Valor Econômico - 02/05/2013
Na data de seu 13º aniversário, o
Valor publica hoje
o caderno especial "Rumos da Economia", cujo conteúdo está totalmente
voltado à resposta a uma pergunta que intriga os brasileiros: "Por que o
país, a despeito dos estímulos aplicados nos últimos dois anos, não
cresce?"
Para responder a essa pergunta, o jornal pediu artigos, entrevistou
economistas e fez reportagens sobre alguns obstáculos que parecem
impedir o crescimento do PIB. Trouxe também ao jornal dois economistas
de tendências diferentes, embora nem sempre divergentes, os professores
Edmar Bacha e Luiz Gonzaga Belluzzo, que durante três horas dialogaram
sobre os entraves ao crescimento.
Bacha, hoje ligado ao PSDB, é um dos formuladores do Plano Cruzado e do
Plano Real. Belluzzo, também da equipe que implantou o Cruzado, se
identifica mais com a atual equipe econômica do governo. No debate,
ambos concordaram em que, para que haja crescimento, será preciso fazer
alguma coisa para salvar a indústria brasileira. "O foco é a indústria",
disse Bacha, que propôs o lançamento de um "Plano Real da indústria".
A proposta de Bacha inclui três estágios, não necessariamente
sequenciais. O primeiro seria fiscal, um programa pré-anunciado para um
certo número de anos, durante os quais haveria corte progressivo de
impostos e racionalização sobre a atividade industrial. Isso resolveria o
primeiro problema da indústria, que é o custo dos tributos, gerando
perda de receita compensada com o controle de gastos públicos por oito
anos.
O segundo estágio seria uma espécie de URV do Real: a troca de
tarifas de importação pelo câmbio. Haveria amplo de corte de tarifas,
também pré-anunciado, com redução de conteúdo nacional, abdicação de
controles de normas e procedimentos. E no terceiro estágio seriam
firmados acordos comerciais com os diversos mercados mundiais, incluindo
Alca e União Europeia.
Belluzzo concordou com a ideia de que o país precisa de uma
reindustrialização. Mas, sobre a proposta de Bacha, fez uma pergunta
básica: "Para onde iria o câmbio?" Bacha deixaria o "câmbio solto", para
flutuar, e estima que a taxa poderia ir a R$ 2,40, com uma
desvalorização de uns 20%. "Tudo depende de quem vai fazer [o programa
de reindustrialização]. Se for alguém crível, vai entrar capital",
disse.
Em artigo (página F3), o economista Yoshiaki Nakano diz que na onda
liberalizante global, a partir dos anos 80, o pensamento econômico
hegemônico no Brasil tinha como componente básico que o objetivo maior
da política econômica era alcançar a estabilidade macroeconômica e
conquistar a credibilidade do mercado. "Políticas voltadas para
desenvolvimento foram consideradas desnecessárias e o planejamento de
longo prazo virou sinônimo de atraso." O diagnóstico, segundo Nakano,
era de que para crescer bastava abrir a economia e atrair capital. "O
resultado desse regime foram baixo crescimento, ciclos sucessivos de
recuperação e crise, forte elevação da carga tributária, crise de
balanço de pagamentos, apreciação de taxa de câmbio e
desindustrialização."
Para o economista Marcos Lisboa, o maior crescimento econômico no
governo Lula deveu-se, na sua maior parte, ao aumento da produtividade,
tendência que tem sido revertida nos últimos anos. "Produtividade
significa aumentar a capacidade de produção com os mesmos recursos
produtivos, e não pode ser confundida com reduções forçadas dos preços
de alguns bens e serviços". Essas reduções, segundo o economista, apenas
implicam transferências de recursos entre setores, sem aumento da
produtividade total da economia. "Soluções oportunistas podem postergar o
enfrentamento das dificuldades, porém adicionam novos e crescentes
problemas e, progressivamente, nos condenam de volta à mediocridade",
escreve Lisboa.
O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros sustenta que crescimento
é limitado pela oferta de bens e serviços e pelo aumento da inflação.
Essa limitação seria produto de um diagnóstico equivocado feito pela
presidente Dilma que "deu continuidade à política econômica estabelecida
pelo ex-presidente Lula, quando a economia do país já havia mudado."
Proposta é fazer "Plano Real" para a indústria
questão industrial tem lugar de destaque na agenda de Edmar Bacha.
No início do ano, o economista lançou o livro "O Futuro da Indústria no
Brasil", organizado com a também diretora da Casa das Garças Monica
Baumgarten de Bolle, que espelha debates realizados na instituição. As
reflexões começam a se transformar agora em propostas, que também foram
discutidas no evento do Valor.
Valor: O senhor fala de uma reconversão da indústria, de buscar as áreas que seriam competitivas na produção global integrada...
Bacha : Eu acho que precisa ter um programa integrado. Pelo que o
Belluzzo está dizendo, nós concordamos com os problemas e que é preciso
fazer uma coisa diferente, que o foco é a indústria. Como fazer?
Haverá bastante diferença e tomara que haja. O Plano Real que saiu teve
uma enorme discussão até a gente chegar na sequência correta. Eu veria
a discussão como pensar no Plano Real da indústria... Como seria?
Teria as três primeiras etapas do Plano Real. A primeira etapa seria
fiscal, um programa pré-anunciado e para um número de anos. Seria
racionalizar a carga tributária, cortar impostos. Para poder fazer
isso, eu preciso controlar os gastos. Não vamos reduzir os gastos de um
dia para o outro, mas temos que pensar numa economia crescendo a 4% ao
ano e fazer com que o gasto não cresça mais do que 2% ao ano. Minha
proposta inicial era fazer o que Israel propôs e está seguindo, com
objetivo lá de produzir superávit estrutural. Mas aqui o propósito
seria permitir a redução tributária, ou seja, você tem que garantir que
o gasto cresça a 2%, enquanto o PIB está crescendo a 4%. No fim de
oito anos, dois mandatos presidenciais, você conseguiu uma economia
substancial para poder reduzir a carga tributária. Precisamos ver como
isso seria. Uma economia política mais eficiente exigiria uma reforma
na Previdência. Precisa ver como encaixar as peças, mas eu diria a
primeira parte é abrir espaço para poder reduzir os impostos
controlando os gastos ao longo de um período de oito anos. Resolvemos o
primeiro e principal problema da indústria que é tributário.
Valor: E a segunda fase?
Bacha : A segunda fase seria a URV, é a troca da tarifa pelo câmbio,
essa é parte que o Belluzzo não vai gostar. Eu não iria na marra no
câmbio.
Belluzzo : Nem dá para ir na marra.
Bacha : Como é que seria a troca? Eu anunciaria um programa amplo de redução das tarifas de conteúdos nacionais.
Valor: Como fez o Collor?
Bacha : Não, o Collor fez abruptamente. É um programa pré anunciado
de redução de tarifa, redução de conteúdo nacional, abdicação de todos
os controles de normas e procedimentos. Vergalhão nacional vai ter a
mesma dimensão do vergalhão internacional, um dos capítulos do livro é
justamente sobre os vergalhões, porque vergalhões aqui no Brasil custam
o dobro do que deveriam custar, em parte porque o padrão é diferente
do internacional. Então é um programa para limpar toda essa área ao
longo do tempo. Mas é um anúncio crível, quem anuncia está convencido e
tem capacidade no Congresso para "delivery", certo? Como o mercado vai
reagir? Vai abrir uma inundação de importações. O que é que o mercado
vai fazer? Onde é que ele vai pôr o câmbio? Se você deixar ele flutuar,
que é outro ponto de diferença que eu tenho com
Belluzzo, deixar o
câmbio solto, aí vai para R$ 2,40. Depende de quem for fazer, se for
alguém muito crível vai entrar capital. Vamos ver como a gente lida com o
capital em um primeiro momento, obviamente vai ter que mudar a
natureza do processo de inversão aqui, vai ter que mudar a cabeça. Tem
que ter obviamente um poder político, a opinião pública tem que estar
facilitada, enfim todas as coisas do Plano Real que já tinha
expectativa. O terceiro ponto, não precisa ser sequencial, também acho
que é importante, já que nós vamos entrar em briga de cachorro grande - e
não ser o país mais fechado do mundo, depois da Coreia do Norte - é
acordo comercial, para valer, com a União Europeia, que está aí há não
sei quantos anos. Retomar a Alca, ver se a gente negocia lá no
Transpacífico, para assegurar que nós vamos abrir a economia. Mas tem
que ter a compensação aqui do outro lado. Eu não me preocuparia tanto,
Belluzzo está aqui muito preocupado, que indústrias, quais setores,
deixa mercado resolver. Podemos até discutir complementarmente aqui que
setores, vendo as vocações, os nichos de mercado. Mas eu acho que isso é
complementar a essa estratégia de três pontos.
Valor: Em que câmbio teria que se chegar para isso ser viável?
Bacha : Em 1971 meu primeiro artigo publicado se chamava "Shadow
price da taxa de câmbio". É o seguinte, você pega a redução tarifária,
divide por dois, e esse é o câmbio. Aqui eu imagino que esse conjunto
que poderíamos fazer, quanto que implica de desproteção ao reduzir a
tarifa, reduzir o conteúdo nacional, eu calculo por volta de 40%, mas
talvez seja mais.
Belluzzo : Você está falando da desvalorização?
Bacha : A desvalorização seria 20%, seria a metade disso R$ 2,40, mas isso por enquanto...
Valor: Essas três etapas seriam simultâneas?
Bacha : É um programa para oito anos, cada uma dessas coisas ao longo do tempo.
Belluzo : Ao mesmo tempo, ao longo do tempo...
Bacha : Teria três estágios.
Valor: Precisaria mudar a gestão do modelo macroeconômico?
Bacha : Isso não é política de curto prazo, isso é política
estrutural, nós estamos pensando aqui para o lado da oferta, a questão
macroeconômica é equilíbrio de curto prazo das variáveis cíclicas.
País apresenta indícios de deterioração institucional
Por Marcos de Barros Lisboa
O
desempenho dos
países após a crise
de 2008 tem sido
desigual na América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela têm
decepcionado quando comparados a Chile, Peru, Colômbia e México,
apresentando
menor crescimento econômico e maior inflação. No nosso caso, o governo
tem reagido com impressionante ativismo às dificulda
des recentes. Medidas
de estímulo e concessão
de
privilégios à roldão refletem a preocupação com a superação das
restrições existentes e a retomada do crescimento. Por que, entretanto,
as medidas têm sido pouco efetivas e o crescimento tão
decepcionante?
Este artigo discute a evolução da nossa economia na última década e os impactos das recentes medidas
de política econômica. Na sequência, são esboçadas sugestões para uma agenda
de produtivida
de e o aperfeiçoamento da gestão da política pública.
O maior crescimento econômico no governo Lula em relação ao governo FHC
deveu-se, na sua maior parte, ao aumento da produtivida
de;
aumento este que, infelizmente, tem sido revertido nos últimos anos.
Diversos trabalhos acadêmicos têm mostrado que as reformas
institucionais realizadas entre 1994 e 2005 tiveram impacto relevante
no aumento da produtivida
de
em alguns setores, como telecomunicações, a intermediação financeira e
setores beneficiados por estímulos à formalização e reformas como a lei
de falências. Além disso, a melhora nas técnicas
de produção permitiram ganhos
de produtivida
de em ativida
des como o agronegócio.
O impacto
de reformas institucionais sobre a produtivida
de po
de surpreen
der,
porém a literatura recente sobre crescimento econômico tem
repetidamente verificado a sua relevância para explicar a diferença
de renda entre os
países. Indicadores do funcionamento das instituições, como a agilida
de do judiciário, a eficiência na gestão dos setores regulados, incluindo setores
de infraestrutura e mercado
de trabalho, o
desenvolvimento dos mercados
de crédito, capital e o ambiente
de negócios estão positivamente correlacionados com as mais bem-sucedidas experiências
de desenvolvimento econômico.
A privatização das telecomunicações levou à expansão do acesso à
telefonia e à queda dos custos para os consumidores. A introdução do
consignado reduziu o risco
de inadimplência, levando a menores taxas
de juros e à expansão dos volumes emprestados. A tecnologia
de transformar
depósitos em empréstimos se tornou mais eficiente, permitindo o aumento do consumo e o crescimento
de diversos setores, assim como maior empreen
dedorismo. A nova lei
de falências levou à redução do número
de empresas que entram em dificulda
des para o mesmo nível
de ativida
de econômica, provavelmente em
decorrência dos procedimentos que foram introduzidos e que levam a um comportamento empresarial mais pru
dente e preventivo. Além disso, há evidência
de
que nas regiões em que a lei tem sido aplicada judicialmente com maior
eficiência aumentaram o crédito disponível, o investimento e a melhora
na tecnologia adotada.
Há frustração com as diversas políticas adotadas recentemente que não aumentam a produtivida
de
Existem
indícios, porém,
de que nossa economia simultaneamente apresentou piora
institucional em diversas áreas. Os processos para liberação e monitoramento
de investimentos em gran
des obras físicas têm sido crescentemente mais complexos, como no caso
de produção
de energia e logística. A falta
de clareza dos processos
de autorização e do mandato das agências reguladoras, a sobreposição
de órgãos
de controle e a incerteza sobre o processo
de construção,
decorrente
de possíveis reivindicações adicionais uma vez iniciadas as obras, significam maiores custos
de produção e menor expansão da oferta. As dificulda
des e custos crescentes dos investimentos têm impacto sobre toda a estrutura produtiva, sobretudo as mais
depen
dentes
de ativida
des físicas, como a indústria
de transformação, levando a menor crescimento da produtivida
de.
Além disso, a melhora dos termos
de
troca e a valorização cambial também tiveram efeitos divergentes sobre
a estrutura produtiva, fragilizando parte da indústria, mas não os
serviços. Para além dos efeitos setoriais, no entanto, resta a
evidência dos ganhos
de produtivida
de total no governo Lula e a sua piora recente, com o consequente menor crescimento econômico.
Produtivida
de significa aumentar a capacida
de de produção com os mesmos recursos produtivos, e não po
de ser confundida com reduções forçadas dos preços
de alguns bens e serviços que apenas implicam transferências
de recursos entre setores, sem aumento da produtivida
de total da economia. O mesmo ocorre com medidas
de
proteção à competição externa a alguns setores, que levam ao aumento
dos custos dos seus compradores, outros setores ou consumidores.
Proteção
de uns à custa dos
demais.
Por essa razão, a frustração com as diversas políticas públicas adotadas recentemente que não aumentam a produtivida
de e apenas transferem renda entre os setores. Além disso, medidas como a
desoneração da folha em contrapartida ao aumento
de impostos sobre o faturamento pioram a eficiência econômica e tornam mais complexo o sistema tributário.
