sábado, 13 de abril de 2013

SABÁTICO

 

Lygia Fagundes Telles, testemunha literária

A escritora relembra momentos marcantes de sua trajetória, como a amizade com Clarice Lispector e Hilda Hilst, a viagem à China em 1960, o encontro com Montero Lobato e a agonizante espera pela liberação de 'As meninas' pela censura


Ubiratan Brasil

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“QUAL O MISTÉRIO DESSA MULHER?”

Cronista do Caderno 2 narra casos saborosos envolvendo ambos e diz: “Quero envelhecer como ela, de bem com a vida”

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Conto do adeus à ilusão

Obra do chinês Mo Yan trata da distância entre o que a revolução prometeu e fez

 

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 O RISO PARA DEMOLIR IDEOLOGIAS E TABUS

 Em A Questão Finkler, Howard Jacobson tenta desvendar com humor e autoironia o enigma da experiência humana

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A literatura pop encontra a erudita

Fenômeno editorial que deu nome a uma geração, 'Nocilla Dream', primeiro volume da trilogia escrita pelo espanhol Agustin Fernández Mallo, chega ao Brasil e faz do autor o possível sucesssor de Bolaño

 

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É nosso, o Maraca? - Arnaldo Bloch


 O Globo - 13/04/2013

 

Ali era o centro do mundo. Será que voltará a ser? Ou será só um equipamento a mais a orbitar o estranho sol da Fifa e seus consórcios?

Na quinta-feira passada, dia de abertura dos envelopes para a concessão do novo Maracanã, o Escobar (Alex, apresentador do GloboEsporte), comentou, com sua careca e seu sorrisão, como todos estavam ansiosos para ver um grande jogo no estádio demolido e retrofitado (ou retrofifado, para os íntimos).
O programa exibia o quadro “O Maraca é nosso”, espécie de contagem regressiva com espírito otimista sobre o futuro do ex-maior do mundo, com um apelozinho patriótico que procura recuperar algo que um dia existiu, mas, hoje, soa como nova utopia.

Quem viu, viu, quem viveu, viveu: o nosso Maraca morreu. A vontade de ir ao Maraca, paradoxalmente, sobrevive e aumenta, reavivando memórias e criando estes sonhos ingênuos de redenção e amor renovado.
Mas o medo de entrar lá e ser assaltado por uma terrível e fatal saudade vai permancer até a hora de “adentrar” as arquibancadas e olhar o panorama da tarde azul.

Será que virá aquele susto de sempre? Aquela impressão de que, por mais nosso que fosse, o Maracanã era, a cada jogo, um acontecimento mítico, causador de um espanto estranho, metafísico.
Já dá para imaginar, daqui a uns meses, o pessoal, mais cedo, tomando cerveja em frente à mesma estátua do Bellini, só que cercada por equipamentos urbanos, shoppings, Mickeys e, talvez, um índio perdido nos entornos da Aldeia Maracanã, onde ficava o museu e que terá novo uso, ou abuso.
O torcedor vai ter ainda o privilégio de escalar as antigas rampas anguladas, que, felizmente, serão mantidas, não sei se em azul e branco ou com novos revestimentos.

As arquibancadas, lá adiante, surgirão como intrusas nascidas do vazio da demolição e estão a moldar novos ângulos e curvas, desconhecidos de quem durante décadas sentou no cimento e correu acima e abaixo pelos gigantes degraus livres de divisores, cadeiras, vidro.

Ali era o centro do mundo. Será que voltará a ser? Ou será só um equipamento a mais a orbitar o estranho sol da Fifa e seus consórcios?

Qual será o melhor envelope? A que estilo de exploração o Maraca será submetido? Com que preços o torcedor vai se confrontar? Há alguma rachadura incontornável no corpo reencarnado de Mário Filho?
Deve-se saudar quem houver decidido pela manutenção do nome que, junto com as rampas, e com os pedaços da antiga fachada que porventura se revelarem, formarão alguma massa de memória capaz de fazer o povo sentir-se, ao menos em parte, no “seu Maraca”.

