terça-feira, 28 de maio de 2013

Já para o armário - Guilherme Fiuza

Época - 28/05/2013

A causa gay, como todo mundo sabe, virou um grande mercado - comercial e eleitoral. Hoje, qualquer político, empresário ou vendedor de qualquer coisa tem orgulho gay desde criancinha. Se você quer parecer legal perante seu grupo ou seu público, defenda o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Você ganhará imediatamente a aura do libertário, do justiceiro moderno. Você é do bem. Em nome dessa bondade de resultados, o Brasil acaba de assistir a um dos atos mais autoritários dos últimos tempos. Se é que o Brasil notou o fato, em meio aos confetes e serpentinas do proselitismo pansexual.

O Conselho Nacional de Justiça decidiu obrigar os cartórios brasileiros a celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Tudo ótimo, viva a liberdade de escolha, que cada um case com quem quiser e se separe de quem não quiser mais. Só que a bondade do CNJ é ilegal. Trata-se de um órgão administrativo, sem poder de legislar - e o casamento, como qualquer direito civil, é uma instituição fundada em lei. O CNJ não tem direito de criar leis, mas tem Joaquim Barbosa.

Joaquim Barbosa - presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça - é o super-herói social. Homem do povo, representante de minoria, que chegou ao topo do Estado para “dizer as verdades que as pessoas comuns querem dizer”. O Brasil é assim, uma mistura de novela com jogo de futebol. Se o sujeito está no papel do mocinho, ou vestindo a camisa do time certo, ele pode tudo. No grito.

Justiceiro, Joaquim liberou o casamento gay na marra e correu para o abraço. Viva o herói progressista! Se a decisão de proveta for mantida, o jeito será rezar para que o CNJ seja sempre bonzinho e não acorde um dia mal-humorado, com vontade de inventar uma lei que proíba jornalistas de criticar suas decisões. Se “o que o povo quer” pode ser feito no grito, o que o povo não quiser também pode. O Brasil já cansou de apanhar do autoritarismo, mas não aprende.

E lá vai Joaquim, o redentor, fazendo justiça com as próprias cordas vocais. Numa palestra para estudantes de Direito, declarou que os partidos políticos brasileiros são “de mentirinha”. Uma declaração absolutamente irresponsável para a autoridade máxima do Poder Judi-
ciário, que a platéia progressista aplaude ruidosamente. Se os partidos não cumprem programas e ideias claras, raciocinam os bonzinhos, pedrada neles. Por que então não dizer também que o Brasil tem uma Justiça “de mentirinha”? Juizes despreparados, omissos e corruptos é que não faltam. Quantos políticos criminosos militam tranquilamente nos partidos “de mentirinha”, porque a Justiça não fez seu papel?

A democracia representativa é baseada em partidos políticos. Com todas as suas perversões - e são muitas eles garantem seu funcionamento. E também legitimam a ação de gente séria que cumpre programas e ideias, pois, se fosse tudo de mentira, um chavista mais esperto já teria mandado embrulhar o pacote todo para presente, com Joaquim e tudo.

A resolução do CNJ sobre o casamento entre homossexuais é uma aberração, um atropelo às instituições pelo arrastão politicamente correto. A defesa da causa gay está ultrapassando a importante conquista de direitos civis para virar circo, explorado pelos espertos. Um jogador de basquete americano anuncia que é homossexual, e isso se torna um espetáculo mundial, um frisson planetário. Como assim? A esta altura? A relação estável entre parceiros do mesmo sexo já não é aceita na maior parte do Ocidente? Por que, então, a decisão do jogador é uma bomba? Simples: a panfletagem pró-gay virou um tiro certo. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dá declaração solene até sobre a opção sexual dos escoteiros. Talvez, um dia, os gays percebam que foram usados demagogicamente, por um presidente com sustentação política precária, que quer se safar como herói canastrão das minorias.

Ser gay não é orgulho nem vergonha, não é ideologia nem espetáculo, não é chique nem brega. Não é revanche. Não é moderno. Não é moda. É apenas humano.