Uma agenda para ganhos
de produtivida
de passa pela maior eficiência dos processos para aprovação, controle e regulação dos investimentos. Melhor
definição do mandato das agências reguladoras e das contrapartidas necessárias, assim como das atribuições dos órgãos
de
controle. Maior eficiência significaria menores custos e incerteza,
inclusive jurídica, para esses investimentos, permitindo menores custos
de produção e expansão da oferta. No caso da infraestrutura, esse ganho
de produtivida
de implicaria menores custos e maior eficiência para o restante das ativida
des produtivas, estimulando o seu crescimento.
Uma segunda agenda é a melhora da eficiência e gestão da política
pública. Nossa carga tributária é maior do que a observada em
países com grau equivalente
de desenvolvimento,
sem que, no entanto, tenhamos indicadores equivalentes da boa política
pública, como acesso à educação ou a serviços
de saú
de de qualida
de. A carga elevada
decorre da existência
de diversos programas
de transferência
de renda não relacionados às políticas sociais
de investimento, como educação, ou à proteção aos grupos
de menor renda, como o bolsa-família.
Agenda passa pela maior eficiência dos processos
de aprovação, controle e regulação dos investimentos
Existem diversos programas
de concessões setoriais
de privilégios, como empréstimos subsidiados,
desonerações seletivas ou transferências discricionárias
de recursos. Há, porém, pouca avaliação, gestão e controle
democrático. Dos diversos empréstimos subsidiados do BN
DES, por exemplo, quais eram as metas ao serem concedidos e quais são os resultados obtidos? Quanto custam para a socieda
de as diversas proteções tarifárias e não tarifárias e quais os seus resultados? Qual o custo e resultado das políticas
de produção local
de bens antes produzidos no exterior? Sem indicadores
de resultado não há gestão, não há a i
dentificação dos projetos bem-sucedidos que po
deriam ser fortalecidos, nem a interrupção dos mal-sucedidos.
Interromper programas que conferem privilégios geram reações por
parte dos beneficiados. Seu custo, por outro lado, é diluído para toda a
socieda
de, que não é significativamente afetada por cada programa específico, ainda que pague um elevado preço pelo conjunto da obra.
Democracia requer transparência e
debate estruturado sobre a política pública e as opções para o uso dos recursos da socieda
de.
Po
de-se, por exemplo, constituir uma agência in
depen
dente que teria como missão registrar os objetivos e custos
de
cada política pública. Anualmente, seriam divulgados os custos e
resultados frente às metas assumidas o que permitiria à socieda
de, por meio dos instrumentos
democráticos, escolher os programas a serem incentivados e os que
deveriam ser interrompidos. A boa gestão subordinada à escolha que
deveria ser
de todos nós e não feita pelo acesso
de alguns poucos ao príncipe
de plantão.
Não precisamos seguir a variação
de Marx e repetir a história,
desta vez como farsa. Na sequência da grave crise dos anos 1960, com
descontrole fiscal, elevada taxa
de inflação e baixo crescimento, foram adotadas medidas
de austerida
de e reformas institucionais liberalizantes. Algumas
dessas reformas foram rapidamente revertidas, como a in
dependência
do Banco Central. Entretanto, a evidência disponível indica que as
reformas que foram preservadas contribuíram fortemente para o posterior
crescimento que se iniciou no do fim dos anos 1960.
A reação à grave crise externa dos anos 1970 foi na direção inversa. Ao invés do ajuste, o governo optou por uma série
de estímulos ao investimento com a concessão
de privilégios e benefícios para setores escolhidos, empréstimos subsidiados, recursos públicos e proteção para o
desenvolvimento
de setores econômicos e grupos privados.
O
desequilíbrio fiscal, o
aumento da inflação e a restrição externa levaram a diversas medidas
discricionárias nos dois últimos governos militares com o objetivo
de estimular o crescimento por meio
de soluções heterodoxas
de política econômica, evitando enfrentar com serenida
de as dificulda
des e adotar as medidas necessárias
de austerida
de e
de
aperfeiçoamento dos fundamentos econômicos. A política econômica à
época foi caracterizada por intervenções generalizadas nos diversos
mercados, a tentativa
de impor o ajuste por meio do controle
de preços, a começar pela taxa
de câmbio, e medidas
de estímulo ao investimento privado com a concessão
de benefícios e privilégios. O resultado foi o inverso do esperado.
Descontrole das contas públicas, aceleração da inflação e a expansão
de distorções microeconômicas que reduziram a produtivida
de e o crescimento sustentável. A consequência foi uma década perdida.
Quanto custam para a socieda
de as diversas proteções tarifárias e não tarifárias e quais os seus resultados?
Apenas com Fernando Henrique Cardoso as dificulda
des
foram parcialmente superadas. Equilíbrio das contas públicas,
estabilização dos preços, reformas liberais e soluções institucionais,
desta vez, finalmente, em um regime
democrático. Além disso, progressivamente as distorções introduzidas no passado começaram a ser superadas.
A agenda
de melhorias
institucionais foi interrompida em meados da década passada, restando
ainda muitas distorções microeconômicas introduzidas nas décadas
anteriores à estabilização. Existem no Brasil uma infinida
de de privilégios, distorções e mecanismos
de transferências
de
renda para grupos específicos. Vários dos privilégios e benefícios,
inclusive, nem mesmo passam pelo orçamento público. Um primeiro exemplo
são as proteções não tarifárias à concorrência externa baseadas em
restrições técnicas. Um segundo, as operações
de crédito direcionadas para setores específicos, com taxas
de juros abaixo das taxas
de
mercado. No primeiro caso, o custo das proteções é pago pelos
compradores dos produtos protegidos, famílias ou outros setores
produtivos; no segundo, pelos tomadores
de crédito das operações livres.
O custo dos privilégios, benefícios e proteções é diluído por toda a socieda
de, sem transparência e discussão integrada sobre seu impacto sobre a distribuição
de renda, a evolução da produtivida
de
e o crescimento econômico. Essa é a consequência das medidas
oportunistas, que são propostas como soluções fáceis para problemas
complexos. Porém, uma vez introduzidas, as distorções criam grupos
de interesse, e se revelam difíceis
de serem revertidas. Benefícios privados à custa da eficiência econômica,
de maiores recursos para a política social e do crescimento para a maioria.
A opção por soluções institucionais e políticas horizontais, que não
escolham privilegiados, adotada pelo governo FHC e pelo primeiro Lula,
tem sido sistematicamente revertida
des
de meados da década passada, sobretudo após 2008. A política oportunista prefere
defen
der que medidas
de austerida
de não são necessárias, acreditar que a concessão
de privilégios aos próximos do governo estimula o espírito empreen
dedor
bem como o crescimento econômico e escolher vilões para
responsabilizar pelas eventuais frustrações. As soluções oportunistas
po
dem postergar o enfrentamento das dificulda
des existentes, porém adicionam novos e crescentes problemas e, progressivamente, nos con
denam
de volta à mediocrida
de.
Referências
Acemoglu, D. e J. Robinson (2012): Why Nations Fail; Crown.
Lisboa, M. B. e S. A. Pessoa (2013): "Uma História
de Dois
Países."; Insper.
Lisboa, M. B. e Z. A. Latif (2013): "
Democracy and Growth in Brazil"; Insper.
Veloso, F.; A. Villela e F. Giambiabi (2008): "
Determinantes do "milagre" econômico brasileiro (1968-1973): uma análise empírica," Revista Brasileira
de Economia; 62(2).
Marcos
de Barros Lisboa é vice-presi
dente do Insper, Instituto
de Ensino e Pesquisa
Quadro de muitos paradoxos e incertezas
Por Yoshiaki Nakano
De 2004 a 2010, a
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ent
e a capacida
de ociosa
exist
ent
e, qu
e des
enca
deou o início da r
ecup
eração da
economia brasil
eira.
Ess
e mini-boom durou até 2005/2006
e g
erou um impulso no cr
escim
ento da indústria
de transformação qu
e sobr
eviv
eu até 2010.
A rigor nada s
e f
ez para r
eduzir o tamanho do
Estado n
em o s
eu int
erv
encionismo burocrático
O s
egundo choqu
e qu
e ac
el
erou o cr
escim
ento foi
demográfico, com a r
edução,
em t
ermos absolutos, do
estoqu
e de jov
ens trabalhador
es procurando o prim
eiro
empr
ego a partir
de 2004. Com isso, houv
e um
esgotam
ento da "of
erta ilimitada
de trabalho" qu
e inv
ert
eu
e mudou a dinâmica do m
ercado
de trabalho, com pr
essão salarial na bas
e da pirâmi
de e fort
e impacto r
edistributivo. Daí o surgim
ento da class
e C, qu
e r
epr
es
enta hoj
e quas
e 100 milhõ
es
de brasil
eiros incorporados ao m
ercado
de consumo.
Finalm
ent
e, tiv
emos o choqu
e de pr
eço
de commoditi
es, a partir do final
de 2003, com fort
e cr
escim
ento da
demanda da China, o qu
e promov
eu o cr
escim
ento
de s
etor
es produtor
es
de commoditi
es
e r
emov
eu as r
estriçõ
es ao cr
escim
ento.
N
est
e p
eríodo, a taxa
de inflação, ap
esar
de alta,
est
ev
e sob control
e em função da fort
e apr
eciação da taxa
de câmbio (
em mais
de 100%)
e a
existência
de amplo
des
empr
ego
de mais
de 10% no início do p
eríodo.
Como já r
essalt
ei, não tiv
emos mudanças profundas na dir
eção
de um
Estado mais
efici
ent
e e capaz
de at
en
der às aspiraçõ
es básicas da soci
eda
de. Mais do qu
e isso, há uma distância
entr
e a r
etórica
e a r
ealida
de dos fatos qu
e g
erou uma dissonância cognitiva.
Enquanto a população, particularm
ent
e no s
eu s
egm
ento
empr
esarial, r
ej
eitava o "paradigma
de int
egração financ
eira" qu
e era contra a int
erv
enção do
Estado, mas
de fato pouco f
ez n
esta dir
eção. Os novos gov
ernos do PT ganham justam
ent
e com a r
etórica pró-g
eração
de empr
ego
e cr
escim
ento, mas com int
erv
encionismo
estatal arraigado
em sua alma.
Em outras palavras, a população
em g
eral, ainda qu
e de forma contraditória
e confusa, r
ej
eita o atual
Estado brasil
eiro burocrático
e int
erv
encionista. A r
etórica anti-
Estado
era part
e do paradigma r
ej
eitado p
ela população, mas agora,
esp
ecialm
ent
e no gov
erno Dilma Rouss
eff, o novo pap
el r
es
ervado ao
Estado s
e manif
esta
de forma mais clara. Assim, as manif
estaçõ
es pró s
etor privado, como as
deson
eraçõ
es tributárias, acabam g
erando mais ruído
e inc
ert
ezas no m
eio
empr
esarial, l
evando-os a contrair os inv
estim
entos.
Com a
el
eição da pr
esi
dent
e Dilma Rouss
eff, o gov
erno assumiu
explicitam
ent
e o compromisso
de cr
escim
ento ac
el
erado
e introduziu div
ersas mudanças, dando um novo dir
ecionam
ento à política macro
econômica. Controlou
e depr
eciou a taxa
de câmbio, r
eduziu significativam
ent
e a taxa
de juros,
expandiu o crédito, r
eduziu a carga tributária na indústria
e deu início à ag
enda da comp
etitivida
de, com a r
edução no custo
de en
ergia,
entr
e outras. Açõ
es
essas qu
e vão ao
encontro das r
eivindicaçõ
es dos
empr
esários industriais
e trabalhador
es, mas não ativam os inv
estim
entos.
Entr
etanto, 2011
e 2012 mostraram qu
e não
entramos ainda num novo r
egim
e de cr
escim
ento ac
el
erado, mas sim, numa "armadilha
de baixo cr
escim
ento com inflação alta". Os
paradoxos não param por aí.
Em 2012, a
demanda doméstica continuou cr
esc
endo mais
de 7%, mas os inv
estim
entos produtivos r
ecuaram c
erca
de 5%
e a indústria
de transformação contraiu a sua produção
em 2,5%, num "
quadro enigmático".
De fato, o gov
erno v
em
estimulando a
demanda agr
egada, o consumo com
expansão
de crédito, r
edução t
emporária
de IPI
e inv
estim
entos com juros baixos.
2011
e 2012 mostraram qu
e entramos numa "armadilha
de baixo cr
escim
ento com inflação alta"
No
entanto, a of
erta doméstica
de b
ens da indústria
de transformação sofr
e contração, s
endo at
endida p
elas importaçõ
es, indicando um probl
ema mais profundo
de natur
eza
estrutural. Por outro lado, a of
erta doméstica
de s
erviços
e outros não "tradabl
es" r
espon
dem aos
estímulos da
demanda, l
evando a
economia à situação próxima a pl
eno
empr
ego
e g
erando inflação. T
emos assim um
quadro apar
ent
em
ent
e paradoxal
de contração na produção industrial com inflação alta. Para
desfaz
er o
enigma pr
ecisamos
ent
en
der quais as causas
estruturais qu
e travam a produção industrial
e os inv
estim
entos.
A rigor, as causas
estruturais do atual r
egim
e de baixo cr
escim
ento
e inflação alta vêm do "paradigma
de int
egração financ
eira global", dominant
e nos gov
ernos ant
erior
es. O foco
dess
e paradigma é a lib
eralização do movim
ento
de capitais, sua r
emun
eração com gran
de dif
er
encial positivo na taxa
de juros, na cr
ença
de qu
e o m
ercado financ
eiro alocaria produtivam
ent
e ess
es r
ecursos
e promov
eria o cr
escim
ento ac
el
erado.
N
est
e paradigma, para garantir r
etorno
estimulant
e aos inv
estidor
es
estrang
eiros,
era fundam
ental g
erar a t
endência p
ersist
ent
e de apr
eciação da taxa
de câmbio. Assistimos a isso
des
de o Plano R
eal, com fort
e onda
de desindustrialização até 1998, quando a participação da indústria
de transformação no PIB caiu para 15,7%. A cris
e cambial
de jan
eiro
de 1999
e a fort
e desvalorização inv
ert
eram a t
endência com a r
eindustrialização do país, qu
e denominamos
de mini-boom da indústria
de transformação
de 2002/2003 a 2005/2006.