Porque, lá dentro, é tudo novo, tudo, absolutamente tudo, um grande espetáculo de luz espera por todos, e todos esperam também que a nova cobertura fique mais bonita que a aparência de lona usada e suja que se tem visto nos jornais, nos sites e na TV. Coisa feia pra quem olhava o anel superior, majestoso, com suas janelas.

Faltará aquele gramado cujos vértices tocavam um piso circular que ficava ao centro do grande arco superior, e, lá no centro dos acontecimentos, o centro do gramado, e, acima do céu, o Rio, o Brasil, o Mundo, o Universo e o que mais houvesse a girar numa conjunção geocêntrica. Coisa de arrepiar os cabelos de Copérnico.

Todos estarão mais próximos do gramado, criando um intimismo que não existia no Maraca (a não ser no lindo caos da Geral), mas acabando com a monumentalidade que caracterizava o estádio e dava a ele um ar ancestral; que o fazia de todos e de ninguém, palco de guerras púnicas e batalhas romanas, Coliseu carioca e matéria de criação rodriguiana.

Naquele tempo o Maraca era nosso, apesar das incongruências da administração pública. Por mais caída que fosse, a voz de pato que saía dos alto-falantes dizendo “A Suderj informa” integrava um grande teatro formado por bandeirões, vibração no cimento, morteiros e massa humana de domingo, estática de rádio de pilha e assovios, batuques desencontrados esquentando o descompasso que precedia o jogo, como uma orquestra a afinar seus instrumentos.

O que virá no lugar dessa explosão dos sentidos? Terá restado, no espaço que o Maraca ocupa, algum ar essencial, uma energia de lenta dispersão, que, sorrateiramente, venha a reinstituir o diapasão da tribo que balançou-o por mais de meio século, evocando forças milenares, migratórias, brasileiras?

É possível que, num fenômeno, as novas estruturas sejam remodeladas, tendo como pivô o inconsciente da galera, de modo que da destruição nasça uma resultante cognitiva capaz de plugar corpo e alma na nuvem da memória: mesmo sem saber, estaremos, e nossos filhos, lá, suspensos, na onda do Maraca eterno.
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Depois de anos só trocando e-mails, tive a alegria de conhecer pessoalmente Aldir Blanc, no lançamento do bonito livro que o jornalista Luiz Fernando Vianna, o popular “Orelha”, escreveu sobre o poeta. Aldir apareceu-me como figura bíblica, mosaica, trágica e risonha. Abraçou-me com drama, chorou lamentos e celebrou a vida, como um deus.

E-mail: arnaldo@oglobo.com.br

Cerebral - José Miguel Wisnik

O Globo - 13/04/2013

Kim Jong-un fala literalmente, quando anuncia a iminência da guerra termonuclear?

Faz pouco tempo aconteceu em São Paulo o show de Arrigo Barnabé com Luiz Tatit. Pela primeira vez esses dois compositores da chamada vanguarda paulista fizeram parcerias — mais de uma dezena delas. É um assunto para quando sair o CD gravado ao vivo. Por ora, só quero citar alguns versos da canção final do show: “Ser humano é sempre igual/ é bem bom mas é falho/ ser humano é cerebral/ cerebral o caralho”. Essas palavras estão reboando no meu cérebro enquanto se desenrola a novela bélica da Coreia.

Escrevo na quinta sem saber o que ninguém sabe: Kim Jong-un fala literalmente, quando anuncia a iminência da guerra termonuclear? Está disposto, junto com seu comando militar, a desencadeá-la, ao mesmo tempo em que acusa o inimigo de fazê-lo? Ou fará alguma demonstração de poder balístico localizado, a título exemplar, para efeitos internos e externos? Com que raio de ação? Comemorará o centenário do avô, data cívica nacional máxima, na próxima segunda-feira, com algum fogo de artifício nuclear? Ou a manobra anunciada é toda de retórica verbal, com objetivos precisos? Em suma, seus mísseis serão, nesse momento, artefatos reais, imaginários ou simbólicos?