A luta contra o preconceito precisa ser urgentemente tirada das mãos dos mercadores da bondade. Eles semeiam, sorridentes, a intolerância e o autoritarismo. Já para o armário!

DE SUPLICY PARA LULA

Veja - 28/05/2013

Em uma carta encaminhada ao ex-presidente, o senador reclama do isolamento político e mostra as contradições enfrentadas pelo PT quando o assunto é ética

O senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, é um político excêntrico. Ele já botou chapéu de Robin Hood, já vestiu uma cueca vermelha e destilou pelos corredores do Congresso e, vez por outra, canta no plenário para chamar atenção sobre algum assunto. O0 parlamentar também já esteve na linha de frente de causas importantes. Contrariando a orientação do seu partido, ele apoiou a CPI que desmascarou a quadrilha do mensalão. Mais recentemente, esteve ao lado da blogueira cubana Yoani Sánchez, quando os petistas a hostilizavam país afora. Na semana passada. Suplicy subiu ao palco durante um show em São Paulo e implorou a ladrões que devolvessem sua carteira, furtada minutos antes. Ele nem queria de volta o dinheiro que havia nela, cerca de 400 reais. Bastava que devolvessem os cartões e os documentos. Foi ovacionado pela multidão. Esse comportamento autêntico garante ao senador uma imensa legião de admiradores — e uns poucos, mas poderosos, desafetos. Há mais de vinte anos, esses admiradores renovam o mandato de Suplicy a cada eleição. Os desafetos, pela primeira vez, apostam que esse ciclo acabou.

 Nos planos da cúpula do PT, Suplicy foi escolhido para o sacrifício eleitoral. Para viabilizarem uma coligação ampla que permita ao partido disputar o governo de São Paulo em 2014, os petistas planejam entregar a vaga do senador a outra agremiação. Pode ser ao PMDB, ao PSD ou até mesmo ao PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto. Feito isso, a menos que mude de partido, Suplicy não poderia disputar sua recondução ao Senado. A estratégia petista prevê, no máximo, a possibilidade de ele concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. "Ele seria o nosso Tiririca", conta uma liderança petista, Suplicy identificou a origem do plano e, durante os últimos meses, tentou uma audiência com o ex-presidente Lula para tratar do assunto. Ligou para a secretária, pediu a ajuda de companheiros, enviou recados. Nada. No último dia 6, sem receber nenhuma resposta, o senador foi ao Instituto Lula e entregou uma carta ao ex-presidente. Uma carta cheia de ponderações e desabafos — uma sutil lição de moral.

 Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT abandonou o que se imaginava ser o mais sólido pilar de sustentação do partido: o compromisso com a ética. Na cana a Lula, Suplicy recorda esse propósito: "Sempre teríamos na transparência de nossos atos e na ética na s ida política os valores fundamentais do PT". E depois alfineta: "Foi o que muitas vezes ouvi de você". O senador, com elegância, mas sem esconder a mágoa de saber que o seu futuro político está sendo definido pelos companheiros à sua revelia, disparou: "Há apenas uma hipótese de eu abrir mão de disputar o Senado em 2014: caso você tLitUit queira disputar". Ninguém cogita a hipótese de o ex-presidente se candidatar ao Parlamento. Ainda assim, o senador escreveu: "Li com atenção uma entrevista sua em que lembrava de como Darcy Ribeiro costuma dizer que entrar no Senado era como entrar no céu (...) Acredito que considere algo positivo tornar-se senador". Ironia pura.

 A carta teve algum efeito prático. Depois de tentar uma audiência por mais de quatro meses, Suplicy foi recebido pelo ex-presidente. Quebrando o protocolo, o encontro não foi documentado pelo fotógrafo oficial de Lula. Ficou por conta do próprio senador registrar a reunião em seu celular. Na cena, aparece um Suplicy sorridente ao lado de um Lula aparentemente constrangido. De acordo com o senador, a imagem não reflete o clima do encontro. Lula teria sido simpático e categórico: "Eduardo, não existe hipótese de o PT impedir que você seja o candidato". Na política, o que se fala muitas vezes não se escreve. Mas para o senador está tudo resolvido. Ele conseguiu a garantia da maior liderança petista de que o partido não vai mais lhe bater a carteira nas eleições. Os ladrões também devolveram os documentos e os cartões.

