quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dom Murilo Krieger, um bom pastor - Maria Stella de Azevedo Santos

A Tarde?BA - 23/04/2014

Maria Stella de Azevedo Santos
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opoafonja@gmail.com

A Bahia experimentou, de novo, uma greve que poderia ter tomado proporções ainda mais drásticas do que as que ocorreram. Eu não gostaria, ou melhor, não poderia tecer maiores comentários sobre o ocorrido, pois não há nada pior do que o “achismo”, isto é, comentar sobre assuntos sem que se tenha envolvimento e, consequentemente, conhecimentos profundos sobre os detalhes que os envolvem. Entretanto, não posso também me eximir de utilizar o referido fato para refletir sobre o importante papel do sacerdote na sociedade. Aproveito, então, para agradecer a interferência de domMurilo Krieger, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, ao tempo em que parabenizo sua coragem e me solidarizo com sua tristeza demonstrada pelos homens pensarem de maneira individualista e não comunitária.

Dom Murilo Krieger se comportou como um verdadeiro sacerdote. Um sacerdote está no mundo para servir onde se precise dele, por isto é comparado a um pastor nômade, que vai onde o “rebanho” necessita de condução. Sua função implica procurar ouvir e intervir com paciência e compaixão. Tendo calma na medida certa e exercendo sua missão no mundo, o sacerdote recebe como retorno paz e alegria. Digo isso, pois tenho certeza que a tristeza que enxerguei nos olhos de dom Murilo Krieger e que ouvi através de suas palavras durante uma entrevista que deu sobre a greve não terá assento em seu coração.

Os africanos chamam de ixé ixalé o trabalho feito comconhecimento de seus fundamentos. Não só os trabalhos, mas também as opiniões devem ser bem fundamentadas. Por essa razão é que no início do artigo disse que falaria sobre a greve ocorrida fazendo um recorte da importante participação de um religioso. Afinal, as alegrias e dores vivenciadas pelos religiosos são bastante conhecidas por mim.

Ifilelowo é como os africanos chamam o trabalho libertador, aquele que é feito comabnegação. O verdadeiro religioso se entrega de maneira inteira e profunda. Realiza seus trabalhos não como uma carga que precisa ser carregada e, sim, como uma missão que precisa ser cumprida. “O pastor simboliza a vigília; sua função é um constante exercício de vigilância: ele está desperto e vê.” O verdadeiro religioso se coloca na vida como um servo e até mesmo como escravo, uma vez que se dispõe a ficar sob o domínio dos seres superiores. Ele realiza a missão que lhe foi destinada renunciando à sua própria vontade, com desapego do interesse próprio, com generosidade e com sacrifício, pois ele sabe que seu ofício foi consagrado.

Os religiosos constroem pontes, como bem disse dom Murilo. Nossa função é unir, é religar. Somos, cada um, elos de uma grande corrente que nos une uns aos outros e que une os homens aos deuses. Que todos nós, religiosos ou não, façamos nossos trabalhos com alegria, com entrega total e profunda, para que possamos saltar por cima dos obstáculos e seguir em frente.

Para melhor enaltecer o trabalho dos verdadeiros religiosos, inspirando-me na atitude de dom Murilo, tomo como empréstimo o inesquecível rap brasileiro Vive Pra Servir, Serve Pra Viver:

“Sem arrependimento dispenso ressentimento, sempre atento ao ensinamento que eleve o conhecimento. Ter memórias, glórias, histórias, vitórias pra contar é ummotivo pra não cansar, enquanto não se alcançar. É o que vai determinar quando tudo terminar, se tu veio só a passeio ou tentando direcionar. Um dois três já que ninguém veio pra ficar, então resolve, qual impressão você quer deixar? De quem fez o que podia pra cumprir a missão, ou de quem tinha na mão e não prestava atenção... Não saber da própria função, pensar agora pro seu tempo por aqui não ser em vão. Então, ser ou não ser eis a questão, servir ou não servir é o dilema de todo ser vivo... Há males que vêm pra bem, como há bens que vêm pro mal, a distinção do que é real é o ideal essencial.

“Nem adianta se esconder, que a fuga te leva ao nada, perdido na encruzilhada com alma estilhaçada... Porque tem Judas que te ajuda, te sonda e te suga. Não julga!... Que seja, mas que a força esteja com você, pra decidir se vai servir ou se vai se render.”