Todas as análises que leio esbarram na dificuldade de responder a essas perguntas. Se são mísseis simbólicos, fariam parte de uma diplomacia armada, a um tempo fria e fervente, capaz de considerar os fatores econômicos, políticos e militares envolvidos no tabuleiro asiático e de controlar os riscos levando-os ao limite, para firmar uma posição de força frente à Coreia do Sul, ao Japão e aos Estados Unidos. Se não estou enganado, a entrevista do embaixador brasileiro em Pyongyang, que li em “O Estado de S. Paulo”, há umas duas semanas, ia em boa parte nessa direção.

Se os mísseis são imaginários, não no sentido de irreais, mas como parte de um jogo de imagens que confronta a existência de alguém com a existência do outro que o ameaça de morte, estamos à beira de um jogo de tudo ou nada, em que a identidade nacional da Coreia do Norte, forjada no culto dinástico da sucessão dos ditadores, espelha-se na massa que os apoia e no aparato bélico que solda essa identidade imaginária num espelho de aço. Nesse sentido, a afirmação do potencial bélico contra o inimigo passa a ser, além de um desafio lançado ao outro, uma necessidade de reconhecimento fusional interno, de natureza hipnótica, entre o jovem líder aprendiz de feiticeiro e a massa.

Uma ou outra das leituras, simbólica ou imaginária, vai bater no real, porque a separação entre essas instâncias, quando postas à prova, é na verdade acadêmica. A retórica com fogo atômico, alimentada de imaginário, fica a um triz da explosão literal. No fundo, é isso que tem sido dito em meio à perplexidade, pela China, pela ONU, pelas ações militares norte-americanas ou por comentaristas variados.

A mim impressiona, a título de indício, um elemento aparentemente fortuito: os quepes do alto comando que cerca Kim Jong-un. São quepes altos e gorduchos, quase em forma de cogumelos, como que ciosos, no nível subliminar, do poder atômico que sustentam. Ninguém tira da minha cabeça que são cifras simbólicas e imaginárias do desejo real que os alimenta. O balanço menos visível disso tudo, no interior daqueles cérebros propriamente ditos, permanece como a incógnita e a interrogação sobre o desenrolar da novela.

Uma mulher cuja intuição eu admiro, e que não é militante feminista, me diz que todo esse alarde atômico da Coreia do Norte se deve ao fato de que uma mulher, Park Geun-hye, subiu recentemente ao poder na Coreia do Sul (também ela filha de um ex-ditador). Nessa hipótese, Kim Jong-un teria elevado o tom, inconscientemente ou não, movido por uma obscura guerra de gêneros, num campo político atomicamente armado, falocêntrico e refratário à ascensão do feminino ao poder, que tem acontecido em várias partes do mundo ocidental, chegando agora ao Oriente. O pouco que se fala da presidente sul-coreana, no contexto da crise, não deixa de ser um índice silenciado e silencioso desse fato, e da dificuldade de identificá-lo.

Volto ao cérebro: “Ser humano é cerebral /cerebral o caralho”. A palavra “cerebral” significou tradicionalmente o que é racional, equilibrado, não movido por impulsos e instintos. Essa distinção, que a canção de Arrigo e Tatit põe e dispõe com vigor espetacular, numa espécie de desabafo, também pode ser vista pelo seu avesso: as ciências têm mostrado que o cérebro não é totalmente “cerebral”. Ele manipula, esconde, premia com o prazer como se fôssemos cobaias dele, e nos leva a crer no que “ele” prefere que creiamos. Cerebral e o caralho. Como a novela atômica da península coreana.