quarta-feira, 19 de junho de 2013

Quanto mais Wilder, melhor - Por LUIZ CARLOS MERTEN

 O Estado de S.Paulo - 19/06/2013



Billy Wilder ganhou duas vezes o Oscar de direção - por Farrapo Humano, em 1945, e Se Meu Apartamento Falasse, de 1960. Por mais merecidos que tenham sido os prêmios, onze entre dez críticos serão capazes de jurar que Wilder merecia mais - ou que a Academia de Hollywood errou. Se era para premiar um de seus clássicos noir, Pacto de Sangue e Crepúsculo dos Deuses teriam sido escolhas mais certeiras. E, quanto às comédias, se Quanto Mais Quente Melhor foi escolhida pelo American Film Institute como a melhor de todos os tempos, como - sim, como - foi ignorada pela mesma Academia?

Quando Wilder morreu - de pneumonia, em 2002, aos 95 anos -, não dirigia havia mais de uma década. Buddy, Buddy/Amigos, Amigos, Negócios à Parte é de 1981. Não foi um fecho de ouro para uma carreira tão brilhante, mas o grande diretor passou seus últimos anos recebendo honrarias e homenagens - e também trabalhando, com espartana dedicação a projetos que nunca mais se concretizaram. Seu nome virou sinônimo de humor crítico, corrosivo. Wilder como diretor de comédias era uma consequência de seu começo como roteirista de Ernst Lubitsch. Mas Wilder fez um atalho e, antes de se estabelecer como rei do humor, exercitou-se no cinema noir.

Todo Wilder estará agora de volta na grande retrospectiva que o Cinesesc dedica ao grande artista e que começa amanhã. Todo Wilder! Para cada uma de suas fases,teve um colaborador – Charles Brackett para
os filmes noir; I.A.L. Diamond para as comédias. Wilder nasceu em Viena, filho de um hoteleiro,em 1906.Foi jornalista e roteirista de Robert Siodmak. Conta a lenda que teria tentado entrevistar o próprio Sigmund Freud. O advento do nazismo levou-o a fugir e, antes dos EUA, ele passou pela França, onde fez o primeiro longa, La Mauivaise Graine, com Danielle Darrieux, em 1933. Nos EUA, estreou com A Incrível Suzana, nove anos mais tarde. O filme conta a história deumhomem que se envolve com uma garota disfarçada de menino, num trem. O jovem Wilder já abordava temas um tanto escabrosos, como pedofilia e homossexualismo, mas Ginger Rogers, que fazia a travesti, já era mulher,e isso saltava aos olhos.

Pacto de Sangue, baseado numa história de James M. Cain, é considerado o mais noir dos filmes noir. A mulher fatal Barbara Stanwyck induz Fred Mac- Murray a matar seu marido, mas Edward G. Robinson, como o agente da seguradoras, não se deixa enganar.Com Farrapo Humano, investigando a mente enferma de um alcoólatra, durante um fim de semana de abstinência, Wilder ganhou o primeiro Oscar. O filme é o protótipo do que ficou conhecido como “problem movie”, o filme-problema, consciente de sua dimensão social. Exagera, talvez, nos efeitos de luz e sombra – a herança expressionista e,com certeza, não é um grande Wilder,um dos melhores, pelo menos. Crepúsculo dos Deuses, com seu olhar arguto sobre os bastidores de Hollywood, é melhor.

A estrela Norma Desmond contrata um roteirista para escrever o filme que marcará seu retorno triunfal à tela. Gloria Swanson cria uma personagem maior que a vida – e lamenta para William Holden como os filmes ficaram pequenos. O desfecho é antológico a enlouquecida Norma, depois de matar o roteirista, prepara-se para o “close”. Pedro Almodóvar, que é fã de Billy Wilder, diz que só aquilo já vale a existênciadocinema. O diretor ainda fez A Montanha dos Sete Abutres em 1951, mas seu ataque à imprensa sensacionalista – no personagem de Kirk Douglas –, foi muito avançado para a época e o público rejeitou o filme (que hoje é cult). Wilder deu então a grande guinada para o humor,com uma comédia desenrolada num campo de prisioneiros, durante a 2.ª Guerra Mundial, Inferno 17.

Veio o interregno romântico de Sabrina – o que quer a personagem de Audrey Hepburn? O marido rico ou o príncipe encantado? O humor impôs-se com dois tributos a Marilyn Monroe, o Pecado Mora ao Lado e Quanto Mais Quente Melhor. De novo o travestismo: Tony Curtis e Jack Lemmon vestem-se  de mulher. E tem ainda a frase que entrou para a história,“Ninguém é perfeito”. Wilder nunca parou de surpreender. Antecipou a débâcle do comunismo (o jogo imperialista de Cupido Não Tem Bandeira), fez o mais hitchcockiano dos filmes de suspense que Alfred Hitchcock não assinou (A Vida Íntima de Sherlock Holmes), voltou aos bastidores da imprensa (A Primeira Página) e do cinema (Fedora). O ciclo vai exibir cópias novas de longas com o Crepúsculo, Quanto Mais Quente e Pacto de Sangue. Wilder não gostaria do chavão,mas não há como fugir. A roupa nova só vai ajudar a mostrar que Wilder talvez só se tenha enganado uma vez. Ninguém é perfeito, mas não nada. O cinema dele é (perfeito).