Entr
etanto, o r
egim
e de política macro
econômica p
ersist
ent
e de taxa
de juros doméstica muito acima da int
ernacional no gov
erno Lula provocou nova onda
de fort
e apr
eciação na taxa
de câmbio, o qu
e voltou a favor
ec
er o s
etor
de não-tradabl
es
em
detrim
ento dos tradabl
es, promov
endo assim s
eguidas ondas
de desindustrialização, com profundas mudanças na
estrutura produtiva do país. A participação da indústria
de transformação, qu
e tinha saltado para 19,2% do PIB
em 2004, volta a cair para 13,2%.
A indústria
de transformação (tradabl
es), s
etor mais dinâmico
e difusor
de inovaçõ
es, com produtivida
de mais do qu
e 30% sup
erior à média da
economia, ganhos
de escala
e g
eradora
de ext
ernalida
des, r
esponsáv
el por mais
de 70% dos gastos
em P&D,
entrou
em profunda cris
e. A apr
eciação do r
eal promov
eu a
expansão do s
etor
de não-tradabl
es, s
erviços com produtivida
de mais baixa incapaz
de g
erar
ef
eitos dinâmicos
e s
er a "locomotiva" do cr
escim
ento mais ac
el
erado.
A
expansão
de s
erviços absorv
eu trabalhador
es, prov
endo
el
evação
de salários acima da produtivida
de, g
erando inflação p
ersist
ent
e e el
evação
de custos g
en
eralizados nos
demais s
etor
es
e outras cons
equências p
erv
ersas.
O custo unitário do trabalho na indústria
de transformação aum
entou a uma taxa média
de 6,6%
entr
e 2004
e 2011. O dinamismo da
demanda doméstica (
em
ergência da class
e C
etc)
e estímulos fiscais ao consumo foram
em gran
de part
e transf
eridos para o
ext
erior, com a invasão das importaçõ
es. O co
efici
ent
e de importaçõ
es na indústria
de transformação aum
entou
de 11,6%,
em 2004, para 22,3%,
em 2012.
Ap
esar do dinamismo transmitido p
elo fort
e cr
escim
ento da
demanda doméstica, a of
erta da indústria
de transformação
e os inv
estim
entos sofr
em contração.
Ess
e r
egim
e g
erou também uma nova t
endência
de det
erioração rápida das transaçõ
es corr
ent
es do país
e aum
ento p
ersist
ent
e do passivo
ext
erno
e s
eus
encargos, insust
entáv
eis no longo prazo.
Ess
e último r
esultado também é paradoxal, pois qu
edas do saldo com
ercial t
en
dem a acont
ec
er quando a
economia cr
esc
e de forma ac
el
erada
e não quando a indústria contrai a produção.
Para r
emov
er os
entrav
es ao cr
escim
ento é pr
eciso ampliar o
debat
e,
eliminando as dissonâncias cognitivas
em r
elação à função do
Estado
e do m
ercado.
Exist
em muitas falhas
em ambos qu
e pr
ecisam s
er
eliminadas através
de profundas r
eformas. A soci
eda
de brasil
eira pr
ecisa ampliar o s
eu horizont
e t
emporal
e suas li
deranças ch
egar a um acordo sobr
e o qu
e qu
er
emos no futuro.
S
e quis
ermos, por
ex
emplo, dobrar a r
enda p
er capita
em 15 anos ou 20 anos
e assim atingirmos o limiar do
des
envolvim
ento, as li
deranças têm qu
e decidir pragmaticam
ent
e o qu
e faz
er para alcançar
est
e obj
etivo. C
ertam
ent
e envolv
e escolhas difíc
eis.
Para com
eçar, para cr
esc
er é pr
eciso inv
estir mais
e para isto poupar mais. É pr
eciso
el
evar a taxa
de inv
estim
ento para p
elo m
enos 25% do PIB,
el
evando o inv
estim
ento público
em infra
estrutura
em 5% a 6% do PIB. Candidato natural para ampliar a poupança é a r
edução do consumo público n
est
e montant
e ao longo do t
empo.
As causas
estruturais do atual r
egim
e vêm do "paradigma
de int
egração financ
eira global"
É pr
eciso atacar
de fr
ent
e o "Custo Brasil" qu
e torna os nossos produtos da indústria 34,2%,
em média, mais caros qu
e o importado
de 15 principais parc
eiros com
erciais do Brasil, s
egundo um
estudo da Fi
esp. O "Custo Brasil"
e a taxa
de câmbio apr
eciada tornam a nossa indústria
de transformação não comp
etitiva
e o país inviáv
el. S
erá qu
e po
demos cr
esc
er
e empr
egar mais
de 200 milhõ
es
de brasil
eiros na agricultura
e s
erviços, l
embrando qu
e quando a indústria
de transformação cr
esc
e são os s
erviços p
essoais qu
e cr
esc
em, como v
em acont
ec
endo no Brasil nos últimos anos? Para atacarmos o Custo Brasil a ag
enda
está
definida. A carga tributária
e o custo do capital
de giro r
epr
es
entam um Custo Brasil
de c
erca
de 20% acima dos importados.
Por sua v
ez, a taxa
de câmbio apr
eciada torna os produtos importados c
erca
de 20% mais baratos qu
e os produzidos dom
esticam
ent
e. Assim, a taxa
de juros
de empréstimos dos bancos com s
eus "spr
eads" mais do qu
e cinco v
ez
es maior
es do qu
e nos principais parc
eiros com
erciais, a taxa
de câmbio apr
eciada
e carga tributária
exc
essiva constitu
em o trio mortal. Com taxa
de juros, taxa
de câmbio mais comp
etitiva,
estáv
el
e sust
entáv
el no longo prazo
e carga tributária condiz
ent
e com o nosso nív
el
de des
envolvim
ento, é possív
el r
eindustrializar o país. É a
expansão do s
etor
de tradabl
es qu
e dev
e s
er a locomotiva
e não o s
etor
de não-tradabl
es.
Dada a r
estrição do m
ercado
de trabalho, o aum
ento da produtivida
de é
ess
encial para o Brasil sair da "armadilha do baixo cr
escim
ento". Mas não é algo
exóg
eno à
economia, mas
endóg
eno
e em gran
de part
e r
esultado do próprio cr
escim
ento, isto é, da ampliação da taxa
de inv
estim
entos, particularm
ent
e com a r
eindustrialização do país. Como o s
etor industrial t
em produtivida
de acima da média dos
demais s
etor
es, a r
eindustrialização p
ermit
e um ganho
estrutural
de produtivida
de ao r
ealocarmos r
ecursos produtivos n
est
e s
etor. Nos últimos anos fiz
emos o inv
erso, r
ealocando r
ecursos
escassos, trabalhador
es, particularm
ent
e para o s
etor
de s
erviços p
essoais.
Finalm
ent
e, não po
demos
deixar
de m
encionar qu
e para r
eduzir a carga tributária, colocando-a
dentro dos padrõ
es int
ernacionais, a r
eforma do s
etor público é vital. Para iniciar,
devíamos impor, por l
ei, um t
eto para o aum
ento da
desp
esa corr
ent
e para aum
entar os inv
estim
entos públicos
e r
eduzir a carga tributária ao longo
de um
det
erminado p
eríodo. Acabar com os ganhos
e b
en
efícios
exorbitant
es do funcionalismo público.
Equiparar
e int
egrar os m
ercados
de trabalho público
e privado são r
equisitos
de qualqu
er R
epública. Com a implantação
de g
estão por r
esultado,
esta int
egração
e rotativida
de de funcionários do s
etor privado para o público
e vic
e-v
ersa p
ermitirá ao s
etor público dar saltos
de produtivida
de e r
edução nos s
eus custos.
Dessas
definiçõ
es
e escolhas s
erá possiv
el faz
er um plan
ejam
ento
estratégico
de longo prazo para o Brasil transitar
definitivam
ent
e em um novo paradigma
de cr
escim
ento ac
el
erado.
Yoshiaki Nakano, m
estr
e e doutor
em
economia p
ela Corn
ell Univ
ersity. Prof
essor
e dir
etor da
Escola
de Economia
de São Paulo da Fundação G
etúlio Vargas (
EESP/FGV).
Ex-s
ecr
etário da Faz
enda do gov
erno Mário Covas (SP).
Ambiente mais conturbado abre nova frente na sucessão de 2014
Por Cristian Klein
A política nem sempre se guia pelo impacto
de fatores econômicos - há a força do carisma, da máqui
na gover
namental e da estabilida
de dos laços partidários que reduzem a incerteza -, mas a subida da inflação neste ano está acrescentando uma dose
de suspense aos preparativos da eleição
de 2014,
na qual o favoritismo da presi
dente Dilma Rousseff não seria
mais pule
de dez.
Economistas consultados pelo Valor apontam um cenário no qual surgem oportunida
des para os concorrentes da presi
dente, que, por sua vez, dispõe
de po
derosos instrumentos para aumentar ainda
mais sua popularida
de - 79%,
de acordo com a
mais recente pesquisa CNI/Ibope, divulgada em março.
Com a escalada da inflação e o baixo crescimento do PIB, o
economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas, calcula que as
probabilida
des
de sucesso dos adversários do PT subiram
de virtualmente zero para um patamar em torno dos 20%. Em sua opinião, o "cenário básico" é
de reeleição
de Dilma Rousseff e os principais concorrentes - o se
nador Aécio Neves (PSDB-MG) e o gover
nador
de Per
nambuco, Eduardo Campos (PSB) - estão muito
mais orientados em acumular forças e recall para 2018, quando a disputa será
mais aberta, do que aprontar uma surpresa já em
2014.
Mesmo assim, os últimos
desdobramentos da economia teriam gerado uma brecha para a criação
de ban
deiras alter
nativas ao PT - algo que não ocorria durante os anos Lula.
Num
ambiente econômico
mais conturbado, haveria espaço para essencialmente dois discursos da oposição.
O primeiro é a crítica ao Estado
desenvolvimentista, indutor da economia, e que
des
de 2009 retomou o mo
delo vigente no país entre as décadas
de 1930 e 1970. A inflexão
desenvolvimentista, afirma Pessoa, começa
depois dos liberalizantes anos 90 e do fim do que chama
de período "Malocci" - quando a Fazenda foi ocupada pelos ministros Pedro Malan, no governo do ex-presi
dente Fer
nando Henrique Cardoso (1995-2002), e o petista Antonio Palocci (2003-2006).
Des
de a entrada
de Guido Mantega no ministério, em 2006, mas especialmente
depois
de ter
de enfrentar os efeitos da crise inter
nacio
nal, em 2009, o governo do PT voltou ao i
deário
desenvolvimentista. Foi rei
naugurado por Lula e reafirmado por Dilma. Para o economista, uma das estratégias para a oposição é
desconstruir esse mo
delo, sem confundi-lo com o Estado
de bem-estar social.
"Este mo
delo está fazendo água e custa caro aos cofres. É preciso diferenciá-lo
de conquistas sociais. Estado
de bem-estar social é SUS [Sistema Único
de Saú
de], é escola boa, é aposentadoria básica. Isso é diferente
de BN
DES, por on
de tudo passa, e
de desonerações para este ou aquele segmento. Se este ensaio
desenvolvimentista continuar a não gerar crescimento, o discurso é: "Vamos manter o Estado
de bem-estar social, mas vamos parar
de brincar
de gran
de potência. Não somos Chi
na, Japão, Coreia do Sul ou Taiwan"", afirma Pessoa, lembrando que esses países têm uma taxa
de poupança em torno
de 35% enquanto a brasileira é cerca
de meta
de, 17%.
O segundo discurso alter
nativo
é o da maior eficiência nos serviços públicos, que já vem sendo
utilizado por Aécio Neves e Eduardo Campos. Ele remete à reforma do
Estado, tema que teria sido abando
nado
des
de a gestão
de Luiz Carlos Bresser-Pereira à
frente de ministério com o mesmo nome, durante o primeiro mandato
de FHC (1995-1998). "Não precisa ser privatizante. É um discurso com o qual o PT tem dificulda
de de lidar porque mexe com interesses
de corporações - como a dos funcionários públicos - das quais é quase refém, por estarem eles em sua base
de sustentação", afirma Samuel Pessoa, que foi assessor do ex-se
nador tucano do Ceará Tasso Jereissati, hoje presi
dente do Instituto Teotônio Vilela (ITV), a fundação do PSDB.
Pessoa concorda que qualquer discurso que proponha mudanças
na extensão dos po
deres do Estado po
de ser acusado
de atentar contra
determi
nadas
conquistas sociais aprovadas pela população e associadas ao PT. Mas
que a pior saída é uma campanha recalcitrante, ou que traz o "não
discurso", como ocorreu, em sua opinião, em 2010. "
Deixaram
tudo com o marqueteiro, que fez pesquisa qualitativa e propôs o que o
eleitor queria ouvir. Mas, como isso é exatamente o que a situação vai
fazer, não traz resultado", diz.
Samuel Pessoa
destaca que o favoritismo para
2014 e o po
der
de agenda ainda estão
nas mãos
de Dilma Rousseff
Para o economista, o discurso
de "vou fazer
mais e melhor" - utilizado pelo ainda aliado do governo fe
deral Eduardo Campos - é uma estratégia per
dedora. Em primeiro lugar, porque se for para fazer
mais, e manter o status quo, o eleitor "é conservador com razão" e vota
na situação. Em segundo lugar, porque a escolha não
deixa um legado, não se apropria
de um discurso que possa vir a ser o vencedor
na próxima eleição.
Samuel Pessoa
delineia as possibilida
des para a oposição, lembra dos riscos
de deterioração da economia, mas
destaca que o favoritismo e o po
der
de agenda ainda estão
nas mãos
de Dilma Rousseff. Ele afirma que a presi
dente atingiu o
mais alto nível
de popularida
de para um ocupante do cargo
des
de a re
democratização e que a mandatária ainda tem "cartuchos" para gastar no campo da
desoneração fiscal. A redução do preço dos medicamentos é a candidata
mais forte da fila. "Isso tem um impacto popular gran
de e a PEC [proposta
de emenda constitucio
nal] está em tramitação", diz.
Por sua ligação com os tucanos, Samuel Pessoa tem sido apontado como um dos colaboradores do se
nador Aécio Neves, que teria contratado um economista com quem
debate uma vez por sema
na para elaborar o discurso
de 2014. Pessoa nega, mas insinua: "Até gostaria, se ele me convidar".
Próxima do presi
denciável do PSB, a professora da Universida
de Fe
deral
de Per
nambuco Tânia Bacelar também afirma que não tem atuado
na preparação da candidatura
de Eduardo Campos. Mas a empresa
de consultoria da qual é sócia, a Ceplan, faz trabalhos encomendados pelo governo do Estado, como o que a
nalisou os impactos positivos e negativos da construção do Porto
de Suape - uma realização do governo
de Per
nambuco com investimentos do governo fe
deral.
