domingo, 14 de abril de 2013

Toca Daniela! - POR ROBERTO KAZ

O Globo - 14/04/2013

NA PRIMEIRA SEMANA ‘FORA DO ARMÁRIO’, CANTORA BAIANA GANHA SEGUIDORES NA REDE E É TOCADA EM FESTAS CARIOCAS, ENTRE NIRVANA E THE CURE

O DJ Dodô Azevedo foi surpreendido, no penúltimo sábado, quando tocava na festa “Fofoca”, na Enseada de Botafogo. Em meio a músicas do Nirvana, The Cure e Rage Against the Machine, uma moça lhe pediu que colocasse Daniela Mercury. O pedido tinha razão mais ética que estética: dias antes, na quarta-feira, dia 3, a cantora baiana publicara quatro fotos dela no Instagram ao lado de sua nova companheira, Malu Verçosa. As fotos vinham acompanhadas da legenda “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar”. A frase e as imagens — vindas de uma mulher com cinco filhos, conhecida, até então, por ter relacionamentos heterossexuais — repercutiram nas pistas de dança.

— Eu nunca havia tocado Daniela Mercury na vida — afirma o DJ. — Tinha uma música dela no computador, que nem lembro o nome. Pensei em colocar apenas um trecho, para ser simpático. Mas quando começou, a festa veio abaixo. Isso porque antes estava tocando Nirvana... Foi uma loucura muito grande.

DJ especializada em música brasileira, Tati da Vila também colocou Daniela Mercury nos dois aniversários em que tocou, no fim de semana.

— Uma das coisas que havia sido proibida, pelos dois aniversariantes, era música baiana. A Daniela Mercury não faz parte do meu repertório — diz ela. — Mas na hora, não só toquei como foi um sucesso, especialmente com os casais gays. Esse tipo de homenagem costuma acontecer quando há uma polêmica ou quando um artista morre. Tenho certeza de que, se fosse fora desse contexto, as pessoas torceriam o nariz com relação a esse tipo de música.

Na festa Sopa, que aconteceu no Morro do Vidigal, o ator e DJ Armando Babaioff botou, entre Novos Baianos e Caetano Veloso, uma versão ao vivo de “O canto da cidade”:

— As pessoas entenderam o porquê daquela música naquele momento; foi uma euforia — lembra.

No Galeria Café, conhecido reduto gay da Rua Teixeira de Melo, em Ipanema, o DJ Rody Martins também escolheu “O canto da cidade” para o repertório da festa “X-Tudo”:

— Como na festa tem muita música brasileira, a gente de vez em quando toca Daniela. Sempre soube que ela era bissexual — diz. — Mas a partir de agora, as letras dela vão ter outra conotação. É uma renovada de público na carreira dela. “O canto da cidade” já virou um hino gay.

Não foi apenas nas pistas de dança que o anúncio da relação de Daniela e Malu se fez sentir. De acordo com dados do Google, no dia 3, o nome da cantora foi procurado 50 vezes mais do que nas datas anteriores. Além das palavras “letras” e “músicas”, a maior parte das buscas vinha acompanhada dos termos “namorada”, “casamento” e “assume”. No Twitter, ela ganhou, naquele dia, cinco mil novos seguidores — quantidade igual à que havia acumulado durante todo o mês de março. Tem, agora, 370 mil fãs no microblog.

No Facebook, pipocou uma fotografia d cantora, acrescida do brado “Menos Joelma, mais Daniela” (a frase é uma referência à vocalista da banda Calypso que, naquela semana, havia dito que mães de filhos gays sofrem tanto quanto a de “um drogado tentando se recuperar”). O humorista Hugo Gloss escreveu, em sua página no Twitter, que Daniela “nos enganou dizendo que era a cor da cidade”. Completou: “Mas você era o arco-íris inteiro, né, danada!”