Ecos de segunda

Foto: Paulo Giandalia/Estadão

Não foi só na internet que os artistas demonstraram seu apoio aos atos de anteontem. Muitos fizeram questão de ir ao Largo da Batata, em São Paulo. Ná Ozzetti, que participou da campanha pelas Diretas Já, contou à coluna que, na década de 80, o Brasil era outro. “Mas estou muito orgulhosa desses jovens de hoje. É importante sair às ruas e temos de aproveitar o benefício da internet”, disse a cantora.

Já a atriz Nathália Rodrigues, paulistana, considera o dia 17 de junho um marco de sua geração. “Estou aqui contra tudo o que acontece nessa politicagem e também para apoiar o movimento”, disparou, em meio a gritos de “veeeeem, veeeem, vem para rua, veeeem, contra o aumento!”.

Claudia Missura estava com um grupo de amigos, entre eles Gero Camilo, agachados e com maços de flores nas mãos. A atriz, que fez o papel de Janaína em Avenida Brasil, contou que mora em São Paulo há 20 anos e que são necessárias melhorias na cidade. “Estou achando linda essa demonstração de democracia, sem partido”, contou. Também participaram da passeata Criolo e Laerte.

 /MARILIA NEUSTEIN

Estadão - 19/06/2013

Editoriais 19/06/2013

O Globo 

Corrupção é o foco

 Mesmo que as reivindicações sejam várias e muitos cartazes exibam anseios mal explicados ou utopias inalcançáveis, há um ponto comum nessas manifestações dos últimos dias: a luta contra a corrupção. A vontade de que o dinheiro público seja gasto com transparência e que as prioridades dos governos sejam questões que afetam o dia a dia do cidadão, como saúde, educação, transportes, está revelada em cada palavra de ordem, até mesmo nas que parecem nada ter a ver com o fulcro das reivindicações, como no protesto contra a PEC 37.

Nele está contido o receio da sociedade de que, com o Ministério Público impedido de investigar, o combate à corrupção seja prejudicado. Todas as questões giram em torno do dinheiro público gasto sem controle, como nos estádios da Copa do Mundo, todos com acusações de superfaturamento. O dinheiro que sobra para construção de "elefantes brancos" falta na construção de hospitais ou sistemas de transportes que realmente facilitem a vida do cidadão.

O mundo político está de cabeça para baixo tentando digerir as mensagens que chegam da voz rouca das ruas, como dizia Ulysses Guimarães, que dizia também que "a única coisa que mete medo em político é o povo na rua". Ninguém entende, por exemplo, por que houve esse verdadeiro estouro da boiada agora, e não há um mês ou mesmo há um ano.

Tenho um palpite: assim como as manifestações na Tunísia, as primeiras da Primavera Árabe, começaram com o suicídio de Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante que ateou fogo ao corpo depois de proibido de trabalhar nas ruas por não ter documentos nem dinheiro para pagar propinas aos fiscais, as manifestações aqui foram grandemente impulsionadas pela reação violenta da polícia em SP semana passada.

O movimento contra o aumento das passagens de ônibus poderia não ter a amplitude que ganhou se não houvesse uma reação nas redes sociais à atitude da polícia, como se todos sentissem a opressão do Estado na sua pele, e de repente liberassem os diversos pleitos que estavam latentes na sociedade.
Creio que foi a partir do entendimento de que uma reivindicação justa como a da redução das tarifas de ônibus estava sendo tratada simplesmente como um pretexto para arruaças e vandalismos que a sociedade passou a se mobilizar para ampliar suas reivindicações.

Isso nada tem a ver com comparações entre as mobilizações que ganham as principais cidades do país e a Primavera Árabe, pois estamos em uma democracia e não se trata de derrubar governos, mas de mudar a maneira de geri-los, política e administrativamente. E também não é possível considerar que os abusos de um dia impedem as polícias de reprimir a parte radicalizada das manifestações, que vandaliza cidades ou tenta invadir prédios públicos ou residências das autoridades.

Creio mesmo que no Rio e em São Paulo as autoridades ficaram paralisadas diante da violência de parte dos manifestantes e não agiram com o rigor devido nessas ocasiões. O que demonstra falta de bom senso. Um detalhe que define bem a divisão desses movimentos foi o grupo de jovens que foi ao Centro do Rio ontem tentar limpar e consertar em parte o que os vândalos fizeram no dia anterior. E em São Paulo, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, enquanto um grupo tentava derrubar o portão de entrada, outros o recolocavam no lugar.

O ambiente econômico também deve ter contribuído para quebrar aquela falsa sensação de bem-estar. E é impressionante que o imenso aparato de informações de que cada governo dispõe, especialmente a Presidência da República, e as pesquisas de opinião não detectaram a indignação que explodiu nas ruas.
O dono de um desses institutos de opinião que vende seus serviços para o PT, e acrescenta a eles, como um bônus, comentários em revistas chapas-brancas, chegou a ironizar as oposições e analistas que criticavam o governo, afirmando que viviam em uma realidade paralela, que nada tinha a ver com a vida do cidadão comum, que estava muito satisfeito. Segundo ele, não havia sinal de mudança de ventos que suas pesquisas pudessem captar.

