segunda-feira, 22 de abril de 2013

De grão em grão - Willian Vieira e Rodrigo Martins

Revista Carta Capital - 22/04/2013

 


Na última sexta-feira 12, na sede da Primeira Igreja Batista de Campo Grande (MS), um exército de homens de terno e gravata com Bíblias a tiracolo se reuniu para um evento. Não era propriamente um culto. Entre os 350 pastores havia 25 parlamentares, como a vereadora Rose Modesto (PSDB), liderança da bancada evangélica local e autora da lei que obriga o poder público a apoiar eventos evangélicos. Herculano Borges (PSC), que aprovou projeto para proibir a instalação de máquinas de preservativos nas escolas, e Alceu Bueno (PSL), opositor do reconhecimento de uma associação de travestis como de utilidade pública, também vieram. Mas o nome mais aguardado era o do pastor Wilton Acosta. Ali para abrir o Encontro Estadual de Lideranças Evangélicas, o presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp) prestigiava ao mesmo tempo a criação da Frente Parlamentar Evangélica da cidade. Daí os melhores pastores locais estarem dispostos em fila, como soldados da batalha maior: “Alinhar os evangélicos para disseminar valores cristãos por meio de leis políticas públicas”.

Atraso. A agenda moralista ganha força nas periferias, onde as igrejas são mais atuantes. Foto: bFábio Motta/ Estadão Conteúdo
Atraso. A agenda moralista ganha força nas periferias, onde as igrejas são mais atuantes. 

O evento é sinal de um fenômeno bem maior. Enquanto os holofotes da sociedade civil e da imprensa focam na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, desde o mês passado presidida por um pastor, Marco Feliciano (PSC-SP), que já fez declarações homofóbicas, racistas e machistas, um processo mais silencioso se alastra pelo País. Nos moldes da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, com seus 73 parlamentares, o número de bancadas evangélicas em assembleias legislativas e câmaras municipais, em capitais e cidades do interior, tem disparado. Já há frentes parlamentares evangélicas (FPEs) organizadas em 15 estados brasileiros, a maioria criada desde 2012. São mais de cem os deputados estaduais evangélicos organizados. Já o número de FPEs nos municípios é difícil de calcular. “A expectativa é passar de 10 mil vereadores evangélicos”, garante Acosta.

Espécie de tutor do movimento, o pastor coordena um levantamento dos parlamentares ligados à causa em todo o Brasil. Prestes a entrar num voo para o Acre, ele afirma: “O objetivo é verticalizar a pauta parlamentar nacional, aprovando leis em todas as assembleias e câmaras. Todas”. Com oratória fluida e vertida em termos jurídicos, Acosta explica como deve instalar um braço da Associação de Parlamentares Evangélicos do Brasil (Apeb) em cada cidade. “Já temos 15 coordenações estaduais. Logo serão 28. Cada coordenador tem a missão de instalar uma unidade em toda cidade de seu estado. Hoje, quando detectamos um projeto contra nossos valores, contatamos o parlamentar para agir. Mas leva tempo. No futuro será automático.”

 A verticalização é levada a sério. Em 30 de novembro, Dia do Evangélico em Brasília, 700 líderes de 20 estados, boa parte parlamentares e juristas, se reuniram para decidir, com toda sua modéstia, os rumos do País. Representantes da Apeb e do Fenasp leram seus relatórios de atividades. Deputados federais da FPE do Congresso falaram de suas experiências. Daí emergiu a "agenda estratégica nacional", que deve pautar as ações de políticos evangélicos nos níveis estadual e municipal. Entre os pontos estão impedir os avanços nos códigos Penal e Civil, envolvendo aborto, posse de maconha, criminaização da homofobia e casamento gay. "Para trazer o nacional para o local, faremos mais encontros em todo o País", afirma o vereador Herculano Borges (PSC), primeiro-secretário da Apeb. "A ide ia é subsidiar os vereadores com fundamentos legais, para que ajam de forma local." Ou seja, lutar contra o "avanço" dos movimentos gays e feministas. "Quando barramos as propostas deles no Congresso, eles tentam implantá-las nas cidades e estados. Aí criam jurisprudência. Não vamos permitir isso."