São Paulo, 6 de maio de 2013

 "Caro presidente Luiz Inácio Lula da Silva:"

"Sempre teríamos na transparência de nossos atos e na ética na vida política os valores fundamentais do PT, foi o que muitas vezes ouvi de você. Nesses 33 anos de militância honrei esses valores e objetivos".

"Quero lhe transmitir pessoalmente a minha disposição de ser candidato ao Senado em 2014 e naquela casa continuar a honrar o PT. Tenho procurado marcar um encontro pessoal, há meses, mas por alguma razão tem sido sempre adiado".

 "Gostaria de relembrar que, em 2011, quando éramos cinco os pré-candidatos a prefeito de São Paulo, você convocou os demais para dialogarem com você no Instituto Lula para que desistissem em favor de Fernando Haddad. Imagino que tenha avaliado que não precisava conversar comigo".

 "Há cerca de duas semanas, conforme soube pela imprensa, houve reunião no Instituto Lula. em que estiveram presentes os presidentes nacional e estadual. Rui Falcão e Edinho Silva, outros importantes dirigentes e pelo menos oito prefeitos do PT. Não fui convidado, embora ali tenha se discutido a campanha de 2014, os procedimentos para a escolha de nosso candidato ao governo de São Paulo, ao Senado e possíveis coligações. Segundo o divulgado, os presentes teriam solicitado à direção organizar uma pesquisa de opinião para saber qual o candidato a governador mais viável. Ademais, cogitou-se a possibilidade de que eu pudesse ser candidato a deputado federal para fortalecer a legenda do PT, com a informação de que caberia a você convencer-me desta alternativa".

 "Considero justo que o PT me aponte como candidato ao Senado. Por uma questão de respeito à minha contribuição para o PT desde a fundação e também por ter sido eleito por votações cada vez maiores para o Senado, em 1990 com 4 229 706 milhões de votos, 30%; em 1998 com 6718463,43,07%; em 2006, com 8986803 votos, 47,82%".

 "Poderemos fazer uma prévia aberta a todos os filiados e eleitores interessados em participar como mais e mais se faz em todos os países democráticos. Lembro que José Dirceu certa vez defendeu que nossas prévias deveriam ser abertas a todos os eleitores".

 "Há apenas uma hipótese de eu abrir mão de disputar o Senado em 2014: caso você queira disputar. Por respeito aos seus oito anos como Presidente da República, por já ter disputado uma prévia com você em 2002 e você ter ganho por larga margem".

 "Sempre observei que você acompanhou com grande interesse tudo o que se passa ali, pois sempre comentou conosco que costumava assistir à TV Senado. Acredito que considere algo positivo tornar-se Senador".

 "Eduardo Matarazzo Suplicy"

Personagens comuns em ricas histórias - Marcelo Lyra

 Valor Econômico - 28/05/2013

Este é o segundo livro de contos do moçambicano Mia Couto, um dos mais importantes autores africanos da atualidade, conhecido principalmente pelo belíssimo romance "Terra Sonâmbula". Nas histórias curtas os personagens perdem um pouco em densidade, quando comparados aos do romance, mais por falta de tempo para um aprofundamento. Em compensação, sua imaginação e habilidade na ambientação seguem intactos. São 11 histórias, a maioria com protagonistas mulheres, em narrativas que oscilam ora entre o realismo mágico das lendas africanas, ora em meio à dura repressão das autoridades do Terceiro Mundo, sempre retratadas de modo patético.