Também o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, que anunciou que "o bicho vai pegar", parece estar atordoado com o bicho novo que está pegando sem que ele ou o PT dominem a situação.

 O Globo 


Decifrar as mensagens da rua

 

Aestimativa de que cerca de 240 mil pessoas estavam nas ruas, no início da noite de terça-feira, em 11 capitais, para protestar já é algo significativo. Mais do que isso, são as imagens e o sentido do que aconteceu anteontem neste país que colocam a data de 17 de junho de 2013 no calendário dos grandes acontecimentos políticos e sociais dos últimos 28 anos, desde o início da redemocratização, em 1985, com a posse de José Sarney na Presidência.

As cenas de violência e vandalismo - ocorridas principalmente no Rio, na tentativa de invasão da Assembleia Legislativa, e na não menos criminosa depredação de bancos e estabelecimentos comerciais na área, além da pichação do Paço, patrimônio nacional - não conseguem reduzir o peso das mensagens que as ruas têm transmitido nestes últimos dias a governos, políticos e partidos da situação e da oposição.
A partir da descontrolada ação da PM paulista, na quinta-feira da semana passada, o movimento pelo "passe livre" no transporte público, deflagrado com o último aumento de tarifas, recebeu maciças adesões em escala nacional e passou a ganhar outra dimensão.

Não que a chamada (i)mobilidade urbana já não criasse imensas dificuldades para as pessoas, principalmente as de renda mais baixa, a grande maioria. E não só em função do custo, mas pelo crescente sacrifício físico que milhões de pessoas passam diariamente nas capitais brasileiras para se locomover. É que o movimento, deflagrado e organizado por meio das redes sociais, tem a questão do transporte público apenas como uma chave que destampa e coloca nas ruas a insatisfação acumulada nos últimos anos com uma sucessão de distorções. É a tal sensação difusa de desconforto com "tudo isso que está aí", amplificada pela volta da inflação.

A mobilização política ressurge no Brasil de um movimento subterrâneo, surdo, invisível, mas bastante ativo, a partir da rede mundial de computadores. O fenômeno não é novo, acontece em escala planetária. Mas há peculiaridades regionais. Onde existe liberdade, redes sociais facilitam a organização de grupos na defesa de pautas específicas. Em ditaduras, ajudam a driblar censores, a repressão política.

No Brasil, país democrático, vivia-se um longo período de inércia política. A situação, confortável no poder, e a oposição, também passiva, incapaz de metabolizar a fermentação das insatisfações que há tempos trafegam nas redes. As ruas acabam de atropelar ambas - má notícia para a democracia representativa, ruim para a estabilidade institucional.

É míope a tentativa de capitalização político-eleitoral desta espécie de erupção vulcânica. A questão é tão mais ampla quanto profunda. Devem ser entendidos por suas excelências do Executivo e do Legislativo gestos de manifestantes contra cartazes e bandeiras de partidos nas passeatas, mesmo os identificados com a extrema-esquerda. O representante da juventude do PT em Brasília foi escorraçado na tentativa de participar do comando da manifestação à frente do Congresso.

Toda esta mobilização conseguiu atravessar fronteiras geracionais, etárias e sociais. Pode ser que lá na origem de tudo tenham atuado grupos politizados, sem identificação com o estado de coisas na política brasileira. Não importa. Quando casais com filhos pequenos vão às ruas, ao lado de idosos, gente de toda idade, é porque apareceu algo novo no radar da sociedade. Maurício Matheus, a mulher, Thaís, com o filho João, de um ano e meio, foram entrevistados pelo GLOBO, em São Paulo. Preso ao macacão de João, o cartaz: "Não é por 0,20, é por direitos". Explicou o pai: "É um grito de socorro, precisamos de união e força para vetar os abusos ao povo." E existem diversas formas de abusos. No desprezo de políticos e governantes pela ética, por exemplo.

Se era urgente, diante do ronco das ruas tornou-se emergencial retomar a reforma da moralização do degradado quadro político-partidário. A Lei da Ficha Limpa foi vitória histórica, conquistada por grande mobilização, também pela internet, em torno de um projeto de origem popular. A vigilância continua necessária, agora para a sua aplicação correta.

É hora de voltar a atacar a pulverização partidária. Por erro técnico de encaminhamento - não pode ser por projeto de lei simples, mas emenda constitucional -, o Supremo rejeitou cláusula de barreira a legendas de rarefeito apoio entre os eleitores, mecanismo usado em democracias maduras. A fórmula elaborada é boa, basta resgatá-la das gavetas: para ter representação no Congresso, toda legenda necessita de, no mínimo, 5% dos votos nacionais e 2% em pelo menos nove estados.

Acabada a pulverização partidária, facilita-se a formação de alianças e reduz-se a margem para o uso de meios espúrios para a obtenção de maiorias. Um antídoto contra mensalões. Outra medida, também disponível nos escaninhos do Congresso - basta vontade política para resgatá-la -, é o fim da coligação em eleições proporcionais, pela qual o eleitor pode ser vítima de uma fraude, por ter o voto contabilizado para quem ele não conhece e em quem talvez não votasse. A conjugação dessas duas reformas ajudará a restabelecer uma seriedade mínima no jogo partidário. Se vigorassem há algum tempo, o político não teria sido transformado no Judas predileto de manifestantes.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, setorista de "movimentos sociais", confessou, na manhã de ontem, ainda não compreender o que acontece. Foi honesto. Seu mundo é o das organizações formais, em que há líderes visíveis, conversáveis e cooptáveis. A presidente Dilma Rousseff, ex-militante, presa política, não poderia ter outra reação: o governo "está ouvindo essas vozes pela mudança". E, entre as vozes, a presidente identificou o "repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público". Parece na pista certa a presidente.