O mesmo tem ocorrido no âmbito estadual. Ao liderar o movimento que criou, em 2011, a Frente Parlamentar Evangélica da Assembleia de São Paulo, o deputado Carlos Cezar (PSC) deixou claros os objetivos: ser contra a descriminalização da maconha, o casamento gay e o aborto. "Não somos bobos. Sabemos que são temas de competência do Congresso, mas o que falamos aqui repercute em Brasília. Afinal, os deputados federais e senadores se elegem com apoio de deputados estaduais e vereadores. A base tem direito de cobrar uma postura firme deles no Parlamento." Hoje, 15 dos 94 deputados paulistas integram o movimento evangélico.

Atuamente, há duas frentes na batalha dos evangélicos na política. Uma volta-se aos interesses institucionais e simbólicos. O objetivo é conseguir dividendos para as igrejas, como manter o status quo das leis de radiodifusão, arrebanhar pedaços de ruas para templos, não pagar IPTU e instituir leis que reconheçam a cultura evangélica e forcem a abertura dos cofres públicos a tais eventos, assim como conseguir maior espaço simbólico, como nomear praças e logradouros com símbolos religiosos e instituir feriados como o Dia do Evangélico. Exemplos abundam. O próprio Borges ajudou a aprovar um projeto que reconheceu a música gospel como manifestação cultural, o que abriu espaço para a prefeitura financiar a Quinta Gospel e a Marcha para Jesus. "Hoje conseguimos ajuda para contratar os músicos, montar a estrutura." Proposição do vereador João Oscar (PRP) autorizou a prefeitura de Belo Horizonte a vender uma rua para a expansão da igreja que freqüenta. Em São Paulo, a Câmara aprovou em 2012, às vésperas da eleição, um projeto que permite à Igreja Mundial em Santo Amaro ocupar uma rua. Diz-se que a aprovação veio em troca do apoio a José Serra (PSDB). No Recife, foi aprovada a lei que institui a Semana da Cultura Evangélica, obrigando a Secretaria de Cultura a promover (e financiar) debates, "palestras em instituições de ensino" e "apresentações artísticas em praças públicas".

Proibir bares a menos de 300 metros de igrejas foi a proposta do vereador de Sorocaba Benedito Oleriano (PMN). Os fiéis precisavam "de paz para orar". O mesmo levou uma vara de marmelo à Câmara para defender o direito dos pais de bater nos filhos. Com o Livro dos Provérbios em mãos, sentenciou: "Não retires a disciplina da criança, porque, fustigando-a com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás sua alma do inferno". Enquanto isso, os evangélicos de Maringá conseguiram, via projeto de lei, transferir a data da Marcha para Jesus para coincidir com a Parada Gay, e a Câmara do Rio concedeu ao pastor Silas Malafaia a medalha Pedro Ernesto, dada a quem se destaca na sociedade.

Provas da ocupação do discurso e dos espaços públicos pela religião. Assim, era uma vez uma Praça Chico Mendes em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Homenagem ao ativista morto na Amazônia, o espaço foi convertido pela prefeita evangélica Aparecida Panisset em Praça da Bíblia. "Antes essa praça era relacionada a crimes e hoje manifesta a palavra de Deus", disse no evento. Igualmente simbólico, o Dia do Evangélico foi aprovado em dezenas de cidades. Mas o que mais preocupa os laicos é a frente da ação voltada para projetos de cunho moral, em prol de um ideário conservador de nação, família e vida. Não foi apenas Carlos Apolinário (DEM) a propor a instituição do Dia do Orgulho Hétero e o banheiro gay em São Paulo. Em Ilhéus (BA), o vereador Alzimário Belmonte (PP) tentou transformar em lei a obrigatoriedade do Pai-Nosso antes das aulas. Projetos mais esdrúxulos pipocam País afora.

Para tal, os evangélicos dependem dos números. E têm conseguido. Há casos emblemáticos, como a pequena São Leopoldo (RS), onde seis dos 13 vereadores São evangélicos (PRB, PSB, PP. PT, PSL e PSDB), um crescimento de 100% em relação à última legislatura. Em cidades maiores, o fenômeno é o mesmo. No Rio eram quatro evangélicos na última gestão: hoje são sete, aumento de 75%. Em São Paulo, o número subiu de oito para 11. Em Aracaju eram dois, agora são quatro. No Recife, eram seis, e agora são 11. Em Curitiba, a bancada surgiu em 2013 com 11 vereadores: quase um terço da casa. A regra é clara: sem maioria para aprovar seus projetos, os evangélicos formam alianças e usam a barganha política para impedir propostas progressistas.