Na Wikipedia — a enciclopédia virtual onde os verbetes crescem com informações acrescidas pelos usuários —, a página que resume a biografia de Daniela Mercury teve, desde então, 20 atualizações (as 20 anteriores haviam sido feitas ao longo de um ano inteiro). Dentre os novos dados, usuários acrescentaram o nome da cantora à categoria “Músicos LGBT do Brasil” (ficou entre Cazuza e Edson Cordeiro), colocaram informações sobre a “queda” que a escritora americana Camille Paglia, notória feminista, diz ter tido por ela, e incluíram detalhes sobre seu último disco, “Canibália”, lançado três anos atrás.

Perguntada se isso representa uma nova fase em sua carreira, Daniela Mercury respondeu:

— Canto a minha verdade, canto o que vem da minha alma e fica a critério.

Oásis - Luis Fernando Verissimo

Luis Fernando Verissimo
 
Numa recente London Review of Books o escritor irlandês Colm Toíbín desenvolve uma tese instigante sobre três autores, Fernando Pessoa, Jorge Luis Borges e Flann O'Brien, este último um contemporâneo de James Joyce que passou a vida inteira ao mesmo tempo venerando e cutucando o autor de Ulysses. Os três são de cidades - Lisboa, Buenos Aires e Dublin - situadas à margem da literatura mundial, cidades que Toíbín descreve como desertos culturais, em contraste com os centros de criação da sua época como Paris e Londres. É estranho Toíbín dizer isto sobre a Irlanda, que, além de Joyce, produziu Beckett, Shaw, Swift, Yeats, etc. e mais prêmios Nobel de Literatura por metro quadrado do que qualquer outro país do mundo. Mas a criação na Irlanda, de um jeito ou de outro, sempre foi um reflexo do domínio inglês, tanto da sua política quanto da sua cultura, e os premiados irlandeses foram todos fazer sua reputação e ganhar sua vida em Londres enquanto Dublin ficava como a capital da memória, como disse Lawrence Durrell de Alexandria, um lugar para ser evocado no exílio mais do que habitado.

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Aquele Joãozito - Humberto Werneck

HUMBERTO WERNECK - O Estado de S.Paulo
 
 
Um ano depois da morte do filho famoso, lá fui eu conhecer dona Chiquita, numa casa na Pampulha, em Belo Horizonte. Quando saí, horas depois, tratei de reter no papel um pouco do que me contara a mãe do Joãozito, quer dizer, João Guimarães Rosa, naquela tarde de 1968. Queixava-se da memória fraca - e no minuto seguinte se desmentia:

"Joãozito pegava o jornal e ficava perguntando ao pai o nome das letras. Ou os números pintados nos trens que passavam. O Florduardo achava uma graça, comprou lápis de cor e papel, fez assinatura do almanaque Tico-Tico. Quando abrimos os olhos, o Joãozito estava lendo e dando notícia de tudo. Tinha só 4 anos, um fenômeno."

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Exclusiva com o comandante Borges - João Ubaldo Ribeiro

João Ubaldo Ribeiro
 
-Comandante, ainda bem que você veio. Ontem me disseram que você não queria mais dar a entrevista.

- É, mas pensei melhor. Se eu prometi, está prometido. Alguém tem que manter a palavra neste país. Mas isso não impede, sem querer ofender ninguém, que eu ache esta entrevista uma palhaçada.

- Não entendi.

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Ainda Feliciano? - Caetano Veloso

O GLOBO

14/04/2013


Por que mentir tão descaradamente sobre fatos conhecidos?

Nem estou acreditando que volto ao assunto do pastor/deputado/presidente da CDHM. Mas, como muitos devem ter visto, ele mentiu reiterada e estridentemente sobre mim. Há um vídeo no YouTube em que Feliciano, esbravejando de modo descontrolado, diz-se com Deus contra o diabo e, para provar isso, mente e mente mais. As pessoas religiosas deveriam observar o quanto ele está dominado pela soberba. Faz pouco, ele se sentiu no direito de julgar os vivos e os mortos, explicando por meio de uma teologia grotesca a morte dos garotos dos Mamonas e sagrando-se justiçador de John Lennon. Agora, aferra-se à mentira. Meu colega Wanderlino Nogueira notava, com ironia histórica sobre as espertezas da igreja católica, que a mentira não está entre os sete pecados capitais. Mas sabemos que “levantar falso testemunho” é condenado pelo Deus de Moisés. Por que mentir tão descaradamente sobre fatos conhecidos? Será que minha calma observação, aqui neste espaço, de que sua persona pública é inadequada ao cargo para o qual foi escolhido (matizada pela esperança no papel das igrejas evangélicas) o ameaça tão fortemente? Eu diria a pastores, padres, rabinos ou imãs — sem falar em pais de santo e médiuns espíritas, que são diretamente agredidos por ele — que atentassem para o comportamento de Feliciano: como pode falar em nome de Deus quem mente com tão evidente consciência de que está mentindo?