Esse caráter ambíguo do perfil
de Campos - um presi
denciável que se criou
na
base e com o apoio do PT - é apontado por Bacelar como responsável
pelo "discurso pouco claro" e, "por enquanto, muito genérico" do gover
nador. "Fazer
mais é o quê? Elevar o valor dos salários? Ou é
mais educação? Ele cunhou esta frase que não tromba [com o governo], não diz que está tudo errado. Mas o que está errado
na macroeconomia,
na retomada dos investimentos?", questio
na Tânia Bacelar.
A professora da pós-graduação
de geografia da UFPE diz até que não vê como irreversível a candidatura
de Campos - apesar da gradual subida
de tom do presi
denciável. Bacelar ressalta que a dinâmica da política não permite "o candidato
de si mesmo". É necessário apoio do empresariado para o fi
nanciamento
de campanha, base social e tempo suficiente
de propaganda no rádio e
na TV para passar a mensagem.
Diferenciar-se dos adversários é outro ponto fundamental, lembra. "O
PSDB é conhecido do Brasil. Tiveram oito anos no governo. A população
sabe o que foi. O Eduardo ninguém sabe. Ele também é um
desenvolvimentista [como Dilma Rousseff]. Mas precisa se distinguir do PSDB", afirma.
Uma das tentativas do lí
der do PSB tem sido chamar a atenção para um mo
delo
de gestão baseado em metas e resultados,
na boa administração dos serviços públicos, "e não
na politicagem". "O Eduardo gosta
de gover
nar, ele passa isso. Mas Per
nambuco é 3% do PIB brasileiro. Não é tarefa simples,
mais fácil a partir
de outros Estados", diz Tânia Bacelar.
Desonerações são como "metralhadora giratória" para conter inflação e não levam em conta a soli
dez fiscal
A economista aponta a questão fe
derativa como a seara on
de Campos se sente
mais à vonta
de para
desferir seus primeiros ataques ao governo fe
deral
- como no caso dos royalties do petróleo e da medida provisória sobre
os portos. O motivo, argumenta, é que, em primeiro lugar, há mesmo
espaço
de contestação, e em segundo, porque, como gover
nador, Eduardo Campos tem legitimida
de para falar
desses assuntos.
Por outro lado, as principais oportunida
des para a oposição ainda estariam numa piora do
ambiente econômico. Tânia Bacellar relativiza a popularida
de de Dilma Rousseff. "Isso é recall da era Lula. Tem muita ameaça no cenário econômico".
A professora da UFPE diz que este cenário é que
abre espaço para o movimento político no qual surgem
novas candidaturas
de terceira via. Além
de Campos, há a ex-ministra do Meio
Ambiente Mari
na Silva - que obteve quase 20% dos votos
na eleição
de 2010 e está formando um novo partido - e possibilida
des
de nomes próprios do PV, do PSC, do PV e do MD, resultado da recente fusão entre o PPS e o PMN.
Apesar dos problemas, Bacellar afirma que Dilma Rousseff não po
de ser acusada
de inércia, já que tomou várias iniciativas
des
de o início do mandato como a redução da taxa
de juros, da tarifa
de energia e a ênfase
na retomada
de investimento, "até ousando para um governo do PT", por meio das concessões
na área
de infraestrutura, num reconhecimento
de que o setor público não tem capacida
de de dar conta
de tudo. "O problema é que a economia não dá resposta", diz.
A professora da PUC-Rio e sócia-diretora da Galanto Consultoria Monica
de Bolle critica várias
dessas medidas e prevê efeitos negativos. Ela divi
de a ação do governo em quatro instrumentos principais: regulação (como a MP das elétricas, dos portos e as concessões
de ferrovias, rodovias e aeroportos),
desoneração (linha branca, automóveis), compras gover
namentais e crédito público subsidiado (concedido sobretudo pelo BN
DES, mas também por outras instituições estatais).
A economista afirma que esses instrumentos, em si, não são maléficos nem benéficos e que seus efeitos
depen
dem da forma como são usados, da intensida
de do uso e
de suas intenções principais.
As
desonerações seriam
bem-vindas, por reduzir a carga tributárias, mas são como uma
"metralhadora giratória" para conter as pressões inflacionárias e não
levam em conta os efeitos sobre a soli
dez fiscal, aponta Monica
de Bolle, que também é diretora do Instituto
de Estudos
de Política Econômica da Casa das Garças (Iepe/CdG), o "think tank" tucano sediado no Rio.
A mudança
de marcos regulatórios, como o
de energia, também seria boa em princípio, mas intervém muito nos mercados e afasta os investidores.
As compras gover
namentais seriam um instrumento valioso se houvesse uma estratégia para o
desenvolvimento do país e viraram uma forma
de o governo promover os seus "campeões
nacio
nais", sem maiores consi
derações sobre o quanto isso ren
derá ao país.
"Este é também o objetivo principal da "Bolsa BN
DES",
do crédito público farto e barato que inevitavelmente levará, em algum
momento, a perdas para os cofres públicos quando alguns
desses empréstimos não apresentarem o retorno almejado", critica.
Para Monica
de Bolle, a oposição
deve buscar um discurso
mais mo
derno do que a "velha ladainha
de sempre"
de ficar batendo ape
nas
na tecla da estabilida
de macroeconômica. "Não dá para fazer um discurso que não fale diretamente aos jovens e às mulheres",
defen
de. A economista propõe como ban
deira a melhora da qualida
de dos serviços públicos, como educação e saú
de. "Aí estão as brechas que o PT
deixou, pois não acredita que as
novas classes sociais almejem a excelência, acha que se contentam com a média, a mediocrida
de", diz.
Em sua opinião, a política
de in
dexação do salário mínimo ao PIB precisará ser
desmantelada. "O aumento dos salários acima da produtivida
de do trabalhador é a principal fonte
de inflação no país e,
mais cedo ou
mais tar
de, acabará corroendo exatamente o po
der
de compra das classes
de renda que o governo
mais quer preservar", afirma.
Dilma faz leitura equivocada da economia
Por Angela Bittencourt
Não é por falta de esforço do governo que a
economia
brasileira teima em não crescer. São fatores estruturais e
conjunturais que explicam as taxas de expansão declinantes do Produto
Interno Bruto (PIB) nos últimos dois anos, equivalentes à metade
da gestão
Dilma Rousseff. A soma desses fatores mostra que o crescimento econômico é limitado pela oferta de bens e serviços e pelo aumento
da inflação. Essa limitação, porém, não foi cria
da espontaneamente, mas é produto de um diagnóstico equivocado feito pela presidente
Dilma que deu continui
dade à política econômica estabeleci
da pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, quando a
economia do país já havia mu
dado.
Lula ocupou nos primeiros seis anos de seu duplo man
dato os "estoques" ociosos de oferta que existiam em vários segmentos
da economia quando foi eleito em 2002.
Dilma não diagnosticou corretamente que essa condição havia mu
dado em 2011 e manteve a política anterior, buscando avanços onde a capaci
dade já estava está esgota
da. "Não percebeu que havia her
dado
- ela sim - uma herança maldita. Assim, não há como crescer em ritmo
necessário, desejável ou sustentável sem que ocorra um novo ciclo de
investimentos e de reformas em segmentos importantes do sistema
produtivo no Brasil".
Essa é a avaliação do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros
que, em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do
Valor, lançou como pano de fundo para explicar o porquê
da percepção generaliza
da que existe hoje de que por mais que se faça mais do mesmo, a
economia segue e vai continuar emperra
da. Para ele existe uma diferença crucial entre os governos dos presidentes Lula e
Dilma na gestão
da economia.
"Para o Lula estava clara a necessi
dade de respeitar os princípios de uma
economia de mercado, seguindo as leis de oferta e deman
da e respeitando os contratos em que o governo é uma
das
partes. Certamente aprendeu isso no longo período em que chefiou o
sindicato dos metalúrgicos no chamado ABC. Já para a presidente
Dilma, o crescimento deve ser liderado pelo Estado por meio de medi
das
pontuais que, muitas vezes, agridem regras de mercado e rompem
cláusulas de contratos estabelecidos. E esses critérios soviéticos
justificam o recuo dos investimentos privados na primeira metade de seu
man
dato. A manutenção dessa política não permitirá ao Brasil crescer muito mais de 3% ao ano", afirma Mendonça de Barros.
O ex-ministro explica que a grande maioria
das forças positivas que operavam na
economia durante o governo Lula perdeu intensi
dade e o governo
Dilma não percebeu esta mu
dança. Uma dessas forças - e um componente estrutural importante para explicar a ativi
dade acanha
da atual - é representa
da pelos termos de troca do Brasil. Entre 2003 e fins de 2011, os termos de troca
da economia saltaram de 95 para 130. Ou seja, para ca
da
US$ 100,00 de exportações o Brasil de Lula comprava no exterior o
equivalente a US$ 130,00, contra US$ 95,00 nos anos FHC. Um presente
que o país recebeu por conta do crescimento
das importações chinesas.
Como resultado, nos primeiros anos do governo Lula o superávit
comercial chegou a US$ 45 bilhões anuais, provocando uma valorização
fortíssima do real que, de mais de três reais por dólar chegou a R$
1,60 no início do governo
Dilma. Essas mu
danças alteraram o padrão
das exportações e importações brasileiras, provocando um aumento na oferta de bens necessária para equilibrar o aumento
da deman
da doméstica provoca
da pelas políticas sociais de Lula. Com maior capaci
dade de importar e com a valorização do real, o crescimento
da deman
da interna na casa dos dois dígitos não provocou o aumento
da inflação e manteve em crescimento a massa real de salários.
Os índices de inflação ao consumidor chegaram a ficar no centro
da meta do Banco Central, apesar
da expansão acelera
da da economia.
As empresas brasileiras, depois de um primeiro momento de cautela com
Lula, passaram a reagir a este período de bonança aumentando de forma
importante seus investimentos. O país viveu durante três ou quatro anos
o que se chama de ciclo virtuoso do capitalismo, aju
dado
pela política econômica oficial que seguia no campo macroeconômico o
padrão sempre sonhado pelos mercados. Em outras palavras, o
ex-presidente Lula manteve a
economia funcionando com regras de mercado, corrigindo via políticas sociais o viés de concentração de ren
da que é o padrão do chamado capitalismo no mundo emergente.
Outra evidência
das consequências benéficas
da opção de Lula pela gestão econômica a partir de regras de mercado é a arranca
da
do crédito. "Quando se iniciou esse ciclo virtuoso em 2004, o crédito
ao consumo no Brasil era mínimo. Mas ganhou fôlego e dobrou de tamanho
em proporção do PIB. Esta foi uma
das forças que, junto com a política de aumentos reais do salário mínimo, explicam a incrível expansão
das chama
das classes médias no Brasil nos últimos anos. Hoje não se pode esperar a manutenção
daquele ritmo de crescimento
das carteiras de crédito dos bancos, pois o endivi
damento
das famílias chegou ao limite, com a parcela
da ren
da comprometi
da com pagamentos de juros e amortizações superando 20%
da ren
da das famílias."
Mas Mendonça de Barros lembra que esse processo de expansão
das
economias
de mercado via estímulo ao consumo tem sempre um horizonte finito de
sucesso. Os desequilíbrios, que sempre ocorrem entre investimento e
consumo, acabam por gerar forças contrárias que enfraquecem o sucesso
inicial. Apenas uma nova agen
da que fortaleça o aumento
da
oferta via investimentos privados pode perenizar os frutos do ciclo de
expansão que se encerra. Neste sentido o exemplo brasileiro não fugiu
ao padrão encontrado em outros países emergentes. E o fim deste ciclo
em que aparentemente tudo
dava certo coincidiu com a posse de
Dilma no Palácio do Planalto.
Entre os fatores estruturais que dificultam hoje a expansão
da economia, Mendonça de Barros aponta a inflação, que ficou "mais complica
da". "Hoje, a inflação é de serviços e sustenta
da pelo nível baixo do desemprego e a preservação
da ren
da. E serviços não dá para importar. Além disso, por pressão
da
indústria, o governo promoveu no ano passado uma desvalorização
cambial de mais de 20% que, por azar, veio junto com o choque de
alimentos. Tudo somado, a inflação comeu a ren
da dos trabalhadores."
O desempenho
da indústria
merece particular atenção do ex-ministro, que coloca o setor entre os
fatores conjunturais que explicam a expansão apática
da ativi
dade no país. "Quando se compara o comportamento
da
produção industrial no Brasil e nos Estados Unidos nos últimos anos, a
diferença é flagrante". Em 2008 e 2009, período marcado pela crise
financeira global, a produção industrial caiu e muito no mundo todo. Em
2010, Brasil e Estados Unidos optaram por trilhar caminhos diferentes
para recuperar o crescimento. Nos Estados Unidos, a expansão começou
lentamente e a recuperação só agora se tornou evidente, embora ain
da de forma gradual. Não por outra razão o nível de desemprego é ain
da muito alto e o Federal Reserve continua com sua política de expansão monetária. Mas a recuperação
da economia ganhou tração e deve continuar nos próximos anos.
No Brasil, em 2010, que foi ano de eleição, a recuperação
da
produção industrial teve forte expansão inicialmente ao responder aos
agressivos estímulos criados pelo governo, voltando rapi
damente ao patamar pré-crise. "Mas a partir
daí,
estagnou e não consegue mais crescer", afirma Mendonça de Barros que
vê o crescimento do Brasil restrito por limitações de oferta e falta de
investimentos.
Para economistas, país ficou defasado no cenário global
"Nós nunca conseguimos na verdade montar um arranjo de política
econômica que pudesse nos reinserir no processo de redistribuição da
indústria mundial" - Luiz Gonzaga Belluzzo
Começa a ser esboçada uma convergência no diagnóstico sobre o tímido
desempenho do PIB brasileiro nos últimos anos. A retomada do
crescimento requer um plano estruturado de redefinição da indústria, o
calcanhar de Aquiles no atual cenário econômico. Essa é avaliação de
dois renomados economistas, os professores Luiz Gonzaga Belluzzo e
Edmar Bacha, convidados pelo Valor para analisar o tema deste
suplemento que comemora os 13 anos do jornal: "Por que o Brasil não
cresce?"
Em uma conversa de três horas, Bacha, um dos formuladores do planos
Cruzado e Real e hoje ligado ao PSDB, e Belluzzo, também da equipe que
implantou o Cruzado e que se identifica mais com a atual equipe
econômica do governo, falaram sobre os desafios econômicos do país em
curto e médio prazo. Veja nesta e na próxima página os principais
momentos dessa troca de ideias.