Embalado pelo crescimento da bancada, o vereador sindicalista evangélico Luiz Eustáquio (PT) criou uma FPE na Câmara do Recife. Entre os temas discutidos estão formas de impedir o aborto, a legalização da maconha e o casamento gay, explica o vereador, recém-chegado de um encontro da FPE no Congresso, em Brasília. "Fui lá me inspirar e aproveitei para participar do culto na Câmara." Mas temas do Congresso cabem no âmbito municipal? "E importante replicar os temas aqui para fortalecer o debate nacional." Um exemplo é a Lei do Nascituro. Um projeto tramita na Câmara para estabelecer os direitos dos embriões. "Talvez caiba propor algo municipal." O mesmo Dia do Nascituro foi aprovado em dezenas de cidades, o que leva o poder público a investir em palestras e seminários que ataquem a legalização do aborto.

"A gente tem observado a replicação desses projetos no âmbito do Congresso também nos estados e municípios", diz Kauara Rodrigues, assessora parlamentar do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), ONG que monitora no Congresso Nacional projetos relativos aos direitos das mulheres. Das 33 proposições em tramitação hoje, 30 trazem retrocesso, a maioria de autoria da bancada evangélica, afirma. O mesmo ocorre em , âmbito municipal. "O avanço dos evangélicos tornou a luta muito mais desfavorável." Pois, além de propor leis que impedem o avanço da legislação reprodutiva, as FPEs têm centrado fogo na fonte de recursos das ONGs. Dias atrás, deputados requereram uma CPI para "investigar a existência de interesses e financiamentos internacionais para promover a legalização do aborto no Brasil". Exigir transparência é parte da prática democrática.
"O problema é quando essas ações servem não para punir um grupo, mas para negar políticas públicas para segmentos que legitimamente, por razões históricas, se sentem excluídos", alerta Marilene de Paula, coordenadora de direitos humanos da Fundação Heinrich Bõll.

Para mulheres, gays e adeptos de religiões de matrizes africanas, mais grave do que o avanço sobre o poder público é o impacto social na vida dessas minorias. "Há uma capilaridade grande dessas igrejas nas periferias" diz Rodrigues. "A pauta é sempre conservadora. A mulher vai ao culto e ouve o pastor pregar contra a camisinha, os homossexuais, dizer que lugar de mulher é satisfazendo o marido." C) Censo reitera o crescimento do pente-costalismo na base da pirâmide social: 64% do grupo ganha até um salário mínimo e 42% tem ensino fundamental incompleto. "É nessas periferias desassistidas que essas igrejas acabam servindo como fronteira moral, como fortaleza contra o tráfico de drogas e a violência", diz o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC-RS. "Ao servir de suporte comunitário, ganham espaço para implantar sua agenda moralizante."

Os símbolos do retrocesso em questões de liberdade sexual ligados à religião pululam não apenas nas igrejas como na internet. Há uma miríade de blogs a monitorar projetos de lei e ações do Executivo e vídeos gravados direto do púlpito, como o famoso "Como ser submissa a uma pessoa omissa?" Um exemplo mais radical chegou aos ouvidos de Rodrigues. A jovem Noêmia chegou em casa após ir ao bar com os amigos. O irmão achou que ela estava possuída pelo demônio e chamou três amigos evangélicos da rua, que oraram, arrancaram seus piercings e lhe deram uma surra de Bíblia. A garota procurou o CFEMEA, que encaminhou o caso à Secretaria de Direitos Humanos. Outra cena chocante aconteceu em Olinda. Centenas de evangélicos com faixas protestaram em frente a um terreiro de umbanda. Testemunhas garantem que houve depredação e ameaças de morte.

