Ali
era o centro do mundo. Será que voltará a ser? Ou será só um
equipamento a mais a orbitar o estranho sol da Fifa e seus consórcios?
Na quinta-feira passada, dia de abertura dos envelopes para a
concessão do novo Maracanã, o Escobar (Alex, apresentador do
GloboEsporte), comentou, com sua careca e seu sorrisão, como todos
estavam ansiosos para ver um grande jogo no estádio demolido e
retrofitado (ou retro
fifado, para os íntimos).
O programa
exibia o quadro “O Maraca é nosso”, espécie de contagem regressiva com
espírito otimista sobre o futuro do ex-maior do mundo, com um apelozinho
patriótico que procura recuperar algo que um dia existiu, mas, hoje,
soa como nova utopia.
Quem viu, viu, quem viveu, viveu: o nosso
Maraca morreu. A vontade de ir ao Maraca, paradoxalmente, sobrevive e
aumenta, reavivando memórias e criando estes sonhos ingênuos de redenção
e amor renovado.
Mas o medo de entrar lá e ser assaltado por uma
terrível e fatal saudade vai permancer até a hora de “adentrar” as
arquibancadas e olhar o panorama da tarde azul.
Será que virá
aquele susto de sempre? Aquela impressão de que, por mais nosso que
fosse, o Maracanã era, a cada jogo, um acontecimento mítico, causador de
um espanto estranho, metafísico.
Já dá para imaginar, daqui a uns
meses, o pessoal, mais cedo, tomando cerveja em frente à mesma estátua
do Bellini, só que cercada por equipamentos urbanos, shoppings, Mickeys
e, talvez, um índio perdido nos entornos da Aldeia Maracanã, onde ficava
o museu e que terá novo uso, ou abuso.
O torcedor vai ter ainda o
privilégio de escalar as antigas rampas anguladas, que, felizmente,
serão mantidas, não sei se em azul e branco ou com novos revestimentos.
As
arquibancadas, lá adiante, surgirão como intrusas nascidas do vazio da
demolição e estão a moldar novos ângulos e curvas, desconhecidos de quem
durante décadas sentou no cimento e correu acima e abaixo pelos
gigantes degraus livres de divisores, cadeiras, vidro.
Ali era o
centro do mundo. Será que voltará a ser? Ou será só um equipamento a
mais a orbitar o estranho sol da Fifa e seus consórcios?
Qual será
o melhor envelope? A que estilo de exploração o Maraca será submetido?
Com que preços o torcedor vai se confrontar? Há alguma rachadura
incontornável no corpo reencarnado de Mário Filho?
Deve-se saudar
quem houver decidido pela manutenção do nome que, junto com as rampas, e
com os pedaços da antiga fachada que porventura se revelarem, formarão
alguma massa de memória capaz de fazer o povo sentir-se, ao menos em
parte, no “seu Maraca”.
Porque, lá dentro, é tudo novo, tudo,
absolutamente tudo, um grande espetáculo de luz espera por todos, e
todos esperam também que a nova cobertura fique mais bonita que a
aparência de lona usada e suja que se tem visto nos jornais, nos sites e
na TV. Coisa feia pra quem olhava o anel superior, majestoso, com suas
janelas.
Faltará aquele gramado cujos vértices tocavam um piso
circular que ficava ao centro do grande arco superior, e, lá no centro
dos acontecimentos, o centro do gramado, e, acima do céu, o Rio, o
Brasil, o Mundo, o Universo e o que mais houvesse a girar numa conjunção
geocêntrica. Coisa de arrepiar os cabelos de Copérnico.
Todos
estarão mais próximos do gramado, criando um intimismo que não existia
no Maraca (a não ser no lindo caos da Geral), mas acabando com a
monumentalidade que caracterizava o estádio e dava a ele um ar
ancestral; que o fazia de todos e de ninguém, palco de guerras púnicas e
batalhas romanas, Coliseu carioca e matéria de criação rodriguiana.
Naquele
tempo o Maraca era nosso, apesar das incongruências da administração
pública. Por mais caída que fosse, a voz de pato que saía dos
alto-falantes dizendo “A Suderj informa” integrava um grande teatro
formado por bandeirões, vibração no cimento, morteiros e massa humana de
domingo, estática de rádio de pilha e assovios, batuques desencontrados
esquentando o descompasso que precedia o jogo, como uma orquestra a
afinar seus instrumentos.
O que virá no lugar dessa explosão dos
sentidos? Terá restado, no espaço que o Maraca ocupa, algum ar
essencial, uma energia de lenta dispersão, que, sorrateiramente, venha a
reinstituir o diapasão da tribo que balançou-o por mais de meio século,
evocando forças milenares, migratórias, brasileiras?
É possível
que, num fenômeno, as novas estruturas sejam remodeladas, tendo como
pivô o inconsciente da galera, de modo que da destruição nasça uma
resultante cognitiva capaz de plugar corpo e alma na nuvem da memória:
mesmo sem saber, estaremos, e nossos filhos, lá, suspensos, na onda do
Maraca eterno.
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Depois de anos só
trocando e-mails, tive a alegria de conhecer pessoalmente Aldir Blanc,
no lançamento do bonito livro que o jornalista Luiz Fernando Vianna, o
popular “Orelha”, escreveu sobre o poeta. Aldir apareceu-me como figura
bíblica, mosaica, trágica e risonha. Abraçou-me com drama, chorou
lamentos e celebrou a vida, como um deus.
E-mail: arnaldo@oglobo.com.br