Valor: O governo adotou estímulos fiscais e monetários e a economia não reagiu. Por quê?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Ficamos atrasados. Quando falamos que tem um
processo de desindustrialização, não estamos dizendo que estamos
arrancando fábrica daqui, até porque o investimento estrangeiro direto
continua vindo, mas ele vem para a ponta desse sistema. Nós não estamos
nos engrenando nas cadeias produtivas globais. Quando começou esse
negócio de globalização, houve uma discussão, a meu juízo ideológica,
que tinha viés dos dois lados. Por um lado apresentavam a globalização
como um processo homogêneo. Vou dar como exemplo um comentarista
respeitado, Thomas Friedman, que diz que o mundo é plano. O mundo não é
nada plano, é cheio de saliências e de diferenças. Você não explica o
sucesso da China sem o que ocorreu nos Estados Unidos em matéria de
elevação do consumo, naquelas condições que a gente conhece, com
estagnação dos rendimentos, maior desigualdade etc. Também é um
equívoco achar que são as reservas chinesas que financiam a economia
americana. Se você olhar o fluxo de capitais, o bruto e o líquido, vai
ver que os EUA foram o principal receptor de capital financeiro nesse
período que vai de meados dos 1980 até recentemente. A variável
independente, do meu ponto de vista, é a liberalização financeira, são
os fluxos financeiros dos EUA. As taxas de juros longas dos EUA ficaram
baixas durante o tempo inteiro por causa desse brutal fluxo de
capitais. E a City londrina funcionava como uma espécie de
transatlântico financeiro. A maior parte do dinheiro vinha da Europa.
Quando se tinha crise aqui, como houve em vários momentos, o dinheiro
fugia daqui e ia para os EUA. Isso deu espaço para duas bolhas: a da
pontocom e, depois, a bolha dos imóveis. Houve uma restruturação, se
terceirizava tudo, as empresas ganharam grande competitividade e isso
foi muito eficiente, teve muita importância para a inflação mundial. A
China e essa mudança estrutural, porque o preço dos manufaturados veio
abaixo. Nós fomos os beneficiados. Quando se discute o Brasil até 2002 e
depois de 2002 tem que contar com o fato de que as circunstâncias
internacionais mudaram substancialmente. Exatamente nesse período que
se tem o boom de commodities, certo? Tivemos o boom de commodities de
2004 a 2008. De 2004 a 2008 tivemos uma mudança internacional raras
vezes observada e acumulamos 300 e tantos bilhões de dólares de
reserva. Nós temos US$ 370 bilhões, o que nos dá certa segurança. Tem
um custo, teve o custo fiscal alto. Na verdade nós carregamos as
reservas com taxas de juros muito altas e aí começam os problemas de
curto prazo, que eu vou deixar para o Bacha falar. O que eu quero dizer
é o seguinte: nosso atraso no que diz respeito à indústria nasce do
final dos anos 1970, começo dos anos 1980. Nós nunca conseguimos na
verdade montar um arranjo de política econômica que pudesse nos
reinserir no processo de redistribuição da indústria mundial.
Valor: A não ser a indústria financeira.
Belluzzo : Pega as taxas de crescimento dos anos 1980, qual foi a taxa de crescimento média?
Edmar Bacha : Per capita, negativa.
Belluzzo : Per capita, negativa. Mas ela foi 2%, 2,5%, por aí. Nos
anos 1990 quanto foi a taxa de crescimento médio? A mesma coisa. Deu
uma recuperada a partir de 2004, pelas razões que eu expus aqui, bateu
em 4% em 2004, foi bem até 2008, em 2008/09 tivemos aquela queda de
0,6%, eu vou deixar para falar das coisas de curto prazo depois, porque
acho que o Bacha tem que começar a dar a opinião dele.
Bacha : Deixa eu ser tecnocrático aqui: por que cresce pouco? Porque
investe pouco e porque tem baixa produtividade. E a segunda é: por que
investe pouco? Porque tem baixa produtividade. Além disso, tem um
antecedente, porque a Europa também está crescendo pouco, não é? Em
comparação com a Europa a gente está crescendo muito. Nosso problema
não é só o crescimento baixo, é um crescimento baixo e inflação alta.
Todos concordamos que não temos um problema de demanda efetiva, nós
temos um problema de oferta. O crescimento é baixo porque há alguma
coisa errada do lado da oferta. Isso é denotado pelo fato de que
acompanhando o crescimento baixo tem inflação alta, esse é primeiro
ponto. Aí a gente tem que entrar nessas questões de oferta. O
investimento é baixo se comparar - com os asiáticos, nem se compara -
mesmo na América Latina, a taxa de investimento no Brasil acho que é
menor que a do Paraguai, não sei se é menor do que mais alguém. Então o
país investe pouco, aí a gente vai ter uma série de discussões sobre
por que o país investe pouco, mas esse é um problema. E a produtividade
também é muito baixa. Então tem alguma coisa que não está funcionando
na economia. Aí na hora em que você vai falar sobre o que não está
funcionando na economia, em vez de ficar focado nas controvérsias dos
economistas, você deveria olhar em que o Brasil é diferente, olhando
assim para o lado ruim, por que a gente está no final da linha? Falando
só de economia, uma coisa que está clara é dívida pública bruta de 65%
do PIB, que é extraordinariamente elevada para um país em
desenvolvimento, mas tem outros que estão lá também: tem a Índia, o
Egito.
Valor: Mas é realmente elevado 65% do PIB?
Bacha : 65% do PIB comparados com nossos parceiros de renda per
capita é extremamente elevado, o padrão normal seria mais nos 20%.
Apesar dessa dívida elevada, temos uma tributação que é elevadíssima,
no ano passado de 37% do PIB, isso também é totalmente fora de
compasso. Esse tipo de tributação é maior, por exemplo, que no Japão ou
Estados Unidos, para não dizer o resto dos países em desenvolvimento.
Acho que essa é uma coisa crítica. Qual é o outro componente que a
gente tem totalmente fora de compasso? É a Previdência, com uma taxa de
dependência muito baixa na relação entre idosos e pessoal ativo, 10%. A
gente já gasta 11% do PIB, tanto quanto gastam países que têm relação
de dependência três vezes mais alta. A questão previdenciária é
particularmente preocupante porque nós vamos chegar muito rapidamente a
esse padrão de distribuição etária que hoje existe nos países
avançados na Europa. A outra questão em que o Brasil é realmente muito
diferente é infraestrutura. A gente gasta 2% do PIB em infraestrutura,
isso não existe, é parte importante do componente na revisão - além do
custo Brasil implícito na carga tributária - de por que o investimento é
tão baixo. Não tendo a infraestrutura, a rentabilidade do setor
privado é muito menor, estamos vendo aí as questões dos portos, a
preocupação com apagão. E finalmente, mas provavelmente mais importante
do que eu disse antes, a educação é lastimável, como é demonstrada
pelo próprio resultado do Pisa, a gente é melhor que o Cazaquistão,
número 73, mas nós somos numero 67. É uma coisa inacreditável.
Conseguimos colocar as crianças na escola, mas não estamos ensinando
nada a elas. Tem tudo a ver com o que o Belluzzo falou, não sei se ele
vai concordar. O Brasil se isolou do ponto de vista econômico, do ponto
de vista do comércio.
Valor: Parece que os dois concordam que a indústria é o grande ponto
fora da curva. O senhor citou que Brasil se isolou do ponto de vista
do comércio internacional e o professor Belluzzo usou a expressão de
que nos anos 1970 e 1980...
Belluzzo : O Brasil não se isolou, teve uma especialização ruim, eu acho.
Valor: O governo hoje quando olha para indústria está fazendo uma política atrasada? Exigência de conteúdo nacional....
Bacha : Eu acho que é exatamente por aí. Eu creio que está
crescentemente se compondo uma ideia no país, uma percepção desse tipo
de convergência - que é parecida com uma convergência com que a gente
conseguiu através do Plano Real acabar com inflação - que é essa noção,
com um "pibinho" e inflação alta, estamos convergindo para aquele
problema de oferta. Na hora que a gente olha para os problemas de
oferta no Brasil, tem tanta coisa para consertar, mas não tem um
caminho? Eu estou cada vez mais convencido, ainda é uma tese, de que o
caminho é partir para uma reindustrialização do país, o renascimento da
indústria no Brasil.
"Dívida pública bruta de 65% do PIB é extraordinariamente elevada para um país em desenvolvimento" -
Edmar Bacha
Valor: O que isso significa?
Bacha : Significa repensar a indústria brasileira, não no contexto
do mercado interno, que foi sempre só nossa percepção, mas tendo em
conta que é um país que tem uma dimensão grande interna, mas a gente
tem que pensar a indústria brasileira em termos do mundo. Nós somos uma
economia grande, mas nós só somos 3% do mundo, tem 97% lá fora. Está
totalmente equivocada essa política de conteúdo nacional, está acabando
com a Petrobras. Hoje em dia, nós vamos conseguir produzir todos os
componentes de todos os bens aqui internamente, é essa ainda a
concepção? Você pega a política industrial da saúde - é porque tem um
déficit de R$ 11 bilhões; política industrial da eletroeletrônica é
porque tem um déficit de R$ 16 bilhões. Então eu acho que precisa virar
isso de cabeça pra baixo. (Ver matéria na pág. F7).
Valor: É realmente uma mudança de concepção.
Bacha : Se você fizer isso, vai forçar o governo a ter de fato uma
política de controle de redução da carga tributária. Vai forçar o
governo a colocar o câmbio no lugar, de outro jeito não dá. E vai
forçar os empresários a pensar na hora de investir no Brasil - "não,
não vou investir aqui só porque o mercado está ruim, eu vou investir
aqui porque vai fazer parte das minhas plataformas exportadoras".
Valor: Professor Belluzzo, como o senhor vê a indústria?
Belluzzo : Estou achando ótimo o Bacha falar isso, porque eu tenho
diversas observações, digamos assim, críticas, sobre o quê ele falou.
Assim fica legal o debate. Vou começar pela primeira observação que ele
fez, corretíssima: o Brasil tem uma baixa taxa, você se lembra da taxa
de investimento do Brasil nos tempos do milagre?
Bacha : 22%, 23%, chegou a 27%.
Belluzzo : O seu trabalho com o Regis Bonelli...
Bacha : Comigo.
Belluzzo : O diabo é que eu tenho boa memória, eu não sou muito
inteligente, mas boa memória eu tenho. A taxa no auge do milagre chegou
a 27%, mas na verdade a média era 22%, 23%. A partir da crise da
dívida externa tivemos um declínio fortíssimo. Vou analisar algumas
questões estruturais do período anterior para a gente entender. Você
tinha uma sinergia muito grande entre investimento público e privado
naquela época em que construímos toda a nossa infraestrutura, até os
anos 1970. Temos 30 anos atrasados na infraestrutura. Keynes era um
liberal conservador, gostava das conquistas culturais e civilizatórias
do capitalismo, mas achava que o sistema não funcionava muito bem.
Então, o que ele recomendou? Precisa ter uma sinergia para que você
tenha um mínimo de estabilidade na taxa de inversão entre os programas
de investimento, uma coordenação. O que você perdeu aqui no Brasil foi
muito dessa coordenação, nós tínhamos, mal ou bem, essa coordenação nos
anos 1950 e 1960. Quem fazia isso? As empresas estatais. Eu não estou
dizendo que você tem que desfazer a privatização, eu estou dizendo o
seguinte, o governo precisa ter um orçamento de capital separado do
orçamento corrente, orçamento corrente tem que ser sempre equilibrado, o
orçamento de capital é aquele que regula as flutuações cíclicas, isso
foi o que ele pensou. Muito bem, deixamos o investimento público aqui
baixo, a nossa indústria de bens de capital está reduzida. A taxa de
investimento é muito baixa. E ela ficou estagnada com flutuações muito
pequenas ao longo desses últimos 30 anos, o investimento público caiu
para menos de 2% do PIB. Não é possível, isso é uma economia que não
tem coordenação. Eu não vou ficar discutindo esse negócio de mais
Estado, mais mercado. Essa é uma coisa que não me interessa, discussão
ideológica, porque em todo lugar do mundo você tem alguma ação do
Estado, boa ou má, às vezes não muito boa. Essa coordenação nós
perdemos a partir da crise da dívida externa, tivemos graves problemas
fiscais e nunca recuperamos a capacidade do Estado de investir e
coordenar o setor privado. E aí está o resultado na infraestrutura.
Isso tem um impacto grande. E subimos a carga tributária, de 20%, antes
da estabilização ela estava em 21%, depois dela foi a 30%, 37%, de uma
maneira totalmente caótica. Agora, vai fazer uma reforma tributária no
Brasil... Eu acho que desse ponto de vista, e aí eu vou ter a primeira
relação crítica com o Bacha, temos sim um problema de oferta e temos
um problema demanda efetiva, porque se você quer criar oferta você tem
que gerar demanda. Esse problema não ficou claro e agora está começando
a ficar, porque durante o período da bonança nós promovemos uma
mudança na composição da demanda doméstica, certo? Por causa dos
programas sociais, do salário mínimo etc. Então, nós temos um mercado
de trabalho apertado, até porque houve, não sei até quando isso vai
durar, uma redução da PEA, então você tem uma taxa de desemprego baixa.
Mas nós estamos em um enrosco, por quê? Como o crescimento se deu
dessa maneira, e é claro que se incorporou um monte de gente como
consumidor, e dadas as mudanças que ocorreram na economia, sobretudo a
queda da inflação, eles viraram demandantes de crédito. Nos anos 1980
você não tinha crédito, a relação crédito/PIB era de 20%? Era isso?
Bacha : Isso.
Belluzzo : Era 20%, quanto é hoje, 50%? Ocorreu alguma coisa
diferente, quem não tomava crédito começou a tomar, isso tudo deu uma
mudança na estrutura da demanda, qual foi o impacto na estrutura da
oferta? O governo precisa colocar o câmbio no lugar. A questão cambial é
fundamental. Imaginem o seguinte, eu sou investidor estrangeiro e vou
montar uma fábrica de chips em Campinas e vou decidir isso com o câmbio
a R$ 2,40, quando termino de construir a minha fábrica o câmbio está a
R$ 1,60, então o que eu faço: dou um tiro na cabeça? Desmonto o meu
investimento? Quer dizer, você aumenta a incerteza. Eu acho que hoje em
dia, dada a reestruturação da indústria mundial, essa questão cambial é
crucial. Agora não é suficiente, por quê? Vamos pegar o exemplo
bem-sucedido. O Bacha fez uma crítica ao conteúdo nacional. Eu acho que
precisa escolher alguns setores que têm maior poder de disseminação e
dar prioridade a eles. Para terminar: este é o país mais burocratizado
do mundo.
Bacha : Você nunca foi à Índia?