Uma das mais belas e interessantes é sem dúvida a que abre o livro, "A Rosa Caramela", uma jovem corcunda, de rosto belíssimo, que enlouqueceu depois de ser abandonada no altar, desenvolvendo o hábito de conversar com estátuas. O mistério que essa mulher inspira nos moradores do pequeno vilarejo é proporcional à comoção causada por sua arbitrária prisão, simplesmente porque conversava demais com a estátua de um antigo líder deposto e proscrito pelo novo regime, o que foi considerado pelas autoridades como subversivo. A surpresa com a revelação do desconhecido noivo e o desfecho da trama são dessas coisas que fazem a literatura valer a pena.


"Rosalinda, a Nenhuma" mostra uma mulher que sofre anos com as traições e espancamentos do marido, um alcoólatra que vive às custas dela. Só quando ele morre ela se sente capaz de apaixonar-se por ele, enciumando-se de outra que também vem chorar no túmulo do marido. Novamente, aqui, por trás da trama singela é possível notar o registro de um cotidiano machista, no qual as mulheres são submetidas aos desmandos do marido e a libertação só vem com a morte dele.
Entre os contos masculinos, destaca-se o do Tio Geguê, que mostra o terror que as milícias impõem nos povoados por intermédio de uma história romântica de um rapaz órfão, criado pelo tio, que de repente começa a ter sonhos com a mãe que nunca conheceu. Há também o barbeiro Beruberu, pobre e querido em seu povoado, que procura valorizar sua barbearia garantindo que cortou o cabelo do ator americano Sidney Poitier. Seus problemas começam quando as autoridades acham que esse culto aos estrangeiros pode ser subversivo.


Como em quase todo livro de contos, o resultado é desigual, já que um ou outro relato não atinge o bom nível da maioria. Mas a poesia delicada e romântica que emana dos personagens está presente em todos, e o que mais impressiona é a habilidade de Couto na construção de frases. Elas são reduzidas ao mínimo e compreendidas muitas vezes pela sonoridade, à maneira de Guimarães Rosa. Couto parece esculpir cada palavra de modo que se encaixem nas frases como pedras de uma pirâmide. Fosse só esse seu mérito, já estaríamos diante de um escritor de destaque. Mas seus personagens são tão ricos em sua simplicidade cotidiana, tão humanos em seu sofrimento obstinado, que, para além do estilo, se tornam marcantes e acabam permanecendo por muito tempo na memória.
O livro vem com um oportuno glossário ao final, uma vez que Couto usa muitas expressões comuns ao vocabulário moçambicano, e recomenda-se uma leitura prévia, para familiarizar-se com elas e assim não quebrar o ritmo das deliciosas histórias.

"Cada Homem É uma Raça"

Mia Couto Companhia das Letras 198 págs, R$ 35,00 

Um empresário que fez seu tempo - Ivo Ribeiro

Valor Econômico - 28/05/2013


Um homem obcecado pelo trabalho, simples nos costumes, cercado de forte admiração popular. Respeitado nos meios empresariais e entre os políticos, Antônio Ermírio de Moraes era constantemente assediado pela mídia, pois não tinha travas na língua ao expressar seus pensamentos e convicções. Esse extrato está no perfil traçado pelo amigo José Pastore, muito mais o relato de uma convivência de 35 anos do que uma biografia. A aproximação, que se transformou em grande amizade, começou em 1979, nos bastidores do Ministério do Trabalho, em Brasília.

A convivência se estreitou e tornou-se quase diária. "O trabalho, para ele, era quase uma religião e estava sempre mais preocupado em fazer mais para o Brasil do que para si próprio", diz Pastore. Antônio Ermírio criticava o governo, mas, acima de tudo, era um otimista com o futuro do Brasil, apesar dos vários momentos em que, por razões econômicas ou políticas, os negócios de seu grupo e toda a indústria passaram por dificuldades. Era preocupado com as causas sociais. No teatro, como autor, buscou um caminho alternativo para expressar sua visão de temas críticos da vida nacional. Como representante de um dos maiores conglomerados industriais e empresariais do país, sua voz tinha ressonância nos meios políticos e entre seus pares. O grupoVotorantim chegou a ter mais de 90 empresas e a empregar cerca de 60 mil pessoas.

Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, especializado na área de relações do trabalho e recursos humanos, reuniu nos últimos três anos tudo que observou de Antônio Ermírio no dia a dia da longa convivência, nas conversas que mantinham, nas entrevistas que concedeu aos jornais, revistas, rádio e TV e nos seus arquivos pessoais e da família. Desse rico material surgiu o livro agora publicado. A data escolhida para o lançamento, 4 de junho, não foi casual. É quando Antônio Ermírio vai completar 85 anos de vida. "É a melhor forma de homenagem e um presente ao meu amigo", diz Pastore.

O envolvimento do jovem Antônio Ermírio com o trabalho na empresa começou aos 21 anos, na volta dos Estados Unidos ao Brasil. Lá obtivera o diploma de engenheiro metalúrgico na Escola de Minas do Colorado. O pai, José Ermírio de Moraes, o chamou e informou que, durante um ano, iria trabalhar sem salário na Votorantim, para comprovar se teria competência para assumir parte dos negócios. Iniciou-se, naquele momento, um longo período de 60 anos anos dedicados integralmente ao grupo. Antônio Ermírio só parou na passagem de 2007 para 2008, impedido por problemas de saúde que começaram a aparecer em 1998 e foram se agravando. A combinação de hidrocefalia e mal de Alzheimer, detectada em 2006, já não permitia que trabalhasse.

O livro de Pastore retrata a trajetória de vida do empresário, com riqueza de detalhes profissionais e do seu modo de ser - que lhe trouxe também desilusões, na cena empresarial e também na política, com iniciativas em que se aventurou para nunca mais voltar. Lembrava o que o pai lhe dissera um dia: "Filho, jamais entre na política. Só tive decepções". José Ermirio de Moraes fora senador por Pernambuco e ministro da Agricultura por alguns meses, em 1963.

O livro começa com a infância da Antônio Ermírio na cidade de São Paulo e passa por sua formação profissional e intelectual. Mostra sua intensa participação na vida econômica do país, a fracassada aventura na vida partidária, como candidato a governador do Estado de São Paulo, a incursão na dramaturgia, ao escrever três peças teatrais, e a presença em obras sociais - o hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, do qual cuidava com esmero de gestor muito atento, como se fosse uma das suas empresas, era quase sua segunda casa. A primeira, no escritório do grupo Votorantim, onde chegava religiosamente entre 7 horas e 7h30 e saía já noite adentro. E muitas vezes aos sábados.

Antônio Ermírio conduziu o grupo com mãos de ferro, ao lado do irmão José Ermírio de Moraes Filho, dois anos mais velho. E a própria família. Rigoroso, fez quatro dos cinco filhos homens, de uma prole de nove, cursarem a mesma Faculdade de Minas do Colorado, nos Estados Unidos, por onde passou, e levou todos a trabalhar desde cedo nas empresas do grupo. "Tinha horror à ideia de que crescessem e se acostumassem ao luxo e à vida mansa", relata Pastore.

Algumas coisas o decepcionaram profundamente. Por exemplo, a disputa pelo cargo de governador paulista, em 1986, quando perdeu a eleição praticamente ganha para Orestes Quércia (PMDB). Isso lhe deixou amargas lembranças do meio político e da prática de conchavos, que não condiziam com sua retidão e caráter. Devia ter o seguido o conselho do pai, costumava dizer.

Outro caso foi a acirrada batalha da privatização da então Vale do Rio Doce (hoje Vale), em 1997, da qual saiu como perdedor para um consórcio comandado pelo quase desconhecido e jovem empresário Benjamin Steinbruch, que tinha vindo do setor têxtil e ganhara a siderúrgica CSN poucos anos antes. Foi uma derrota que o entristeceu. A Vale era uma empresa que tinha muitos dos seus negócios similares aos do grupo Votorantim, principalmente em mineração e metais.

