sábado, 3 de maio de 2014

O triunfo da ‘burrocracia’ - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA 03/05/2014

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da
Academia de Letras da Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com

O lugar-comum do título – “burrocracia” – é propositado, porque serve para ilustrar um episódio ocorrido com este articulista, aqui narrado como forma de protesto. Nunca me conformei com fatos que se tornaram comuns na vida administrativa do Brasil e tenho a mania de denunciar a impostura e o conformismo.

Começarei lembrando recente episódio inadmissível, tal como me foi evocado pelo meu amigo, o advogado Schitini: a fuga do petista Pizzolato do Brasil, após condenado como mensaleiro pelo STF. Pizzolato viajou com passaporte falso para a Argentina e Roma. Vejam o absurdo: o passaporte foi expedido pela Polícia Federal em nome do irmão do evadido, morto em acidente automobilístico há mais de 25 anos! É ocorrência inacreditável, quando lembramos que, para conceder passaporte, a Polícia Federal age com rigor, exigindo hora marcada e uma série de documentos, cuja validade e legalidade são examinadas em prazo dilatado.

Essa introdução foi apenas para mostrar como, apesar do seu pretendido rigor, a burocracia no Brasil costuma ser uma operação irracional e não raro ridícula e incompreensível, existindo para transtornar a vida dos cidadãos.

Há cerca de duas semanas, fui ao SAC do Salvador Shopping para renovar minha carteirade identidade. O documento estava em perfeito estado, mas a burocracia brasileira, já transformada em burrocracia, a pretexto de atualização de datas e retrato, mas na verdade querendo obter lucros, exigiu que fosse renovado. Na hora marcada, compareci munido da minha certidão de nascimento e de uma carta de sentença original, expedida pelo juiz competente, com todos os carimbos e registros legais, provando que não estava mais casado, pois havia ali a prova do meu verdadeiro estado civil, ou seja, portador de uma separação judicial. É que a carteira anterior registrava meu casamento, que precisava ser eliminado na pleiteada. A carta de sentença o comprovava.

Acham os leitores que obtive êxito? Ledo engano! A funcionária do guichê do SAC disse que eu só conseguiria tirar a carteira nova se levasse uma certidão de casamento averbada, justamente para provar o que a carta de sentença que apresentei já evidenciava!

É óbvio que argumentei, explicand alto e bom som que aquela exigência significava uma redundância abusiva e desnecessária. Eu não estava sequer fazendo nenhuma transação que exigisse comprovar meu estado civil, apenas querendo renovar, por imposição da burocracia, um documento de identificação pessoal. De nada adiantou. Não pude renovar o documento. A burrocracia obstinada triunfou.

Pensam os leitores que essas anomalias da administração pública acontecem apenas por estupidez? Longe disso! A burrocracia precisa ser gorda, inchada, irracional, lenta, arrogante, exigente, duplicada,
para prosperar, arrecadar verbas, atormentar o cidadão brasileiro com exigências para ganhar mais e sustentar a legião de funcionários ociosos, nomeados pelos políticos.

Todo eles perdem se a administração diminuir, dispensar documentos que apenas enriquecem cartórios, escrivães, repartições, cobrando averbações, estampilhas, plastificações, cópias, carimbos, assinaturas, o diabo! Tudo o que inferniza a vida do homem do povo, dos empresários, dos advogados, da Justiça, emperrada e atravancada sempre por toneladas de papéis em plena era do computador e da internet, beneficia essa corja de aproveitadores da burrocracia que ancora o Brasil no atraso, na ineficiência e na preguiça administrativa. Para completar minha história: Pizzolato fugiu com passaporte falso, facilitado pelo governo brasileiro. Eu não pude tirar a nova carteira de identidade, apesar de apresentar documentação correta. Vou continuar com a minha, que pode ser velha, mas é digna e decente. Dizem que os dinossauros se extinguiram, além da hipótese da queda de meteoros, porque tinham o cérebro pequenininho. Os burocratas brasileiros também têm. Mas, em vez de extinguir-se, proliferam como praga incontrolável. Para desespero de milhões de brasileiros, esmagados pelos burrocratas triunfantes.