Mais do que ninguém, os homossexuais têm fatia mais farta desse retrocesso. Não apenas as FPEs travam luta cerrada contra a criminalização da homofobia e associam homossexualismo à pedofilia como o deputado tucano João Campos, presidente da frente evangélica no Congresso, propôs que a resolução do Conselho Federal de Psicologia, que não permite "cura" aos gays, fosse revogada. "Temos de aprovar leis como no México, onde quem exerce função religiosa fica impedido de exercer função governa mental", defende Toni Reis, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. "Assistimos hoje a um aumento visível da homofobia no Brasil, o que tem uma ligação direta com essa onda de incentivo ao ódio e à intolerância." Exemplos da pressão evangélica, diz, foram a suspensão do material educativo do projeto Escola sem Homofobia (o "kit gay") e o veto presidencial à campanha de prevenção da Aids a jovens gays no carnaval.
o governo, o assunto é tabu. Não apenas a presidenta Dilma Rousseff tem se mantido silente diante da polêmica a envolver Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias como a Secretaria de Políticas para as Mulheres não se pronuncia sobre o tema. A titular da pasta, Eleonora Menicucci, é abertamente a favor do aborto. Sua indicação foi vista como afronta pelos evangélicos. Mas seu silêncio incomoda ainda mais as feministas. A Secretaria de Diretos Humanos tampouco respondeu a questões sobre o tema. O silêncio é total.

Mas qual é, afinal, o poder de fato dos parlamentares evangélicos sobre o futuro moral do País? "Não dá para subestimar o voto evangélico nem a organização política das igrejas", diz Ari Oro, professor de antropologia da religião da UFRGS e autor de Os Votos de Deus: Evangélicos, política e eleições no Brasil. "Se esse crescimento vai continuar dependerá da organização das próprias igrejas." O professor cita o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, tratado por outras como modelo de gestão política. Sua cúpula dirigente decide, verticalmente, quais os candidatos em cada eleição e quantos, para evitar a repartição de votos. "Já ouvi pastores de igrejas menores dizendo que é preciso adotar o modelo da Universal." Se outras igrejas se organizarem de modo a garantir a transformação dos fiéis em candidatos eleitos, a tendência é uma participação cada vez maior de evangélicos na política.

Igreja com a maior representação evangélica no Congresso (24 deputados), a Assembleia de Deus preparou, em 2010, uma ofensiva para as eleições municipais. Queriam eleger um vereador em cada um dos 5.570 municípios. "Infelizmente, não atingimos a meta. Mas 60% das cidades têm ao menos um vereador ligado à nossa igreja", afirma o pastor Lélis Washington Marinhos, presidente do conselho político da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Para o Censo, há 12 milhões de fiéis da Assembleia, igreja que mais cresceu nos últimos dez anos: 4 milhões de novos adeptos. "Mas somos entre 18 milhões e 20 milhões. Por isso entendemos que estamos sub-representados. Deveríamos ter ao menos 50 deputados federais/" Isso porque o engajamento político dos assembleianos começou há menos de 20 anos. A igreja existe desde 1910. "Os pastores eram refratários à política, mas as igrejas dependem do poder público para ter alvarás, licenças para obras, verbas para tocar projetos sociais", lista. "Sem falar dos projetos que ameaçam a família."

Não que essa guinada moral seja prerrogativa exclusiva dos evangélicos. "Eles vocalizam esse conservadorismo que acaba pulverizado na sociedade e no Congresso", pondera a professora Maria das Dores Machado, da UFRJ. Oro, da UFRGS, concorda. "Desde a Constituinte de 1988, a Igreja Católica tentou formar um bloco parecido, nos mesmos moldes." A Renovação Carismática tem eleito políticos todos os anos, ainda que menos do que a Universal, por exemplo. "Sempre que a discussão tem base moral, se envolve a vida, a família e os costumes, evangélicos e católicos se unem." Exemplo é a criação das chamadas "frentes da família", com católicos e evangélicos lado a lado.

Mas a política dita laica também tem responsabilidade. "A esquerda, desde 2002, fez alianças fortes com os neopentecostais, misturando grupos feministas e pró-homossexuais com segmentos religiosos ultraconservadores, o cúmulo do pragmatismo", diz Mariano. Um cenário difícil de mudar. De 2000 a 2010, a população evangélica arrebanhou 16,1 milhões de fiéis, somando 42,3 milhões de brasileiros. Uma multidão encabeçada por dezenas de igrejas, cada uma com seus canais de rádio e tevê. Só a Universal, estima-se, é dona de 20 canais de tevê e 40 emissoras de rádio.