Belluzzo : Mas na Índia funciona, aqui não funciona. A burocracia
aqui é um negócio de enlouquecer, você abrir uma empresa, fechar uma
empresa, especialmente fechar, você está perdido. Mas eu queria falar o
seguinte, sobre a burocracia: vai ter que resolver esses impasses que
estão cada vez mais graves entre Legislativo, Judiciário e Executivo.
Existe uma interferência burocrática na ação econômica do Estado que a
gente precisa discutir.
Desonerações trazem alívio temporário
Por Marta Watanabe
Para a Metalplan, indústria de bens de capital, a desoneração de
folha de pagamento, uma das medidas do governo federal para reduzir
custo de produção, foi mais do que bem-vinda. Com a troca do pagamento
da contribuição previdenciária de 20% sobre folha pelo pagamento de
1,5% do faturamento, a empresa reduziu pelo menos 3% de seu custo
industrial.
O incentivo para aquisição de máquinas com financiamento mais barato
e facilitado via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), outra medida do governo, também beneficiou a empresa. No ano
passado a Metalplan dobrou o valor de venda por meio do cartão BNDES.
Atualmente, informa, cerca de 30% do faturamento vem por meio de vendas
efetivadas com o cartão ou o Finame, linha de crédito do banco
específica para compra de máquinas.
As medidas adotadas pelo governo nos últimos meses não favoreceram
apenas as indústrias. A desoneração de folha, por exemplo, também
beneficiou o setor de serviços, entre eles o hoteleiro. Alberto Grau,
diretor de hotelaria da GJP Hotels e Resorts conta que a desoneração da
folha trouxe redução de 50% do valor devido de contribuição
previdenciária, levando em consideração o período de agosto de 2012,
quando o benefício passou a valer, até março de 2013, em relação a
igual período do ano anterior.
A redução da tarifa de energia elétrica, que passou a vigorar em
fevereiro, também deve contribuir para reduzir custos, mas a rede ainda
não fez os cálculos. Grau informa, porém, que a despesa estava em
expansão. A média histórica desse custo é de 6% a 7% da receita, diz o
executivo, e no ano passado já havia atingido os 10%.
Apesar do alívio resultante das medidas adotadas pelo governo, a
pressão de custos sobre as empresas persiste. O caminho para condições
de competitividade mais isonômicas e que permitam colher ganhos de
produtividade mais expressivos, dizem, ainda é longo e depende de
mudanças mais estruturais.
A Metalplan, por exemplo, fechou 2012 com faturamento nominal menor
que o do ano anterior, uma situação que só havia sido registrada antes
em 1992, diz Edgard Dutra, diretor da empresa. A queda de 5% nominais,
porém, teria sido maior sem as medidas do governo, avalia. "A empresa
conseguiu manter os preços sem reajuste, apesar da pressão de custos,
como de salários".
Com a contenção no preço, a empresa manteve a capacidade de
concorrer no mercado. Com mais fôlego e animado com o desempenho dos
primeiros meses de 2013, Dutra planeja fechar este ano com ganho de 20%
de faturamento em relação a 2012. O horizonte num prazo mais distante,
diz, parece promissor, mas depende do aumento de competitividade.
Os resultados das medidas do governo federal não se restringiram à
Metalplan. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram
que a política de redução da taxa de juros evitou que os custos das
indústrias crescessem com maior intensidade. Na média anual, houve
queda de 24,8% no custo de capital de giro de 2011 para o ano passado. O
custo tributário, um dos grandes problemas estruturais apontados pelas
empresas para a competitividade, ainda subiu 5,6% em relação ao ano
anterior, apesar de ter apresentado queda no quarto trimestre do ano
passado.
Mesmo com as medidas do governo, porém, o custo industrial calculado
pela CNI indica alta de 6,3% de 2011 para 2012, elevação maior que os
5,8% registrados no ano anterior. Os preços praticados pela indústria
subiram menos, com alta de 4,9%. Segundo o economista Renato da
Fonseca, da CNI, isso significa que a indústria não conseguiu repassar o
aumento de custo para o preço e apertou a margem de lucro.
As empresas tiveram que encolher os ganhos mesmo com o efeito
favorável do câmbio no decorrer de 2012. Fonseca explica que o real
mais valorizado elevava, em dólar, a despesa com mão de obra e energia
elétrica, por exemplo, o que tirava a competitividade do produto
brasileiro na concorrência com o importado ou no mercado internacional.
A desvalorização do real durante o ano passado, entretanto, diz
Fonseca, deu à produção doméstica maior competitividade. Os preços em
reais dos manufaturados importados tiveram elevação de 16,9%, variação
que supera em 10 pontos percentuais o aumento de 6,3% dos custos
industriais no Brasil.
As taxas de desemprego, porém, mantiveram a pressão sobre o custo da
mão de obra em alguns segmentos. Entre 2006 e o ano passado, a taxa de
desemprego passou de 10% para 5,5%, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na rede de hotéis GJP, os custos de pessoal ainda são altos e
continuam em elevação. O valor da folha de pessoal, incluindo salários,
encargos e benefícios, cresceu 32,9% entre 2011 e 2012, levando em
consideração a rede já existente em 2011. O crescimento deve-se à
elevação do quadro de pessoal e ao aumento dos benefícios.
O baixo nível de desemprego, diz Grau, gerou aumento de rotatividade
em algumas unidades e pressão sobre os salários. Paralelamente, o
setor enfrenta cada vez mais o problema da qualificação da mão de obra.
A melhora da educação, explica, reduziria os gastos de qualificação e
treinamento de pessoal e aumentaria a produtividade.
A melhoria da educação é uma das mudanças estruturais consideradas
essenciais pelas empresas. Há uma percepção de que as medidas do governo
para reduzir custos foram positivas, mas é preciso adotar
simultaneamente políticas que também façam diferença num prazo mais
longo.
Além da melhoria da educação e, consequentemente, da qualificação da
mão de obra, Dutra, da Metalplan, aponta a necessidade de inovação
como forma de elevar a competitividade brasileira. Segundo ele, os
mecanismos atuais são burocráticos e desestimulam as empresas menores a
investir. "O financiamento para inovação no Brasil demanda pagamento
em dois ou quatro anos". O investimento em inovação, argumenta, precisa
de mais tempo porque muitas vezes a nova tecnologia, além do tempo e
de recursos para ser desenvolvida, ainda precisa formar um mercado.
Para ele são necessários dez ou vinte anos.
O aparente esgotamento de alguns mecanismos emergenciais que deram
fôlego para as empresas no ano passado também faz as empresas olharem
para um período mais longo à frente. A desvalorização do real, que
ajudou no ganho de competitividade das empresas, diz Fonseca, da CNI,
"já acabou". Para ele, é preciso intensificar ações que reduzam custos
de produção da indústria e custos sistêmicos da economia brasileira.
O economista exemplifica alguns, como carga tributária,
infraestrutura logística, regulação ambiental, qualificação de mão de
obra e melhora do resultado fiscal do governo por meio da redução de
gastos. A melhora da infraestrutura, avalia Fonseca, depende, porém,
além de uma taxa de juros baixa, da retomada de confiança na demanda
doméstica e na existência de regras claras para dar segurança ao
investidor.
Fonseca lembra que, apesar da desvalorização da moeda nacional em
2012, o real ainda está valorizado frente ao dólar. A melhora dos
demais fatores de competitividade, porém, dará importância relativa e
mais marginal ao câmbio.
Insegurança jurídica eleva o fator risco dos investimentos
Por Cristine Prestes
O primeiro leilão específico do pré-sal ocorre em 28 de novembro,
mas ainda não se sabe se até lá a regra para a distribuição dos
royalties gerados pela exploração do petróleo já estará definida. A
decisão sobre a nova forma de partilha dos recursos, pagos pelas
empresas titulares do direito de explorar as novas áreas, está nas mãos
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora o tema seja de interesse exclusivo das diferentes unidades da
federação - já que são elas as destinatárias dos valores, que para as
empresas são líquidos e certos -, a possibilidade de que Estados
produtores venham a criar novos tributos para o setor, diante da
eventual perda de arrecadação com uma nova divisão, não é descartada. O
cenário de incerteza em relação aos royalties é o que se chama, no
mercado, de insegurança jurídica, termo usado para definir a
instabilidade de regras que, quando não afasta investimentos, leva as
empresas a darem peso extra ao fator "risco" no cálculo da taxa de
retorno e na equação de formação do preço de seus produtos.
A situação não é exatamente nova. Afora as alterações legislativas
promovidas frequentemente pelo Executivo e Legislativo, o Judiciário vem
aumentando seu quinhão na divisão de tarefas entre os poderes da
República num movimento crescente desde a Constituição de 1988. Pela
Justiça têm passado inúmeras questões que afetam diretamente o mercado -
o caso dos royalties é apenas um exemplo de mudança na lei que cai no
colo do Judiciário tão logo é promovida.
Mas, se há algum tempo a indefinição que perdura enquanto a Justiça
não define a validade de uma norma posta sob seu crivo era apontada
como um dos principais motivos a afugentar investimentos do país, hoje a
insegurança jurídica desafia o desejável investidor de longo prazo.
"Com a mudança de classificação da economia brasileira, o Brasil passou
a atrair investimentos a despeito da insegurança jurídica", afirma o
jurista Fábio Ulhoa Coelho, professor de direito comercial da PUC de
São Paulo. "Só que o investidor atraído é aquele mais afeito ao risco",
diz.
Segundo ele, mesmo o investidor de longo prazo precisa ajustar sua
lógica para um investimento mais arriscado, já que o retorno tem que
ser proporcional ao risco. "E para ter um retorno maior, o preço do
produto tem que ser maior. É por isso que, mesmo tirando os impostos, o
produto aqui é mais caro", explica Ulhoa Coelho.
No caso dos royalties do petróleo, a mudança nas regras de
distribuição foi feita pelo Congresso Nacional, que em 2012 aprovou a
Lei nº 12.734. Submetida à sanção presidencial, a legislação foi
parcialmente vetada pela presidente Dilma Rousseff, mas seus vetos
foram derrubados no Congresso. Diante do impasse nas negociações entre
os Estados produtores - Rio e Espírito Santo - e os demais, o tema foi
parar no Supremo. Neste caso, diz o advogado Saul Tourinho, responsável
pelo acompanhamento de processos no STF e no Superior Tribunal de
Justiça (STJ) no Pinheiro Neto Advogados, foram testados todos os
instrumentos que a Constituição oferece: a lei saiu do Legislativo, foi
vetada pelo Executivo e os vetos foram derrubados pelo Parlamento.
"Mesmo assim, a solução do problema caiu no colo do Supremo", afirma.
"É um momento de efervescência dos tribunais", diz.
É possível que o Supremo dê uma resposta ao vácuo jurídico
relacionado aos royalties a tempo do leilão do pré-sal. Mas nem sempre
isso acontece. No mês passado, a Corte definiu, ainda que de forma
parcial, uma gigantesca disputa entre o fisco e os contribuintes em
torno da incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Sobre o Lucro
Líquido (CSLL) de coligadas no exterior, derrubando a tributação e
mantendo-a apenas para as empresas que estão em paraísos fiscais. A
decisão era aguardada há nada menos do que 12 anos por um sem número de
companhias brasileiras de porte que mantêm coligadas fora do país: a
Medida Provisória nº 2.158, que deu início à tributação, é de 2001.
"Há um grau muito grande de insegurança jurídica gerada por
problemas de prazo", diz Décio Zylbertstajn, professor titular e livre
docente da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São
Paulo (FEAUSP) e coautor do livro "Direito e Economia". "Temos que ter
um Judiciário que seja capaz de dar respostas rápidas, em tempo
hábil", afirma. A boa notícia, diz, está em recentes ações que têm como
objetivo garantir maior celeridade processual, como o investimento na
informatização da Justiça. "Mas não é algo que cai do céu, estamos no
meio desse processo, tentando acelerar a tomada de decisões".
Se a demora na solução de controvérsias provoca insegurança
jurídica, não menos impacto gera a falta de convergência do Poder
Judiciário em torno dos inúmeros temas econômicos submetidos a ele.
Tomada ao pé da letra, o ditado popular que diz que em "cada cabeça,
uma sentença" ganha proporções gigantescas quando se trata de uma
Justiça com cerca de 17 mil juízes e 90 milhões de processos. "O
problema da insegurança jurídica não é tanto de uma questão ir ao
Judiciário, mas de o Judiciário ter coerência nas decisões", diz Décio
Zylbertstajn, para quem a maior dificuldade está em termos uma Justiça
heterogênea a lidar com essas questões.
À falta de unidade soma-se uma duvidosa qualidade das decisões
judiciais quando se trata de temas empresariais. "Há muitas decisões
judiciais que não estão de acordo com o que a lei prevê e acabam
interferindo na economia", diz o professor Fábio Ulhoa Coelho. Um
episódio clássico é o que ficou conhecido como o "caso da soja verde":
durante as safras de 2002 a 2004, o preço da saca de soja atingiu picos
elevados no mercado à vista, muito acima do definido na venda
antecipada fechada com tradings ou esmagadoras. Na época, os produtores
foram à Justiça para romper os contratos, com o argumento de que eles
teriam se tornado injustos. A Justiça atendeu o pleito - mas no ano
seguinte, a venda antecipada da safra em Goiás caiu imensamente, diante
do risco de novas liminares. "É um Judiciário que não está devidamente
instrumentalizado para discutir questões de direito empresarial de
forma correta", diz Ulhoa Coelho. "Nem todos os juízes estão preparados
para decidir questões de direito comercial".
Exemplos não faltam. O advogado Luciano Timm, estudioso das relações
entre direito e economia, cita o entendimento da Justiça brasileira
sobre a desconsideração da personalidade jurídica - em outras palavras,
quando uma decisão judicial permite que os sócios respondam por
eventuais fraudes praticadas pela empresa. "A Justiça do Trabalho criou
uma regra que inibe investimentos", diz. "Já vi uma empresa italiana
que deixou de investir no Brasil porque nunca viu um país com uma
extensão tão grande da responsabilização dos sócios quanto no Brasil",
conta.
Luciano Timm cita outro exemplo, que acaba levando a uma
consequência perversa. Segundo ele, por causa da enorme chance de uma
pessoa ir à Justiça para aumentar a cobertura de seu plano de saúde,
muitas empresas hoje só negociam planos coletivos. "Se uma empresa
fecha um contrato com uma pessoa, não tem como distribuir o risco de
ações judiciais; mas se for um plano coletivo, com 100 pessoas, o risco
é embutido no custo", explica. De acordo com ele, isso ocorre porque a
Justiça sempre define que o plano tem que incluir uma cobertura não
prevista no contrato. "O Judiciário muitas vezes vai além do órgão
regulador", afirma. Para ele, há no Judiciário "uma mentalidade
antieconômica". Para o professor Décio Zylbertstajn, a insegurança
jurídica não é apenas o fruto de imperfeições de um sistema legal, mas
principalmente da interpretação das lei. "E quando isso torna o
resultado da aplicação da lei muito amplo, gera incertezas e vem a
insegurança jurídica".