Ao se investir contra a Copa das Confederações, ensaio para a Copa do Mundo, no ano que vem, com suas amplas e modernas "arenas", critica-se a incapacidade de o governo federal colocar os bilhões que arrecada de um contribuinte cada vez mais sobrecarregado de impostos naquilo que atenda às necessidades diretas da população: educação, saúde, transporte urbano, segurança.

Em vez disso, o poder público não para de ampliar os gastos em custeio, sem privilegiar os investimentos. E, quando investe, escolhe, por exemplo, projetos faraônicos como o do trem-bala entre Rio e São Paulo, dinheiro que poderia vir a ser aplicado na malha de transporte sobre trilhos nas grandes regiões metropolitanas, para promover de fato a mobilidade urbana.

As mensagens são várias. A torcida é para que os políticos, no poder e fora dele, as decifrem de maneira correta. A estabilidade institucional, em alguma medida, dependerá disso.

Correio Braziliense

Visão do Correio :: Manifestação sem vandalismo

 

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foram às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossaram o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras.

Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovia precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.

Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da quinta-feira uma dia inesquecível. “Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil”, dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país.

Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.

Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta — nem sempre justificável — dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha e, em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura da cidade.

É certo que são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.

 O ESTADO DE S. PAULO

 VONTADE DE FALAR 

 Das dezenas de frases de participantes e entusiastas das manifestações da segunda-feira em 12 capitais brasileiras, citadas pela imprensa para dar uma ideia do espírito dos protestos, provavelmente a mais expressiva tenha sido a da ex-voleibolista Ana Beatriz Moser. "O importante é esse coro, essa vontade de falar. Os governantes têm de ouvir."

Em um País onde a última vez em que centenas de milhares de pessoas saíram de casa para se fazer ouvir pelos governantes foi em 1992, com o coro "Fora Collor", não é fácil de explicar a presumível acomodação da juventude, em contraste com o histórico de proliferação de atos públicos de massa no exterior (contra alvos diversos como a globalização, os transgênicos, a invasão do Iraque, o poder de Wall Street, as políticas recessivas na Europa, as tiranias árabes e, agora, o autoritarismo do governo livremente eleito na Turquia).


Pode-se argumentar que, desde o Plano Real no governo Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, o Brasil amealhou mais notícias boas do que más - embora não raras entre essas tenham se tornado péssimas, a exemplo da criminalidade. O ciclo virtuoso de 18 anos - das administrações Fernando Henrique e Lula à primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff - promoveu o crescimento e generalizados aumentos de renda real, principalmente entre os mais pobres. O consumo explodiu e só não atordoou os grupos engajados nas causas chamadas "pós-materialistas", como a defesa do meio ambiente, a proteção das comunidades indígenas, os direitos dos negros, mulheres e minorias sexuais. É tentador, mas arriscado, estabelecer uma relação direta e exclusiva entre a volta da inflação e os pibinhos, de um lado, e a eclosão do descontentamento, de outro. Mas seria míope negar qualquer nexo entre a economia em baixa e a insatisfação em alta.


De fato, foi o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, na esteira dos de Porto Alegre e outras cidades, que fez o trânsito parar de vez. Na capital paulista, a brutalidade policial que se seguiu aos atos de vandalismo registrados na primeira passeata, no começo da semana passada, acirrou a indignação, deu nova motivação para a ida às ruas e remeteu a segundo plano (mas sem eliminar) as reclamações contra o preço dos bilhetes.


Esse é o dado crucial da onda de protestos que juntou anteontem mais de 230 mil pessoas do Pará ao Rio Grande do Sul - só no Rio foram cerca de 100 mil, com a Avenida Rio Branco tomada por compacta multidão fazendo lembrar as marchas pelas Diretas Já em 1984.


Deu uma vontade de falar que não se sabe como, quando ou se será aplacada: contra os padecimentos que o Estado impõe ao povo com os seus serviços de terceira e indiferença de primeira, a começar da saúde e educação públicas; contra os políticos e autoridades em geral que so cuidam dos seus interesses e são tidos como corruptos por definição; contra a selvageria do cotidiano por toda parte; contra a truculência das PMs; contra a lambança dos gastos com a Copa, que pegou de surpresa a cartolagem e seus parceiros no governo federal - e tudo o mais que se queira denunciar. Afinal, os jovens não se sentem representados por nenhuma instituição e desconfiam de todas. Tampouco a imprensa lhes merece crédito.


Consideram-se mais bem informados pelos seus pares das redes sociais do que pela mídia. É também na internet que . encontram argumentos para as suas críticas, colhem e se prestam solidariedade, cimentando a coesão grupal.