Outra coisa, confirma Pastore, que o deixava por demais incomodado: o fato de o grupo ter criado um banco, inicialmente convencido que seria só para aplicar recursos próprios e que, ao longo dos anos, veio a representar 30% dos negócios. Antônio Ermírio era um fervoroso crítico dos bancos. Dizia que praticavam juros exorbitantes, sufocando as empresas e ganhando dinheiro fácil na ciranda financeira, enquanto a indústria sofria com a inflação alta e outros problemas. Certa vez, afirmou, em uma entrevista: "É isso mesmo, o Brasil só tem dois partidos: os banqueiros e o resto".

Pastore registra que, até 1986, teve contatos esporádicos com Antônio Ermírio. A amizade se aprofundou quando foi convidado a organizar um plano de governo para São Paulo, dentro da campanha ao governo do Estado. "Ele entrou muito animado e foi assim até o fim, apesar do bombardeio dos adversários, o que o deixou muito sentido. Atingiu a conduta ética dele". Pastore colaborou também com o amigo na elaboração dos cerca de 900 artigos semanais, aos domingos, que escreveu para a "Folha de São Paulo" durante 17 anos.

"Ele era muito fissurado por temas sociais e queria dados profundos. Por isso, tinha de pesquisar muito, inclusive em áreas que não eram de minha seara, como as de energia e meio ambiente", diz. Seu apreço era por questões que lhe pareciam prioritárias e mal cuidadas, como produtividade, qualificação de mão de obra, competitividade, e outras, de cunho social, nas quais encontrava oportunidade para opinar sobre drogas, jogo, criminalidade e prostituição, sempre com palavras fortes.

Isso incomodava muita gente, na economia e na política. Suas análises ressoavam entre os políticos, influenciando-os nos debates. Levaram o falecido Antônio Carlos Magalhães a pedir que parasse de "pautar" o Congresso Nacional, quando o político baiano era presidente do Senado.

O Brasil e muitos desses assuntos forneceram a matéria-prima de suas peças teatrais - "Brasil S.A." (1995), "SOS Brasil" (1999) e "Acorda, Brasil" (2002) - dirigidas e encenadas por grandes nomes do teatro. Não se considerava um dramaturgo. Mas, diz Pastore, a atividade autoral fez com que Antônio Ermírio se tornasse uma pessoa menos fechada e carrancuda. Ficou mais alegre e aberto a brincadeiras.

Segundo Pastore, desde o início de 2008 o empresário não tomou mais ciência das atividades do grupo que ajudou a crescer e a se tornar um dos mais importantes do Brasil. Diz que Antônio Ermírio não fez menções a ele sobre os problemas financeiros que o grupo passou a enfrentar a partir da crise global de setembro de 2008. Foi preciso vender, nos anos seguintes, alguns ativos e metade do seu banco ao Banco do Brasil, para se reequilibrar.

Pastore afirma que o que agravou a saúde de Antônio Ermírio foi a morte de dois filhos, Mário e Carlos Ermírio, o primeiro em agosto de 2009 e o segundo dois anos depois. Ambos, de câncer. "Ele se abateu demais com essas duas perdas."

"Antônio Ermírio de Moraes - Memórias de um Diário Confidencial"
José Pastore. Editora: Planeta. 360 págs., R$ 39,90

domingo, 26 de maio de 2013

Edital Racial - 5 visões sobre as cotas para ' cultura negra'





No rádio do carro - Caetano Veloso


 O Globo - 26/05/2013

Os caminhos e as relações de ritmos como o funk, o maculelê, o Olodum e as baterias de escolas de samba