Educação melhora em ritmo inferior às necessidades do país
Por Luciano Máximo
Seja na preocupação dos empresários com a disponibilidade de mão de
obra qualificada para a sustentação dos negócios ou nas centenas de
iniciativas governamentais, a educação hoje perpassa praticamente todas
as grandes agendas do Brasil.
A despeito da importância do setor e do progresso visto nos últimos
20 anos, como a universalização da educação básica ou a expansão do
ensino superior, uma sensação incômoda persiste no cotidiano de quem
está diretamente envolvido com as políticas educacionais brasileiras:
melhorias em termos de qualidade são excessivamente lentas.
O ritmo desses avanços acaba virando um grande problema de médio e
longo prazos, pois joga contra o atual esforço de elevar o crescimento
econômico e interfere diretamente no modelo de desenvolvimento pensado
para o país.
Na opinião do professor Romualdo Portela, da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP), a lentidão dos avanços da qualidade
do ensino pode ter raiz na ausência de prioridades atribuída ao setor
na formulação dos planos estratégicos de desenvolvimento do país.
Estudioso da inserção da educação nos instrumentos de planejamento
de Estado, Portela explica que o país vive um dilema, como pretende
demonstrar no livro "Desafios da Educação para o Desenvolvimento
Brasileiro", que será publicado em breve pela Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
"O ensino aparece como componente fundamental do processo de
desenvolvimento e de crescimento desde o Plano de Metas do Juscelino
[Kubitschek, 1902-1976] nos anos 1950, mas isso nunca se desdobra em
uma clara priorização de investimento na área como materialização dessa
prioridade", avalia o acadêmico. "O desenvolvimento não é parte
estruturante da agenda educacional, ainda que a expansão da educação
com qualidade represente aporte significativo aos projetos de
desenvolvimento", complementa Portela.
O descompasso entre as prioridades do ensino estabelecidas nos
planos estratégicos de desenvolvimento e sua efetiva realização é
visível nas políticas educacionais atuais mais importantes, que se
arrastam ou sofrem terrível dificuldade para serem colocadas em
prática. Exemplos disso são o Plano Nacional de Educação (PNE), a
indefinição sobre o investimento das receitas do pré-sal no ensino e o
pagamento do piso nacional dos professores.
Legislação que cria diretrizes nacionais para a educação no período
de uma década, a primeira edição do PNE, que vigorou entre 2001 e 2010,
foi inócua. Já o PNE 2 está parado no Congresso desde dezembro de
2010, sem perspectivas de aprovação. Na semana passada, o Congresso
Nacional, orientado pelo governo federal, ignorou o capítulo da nova
lei de distribuição dos royalties de petróleo que trata da aplicação
dos recursos em manutenção e desenvolvimento do ensino - a decisão
agora cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com relação à lei que
desde 2008 obriga Estados e municípios a pagar um piso a seus docentes,
centenas de prefeituras e governos estaduais burlam a legislação e
pagam salários inferiores a R$ 1.500.
"Esses exemplos mostram que, no discurso, governadores e prefeitos
colocam educação como prioridade, mas criam uma série de obstáculos
quando surgem medidas concretas que podem trazer algum resultado num
ritmo interessante. É a retórica vencendo a prática", critica Portela.
Em suas andanças pelo país, o ministro da Educação, Aloizio
Mercadante, tenta passar uma visão diferente, de que educação é
prioridade tanto do governo Dilma Rousseff como do Estado brasileiro.
Em suas palestras e entrevistas, Mercadante não se cansa de afirmar que
o MEC enxerga o setor como prioritário para o crescimento sustentável
do país. "Como há muito tempo não se via, desenvolvemos uma visão
sistêmica da educação, investimos com a mesma prioridade da creche à
pós-graduação. O orçamento do MEC mais que quadruplicou nos últimos dez
anos, vamos investir mais de R$ 6 bilhões dentro do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento), trabalhamos para ter os recursos do pré-sal
visando ao desenvolvimento futuro e temos um importante papel na
política econômica que vem sendo executada pelo governo federal no
período pós-crise", disse Mercadante em entrevista ao Valor no fim do
ano passado.
Outros especialistas ouvidos pela reportagem destacam as
experiências dos últimos 50 anos de Coreia do Sul, China, Austrália e
Chile como referências para avanços considerados rápidos na qualidade
do ensino. Uma das razões para isso é que nesses países a política
educacional está intimamente associada a um planejamento de
desenvolvimento de nação. O caso mais estudado é o da Coreia do Sul,
que registrou o mais rápido avanço em qualidade da educação e vários
indicadores sociais, num processo que começou nos anos 1940 e continua
até hoje, com o país no topo dos rankings de ensino e de
desenvolvimento humano.
Sung-Sang Yoo, professor da Hankuk University of Foreign Studies, da
Coreia do Sul, e pesquisador da University of California (Ucla), conta
que a receita para o salto educacional da Coreia ocorre a partir de um
ponto de vista "simples": "Prioridade governamental e planejamento de
longo prazo", diz. Segundo Yoo, o governo coreano aproveitou
oportunidades do pós-guerra e apoios multilaterais para traçar um plano
de desenvolvimento estratégico que conjugasse crescimento econômico
junto com avanço educacional, de forma conceitual e pragmática.
"Em dez anos foi uma avalanche de medidas. Com elas, as conquistas
vieram rapidamente: universalização da educação básica chegou em menos
de dez anos, ainda nos anos 1950; professores passaram a ter os
melhores salários do mercado; o governo central aumentou
expressivamente os gastos com educação. Tudo isso foi um ponto de
partida importantíssimo para definir os rumos da economia coreana,
baseada numa indústria forte e inovadora", explica Yoo.
Ele acrescenta que, mesmo hoje, as políticas educacionais continuam
liderando as prioridades de Estado. "A mais nova ambição do governo é
transformar a Coreia no primeiro país a universalizar o ensino
superior". Hoje, 65% dos coreanos de 25 a 34 anos têm diploma
universitário, o maior índice do mundo; no Brasil, essa taxa não
ultrapassa 15%.
Na avaliação da consultora em educação Ilona Becskeházy, para o
Brasil avançar mais rapidamente na qualidade do ensino são necessárias
decisões mais simples, não necessariamente associadas a grandes
planejamentos estratégicos. Decisões simples, diz ela, é dar padrão às
políticas educacionais mais estruturais, principalmente aquelas
relacionadas ao conteúdo pedagógico e à formação de professores. "É
preciso definir parâmetros de qualidade e como esses parâmetros serão
alcançados. Não há no Brasil um currículo nacional, não sabemos bem o
que a criança precisa aprender em cada série e em cada disciplina". Sem
a adoção de parâmetros o país nunca dará os saltos "que precisamos".
Expansão fiscal é uma das questões preocupantes
Por Sergio Lamucci
A expansão dos gastos públicos, o comportamento do crédito e a alta
dos preços dos imóveis no Brasil preocupam a economista Carmen
Reinhart, professora da Universidade de Harvard. Para ela, num cenário
com juros baixos nos países desenvolvidos e preços de commodities em
níveis ainda elevados, o país precisa tomar cuidado para não tratar
"choques favoráveis como se fossem permanentes".
"Os aumentos dos gastos são totalmente pró-cíclicos agora. Evitar o
caráter pró-cíclico da política fiscal neste momento é algo de grande
importância", diz Reinhart. Segundo a economista, o país não está
próximo de uma crise, mas essas questões precisam ser monitoradas. Com a
política monetária expansionista nas economias avançadas, é necessário
lidar com grandes fluxos de recursos externos.
Usar controles de capitais faz sentido, mas não há uma "bala de
prata" para tratar desse problema, afirma Carmen, que virá ao Brasil
para participar do 24º Congresso Brasileiro do Aço, que ocorre nos dias
8 e 9 deste mês no Rio, promovido pelo Instituto Aço Brasil. "Quando
você está importando a política monetária expansionista de outros
países e não está distante do pleno emprego, há um risco de aquecimento
excessivo, um risco inflacionário".
Carmen acredita que a política monetária continuará expansionista
por um bom tempo nos países desenvolvidos, o que significa que os
emergentes terão de se habituar a grandes fluxos de capitais. Além de
atividade econômica seguir fraca, as economias avançadas têm outro
incentivo para manter os juros no chão, num cenário de elevado
endividamento do setor público, diz ela. "Quando há um excesso de
endividamento, eles sempre terminam com transferências de poupadores
para devedores. Juros reais negativos nos Estados Unidos são um imposto
sobre os detentores de títulos".
Nas últimas semanas, um estudo escrito em 2010 por Carmen juntamente
com Kenneth Rogoff, de Harvard, esteve no centro de uma grande
polêmica. Em "Growth in a time of debt", os dois analisam dados de 44
países ao longo de 200 anos, concluindo que níveis elevados de
endividamento público - com dívida bruta igual ou superior a 90% do
Produto Interno Bruto (PIB) - estão associados a taxas de crescimento
muito baixas. Em 15 de abril, economistas da Universidade de
Massachusetts, em Amherst, publicaram um trabalho criticando o estudo
de Carmen e Rogoff, apontando um erro numa planilha de Excel, "exclusão
seletiva" de dados disponíveis e ponderação não convencional das
estatísticas, que teria levado a "erros sérios" nas conclusões a
respeito da relação entre dívida e crescimento.
Carmen e Rogoff reconheceram o equívoco na planilha de Excel, mas
rechaçaram as outras acusações. Em artigo publicado no "The New York
Times" na semana passada, os dois divulgaram uma extensa defesa,
dizendo que não só a pesquisa, mas também as credenciais e a sua
integridade, foram furiosamente atacados nos jornais e na televisão. O
fato de o estudo ter sido várias vezes usado para justificar políticas
de austeridade fiscal ajuda a entender o tamanho da polêmica. Reinhart
falou ao Valor em 12 de abril. O jornal pediu que ela comentasse as
críticas ao seu trabalho, o que não ocorreu até o fechamento desta
edição.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como está a recuperação da economia americana?
Carmen Reinhart: Recuperações de crises financeiras não seguem
padrões normais de ciclos de negócios. Em 2008, eu e Kenneth Rogoff
escrevemos que o processo de recuperação tenderia a ser modesto, em
grande parte porque uma recessão causada pela crise financeira atingiu
de modo importante o mercado imobiliário e a indústria da construção de
um modo que o ciclo de negócios não faz. Num paper que escrevi com o
meu marido, Vincent Reinhart, em 2010, analisando 15 graves crises
bancárias depois da Segunda Guerra Mundial, o desemprego recuperou o
nível anterior ao da crise apenas depois de dez anos. Na década
seguinte a crises graves, as economias avançadas tiveram taxas de
crescimento em média 1% a 1,5% mais baixo do que na década anterior à
crise. Eu não estou surpresa com a profundidade, a extensão e a
fraqueza da atividade econômica. Não é um cenário de recessão, mas nós
estamos falando de crescimento abaixo da tendência.
Evitar o caráter pró-cíclico da política fiscal neste momento é algo de grande importância
Valor: A economia, então, vai demorar para retornar à tendência?
Reinhart: É exatamente isso o que estou falando. E a melhora na taxa
do desemprego tem muito a ver com a queda na taxa de participação na
força de trabalho, não porque ocorreu uma criação significativa de
empregos. A taxa de participação está despencando. Eu sou uma das
consultoras do Escritório de Orçamento do Congresso, e uma das últimas
discussões que tivemos é quanto do desemprego se tornou estrutural. Se
você olhar para os Estados Unidos, houve um aumento dramático da fatia
das pessoas que recebem seguro por invalidez. Apenas uma pequena
parcela dessas pessoas volta ao mercado de trabalho. Em relação à
situação europeia, os EUA estão ainda em melhor forma, mas não é o caso
de apostar que o crescimento americano vai voltar para o que era na
década antes da crise.
Valor:Alguns economistas como Paul Krugman dizem que, se houvesse
uma política fiscal diferente, o crescimento seria maior. O que a sra.
acha dessa avaliação?
Reinhart: Eu não concordo com isso. Acho que ele está errado. Você
não resolve um problema de dívida acrescentando mais dívida, que é
exatamente o que ele está sugerindo. Uma das áreas em que nós atrasamos
significativamente é a redução da dívida. E eu não me refiro apenas à
questão fiscal, mas também ao setor privado.
Valor: Há muita desalavancagem a ser feita?
Reinhart: A desalavancagem perdeu fôlego. Nos EUA, as empresas não
financeiras estão em boa forma. Não há um problema de endividamento,
elas têm muita liquidez. No entanto, a dívida das famílias, que atingiu
o pico mais alto em 2008, um pouco acima de 100% do PIB, caiu um
pouco, ficando um pouco acima de 90%, e então parou. Em 1982, quando
nós tivemos uma recessão muito grave nos EUA, mas uma recuperação
realmente robusta, houve uma retomada forte do consumo das famílias,
dos gastos de consumo com duráveis e não duráveis. Naquele período, a
dívida das famílias era de cerca de 45% do PIB. As famílias continuam
com um excesso de endividamento. Outra questão é que os preços de
imóveis nos EUA se estabilizaram, em algumas áreas há sinais de
melhoras, mas nós estamos muito abaixo dos picos atingidos em 2005 e
2006. O refinanciamento de hipotecas tem sido um processo lento e
doloroso. O problema do balanço das famílias continua lá, e está
limitando o crescimento. Quando você vê pesquisas que perguntam porque
as empresas não estão investindo mais e empregando mais, isso tem a ver
com a percepção de que a demanda final vai ser fraca. Isso afeta muito
a recuperação. Estou descrevendo um cenário com a economia patinando,
não de recessão ou de depressão, em que as taxas de crescimento ainda
não estão próximas das médias de longo prazo.
Valor: A sra. acredita num crescimento na faixa de 1,5% a 2,5%?
Reinhart: Acho que a taxa de crescimento deve ficar na casa de 2%.
Não acredito que a economia americana vai atingir 3% numa base
sustentável.
Valor: Por que não é uma boa ideia tentar impulsionar o crescimento com estímulos fiscais de curto prazo?
Reinhart: Eu sou muito keynesiana, mas políticas keynesianas, pelo
que eu entendo, têm a ver com ações contracíclicas. No auge da crise,
em 2008 e 2009, quando se falava de estímulos fiscais, a minha tese era
de que quanto mais estímulos, melhor. Aquele era o momento de ter um
grande estímulo fiscal e monetário. Mas já se passaram alguns anos
depois do auge da crise. Isso não é política contracíclica.