Entre a quarta-feira passada e a noite da última segunda, 79 milhões de mensagens sobre as marchas foram trocadas pelos internautas. O senso de autocongratulação - "a juventude acordou" - e a natureza difusa de suas queixas combinam-se para dificultar a discussão de pautas específicas de mudança em eventuais encontros com agentes públicos. Como se diz, faz parte: o protesto precede à proposta. O lado bom das jornadas dos últimos dias, além do caráter em geral pacífico das manifestações, foi a preocupação com o País. "Parem de falar que é pela passagem", comentou um jovem. "É por um Brasil melhor."



VALOR ECONÔMICO

 DIFUSAS INSATISFAÇÕES TOMAM AS RUAS DO PAÍS

 A juventude brasileira está em pé de guerra e avisou isso claramente aos governantes nas passeatas que reuniram centenas de milhares de pessoas em 11 capitais. O sistema de transporte público e seus preços foram os alvos imediatos das manifestações, que ganharam impulso a partir de São Paulo, mas são um símbolo dos péssimos serviços oferecidos pelas três esferas de governo em outras áreas vitais para o bem-estar dos cidadãos - saúde, educação, e segurança, por exemplo.

Outros simbolismos desfilaram pelas ruas das capitais na segunda-feira. A relativa espontaneidade do movimento e seu comando refratário a partidos indicam, no mínimo, uma primeira condenação implícita dos objetivos, ações e resultados das legendas que governam o país. O PT, o partido que saiu das ruas no passado, foi deixado de lado e a reação do governo, ora de estupefação, ora de indignação, deixa no ar a possibilidade de o auge do partido ter ficado para trás. Símbolos também, estudantes e jovens catalisam, mais uma vez na história, insatisfações disseminadas por vastas camadas sociais.


Há dois momentos do movimento que desaguou com força nas capitais e a distinção é importante. O Movimento do Passe Livre paulistano sempre protestou toda vez que as passagens aumentaram, mas a adesão a seus protestos era pequena, e os resultados, nulos. Sua insistência, após várias derrotas, e seu propósito simples e claro, o qualificou como um dos poucos canais de protesto em potencial de reivindicações que interessam à maioria do público urbano e diferentes categorias profissionais. Embora este ano houvesse mais pessoas nos primeiros atos contra o aumento das passagens, o movimento não tinha ultrapassado ainda o estágio de uma minoria barulhenta, incapaz de controlar, como é frequente, a violência de setores que o apoiam.


Até que - o segundo momento - uma passeata inicialmente pacífica no dia 13 de junho foi dissolvida com requintes de crueldade e selvageria pela polícia do governo paulista, a quem cabe a responsabilidade pela agressão a um direito democrático. Não houve dúvidas de que a polícia atacou primeiro e estava ali para expulsar brutalmente cidadãos que protestavam.


A partir daí, diante de cidadãos atônitos e revoltados com a atitude da polícia paulista, a adesão ao movimento cresceu exponencialmente porque uma outra questão, mais importante que o preço da passagem de ônibus, estava em jogo - a da liberdade de reunião e manifestação. Os brasileiros se tornaram ciosos dela desde quando forçaram, igualmente nas ruas, a queda da ditadura militar. A causa do Passe Livre ganhou a simpatia popular e intergeracional que até então não havia conseguido.


Para as manifestações de segunda-feira, primeiro movimento de grandes massas convocado pelas redes sociais, confluíram por gravidade todas as demandas sociais a que os governos deveriam atender e para as quais mostram, ano após ano, partido após partido, uma inépcia desconcertante. Não por acaso, as manifestações ocorridas em São Paulo (pelo menos 65 mil pessoas), no Rio (100 mil) e em Brasília (mais de 10 mil) buscaram o Legislativo - o Congresso Nacional e a Assembleia Legislativa do Rio. Os protestos apontaram também a responsabilidade pelo estado atual das coisas dos políticos, cuja omissão, no caso dos Legislativos estaduais e municipais, tornou-se uma lamentável tradição.


O PT, o único partido de massas do país, fica mal na história após o 17 de junho. Ainda que não tenha sido diretamente rechaçado, a rapidez com que se metamorfoseou em um partido como os outros, interessado no poder e suas benesses, e a facilidade com que jogou fora sua ideologia para formar bases de apoio governistas com o que de pior há na política brasileira, fizeram com que fosse olhado com desconfiança por alguns movimentos sociais que antes tinham com ele afinidades eletivas.


Movimentos difusos como o capitaneado pelo Passe Livre podem obter vitórias em suas reivindicações, para depois sumirem do mapa político. Mesmo que haja muito deslumbramento com o poder das redes sociais, a política continua sendo uma velha senhora rabugenta. Ou surgem novos líderes que aceitem conviver com ela, ou os movimentos exercerão pressão de fora, com mobilizações pontuais e pressão permanente das ruas - uma novidade por aqui. A terceira via possível é o desânimo.


 ESTADO DE MINAS

 MANIFESTAÇÃO SEM VÂNDALOS

 Protestos que lotam as ruas não podem ser manchados pela minoria

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foi às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossou o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras. Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovias precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.


Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da segunda-feira um dia inesquecível. "Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil", dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país. Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.


Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta – nem sempre justificável – dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões, além de invadirem e roubarem comida de um restaurante, com dano de valor inestimável à imagem da Cidade Maravilhosa. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha, e em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura.
É certo que eles são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.


