domingo, 23 de março de 2014

Perfil:Isaac Bardavid - Ele não é imortal como o Wolverine, mas sua voz, sim

O Globo 23/03/2014

Com 83 anos e uma longa carreira na TV e no teatro, o artista é responsável pela dublagem de personagens de desenhos animados clássicos, como o vilão Esqueleto, de ‘He-Man’; Tigrão, de ‘Ursinho Puff’; e o mais popular dos X-Men
GABRIEL MENEZES
gabriel.menezes@oglobo.com.br

O temperamento e até mesmo
o visual de Isaac Bardavid
lembram o personagem
mais famoso que ele dubla
na TV e nos cinemas. Assim
como Wolverine, o artista
tem uma personalidade forte,
fala o que pensa e, até de
bom humor, carrega uma
certa dose de ranzinzice. As
sobrancelhas grossas e a barba
também ajudam na associação
ao herói.

No início da conversa com
a equipe do GLOBO-Niterói,
ele fez questão de frisar.

— O problema dessas entrevistas
é que... Sem qualquer
ofensa, geralmente são
feitas as mesmas perguntas e
eu tenho que dar as mesmas
respostas. Se você me pergunta
como eu comecei a
atuar, não tenho como inventar
uma história diferente.
Posto isso, vamos logo em
frente — disse, pronto para a
primeira pergunta.

Aos 83 anos (“Ninguém me
dá menos que 97’’, brinca), Bardavid
conquistou o público de
uma forma que poucos atores
conseguem. Para quem já passou
dos 50, ele é lembrado como
o cruel feitor Francisco da
novela “Escrava Isaura’’, de 1976,
seu papel de maior destaque na
TV. Já para os mais jovens —
que talvez nem tenham visto
seu rosto — ele é reconhecido
pela voz que dá vida a ícones da
cultura pop, como o mutante
mais popular da série X-Men;
Esqueleto, o vilão de “He-Man’’;
Tigrão (amigo do ursinho Puff);
e Capitão Haddock, o grande
parceiro de Tintim.

— Hoje em dia, sou mais reconhecido
pela minha voz.
Quando vou ao banco ou paro
diante de um guichê, geralmente
me perguntam se sou
dublador. Como ator, o papel
de Francisco foi meu maior sucesso.
Tanto é que fiz mais de
30 trabalhos na TV e muitas
pessoas acham que só tive
aquele — diz o artista.

Mas sua vida não se resume à
lembranças, pelo contrário: ele
mantém um ritmo intenso de
trabalho. Além de estar no ar
na novela das 19h da TV Globo,
“Além do horizonte”, Bardavid
faz dublagens praticamente
todos os dias. Uma de
suas próximas tarefas será colocar
voz no filme “X-Men: Dias
de um futuro esquecido”,
que chegará aos cinemas no
fim de maio.

— Na minha idade, não espero
muita coisa. Porém, não
reclamo. Tive, e ainda tenho,
uma vida muito boa. Poderia
ter parado de trabalhar, mas
nem penso nisso. Vida é movimento
— decreta.

NASCIDO E CRIADO EM NITERÓI

Bardavid nasceu numa casa na
Rua General Andrade de Neves,
no Centro, e nunca morou
em outra cidade. Atualmente,
vive num apartamento no
bairro de Santa Rosa, cercado
por centenas de livros, DVDs,
CDs de música clássica e presentes
de fãs, como uma caricatura
enviada de Cuba na
época da novela “Escrava Isaura’’
e um quadro que retrata o
feitor Francisco com as garras
do Wolverine. Apesar de morar
sozinho, ele é casado e, em setembro,
completará 54 anos de
união, com três filhos e cinco
netos já adultos.

— Eu e minha mulher nos
damos muito bem. Morar em
casas separadas foi a maneira
que encontramos para o casamento
dar certo — conta.

O ator e dublador considera
ter tido uma infância muito
mais divertida que a das crianças
de hoje, já que brincava na
rua, “em vez de ficar em frente
ao computador e à TV o dia inteiro’’.
Entre suas atividades
prediletas estavam jogar pião e
soltar cafifa. E tornou-se um
leitor voraz ainda menino.

— Quando alguém diz que as
pessoas mais velhas são muito
saudosistas não me sinto ofendido.
Eu sou mesmo. Antigamente,
a vida era mais tranquila,
mais devagar. A cidade ainda
não tinha essa poluição e
esse trânsito caótico — reclama
Bardavid.

Como já disse em várias entrevistas,
foi justamente na
rua, por acaso, que ele entrou
para o mundo da dramaturgia.
Aos 17 anos, enquanto batia
papo com amigos, avistou algumas
pessoas colando cartazes
nos muros. Ofereceu-se
para ajudar e acabou ganhando
um ingresso para “O dote”,
de Artur Azevedo, que estava
em cartaz no Teatro Municipal
de Niterói. Ele viu a peça e fez
questão de passar pelo camarim
para agradecer mais uma
vez pela cortesia.

— Estava conversando com
os produtores quando chegou
uma mulher muito nervosa,
dizendo que o ponto havia faltado.
Ponto era uma pessoa
que ficava escondida no palco,
lembrando as falas para os atores.
Naquela época, ninguém
decorava o texto todo. Eu me
ofereci para fazer o serviço e
eles adoraram — conta.

Depois de ser requisitado
outras vezes para a função,
ele decidiu que, se era para
trabalhar na área, queria estar
em cima do palco. Entrou
para o Clube Dramático
Fluminense, um grupo
amador, e, já no segundo espetáculo,
foi convidado pela
diretora e autora Maria Jacintha
para uma peça profissional.

— Aos 45 anos, fiz faculdade
de Direito e me formei,
mas segui trabalhando com
dramaturgia. Minha vida
sempre foi isso — diz.