quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Mestre Pinho Pedreira - Antonio Guerra Lima

A Tarde/BA 30/01/2014

Advogado e ex-procurador-geral
do Estado da Bahia






Pinho Pedreira, que faleceu, aos 97 anos, em 22 de janeiro último, deixou uma lacuna no Clube Inglês que jamais será preenchida. Na cerimônia de cremação, ao ver Fernando Santana, na tribuna, falando em nome de todos nós, seus amigos, fiquei a imaginar quantas alegrias vivi, ao lado dele, em mais de cinco décadas, no Clube, diariamente, e nas diversas viagens ao exterior, a exemplo de seus 80 anos, que comemoramos em Paris. Antes, Alcino Felizola, Eduardo Marques, Jorge Borba e eu viajamos a Paris a fim de escolher o restaurante, onde seria comemorado, no dia 20 de outubro de 1997, os 80 anos dele. O jantar realizou-se no restaurante La Coupole.

Na hora dos parabéns, o restaurante, repleto de amigos do Clube, apagou as luzes e, em fila, os garçons, o maître à frente, com o bolo nas mãos, encaminharam-se em direção a Pinho, cantando “happy birthday to you”, acompanhados de todos nós e por um grupo de americanos que ali se encontravam. Todos os anos ele comemorava a data com lauto almoço e excelentes vinhos. Mestre Pinho, como o chamávamos, era a memória viva da Bahia e da história do Brasil.

“Mestre, quem disse tal frase ou quem exerceu este ou aquele cargo em tal ano?”. A essas perguntas, ele respondia sem vacilar, imediatamente.

No Clube Inglês, ele determinava o cardápio, a hora em que o almoço das sextas- feiras deveria ser servido, enfim, tudo que se referisse à gastronomia, a orientação era dele, sem contestação, que ninguém se ousaria, uma vez que magister dixit. Sem preocupação com dinheiro, vivia para viver a vida com os prazeres que esta oferecia, porque “matamos o tempo, e o tempo nos enterra” (Machado de Assis).

Formado em Direito em 1938, em Salvador, deixa contribuições significativas na área do Direito do Trabalho, do qual foi um dos estudiosos pioneiros no país, numa trajetória que inclui os 26 anos passados no Ministério Público e que não se encerrou na presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Nonagenário, assumia as atribuições de professor e não deixava de dialogar com ex-alunos e estudantes da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Quero, porém, evocar o amigo. Foi um grande viajante, capaz de conquistar a amizade de donos de tabernas em Lisboa e um homem de líricas vivências na boêmia da Cidade da Bahia. Nunca se filiou ao Partido Comunista Brasileiro, mas, simpático à causa antifascista, conviveu com Jorge Amado, Giocondo Dias e Armênio Guedes. Durante a Segunda Guerra, participava das reuniões na casa de Giocondo, na Piedade, onde ajudava a organizar comícios e confabulava em defesa da declaração de guerra do Brasil contra o Eixo.

Nos anos 30, foragido da repressão da ditadura de Getúlio Vargas, o então jovem agitador comunista Carlos Lacerda encontrou nele um guia nas noites baianas, geralmente encerradas no mítico Tabaris, na praça Castro Alves.

Para os intelectuais e boêmios, tão meritória quanto a militância antifascista foi a batalha de Pinho Pedreira para salvar do fechamento o bar Anjo Azul, fundado em 1949 por José Pedreira e Carlos Bastos (em pouco tempo, o espaço virara um recanto de escritores, artistas, professores e jornalistas).

Uma tarde, na década de 50, caminhando pela rua do Cabeça, veio a surpresa: uma placa anunciava a venda do bar, que já não pertencia aos fundadores. Soube da falência e decidiu correr a cidade em busca de recursos para ressuscitar o “templo” do existencialismo baiano. Com a ajuda de Virgildal Senna, conseguiu enfim comprar o Anjo Azul e passá-lo a uma nova direção, sem qualquer proveito pessoal, salvo o de frequentador.

Na primeira vez que o vi, Pinho Pedreira possuía a pompa de examinador do vestibular. A partir de 1957, viria a ser meu professor na Faculdade de Direito e, um pouco mais adiante, o amigo permanente no Clube Inglês, sua segunda casa. No Clube, houve lágrimas e brindes em sua memória. Mestre Pinho viveu como se recomendasse apenas os brindes, e agora o relembro em sua cadeira, serenado pelos noturnos de Chopin.