 GAZETA DO POVO (PR)

 BRASILEIROS NAS RUAS

 Na segunda-feira, os cidadãos rejeitaram as tentativas de direcionar ou monopolizar a pauta das manifestações, e sentiram-se livres para mostrar seu descontentamento com as mais diversas situações

Nunca o bordão “contra tudo isso que está aí” foi tão verdadeiro quanto nas manifestações que tomaram o Brasil na noite de segunda-feira, e se repetiram ontem em algumas cidades. O movimento que começou na semana anterior, motivado por aumentos na tarifa do transporte público em várias capitais e marcado por atos de vandalismo, sofreu uma metamorfose: dezenas de milhares de brasileiros protestaram pacificamente e apresentaram reivindicações as mais variadas possíveis – de temas locais (em Curitiba, por exemplo, a falta de táxis estava entre os temas observados nos cartazes) aos grandes assuntos nacionais, como a corrupção e a PEC 37, que deve ser votada até o fim do mês e que retira o poder de investigação do Ministério Público.
É verdade que ainda tem havido casos inaceitáveis de vandalismo, especialmente no Rio de Janeiro, onde a Assembleia Legislativa e prédios no entorno foram atacados anteontem; e em São Paulo, ontem, com depredação no prédio da Prefeitura e um carro de reportagem incendiado. Mas essas foram exceções; o tom das manifestações de segunda-feira foi pacífico a ponto de muitos pais terem levado até as crianças para presenciar um momento incomum da história brasileira, e os exemplos positivos, como o silêncio dos manifestantes curitibanos ao passar diante da Santa Casa, são os que merecem divulgação. O poder público também percebeu que não pode agir com violência contra as passeatas. A lição foi especialmente aprendida em São Paulo, depois das cenas de excesso policial da quinta-feira passada.


Em várias ocasiões, a Gazeta do Povo louvou o exemplo de nossos vizinhos argentinos, que não hesitam em tomar as ruas para protestar contra os desmandos de seus governantes. Embora ainda seja cedo para concluir que o brasileiro finalmente venceu a apatia que lhe é atribuída, os protestos revelam que o cidadão tem, sim, uma sede de participação política que vai além do voto a cada dois anos – aliás, é interessante perceber como outro bordão, o “não me representa”, dessa vez dirigido aos partidos políticos como um todo, também foi uma característica marcante das manifestações de anteontem. Ao impedir que as agremiações de esquerda monopolizassem ou direcionassem a pauta dos protestos, os brasileiros puderam mostrar livremente seu descontentamento com uma série de situações.


Mas é justamente nesse caráter difuso do movimento popular que reside uma de suas fraquezas. Se as reivindicações se mantiverem em um nível mais abstrato, a falta de um projeto consistente pode levar a uma ausência de resultados que frustre todos aqueles que tanto se empenharam – trazendo de volta a apatia, dessa vez com muito mais força. Outro risco é o de que radicais e aventureiros se aproveitem do clima de indignação generalizada para propor soluções de cunho inclusive antidemocrático, ou que se apropriem do movimento sem efetivamente representar os anseios da população que vai às ruas. É fácil comparar os protestos brasileiros com a Revolução Francesa nas mídias sociais, como se fez semana passada; difícil é lembrar que a revolta dos franceses do século 18 degringolou até chegar ao Terror.


O que estamos presenciando é uma grande oportunidade de aprendizado para o brasileiro: para que ele procure conhecer as causas e pense em soluções para as situações que o revoltam; para que ele desenvolva seu interesse pela coletividade e abandone o individualismo que tanto mal faz à sociedade; para que ele aprenda a dialogar e entender o ponto de vista de quem pensa diferente. Se a insatisfação crescente do brasileiro for canalizada para boas causas, ela será frutífera. Dissemos acima que a participação política transcende o exercício do voto, mas também as urnas oferecerão uma oportunidade para que a indignação se transforme em ação concreta. Exercer o voto consciente e se mobilizar por uma autêntica reforma político-eleitoral, baseada nos princípios republicanos e não nas conveniências da classe política, são atitudes que não deixarão os protestos nas ruas terminarem no vazio.


 ZERO HORA (RS)

 O RECADO DOS JOVENS 

 A história está repleta de datas que sintetizam espíritos e épocas. Sem esperar pelo veredicto da posteridade, já é possível afirmar que o 17 de Junho é o retrato de um novo Brasil. O país que foi para as ruas protestar na segunda-feira reflete um novo estado de ânimo de uma ampla parcela da população: rejeição à corrupção e ao descaso com a coisa pública, desconfiança de governantes e partidos, indignação com a desproporção entre os gastos com grandes eventos, por um lado, e com saúde, educação e transporte, por outro. O país que tomou praças e avenidas sente os efeitos da alta de preços de alimentos e serviços. A nação que tomou a palavra antevê, para além dos sinais incipientes de turbulência econômica, os percalços de um futuro que parece menos auspicioso do que há alguns anos. Sua voz ergue-se também contra governos, parlamentares, corporações e meios de comunicação. Pode-se saudar ou rejeitar a emergência desse Brasil do 17 de Junho. Mas não se pode ignorá-lo.

