e em direito. O fato de ter recebido o troféu Clementina de Jesus da União dos Negros pela Igualdade e a medalha Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de Salvador mostra o reconhecimento pelo empenho de Bira Gordo contra a discriminação racial. Foram inúmeras as vezes que nos encontramos em seminários para reafirmar a grandeza histórica do povo negro e sua sabedoria ancestral, que é capaz de orientar qualquer um que dela se aposse. Afinal, sabedoria não tem cor e não pertence a nenhuma raça específica.
A frágil saúde de Bira Gordo, como gostava de ser chamado, não o impediu de dar uma grande contribuição ao mundo intelectual e de transmitir alegria por onde passava e para todos com quem convivia. Sua prestabilidade era incontestável! Nunca se negava a participar de nenhum evento para o qual fosse convidado a contribuir com sua forma única de estoriar a história. Intelectual cinco estrelas; contador de "causos" de estrelas incontáveis.
Bira registrou pouco seu vasto conhecimento. Foram apenas três os livros por ele escritos: A guerra da Bahia, Salvador era assim – memórias da cidade e Sete histórias de negro. Editou pouco, mas faloumuito. E era uma fala deliciosa de ser ouvida. Em seu único livro de ficção, Sete histórias de negro, ele conseguiu reunir muito do que era, sabia e lutava. Concordo, por experiência própria, com a opinião de Emiliano Queiroz sobre Bira: "O mestre que compartilhava sua erudição como quem contasse histórias à beira da fogueira".
Um exemplo claro dessa capacidade que tinha Ubiratan Castro, um intelectual do povo, é a última história escrita em seu livro Sete histórias de negro. Intitulada O protesto do poeta, que narra uma conversa que acontece em uma sessão espírita entre Castro Alves e um grupo de pessoas. Como bom piadista que era, não escapou da mente criativa de Bira Gordo nem o patrono da cadeira que ocupava na Academia de Letras da Bahia.
Para Bira, a vida parecia ser uma piada e a piada uma coisa muito séria. Condensada de maneira irônica no "causo" do protesto do poeta, Bira conta a trajetória da libertação dos escravos no Brasil ocorrida no passado, alertando para a necessidade constante por uma luta pela liberdade, pois as correntes de ferro, antes visíveis, são, no presente, correntes imperceptíveis, que marginalizam e excluem. Bira Gordo nos deixou há pouco tempo, em 3 de janeiro do ano em curso. Se hoje ainda estivesse conosco, digo fisicamente, é provável que buscasse na poesia de Castro Alves a força que precisamos para continuar enaltecendo um povo guerreiro, ao mesmo tempo pacífico e afetuoso, que soube amar e amamentar quem o escravizou.