"Não por acaso, parlamentares temem irritar esses grupos e provocar um boicote ou reação desse poderio midiático", avalia Mariano. Assim, a influência evangélica na política se dá não apenas pelo confronto direto nas sessões, mas por meio de uma espécie de tática de não agressão. "Daí você entender por que RR Soares e José Wellington têm sempre os tapetes vermelhos dos executivos de estados e municípios e mesmo do Planalto. Isso cristalizou a legitimação do ativismo político religioso no Brasil."
ma das últimas vitórias do segmento foi o projeto de lei que prevê o pagamento de um salário por 18 anos a mulheres estupradas, batizado de "Bolsa Estupro". Pelo projeto, psicólogos cristãos atenderiam as vítimas para convencê-las "sobre a importância da vida". Tudo pago pelo Estado. Pensando nisso, a procuradora do município de São Paulo, Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no código eleitoral que acabe com as bancadas religiosas. "Se tivéssemos uma Constituinte hoje, o texto dela resultante seria certamente muito mais conservador, em nada parecido com a Constituição Cidadã que hoje temos e com a qual o STF nos tem socorrido."

Na avaliação do pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda, a corrida política dos evangélicos é reflexo da disputa entre as igrejas no mercado religioso. "Elas querem ter cada vez mais fiéis e mais representantes políticos. Mas parecem esquecer que a expansão do protestantismo só foi possível com a conquista do Estado laico." Acusado pelo mainstream evangélico de ser "herege" por defender que temas como o casamento gay e o aborto devem ser vistos como questão de direitos civis e saúde pública, respectivamente, Gondim teme que o radicalismo evangélico ameace a liberdade religiosa no País. "Assim como não quero um burocrata de Brasília dizendo o que posso dizer em meu púlpito, o Legislativo e o Judiciário não podem tomar uma decisão para agradar a este ou àquele grupo religioso. Queremos ter uma teocracia?"

as há limites à ascensão conservadora. Primeiro, porque os evangélicos mais radicais tendem a não emplacar candidatos em eleições majoritárias, visto a rejeição da sociedade laica a pautas morais extremas. Segundo, porque o voto dos evangélicos já não está mais confinado na direita como outrora. "Hoje, os votos dos evangélicos estão distribuídos em diversos partidos, algo que tende a prosseguir", diz o sociólogo André Ricardo Souza, da UFS-Car. "Com maior acesso a programas sociais, renda e educação, a autonomia dessas pessoas tende a aumentar. Por isso, não vejo um futuro teocrático fundamentalista evangélico."

E Jesus a salvou

Única vereadora da oposição em Curitiba, Noemi Rocha acaba de criar uma bancada evangélica com quase um terço da Câmara

Líder da oposição na Câmara de Curitiba, Noêmia Rocha (PMDB) costuma brincar que é "líder de si mesma". Todos os outros 37 vereadores, a despeito do partido pelo qual tenham sido eleitos, decidiram apoiar o prefeito Gustavo Fruet (PDT) ou se declarar "independentes". Mesmo assim, a única oposicionista da Casa não se sente isolada. Integrante da igreja Assembleia de Deus e filha de pastor, ela formou, no início do ano, a primeira bancada evangélica da cidade, com 11 vereadores, quase um terço do total.

Na seqüência, coletou 32 assinaturas para constituir a Frente Parlamentar em Defesa da Família. "Promovemos seminários para discutir temas como aborto, pedofilia, drogas e outros temas que ameaçam a família brasileira", afirma. Em seu segundo mandato, a vereadora diz que passou a infância ouvindo os pastores de sua igreja dizendo que política e religião não se misturam. Pensa diferente.

"A igreja espiritual não precisa da política para nada. Mas a instituição, sim. Hoje, Curitiba tem 56 casas de recuperação de dependentes químicos mantidas por igrejas. Mas nem sempre elas têm estrutura adequada, profissionais de saúde, recursos para se manter. Sofrem com multas, fiscalizações e ameaças de fechamento. Mas o que fazer? Deixar os viciados na rua?"

Por ora engajada no projeto de criar um centro especializado para a recuperação de gestantes viciadas em crack, financiado com recursos da União, Noêmia também se preocupa com a situação dos templos religiosos de Curitiba. "Muitos precisam passar por reformas e os pastores não sabem como cumprir a legislação contra incêndios, como obter licença para as obras ou alvarás de funcionamento. Estamos aqui para ajudá-los."