É utópico imaginar que dezenas de milhares de pessoas decidam se manifestar por fora dos canais até hoje existentes no interior do Estado de direito, por meio de ida massiva às ruas, sem que isso implique riscos para a segurança e até mesmo distúrbios isolados. É preciso separar a manifestação legítima e democrática da maioria das depredações, incêndios e pichações promovidos por uma ínfima minoria oportunista. Toda sorte de vandalismo pode e deve ser investigada, e os envolvidos, enquadrados criminalmente na forma da lei. O fato de tais atitudes terem prosperado nos primeiros dias do movimento reflete o fato de não haver objetivos, líderes e organização claras.


O mais importante é que a nação seja capaz de retirar ensinamentos dos acontecimentos. Em síntese, os jovens nas ruas estão enviando um recado para toda a sociedade, incluindo governantes, políticos, empresários e imprensa. O sentimento da maioria é, como bem sublinhou a presidente Dilma Rousseff ao citar o cartaz "Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil", carregado de civismo e boas intenções. É positivo que milhões de pessoas com menos de 30 anos estejam se dispondo a assumir um papel de protagonistas na história. Trata-se de uma geração que jamais viveu períodos de exceção ou de cerceamento de liberdades. Para o bem do país, esse aprendizado deve ocorrer de forma serena. A sociedade tem de saudar e acolher esse verdadeiro despertar jovem, zelando para que fortaleça o Estado democrático de direito. Não resta dúvida de que todos seremos testemunhas dos reflexos concretos do que está acontecendo hoje daqui a pouco mais de um ano, nas eleições presidenciais de 2014. É desejável que a experiência histórica de cada geração se reflita na participação eleitoral por meio do embate entre ideias, programas e concepções.



Hoje serenada, amanhã casada - Maria Stella de Azevedo Santos

A Tarde/BA
19/06/2013

Enigma para todos, sociólogos e políticos - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 19/06/2013

Diante da eclosão dos atuais movimentos de protesto, com temas difusos e participação de grupos desintegrados - as três tribos densas e extensas da passeata de segunda, em São Paulo, são exemplos de tal configuração-, sabe-se que é menos caso de procurar as ainda inexistentes explicações sociológicas e sim de observar bem os fatos e dar à sociedade as respostas adequadas. Os sociólogos, os psicólogos, os doutores, os filósofos, os partidos políticos, as organizações sindicais, os governos federal, estaduais e municipais estão no mesmo plano: ainda nada entenderam dos acontecimentos pelos quais foram totalmente surpreendidos embora não possam deixar de ser responsabilizados. Os investidores, então, se estrangeiros pior, compreenderam menos ainda. A quantidade de telefonemas trocados para todos os lados é uma tradução dessa perplexidade.

O melhor, no momento, é abandonar as teorias e, da parte dos governos, constatar o que esses movimentos não são para, por aí, lhes dar um retorno aceitável. Não são baderneiros, partidários, ideológicos, venais. São estudantes, seus pais, punks, quilombolas, sem teto, sem terra, adolescentes, funcionários públicos. Não há líderes formais orientando slogans e percursos. Embora possa haver, e há, uma representação de todos esses tipos no meio da massa insatisfeita com as tarifas e qualidade do transporte coletivo, com os gastos públicos excessivos em estádios de futebol, com a cara de pau dos políticos e governantes, com a precária situação dos hospitais e das escolas, com a repressão aos corintianos presos na Bolívia, torcidas organizadas e revoltados com a impunidade, saturados em geral com a corrupção.

O desconhecimento, a falta de informação segura e antecipada - os arapongas e estrategistas do governo andam atrás de potenciais adversários eleitorais, não de perscrutar insatisfações sociais- sobre o caldeirão cuja fervura se avizinhava, levou os governos a reagir de forma reconhecidamente equivocada a essa aglutinação de sentimentos negativos.

Somente a partir da noite de segunda, diante das manifestações amazônicas em doze Estados e oito cidades do interior de São Paulo, os governos começaram a mudar seu discurso. Mas não saíram dele para a ação, ainda.

Quem tem experiência em manifestações do tipo, quem liderou e participou dos movimentos pela anistia e pelas diretas já, os dois maiores da história recente, sabe que a mobilização cresce com a repressão. Mas ninguém percebeu o que acontecia, de fato, e recorreu-se às velhas fórmulas: violência, acusações de exploração eleitoral, manipulação.

O tema do reajuste de passagens alcançou o governador de São Paulo e o prefeito da capital em Paris. Se quem estava aqui não tinha ideia do que se tratava, imagine-se quem estava na França disputando o privilégio de sediar a Expo-2020, uma abstração em si. Governado naquele momento pelo ministro petista e vice-governador tucano Afif Domingos, o Estado se escondeu. Sob o comando de Nádia Campeão, a Prefeitura emudeceu. E o festival de besteiras assolou os titulares em declarações à distância.

Numa das manifestações de uma terça, um grupo mais radical destacou-se da massa pacífica, gerando a revanche da polícia, contra tudo e contra todos, na quinta seguinte. Os policiais bateram muito, numa reação desproporcional, maior, segundo testemunhos de pais que acompanhavam seus filhos, que os embates de 68. Naquela época eram raros os equipamentos como os de hoje: escudo, gás de pimenta, bala de borracha, milhares de homens na repressão dura e violenta. Resultado: cresceu a adesão e aumentaram as inadequações dos governantes.