Valor: O que a sra. acha da política monetária americana, com os juros próximos de zero e o afrouxamento quantitativo?
Reinhart: Eu posso falar do ponto de vista dos EUA e também do ponto
de vista do Brasil e outros mercados emergentes. Nos EUA, você pega o
cenário que eu acabei de traçar. Um excesso de endividamento, não
apenas público, mas privado; um crescimento que não é um desastre, mas é
algo patinando; no mercado de trabalho, não há uma grande recuperação
na criação de empregos e as pressões inflacionárias estão sob controle.
Nesse ambiente, o Fed nos diz que eles querem manter por um período
indefinido de tempo uma política em que os juros vão ficar nos atuais
níveis.
Valor: Eles estão certos?
Reinhart: Acho que sim. Não sempre pelos motivos que eles dizem,
deixe-me explicar. Quando há um excesso de endividamento, eles sempre
terminam com transferências de poupadores para devedores. Juros reais
negativos nos EUA são um imposto sobre os detentores de títulos. Eu
tenho trabalhado no assunto da repressão financeira. Com a repressão
financeira e juros reais negativos, o governo está liquidando a dívida.
Juros reais negativos são um imposto sobre os detentores de títulos.
Isso facilita o financiamento na escala atual.
Se os preços de commodities não estivessem onde estão, como estariam as contas externas?
Valor: E quais as implicações para os mercados emergentes?
Reinhart: As implicações para os mercados emergentes são muito
diferentes. Com juros nos países desenvolvidos mais ou menos onde
estão, os problemas dos fluxos de capitais para os países emergentes
vão continuar a ocorrer. As pessoas estão buscando rendimentos mais
elevados.
Valor: O ministro da Fazenda, Guido Mantega, reclamou muitas vezes de guerra cambial. Ele está certo?
Reinhart: Claro que ele está reclamando. Do ponto de vista dos
Estados Unidos, uma política monetária expansionista faz um sentido
enorme. Mas para um país que cresce mais que os EUA e está com
capacidade instalada mais elevada, a política monetária expansionista
nos EUA significa que haverá fluxos de capitais e que a moeda tenderá a
valorizar. Agora há também o Japão, que começou com uma política
monetária muito mais agressiva para acabar com a deflação, o que faz
sentido do ponto de vista deles.
Valor: O Banco do Japão vai ser bem-sucedido em sua tarefa de evitar a deflação?
Reinhart: Essa é uma questão em aberto. No passado, quando o iene
começou a se desvalorizar com força, eles não perseguiram uma política
monetária relaxada tão agressivamente como seria necessário para
produzir inflação.
Valor: E a situação da Europa?
Reinhart: Não acho que já houve o fim da reestruturação das dívidas.
A Espanha e a Irlanda têm grandes volumes de dívida bancária sênior,
ainda carregadas a valor de face. Acho difícil ver uma normalização das
economias desses países sem alguma baixa (write offs) dessas dívidas.
Nem estamos entrando em questões de dívida soberana. A repressão
financeira, que tem a ver com a criação de audiências cativas para a
dívida, está voltando rapidamente. Há pouco tempo a Espanha aumentou a
parcela que os fundos de pensão precisam ter de títulos do governo
espanhol em suas carteiras.
Valor: Como países como o Brasil e outros emergentes devem reag
ir a
essa política de juros baixos e grande liquidez criada pelo
afrouxamento quantitativo?
Reinhart: Em 1993, escrevi um paper com Guillermo Calvo e Leonardo
Leiderman sobre o problema dos fluxos de capitais. Ele basicamente diz
que não há balas de prata. Quando você tem grandes fluxos de capitais,
se você permite a valorização do câmbio, surgem problemas de
competitividade, de conta corrente. Se você tenta lutar contra a
valorização, por meio da intervenção, acumulando reservas, é algo que
também é custoso. Primeiro, é improvável que você consiga esterilizar a
intervenção completamente. Com isso, surge a questão de booms de
crédito e de preços de ativos. Não há balas de prata. Acho que países,
incluindo o Brasil, estão se movendo na direção de usar controles de
capitais.
Valor: O Brasil adotou algumas medidas de controle de capitais,
medidas macroprudenciais e acumulação de reservas para lidar com os
fluxos de capitais.
Reinhart: Vamos chamar as coisas pelos seus nomes. Está na moda
chamar de medidas macroprudenciais, mas elas são controle de capitais. É
um modo de lidar com fluxos de capitais grandes e persistentes.
Valor: O Brasil deve tentar combater parte desses fluxos de capitais com controles de capitais?
Reinhart: Sim, eu acho. As sementes das crises aparecem em geral nos
bons tempos. Uma coisa que me preocupa quando começo a ver governos
começando a tratar choque favoráveis como permanentes. Isso se reflete
nos gastos. Os aumentos dos gastos são totalmente pró-cíclicos agora.
Evitar o caráter pró-cíclico da política fiscal neste momento é algo de
grande importância. Nós vimos um aumento dos gastos fiscais,
inicialmente um estímulo fiscal em resposta à crise, algo muito
apropriado. A questão é que os gastos subiram, mas não recuaram
novamente. Se você olhar a história, os preços de commodities podem ter
períodos prolongados de alta, mas quando eles começam a cair, eles
podem expor muitas vulnerabilidades tanto nas contas fiscais como nas
contas externas. Esse é o motivo pelo qual eu insisto que essas
vulnerabilidades iniciais precisam ser monitoradas. E, dado o que eu
disse, que não acredito que os EUA, a Europa ou o Japão vão reverter em
breve a política monetária, é necessário ver como lidar com os juros
baixos no cenário internacional por um bom tempo. Quando você está
importando a política monetária expansionista de outros países e não
está distante do pleno emprego, há um risco de aquecimento excessivo,
um risco inflacionário.
Valor: Como a sra. vê a situação brasileira?
Reinhart: Com eu disse, a expansão fiscal é uma das coisas que me
preocupam sobre o Brasil, que o país comece a tratar alguns dos fluxos
como permanentes. Isso é sempre algo perigoso. Nós temos agora um
cenário internacional favorável não apenas em termos de juros, mas
também de preços de commodities. Se os preços de commodities não
estivessem onde estão, como estariam as contas fiscais e as contas
externas? Em 2008, o Brasil e a América Latina foram capazes de
enfrentar a crise com solidez. Em parte isso se deveu ao fato de que o
Brasil e outros países da região, assim como na Ásia, tinham se
desavalancado, tanto doméstica como externamente. O principal é que
houve uma mudança de dívida externa para mais dívida doméstica. Isso
ajudou muito, porque naquele período de turbulência, em 2008 e 2009,
ninguém estava questionando a solvência do Brasil e do México, por
exemplo. Os países estavam sendo duramente atingidos, com queda das
exportações e a desvalorização das moedas, mas ninguém questionava a
solvência. E, seis anos depois, o crédito doméstico tem crescido
bastante rápido no Brasil, ainda mais rapidamente no Peru. Há aumentos
significativos nos preços de imóveis.
Valor: A sra. está preocupada com o aumento do crédito e os preços de imóveis no Brasil?
Reinhart: É uma linha tênue entre o que é algo saudável e o que é
aquecimento excessivo. O que eu estou dizendo é que eu não tinha dúvida
em relação ao equilíbrio externo e interno que o Brasil e outros
mercados emergentes tinham em 2008. Não é onde eles estão agora. É algo
a ser monitorado. Não estou dizendo que há uma crise, mas é algo a ser
monitorado.
Licenciamento ambiental avança, mas caminho é longo
Por Chico Santos
Em setembro de 2009 o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu
fiscalização para avaliar o quanto o Instituto Nacional do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estava preparado
para conceder licenciamento ambiental a projetos econômicos com o rigor
que o cuidado com a preservação dos recursos naturais para as futuras
gerações exigia e com a celeridade que o desenvolvimento econômico e
social demandava. Os auditores concluíram, entre outras coisas, que
havia excesso de foco nos processos e "pouca atenção aos efeitos
ambientais e sociais de um determinado empreendimento ou à efetividade
das medidas mitigadoras adotadas".
Viram também dificuldade de acompanhamento das condicionantes às
licenças, gerando acúmulo delas que atrasavam a concessão das licenças.
Identificaram também falta de padronização dos processos que, somada a
Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) ruins, geravam decisões
conservadoras por parte dos analistas ambientais, temerosos de serem
responsabilizados judicialmente por danos futuros provocados pelo
projeto analisado.
A essas constatações do TCU somava-se a percepção geral, inclusive
dentro do próprio governo, de que a falta de coordenação entre o Ibama e
outros órgãos envolvidos no processo de licenciamento, como a Fundação
Nacional do Índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico da União (Iphan) era outro entrave de respeito. O
licenciamento ambiental era visto como o grande gargalo, especialmente
dos projetos de infraestrutura.
Quase quatro anos depois, há mudanças na realidade, reconhecidas por
boa parte dos atores envolvidos nos processos. "O Ibama de hoje é
significativamente melhor do que era há cinco anos", disse ao Valor um
analista de um dos órgãos de controle e fiscalização dos processos -
TCU, Ministério Público Federal (MPF) e Advocacia Geral da União (AGU) -
federais de licenciamento, que preferiu não se identificar. O próprio
TCU, ao fiscalizar o cumprimento das determinações e recomendações
feitas em 2009, concluiu em 2011 que o órgão ambiental estava
trabalhando para cumprir a maioria delas.
"O Ibama não é mais o gargalo de coisa nenhuma", afirma Gisela
Forattini, diretora de licenciamento ambiental do órgão. Segundo ela,
correm paralelamente processos de aperfeiçoamento tanto do
aparelhamento técnico do Ibama como "das normativas que precisamos para
trabalhar". Gisela cita entre essas a Portaria Interministerial 419,
de outubro de 2011, definindo os papéis dos vários órgãos federais
intervenientes nos processos de licenciamento.
Os números também dão suporte às palavras da diretora. Em 2003 o
Ibama concedeu 138 licenças nos mais variados estágios, incluindo
licença prévia, licença de instalação e licença de operação, com um
efetivo de 130 técnicos na sede (Brasília). No ano passado foram 700
licenças, e nos três primeiros meses deste ano, 208, com um efetivo de
240 técnicos em Brasília e mais 160 nos núcleos regionais.
"Temos percebido alguns avanços, mas focados principalmente no
Ibama. O Instituto passou a trabalhar nos últimos tempos de forma mais
positiva, mais ativa. Isso tem sido muito importante para buscar a
solução de conflitos que surgem na gestão socioambiental dos projetos
de infraestrutura, conflitos esses que se agravam, principalmente em
empreendimentos de energia elétrica e de ferrovias nas regiões Norte e
Centro-Oeste", diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Para Godoy, mesmo com medidas como a Portaria 419, que estabelece
prazo de 90 dias no caso de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/Rima), para manifestações conclusivas dos órgãos
envolvidos no licenciamento além do Ibama, "ainda há problemas em
outras instituições que fazem parte do licenciamento ambiental, mas que
não são especializadas nesse assunto".
A diretora Gisele, do Ibama, afirma que hoje o calcanhar de Aquiles
está na má qualidade de muitos EIAs, que frequentemente são executados
por consultorias desaparelhadas para fazê-los. Grandes empresas, como a
Petrobras e a Vale, já perceberam isso e montaram estruturas para
cuidar da questão ambiental. Um EIA bem feito, segundo ela, acelera
muito o prazo de licenciamento. Nesse aspecto da qualidade dos estudos
ela conta com a aliança do MPF, um dos elos da cadeia que têm sido
vistos como obstáculo à livre fluidez dos processos de licenciamento.
"Levantamos questões e informações de que há falhas muito graves no que
diz respeito à produção de EIAs", disse o procurador da República João
Akira, que coordena desde 2002 o Grupo de Trabalho de Licenciamento de
Grandes Empreendimentos do MPF.
Segundo ele, "quando muito", uma parte expressiva dos estudos
consegue levantar dados do impacto "biótico" (referentes aos recursos
naturais), deixando de lado os impactos "antrópicos" (socioambientais),
sendo que estes causam "profundas alterações" nas áreas de instalação
de grandes projetos.
Para Akira, cabe aos órgãos do Estado devolver os estudos ruins aos
seus autores para que eles sofram as consequências. Ele também tem
críticas à Portaria 419. Considera que o estabelecimento de prazos sem
que os órgãos, como a Funai, tenham estrutura para cumpri-los
adequadamente está errado e fará com que o licenciamento acabe parando
na Justiça.
Para o professor de Direito Ambiental da PUC-Rio Fernando Walcacer,
"o EIA não pode ser visto como um obstáculo ao empreendedor" e por isso
mesmo "precisa ser bem feito". Ele considera o licenciamento ambiental
"uma das instituições mais importantes da Política Nacional de Meio
Ambiente, criada em 1981, por contemplar o "princípio da prevenção do
dano", para ele, uma das figuras mais caras ao Direito Ambiental. "Até
porque reparar [o dano] muitas vezes é impossível", pondera.
Para o economista Ronaldo Seroa da Motta, ex-coordenador de Estudos
Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o
licenciamento é a forma mais simples de corrigir o risco (ambiental) na
origem. Na sua opinião, partindo do Termo de Referência (os parâmetros
para o licenciamento de um projeto) estabelecido pelo órgão
licenciador, esse risco já está relativamente precificado para a
indústria onde o impacto é pontual e as tecnologias mitigadoras são
conhecidas na maioria dos casos.
O problema, segundo ele, está na área de infraestrutura onde não
existe nada pontual e tudo é muito complexo. "Eu vou perder ambiente
para oferecer um serviço. Posso compensar? Posso, mas como definir a
compensação ideal?", questiona, recolocando a problemática da grande
quantidade de órgãos envolvidos no processo de licenciamento.
Para o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (2008-2010), atual
secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, para resolver o
problema da diversidade de órgãos no plano federal "é essencial que
seja criada uma coordenação geral que comande o trabalho de órgãos tão
diversos como o Ibama, a Funai, o Iphan e a Fundação Palmares" (cuida de
comunidades quilombolas).
Minc considera ainda essencial que o ministro do Meio Ambiente tenha
força política para dizer não a projetos que considere inviáveis
ambientalmente, lembrando que ele teve que enfrentar outros ministros
para barrar a construção de termelétricas a carvão, o asfaltamento da
BR-319, na Amazônia, e o plantio de cana no Pantanal. "É falso o
antagonismo entre crescimento e preservação. Mas é preciso [para quem
cuida das questões ambientais] ter força política", diz. No Rio, ele
conseguiu reunir três antigos órgãos ambientais em um só, o Instituto
Estadual do Ambiente (Inea).