domingo, 4 de maio de 2014

ENCONTROS DE DOMINGO Bruno Wainer

O Globo 04/05/2014

Um homem de olho na bilheteria de Hollywood

Com mania de perfeição, determinação e faro para saber o que o público quer, filho caçula de Danuza Leão e Samuel Wainer se firma como principal distribuidor de filmes nacionais e coloca as produções brasileiras de novo no topo das bilheterias

MARIA ELISA ALVES
elisa@oglobo.com.br

Ele tem a elegância despojada que se
espera do filho de Danuza Leão, e a determinação
herdada do pai, o jornalista
Samuel Wainer, fundador do jornal
“Última Hora’’. Mas Bruno Wainer tem
um trunfo só dele: um tremendo faro
para descobrir o que você quer ver no
cinema. Dono da Downtown Filmes,
distribuidora que só trabalha com filmes
nacionais, ele vem sendo apontado
— e olha que a fogueira de vaidades
que arde no meio cinematográfico não
é de incensar ninguém à toa — como
um dos responsáveis pela (nova) retomada
do cinema brasileiro.

No ano passado, por exemplo, dos
dez filmes nacionais com maior bilheteria,
seis tiveram o dedo de Bruno.
No ranking total, disputando
com as superproduções de Hollywood,
a Downtown também não fez
feio. Emplacou duas comédias (“Minha
mãe é uma peça” e “De pernas
para o ar 2”) entre os dez com maior
venda de ingressos.

CABEÇA DE DIRETOR DE ESTÚDIO

segredo? Bruno é um distribuidor
com cabeça de dono de estúdio. Não
se limita a espalhar cópias por aí. Vai
atrás de roteiros que dão samba, caça
produtores, palpita na escolha de diretores
e do elenco. Também corre atrás
de patrocínio e dá incertas nos sets.
Tudo para que o produto — sim, ele
não tem a visão romântica de que cinema
é arte — dê certo nas telas.

— Ele opina nos cortes, dá conselhos
úteis, faz a coisa andar. Participa de todo
o processo, é perfeccionista. Faz seu
filme realmente chegar ao público da
melhor forma possível — elogia a atriz
Mônica Martelli, protagonista de “Os
homens são de Marte... e é para lá que
eu vou’’, que estreia este mês.

O diretor Roberto Santucci, que dirigiu
os dois filmes arrasa-bilheteria
“De pernas para o Ar’’, também destaca
que Bruno faz acontecer. E que, ainda
por cima, é excelente olheiro:

— Quando falei, por alto, da história
da mulher que tinha ido trabalhar numa
sex-shop, depois de ter sido demitida
e abandonada pelo marido, ele, na
hora, comprou a ideia. Disse que ia me
arrumar roteirista, um produtor quente,
patrocínio. E cumpriu tudo.

CHEFE OBSESSIVO-COMPULSIVO

É claro que esse jeito extremamente
participativo de Bruno — que rendeu a
ele um bonequinho com a inscrição
obsessivo-compulsivo, um presenterecado
dos funcionários da Downtown
que ele mantém meio escondido na estante
— pode ser um trunfo na vida
profissional. Mas é um desastre na pessoal.
No seu escritório, na Barra da Tijuca,
sentado numa poltrona Charles
Eames — alguém tem dúvidas de que
ele fez questão de palpitar na decoração
do espaço? —, Bruno confessa que
anda sem tempo. Não surfa, uma das
suas maiores paixões, há quase dois
anos, e não tem sequer ido ao cinema.
Nos fins de semana, recarrega a energia
no sítio de Guapimirim, onde reúne a
família, a mulher, a designer Ana França,
Beatriz, a filha-xodó de 2 anos, e os
filhos já adultos, Gabriel e Pedro, ambos
do primeiro dos seus quatro casamentos.

— Fico exausto. Mas não tem jeito, vou
até o fim em todo assunto que eu curto.
Manjo até de algodão egípcio — diz, abusando
das gírias, antes de explicar esse negócio
de jogo de cama. — Um dia alguém
me apresentou um lençol muito macio.
Adorei e fui atrás. Descobri de quantos fios
eu precisava. Sou um homem em extinção,
da categoria heterossexual sensível —
brinca, ao se descrever, garantindo que
não faz jus à fama de mulherengo. — Esse
casamento já tem oito anos e é o último.
Danuza diz que Bruno nasceu com
“um paetê dentro da cabeça".