Gilberto Carvalho e José Eduardo Cardozo, no governo federal, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, em São Paulo, Sérgio Cabral e sua tática avestruzeira, não houve um que acertasse o passo. As manifestações colheram em dois dos principais governos envolvidos, o federal com Dilma Rousseff e o municipal com Fernando Haddad, duas pessoas sem a manha da urgência, do diálogo imediato, da experiência em mediar. Foram candidatos saídos de gabinete e, vencedores, ainda não conquistaram a liderança necessária para aplacar dissabores em massa. Alckmin, que tinha alguma, comeu a bola jogada pelo ministro da Justiça, potencial candidato a seu cargo, acreditou que era uma manifestação ao modelo de politicagem infiltrada e partiu para elogiar a polícia.

Em algumas horas, na noite de segunda-feira, foram todos obrigados a dar voltas nas próprias palavras. Uma das situações mais constrangedoras foi a de Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência, encarregado de fazer a ponte entre Dilma e os movimentos sociais, doutor na relação com sindicalistas: a polícia identificou três funcionários seus, e mais um de sala contígua, na condução das manifestações de Brasília.

As considerações sobre os acontecimentos foram refluindo, aos policiais ordenou-se discrição, o prefeito tornou-se melífluo, o governador, tangido pelos fatos, dispôs-se ao diálogo, a presidente aproveitou o discurso do lançamento do dia, ontem, para traduzir o que os manifestantes querem: mais cidadania e repúdio à corrupção.

Isso significa que compreenderam, finalmente, o que se passa? Claro que não. Mas tentam dar uma resposta mais adequada a esse mundo desconhecido, sem assumir muito as posições definitivas. Alguns mais experientes em movimentos de massa orientam agora o PT a controlar seus governantes, levá-los a oferecer duas respostas à sociedade: uma é diálogo; outra, explicações. Se não podem reduzir o preço da passagem, expliquem à exaustão. Façam autocrítica, peçam desculpas.

O PT está interessado em encontrar saídas também por uma razão que prescinde de pesquisas de opinião mais amplas para ser identificada. Esse tipo de insatisfação terá reflexos nas eleições. Por isso houve reunião, ontem, do grupo da reeleição, coordenado pelo ex-presidente Lula, com a presença de Dilma, do ministro Aluizio Mercadante, do publicitário João Santana, do presidente do partido, Rui Falcão. Sabem que é numa situação como esta que surge alguém com muita força, correndo por fora, e leva. Embora não tenham, hoje, ainda, essas manifestações, com certeza, terão expressão político-eleitoral.

Lembrando 68 - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 19/06/2013
Uma das perguntas que mais ouvi nestes últimos dias foi sobre as semelhanças e diferenças entre as manifestações de agora e as de 1968. Seria a reedição 45 anos depois de um modelo-matriz ou um fenômeno de massa inteiramente novo? Ou seria um pouco de cada coisa? Talvez isso. Começando pelas mudanças: o país não vive mais numa ditadura (embora a polícia às vezes tenha agido como se vivesse); os jovens não pertencem mais a uma só geração, mas a diferentes tribos. E, sobretudo, existe hoje a onipresente internet, capaz da mobilização instantânea, viral e sem limites. Distantes os tempos em que a organização de uma passeata exigia longa preparação e intermináveis discussões em assembleias.
De semelhante entre os dois momentos, permanece a disposição estudantil que parecia anestesiada, como também naquela época (na França, um sociólogo perguntava: "Por que não acontece nada por aqui?" No dia seguinte, Paris pegou fogo). De igual ainda, o sentimento difuso de insatisfação, que é cumulativo e não depende apenas de uma única motivação ou pretexto.

Vem vindo, vem vindo até que uma gota (ou alguns centavos) no pote até aqui de mágoa provoca o transbordamento. Os sinais emitidos nem sempre são captados, porque parecem desconectados, quando na verdade estão formando uma rede com poder de contágio. Só o governo talvez não tenha percebido que o fantasma da inflação, a corrupção desenfreada, a incerteza econômica, a alta no custo de vida, a queda de oito pontos na popularidade de Dilma, a vaia no estádio Mané Garrincha, tudo isso fazia parte do mesmo e crescente caldo de rejeição. Pelo menos uma lição de 68 não foi aprendida e assim não se evitou o incidente mais lamentável das manifestações do Rio: coquetéis molotov atirados contra a Alerj e carros incendiados na marcha dos 100 mil anteontem. Em julho de 68, na lendária Passeata dos 100 Mil, Vladimir Palmeira, o líder do movimento no Rio, convidou os participantes a se sentarem no chão, o que proporcionou a Nelson Rodrigues uma fina gozação. Segundo ele, médicos, poetas, atrizes, sacerdotes, todos obedeceram.

"A única que permaneceu de pé e assim ficou foi uma grã-fina, justamente a que lera as orelhas de Marcuse".

Muito tempo depois, Vladimir explicou o que pretendeu com o gesto: demonstrar as "intenções pacíficas da manifestação para a polícia e para alguns companheiros". Assim, os "porraloucas" desistiram de invadir rádios, como queriam, e os policiais não ousaram bater em pessoas sentadas no chão, inclusive freirinhas.