sábado, 26 de abril de 2014

Aproximação da poesia - José Castello

O Globo 26/04/2014

UMA PROSA QUE É POESIA. TALVEZ ESSA SEJA A MELHOR MANEIRA DE DEFINIR O NOVO ROMANCE DE VALTER HUGO MÃE

Uma prosa de fronteira, que se
deixa impregnar e definir pela
escrita poética. Uma prosa que
é poesia. Talvez essa seja a melhor
maneira de definir “A desumanização”
(Cosac Naify),
novo romance do português Valter Hugo Mãe.
Uma narrativa que é puro arrebatamento, conduzindo
o leitor — empurrando-o — para os limites
do êxtase, deixando-o, a cada página virada,
fora de si. Impossível ler o romance com serenidade
e temperança. A história de Halla, a
menina que perde sua irmã gêmea, Sigridur, e
com ela morre um pouco, é uma dessas narrativas
que não se lê facilmente. Narrado pela própria
Halla, o romance provoca sucessivos golpes
de admiração em um leitor que se torna cada
vez mais prisioneiro do livro.

“A poesia é a linguagem segundo a qual deus
escreveu o mundo”, diz o pai de Halla. “Nós não
somos mais do que a carne do poema”. Valter
Hugo Mãe adota a mesma filosofia de seu personagem:
não encara a poesia como decoração, ou
sedução, mas fundamento. O pai é um homem
simples da Islândia — onde se ambienta o livro
—, mas um homem que não cede um milímetro
de sua humanização, um homem que combate
suas feridas desumanas escrevendo versos. “Eu
perguntei: posso chamar a vida de poema. E ele
respondeu: podes chamar a vida de poema”. Para
ele, o poema não é uma exceção, o poema é a
matéria do mundo. “Ou podes chamar de normalidade.
A vida é a normalidade e deus é a normalidade.
O poema é normal”.

As palavras desse pai filósofo, que coloca versos
no lugar de cada coisa, regem a escrita de Mãe, ela
também aturdida e submissa à força da poesia. O
pai ensina à filha — sozinha e desamparada desde
a morte de Sigridur — o amor pelos livros. “Os livros
eram ladrões. Roubavam-nos do que acontecia”.
Mas os livros são também generosos, reconhece:
“Oferecem-nos o que não nos acontece”. A
poesia seria não só um instrumento de nomeação
do mundo, do qual nada escapa exceto Deus —
aquele que não pode ser nomeado —, mas um meio
de construção do próprio mundo.

“Éramos gêmeas. Crianças espelho. Tudo em
meu redor se dividiu por metade com a morte”.
Com a perda da irmã, Halla passa a se sentir violentamente
só. Não desgruda do túmulo de Sigridur,
pedaço de chão que as pessoas chamavam de
“criança plantada” e no qual julgavam
que a morta pudesse germinar.
Halla se pergunta se, com
sua morte, a alma de Sigridur se
instalou dentro dela. “Começaram
a dizer as irmãs mortas. A
mais morta e a menos morta”.
Aos 11 anos de idade, Halla é, assim,
vítima de um discreto assassinato.
Passa a ser vista como
a parte viva da irmã que se foi —
morre um tanto. Passa a sentir
como quem habita um inferno e
o inferno são os outros — que não a perdoam por
ter sobrevivido a Sigridur.

Desmente o pai: “O inferno não são os outros,
pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem
sozinho é apenas um animal”. É a solidão —
que ela experimenta de maneira tão radical — que
nos desumaniza. Continua o pai filósofo: “Sem
ninguém no presente nem no futuro, o indivíduo
pensa tão sem razão quanto pensam os peixes”. O
pai tenta convencê-la de que a solidão não existe,
de que ela é só uma ficção que criamos para escapar
dos outros. O humano é o revelado — e só nos
revelamos para os outros. “E deus era o desconhecido.”
Arremata: “Cada coisa que nos revelasse tornava-
se humana. Apenas o que
nos transcendia podia ser deus”.

A família não aceita a morte de
Sigridur e fala, sem nenhuma piedade,
das “irmãs mortas”. Mas
Halla não se deixa matar. A figura
do amor precoce, sinal da humanização,
se manifesta na presença
estranha e ambígua de Einar,
ser de idade e feições indefinidas,
que lhe causa repulsa,
mas também atração. Halla o vê
como “um ogro malcriado”, mas
isso não impede que se envolvam. Ele vive naquele
limite em que a ingenuidade e a monstruosidade
se confundem. No mundo de Halla as coisas se
dissolvem e se misturam. Quando pensa em deus,
por exemplo, pensa na Islândia. Quando estava
para morrer, Sigridur, retida na mesma confusão,
lhe perguntou: “O que acha que a Islândia quer de
mim?” A irmã morta achava que deus “era o corpo
deitado da Islândia”. Era preciso aceitar essa
ausência de limites entre eles, até porque descobrir
o nome e o significado de deus “não compete
a ninguém”. E Halla respeita essa proibição.