No rádio do carro ouço o que pinta, dentro do que, em parte, procuro. Acabo de ouvir Fernanda Abreu cantando “Baile da pesada” com o Monobloco. Penso nos caminhos que vem percorrendo a percussão brasileira de rua, a carnavalesca, sobretudo desde que os blocos afro de Salvador ganharam a definição e a notoriedade que cresceram a partir do final dos anos 1970. Passando pelo mangue-beat, ou bit, como se chamava originalmente (ou talvez devamos dizer que há um mangue-beat, que caracteriza a levada de ao menos um dos grupos do movimento mangue-bit), pelo samba-reggae e pelo samba-merengue do Olodum (que Neguinho do Samba não tinha conseguido impor ao Ilê-Aiyê), pelo Monobloco e pelo polêmico “funk” da bateria da Viradouro, essas formações têm mais proximidade com as bandas estudantis americanas do que em geral imaginamos. Podem ser vistas em alguns filmes: são bandas de percussão informais, que reproduzem em instrumentação marcial as levadas de funk, rhythm&blues, soul e outras modalidades de música negra dos Estados Unidos. Há parentesco estreito entre essas bandas e a percussão brasileira contemporânea. Mas a influência das baterias de escolas de samba como modalidade de reprodução marcial de ritmos nascidos da música mão-no-couro dos terreiros de candomblé sobre o imaginário internacional está por ser avaliada. Lembro-me de ter lido, lá pelos anos 1980, comentário de um criador americano de disco music sobre os brasileiros não saberem o quanto a invenção do gênero devia ao carnaval do Brasil. Ele se referia às marchinhas e a tudo o mais.

O caminho do baile funk, ou funk carioca, é fascinante. Hermano Viana tem milênios de crédito por ter escrito sobre o fenômeno na fase embrionária — e vendo já tudo o que de essencial podemos ver com clareza agora. Da eleição do repertório de hits se dando de forma totalmente independente da programação radiofônica e dos interesses das gravadoras à predominância da batida umbanda-maculelê sobre o Miami bass, o funk carioca é uma história de liberdade inventiva cuja importância ainda havemos de saber reconhecer. Ouço funk no rádio do carro com meu filho mais novo. Ele gosta. Tem 16 anos. O fascínio cresce pelo fato (em princípio às vezes irritante para mim) de não serem gravações que vou encontrar em discos na livraria mais próxima da Zona Sul, cuja comercialização não é como a tradicional. Sendo ela também um fenômeno de inventividade, parece que devo manter num mundo algo inatingível as peças que ela distribui. Como minha memória não é mais lá essas coisas, fico com fragmentos de frases chulas e de sons incomuns, tudo excitando minha capacidade de fruir e de julgar.

No começo, era o Miami bass, sobre o qual uma tumbadora aguda gritava, ao longe, a célula do maculelê. E logo o maculelê, exclusividade da minha cidade de nascimento (como os festejos do 13 de Maio), foi tomando conta. Trata-se de uma forma de dança e luta que se desenvolveu em Santo Amaro, onde e apenas onde era conhecida, até alguns grupos folclóricos de Salvador a adicionarem às apresentações de capoeira que mostravam ao mundo.

Os negros na diáspora e sua conversa com o mundo. Sou um mulato nato e repito que a bossa nova é foda. Ao som do rádio do carro, sou arrastado a sentir essas movimentações sugestivas. Jobim/Nestrovski, Fernanda e Monobloco, Seu Jorge e um certo surdo, Olodum, americanos, Viradouro, baile funk. Que lugar ou momento dessas danças estamos vivendo cada vez que votamos em eleições, abordamos questões setoriais ou imaginamos como decidir sobre nossas vidas?

Ouço na Rádio MEC três temas de Tom Jobim com Arthur Nestrovski ao violão e fico impressionado com a sonoridade do instrumento. Parece que a nitidez e a limpidez das notas nascem do sentimento que o violonista experimenta ao defrontar-se com as ideias musicais do autor, não um conseguimento técnico devido a treinamento exaustivo — embora treinamento exaustivo tenha naturalmente sido necessário para que o resultado fosse esse. Ouço na MPB FM Seu Jorge cantando divinamente um samba de andamento médio em que um surdo sobrenatural comenta toda a história de tristeza e superação que marca o gênero. Como é tarde, a emissora não dá os créditos: terei de encontrar a gravação ouvindo várias outras do cantor. Posso também simplesmente perguntar a ele ou a pessoas que conheçam bem seu trabalho. Mas será uma pergunta vaga. Apenas a descrição desse surdo e a definição do andamento, já que, embora na hora tenham me impressionado também, as palavras e as frases melódicas não ficaram registradas nessa memória já tão fraca, se comparada ao que era quando eu tinha 26 anos.