Sim, porque não há, dentre aqueles que prestam atenção no meu trabalho, quem não saiba que, ao cantar a genial canção de Peninha “Sozinho” num show, eu indefectivelmente dizia não apenas que me apaixonara por ela através das gravações de Sandra de Sá e de Tim Maia: eu afirmava que cantá-la ao violão era só um modo de chamar a atenção para aquelas gravações. Como pode Feliciano dizer que “a imprensa foi rastrear” e descobriu que a música já tinha sido gravada por Sandra e Tim? Essas duas gravações eram sucessos radiofônicos. E como pode ele, sem piedade daqueles que com tanta confiança o ouvem em seu templo, afirmar que eu disse em entrevista coisa que nunca disse e nunca diria, ou seja, que o êxito inesperado de minha versão de “Sozinho” se deveu a eu ter mostrado a faixa a Mãe Menininha e esta ter-lhe posto uma bênção que, para Feliciano, seria trabalho do diabo? Mãe Menininha, figura importante da história cultural brasileira, já tinha morrido fazia cerca de dez anos quando gravei a canção.

É muita loucura demais. E muita desonestidade. Aprendi com meu pai os gestos da honestidade — e tomei o ensinamento de modo radical. Me enoja ver a improbidade. Feliciano sabe que eu nunca dei tal entrevista. Mas não se peja de impressionar seus ouvintes gritando que eu o fiz. Ele, no entanto, não sabe que eu jamais sequer mostrei qualquer canção minha à famosa ialorixá. Nem a Nossa Senhora da Purificação eu peço sucesso na carreira. Nunca pedi. Nem a Deus, nem aos deuses, e muito menos ao diabo. Decepciono muitos amigos por não ser religioso. Mas respeito cada vez mais as religiões. Vejo mesmo no cristianismo algo fundamental do mundo moderno, algo inescapável, que é pano de fundo de nossas vidas. Mas não sou ligado a nenhuma instituição religiosa. Eu me dirigiria aqui àqueles que o são. Os homens crentes devem tomar atitude mais séria em relação a episódios como esse. O que menos desejo é ver o Brasil dividido por uma polaridade idiota, em que, de um lado, se unem os que querem avanços nos costumes, e de outro, os que necessitam fundamentos de fé, ambos gritando mais do que o conveniente, e alguns, como Feliciano, saindo dos limites do respeito humano. Eu preferiria dialogar com crentes honestos (ou ao menos lúcidos). Não aqueles que já se põem a uma distância segura da onda neopentecostal. Eu gostaria de dialogar com um Silas Malafaia, de quem tanto discordo, mas que respeita regras da retórica e da lógica. Marina Silva seria ideal, mas poupemo-la. Não é preocupante, eu perguntaria a alguém assim, que um dos seus minta de modo tão escancarado? É fácil provar que nunca fiz aquelas declarações e é fácil provar que Sandra e Tim tiveram êxito com a obra-prima de Peninha. E que eu louvei esse êxito ao cantar a canção. Foram dezenas de milhares de brasileiros que ouviram. Se Feliciano precisa, para afirmar sua postura religiosa, criar uma caricatura caluniosa dos baianos e da Bahia, algo é muito frágil em sua fé. A maré montante do evangelismo não dá direito à soberba irrefreada. O boneco tem pés de barro. E cairá. Eu creio na justiça e na verdade. Esses valores atribuídos a Deus têm minha adesão irrestrita. Não sei que Deus sustenta a injustiça e a mentira. Ou será que é aí que o diabo está?