Também a linguagem, Halla descobre, está
imersa na incerteza e na confusão. “As palavras
são objetos magros incapazes de conter o mundo.
Usamo-las por pura ilusão. Deixamo-nos iludir assim
para não perecermos, de imediato, conscientes
da impossibilidade de comunicar e, por isso, a
impossibilidade da beleza”. O tema da beleza está
no centro de “A desumanização”. Pode a beleza se
guardar na feiúra? Pode o repulsivo ser, ao mesmo
tempo, belo? Será a beleza alcançável? A beleza
maior estaria na firmeza da linguagem, que não
existe. “É o que todos almejamos. Que acreditem
em nós. Dizemos algo que se toma como verdadeiro
porque o dizemos simplesmente”. A beleza
não tem segundas intenções. Ela não se guarda
nos grandes arroubos, mas na alma de uma menina
perdida. Também a verdade só se configura
quando é pronunciada por uma menina que não
sabe o que diz. Assim se refletem alguns dos alicerces
da escrita de Valter Hugo Mãe, que desmentem
o mundo prático e arrogante — o mundo de
pessoas cheias de si — em que vivemos. Um mundo
regido por projetos, interesses e intenções secretas.
Indiferente à poesia.

Quanto às palavras, não há como admirar-se de
sua fraqueza. “As palavras não são nada. Deviam
ser eliminadas. Nada do que possamos dizer alude
ao mundo que é”. A verdade não se guarda nas palavras,
mas em suas entrelinhas. Halla pensa nas
pedras: “Nenhuma pedra se entende por caracteres.
As pedras são entidades absolutamente autônomas
às expressões. As pedras recusam a linguagem”.
Talvez se possa tomar como pedra, também,
o objeto de um romance. Não o tocamos. Só a poesia
consegue dele se aproximar. Daí a eficácia da
linguagem poética, muito mais potente que a objetiva.
Esta fecha caminhos, aquela os abre. Princípios
que regem a escrita de Valter Hugo Mãe, agora,
de forma não só intensa, mas atordoante.

SE MEU PIANO FALASSE

CL. Gente Boa O Globo 26/04/2014

CLEO GUIMARÃES
genteboa@oglobo.com.br
COM MARIA FORTUNA, ISABELA BASTOS E THAMINE LETA


João Donato recebe Roberto Menescal e Caetano Veloso numa ‘jam session’ em que estreou instrumento personalizado

No dia em que um piano
novinho chegou à casa
de João Donato, na Urca,
ele recebeu também a visita
de amigos ilustres, como Roberto
Menescal e Caetano Veloso.
Menescal daria só uma
“passadinha”, mas, claro, tudo
acabou no violão. E aí.... O trio
emendou clássicos da bossa
nova, como “O barquinho”, do
próprio Menescal, além de
parcerias de Donato e Caetano
(“A rã” e “O fundo”).

O encontro foi filmado por Tetê
Moraes, que dirige a série “João
Donato”, com roteiro de Lysias
Enio, irmão do compositor. Estreia
no Canal Brasil em dezembro
e celebra os 80 anos do
compositor. “Mostraremos a
primeira valsinha que ele compôs
para a namorada, sua participação
nos primórdios da bossa
nova, e ele hoje, no auge”,
conta Tetê, que também dirigiu
o documentário “Nasci para
bailar”, sobre uma viagem do
músico a Cuba, em 2008.

Antes de a sessão musical começar,
o afinador Ferdinando
Pietro Giuseppe Giaquinto deu
um trato no piano de Donato, o
tal que havia chegado naquele
dia. O instrumento, fabricado
pela Fritz Dobbert, é assinado
pelo músico. É feito de curupixá,
madeira preservada do Acre,
a terra de Donatão, como ele é
chamado pelos amigos. Por
dentro, é todo de jatobá. Tudo
sustentável. Um luxo.

Copa do Mundo estranha
Uma constatação intrigante: em ano
de Copa do Mundo no Brasil, a
Secretaria de Ordem Pública não
recebeu nem um pedido de
autorização para a decoração de ruas
da cidade. Lembra das faixas,
bandeirolas, pinturas no chão e de
todas aquelas manifestações de
patriotismo típicas das outras copas?
Parece que ficaram no passado, pelo
menos na Zona Sul viraram raridade.