sábado, 25 de maio de 2013

Twitter.BR - Cora Rónai

O Globo - 25/05/2013
 
Direção da rede no país procura
popularizar mais uso das hashtags e
também investir nos vídeos do Vine


Ferramenta de chat, rede social, microblog —
até hoje há quem não saiba direito a que veio
o Twitter, sobretudo no Brasil, onde, significativamente,
sua maior concorrência, até outro dia,
era o Orkut. Somos expansivos, gostamos de bater
papo e de jogar conversa fora, dois conceitos que
não combinam com a brevidade imposta pelos 140
caracteres do passarinho azul.

— As pessoas ainda fazem confusão —reconhece
Guilherme Ribenboim, diretor geral da empresa no
país. — O Twitter não é propriamente uma rede social;
é, sobretudo, uma rede de informação.

O desafio de Guilherme, que assumiu o posto há
seis meses, é ampliar a presença do Twitter no Brasil
e botar os pingos nos ii. Para isso, ele tem conversado
com formadores de opinião e com os VITs,
Very Important Twitters, em geral celebridades
com grande número de seguidores. Tem também
fechado parcerias com empresas. A mais emblemática,
até aqui, foi a presença no Camarote da
Brahma, no Carnaval. Ao mesmo tempo, ele é uma
espécie de evangelista das hashtags, as etiquetas
precedidas de jogo da velha que viraram sinônimo
universal do Twitter.

Hashtags são muito úteis para identificar assuntos
e são, em princípio, elementos de escrita pragmáticos.
Na hora da novela, por exemplo, quem
quer entrar no papo geral marca os seus tuites com
#amoravida; já quem quer ver o que os outros estão
achando, dá uma busca em #amoravida para encontrar
todos os comentários.

Com o tempo, porém, as hashtags ganharam
também uma aura metafísica, que define o sentimento
da vida num certo momento. Quem é que
ainda não viu um #prontofalei, hoje clássica identificação
de desabafo? Ontem mesmo usei um
#pyongyangfeelings quando twittei sobre o apagão
que me deixou sem luz e, consequentemente, sem
internet: afinal, nada mais Coreia do Norte do que
falta de luz e de conexão...

Outra missão de Guilherme Ribenboim é difundir
o uso do Vine, espécie de cruzamento entre
YouTube, Instagram e Twitter que, com um ano,
começa a bombar nas paradas. O Vine, comprado
pelo Twitter em outubro do ano passado, e lançado
em fins de janeiro deste ano, é um aplicativo que
faz e compartilha filmetes de seis segundos. Ele
tem dois grandes trunfos: os seis segundos, justamente,
equivalentes aos 140 caracteres em palavras
e perfeitos para quem vê, e a absoluta facilidade
de uso. Para gravar, basta tocar na tela; para parar
de gravar, é só tirar o dedo. Os filmetes são praticamente
fotos em vários tempos: toca, tira, toca, tira...
simples assim.

O desafio é fazer videos interessantes. Loops e bichos
de estimação têm se provado populares. Há
pessoas super criativas que fazem autênticos milagres
com tão poucos recursos; o resto da humanidade
se contenta em mostrar o que vai comer. E,
claro, os gatos. Muitos gatos!

O maior entrave à popularização do Vine é que,
por enquanto, ele só funciona em iOS, o sistema
operacional do iPhone. Nos Estados Unidos, porém,
onde o smartphone da Apple domina o mercado,
o Vine já tem massa crítica: há fins de semana
em que mais de 100 mil videos são postados, e até
Sir Paul McCartney aderiu à brincadeira.

— A velocidade com que as pessoas aderem às
novas redes é impressionante — observa Guilherme
Ribenboim. — Ashton Kutcher levou três anos
para chegar a um milhão de seguidores no Twitter.
Os usuários mais seguidos do Vine devem chegar a
isso nos próximos três meses, se não antes