— Ele herdou meu bom gosto. Teve
época em que eu não trocava um sofá
sem consultar o Bruno. Mas agora que
ele mora na Barra, tudo mudou. Preciso
de passaporte para vê-lo e aí resolvo
meu afeto por telefone — lamenta.

O tal bom gosto de Bruno não é unanimidade.
Há quem diga, nos bastidores,
bem à boca miúda, que o distribuidor só
aposta em filmes menos sofisticados,
com mais chances de agradar, ignorando
os mais autorais, artísticos. Mas, diante
da verdade incontestável dos números,
só resta a Bruno fazer biquinho e
mandar um beijinho no ombro para o
recalque bater longe.

— A Downtown já vendeu 50 milhões
de ingressos desde que foi criada, em
2006. É uma marca muito relevante para o
cinema brasileiro. Junto da Paris Filmes,
nosssa parceira, disputamos espaço com a
Disney, Fox, Universal — orgulha-se, para,
em seguida, botar mais lenha na fogueira.
— Cinema é uma indústria como outra
qualquer. Você faz milhares de computadores
e aí aparece uma Apple. No caso de
carros, são muitos Chevys até se chegar a
uma Ferrari. Com cinema, é a mesma coisa.
Você vende muito ingresso até ter um
filme como “Central do Brasil".

As certezas todas que Bruno tem, aos
53 anos, em relação ao que funciona, ou
não, em cinema — ele não é infalível e
“Lula, o Filho do Brasil” não foi o sucesso
esperado — foram sendo construídas
desde a adolescência, quando ele pisou
pela primeira vez num set, praticamente
obrigado pelos pais

Mais novo dos irmãos (Pinky e Samuel,
morto num acidente de carro nos
anos 80), Bruno vivia, quando garoto,
com a cabeça mais nas ondas do que
nos livros da escola. Por isso, foi despachado
pelos pais para estudar e morar
em Paris, sozinho, quando tinha 15
anos. Aos 17, com o passaporte para o
desbunde praticamente entregue em
mãos, resolveu embarcar para o Afeganistão,
de onde iria, em seguida, para a
Índia. Como o país foi invadido dias antes
da viagem pela União Soviética, Danuza
resolveu que já era hora de colocar
os pés do filho caçula no chão. E em
solo brasileiro.

— Minha mãe pediu para o Cacá Diegues,
que era da família, porque tinha
sido casado com a minha tia Nara, para
me aceitar na filmagem de “Bye Bye,
Brasil”. Fui ser estagiário, servir cafezinho,
varrer set, o que precisasse. Fui
aprendendo tudo e não saí mais. Nunca
passei um mês desempregado —
diz Bruno, que também nunca mais
pensou em ir para o Afeganistão e diz
ter guardado da temporada em Paris
as seguintes lembranças. — Falo francês
bem e esquio razoavelmente.

SESSENTA PROJETOS EM ANDAMENTO
Atualmente, Bruno tem na manga 60
projetos, em diferentes fases de desenvolvimento.
Até o fim do ano, lança as
comédias “Candidato honesto”, que
conta a história de um político que
acorda, no meio da campanha, sem
conseguir mentir, e o filme estrelado
por Mônica. Também vai levar aos cinemas
até dezembro duas biografias
que não poderiam ter personagens
mais distintos um do outro: Irmã Dulce
e Tim Maia. E se prepara para investir
cerca de R$ 4 milhões na distribuição
de cada um. Diante da inevitável pergunta
— se não vai lançar a história de
Samuel Wainer —, Bruno é taxativo.

— Filme sobre o meu pai? Nem pensar.
Seria um ato de vaidade. Eu não entenderia
o motivo. A história dele já está
num livro que vendeu muito — afirma,
antes de ser pragmático. — E seria
um filme adulto. O que agrada é entretenimento
com elementos populares e
juvenis, além de ação e comédias