Aliás e a propósito

Não há nenhuma proibição ou
restrição da prefeitura para a
decoração das ruas da cidade em
época de Copa do Mundo. O povo é
que não quer mais fazer mesmo.

Por falar em Copa...

A Rio de Paz vai levar 12 bolas da Copa
do Mundo ao Corcovado, onde serão
fotografadas nas mãos de voluntários
com a imagem do Cristo Redentor ao
fundo. Pintadas com cruzes
vermelhas, as bolas representam as
cidades-sede e são as protagonistas da
campanha “É justo?”, criada pela
entidade para questionar os gastos
públicos com a Copa.

‘Caos no Brasil!’

Imagens da guerra recente em
Copacabana foram destaque na versão
online do jornal alemão “Bild” de
anteontem. A reportagem começa com
a frase “Caos no Brasil!”, cita a greve da
PM em Salvador (39 mortos), e dá dicas
de como agir no Rio (“só pegue táxis
oficiais; não visite favelas”). De acordo
com o jornal, Cristiano Ronaldo, da
seleção portuguesa, proibiu a família de
vir, porque o Brasil é muito perigoso.

Com delicadeza
Fernanda Montenegro, que fará uma
lésbica na próxima novela de Gilberto
Braga, “Babilônia”, fez um pedido ao
autor: que sua personagem seja o
mais feminina possível. Fernandona
formará um casal com Nathalia
Timberg e quer passar longe dos
velhos estereótipos da mulher
machona e abrutalhada.

Mundo cão

Há uma cachorrinha da raça bichon
frisé hospedada há nove meses numa
das suítes mais chiques do Copacabana
Palace. Lady Bella acompanha seu
dono, Lord Bowen, que se apresenta
como lorde inglês e decorou o quarto
com fotos da cachorra para ela se sentir
“at home”. Quando o lorde viaja a
trabalho (frequentemente), cinco
funcionários do hotel se encarregam de
cuidar da cadela, que tem uma
alimentação mais rica e balanceada
que a maioria dos brasileiros.

No colinho do Felipão

Entrevistado por Maitê Proença,
Murilo Rosa e pela equipe do
Fantástico, o técnico Felipão
ficou surpreso, quando, ao fim
do papo, Maitê o abraçou e se
sentou em seu colo. “Ih, Dona
Olga vai ficar com ciúme”,
brincaram os jornalistas, numa
referência à mulher do treinador. A
conversa vai ao ar amanhã, na Globo.

Olha ela aí
Filha de CarmenMayrink Veiga,
Antonia Frering interpreta uma
dona de casa inglesa acomodada
com o casamento de mais de 20 anos
na montagem brasileira da peça
“Relações aparentes”, que estreou
 no Sesc Ginástico.A peça de Alan
Ayckbourn fez o maior sucesso
na temporada de Londres.

A próxima vítima
Um mês depois do despejo da
centenária A Guitarra de Prata, a bola
da vez na Rua da Carioca é a loja de
guarda-chuvas Vesúvio, que funciona
há 67 anos no número 35. Como não
houve acordo sobre os novos valores do
contrato de locação, o banco
Opportunity entrou com ação de
retomada do imóvel na 10ª Vara Cível.

Segue a história

A Vesúvio contra-atacou com uma
medida cautelar contra o despejo, o
que tem retardado o processo.

Aqui não, violão

Um abaixo-assinado de vizinhos
pretende acabar com a alegria dos
frequentadores de festas com gente
pelada que estão virando moda na
cidade, como a “Pool me in”, na Casa
Philippe, na Glória. “Eles não têm
alvará para esse tipo de festa”, reclama
o vizinho Wolfgang Kunath, que vem
colhendo as assinaturas. “O barulho é
insuportável e às vezes, só acaba às
três da manhã”. A mansão tem
história: ali viveu a Condessa de
Barral, amante de Dom Pedro II.

‘Fulana recebe as amigas’

A permuta da vez entre famosas
grávidas são os chás de bebê.
Celebridades que esperam neném
ganham das revistas a decoração e os
doces da reunião com as amigas e dão
em troca a exclusividade na cobertura
do “evento”. Até pouco tempo, isso
acontecia com os casamentos, em
trocas que envolviam até a cobertura da
viagem de lua de mel.

Os cadeados do amor
Chegou ao Rio a moda europeia de
colocar, em pontes da cidade, cadeados
com os nomes de casais apaixonados e
jogar a chave fora. Três românticos
fizeram o mesmo na ponte elevada na
ciclovia da Lagoa, perto do Caiçaras.