domingo, 19 de maio de 2013

Colunista Convidado - JOSÉ DE ABREU

O Globo - 19/05/2013

Twitter, a nova fronteira

“Costumo dizer que o que se fala
no ‘Tuinto’ não se fala nem no
boteco mais chinfrim, com todo
mundo bêbado, porque dá crime
de morte. Mas agora me dei mal”

A primeira entrada na rede foi através do BBS (Bulletin Board System), uma
pré-internet que permitia a ligação de computadores através de uma linha
telefônica utilizando uma caixinha chamada modem (modulador-demodulador),
que era ligada na parede, na linha telefônica de um lado e de outro
numa entrada do PC ou, no meu caso, do Brother Office Organizator,
um pré-notebook. E lá pelos 1994, 95, comecei a usar o tal de chat. E não
parei mais. Veio a internet, com seus vários caminhos (o www era apenas
um deles), e o IRC-Internet Relay Chat tomou conta da rede, principalmente
com o software mIRC, no qual fundei o canal #barril, com um monte de
gente do Brasil todo. Em 95, fiz uma estreia de teatro aqui no Rio (com a
peça “Os amantes da comédia ou A comédia dos amantes” só com gente do
#barril, evento até hoje único, creio). Fez parte da origem dos encontros
dos participantes pelo país afora, os “Mircontros”.

Depois veio o primeiro chat com vídeo, com uma camerazinha que parecia
uma bolinha de golf com a qual pude usar o “CU-SeeMe”, software
de transferência simultânea de vídeo desenvolvido pelo departamento
de tecnologia da informação da Cornell University, de onde provinha o
“CU” inicial que era lido como “see you”, pra dar liga pro “see me”. Mas
que aqui no Brasil era chamado de “cussimi” mesmo. Lembro-me de
uma noite inteira de idiotice aguda num teste que fizemos num programinha
de chat da Microsoft chamado Comic Chat, onde cada um tinha
um avatar engraçado, tipo com saco de supermercado na cabeça, e andava
com seu avatar de corpo inteiro por um cenário virtual, com o texto
teclado aparecendo dentro de um “balão”, como nos gibis. Hilário.

Com o predomínio do canal com interface gráfica, o “www”, na rede, o IRC
(assim como TFP, canal para transferência de arquivos) foi perdendo força,
até que deixei de usar quando surgiu o ICQ ou, noutro jogo de palavras, “I
Seek You”, que revolucionou o chat com sua simplicidade e praticidade e que
durou bastante, até ser substituído pelo MSN Messenger, com voz e vídeo,
pop demais, que me afastou de vez dessa forma de comunicação.

Só voltei, depois de um tempo sendo leitor assíduo e colaborador bissexto
de alguns blogs, com o Twitter. E lá tomei assento. A facilidade com
que me adaptei aos 140 toques me fez crer que era um número “natural”
e não criado por uma limitação física. Na verdade, era o limite de toques
do velho telex — 160 menos 20 pro @seu_nome.

No ‘Tuinto’, como chamamos na intimidade, com a chegada da eleição de
2010 — já um pouco antes se revelava —, os limites do razoável foram superados
numa velocidade cada vez maior, e, parece, sem volta. Trolls de direita
jogando sempre abaixo da linha da cintura, provocando, é esse seu papel,
né? Com a chegada do tal guru indiano na campanha do Serra, então, a
coisa virou uma lama só. Hoje costumo dizer que o que se fala no ‘Tuinto’
não se fala nem no boteco mais chinfrim, com todo mundo bêbado, porque
dá crime de morte. Mas agora me dei mal. Levei dois processos por difamação-
injúria-calúnia e levei um susto. Me retratei, vou dar um tempo.

Direitos por força do martelo - José Reinaldo de Lima Lopes

O Estado de S.Paulo - 19/05/2013 


Com um Parlamento omisso, Supremo e CNJ tomam a frente na aprovação
do casamento gay – e suas decisões, se forem mantidas, terão peso de lei


Há décadas os homossexuais do Brasil lutam por reconhecimento e pela eliminação de um velado, difuso e constante clima de desrespeito e ameaças a seus direitos básicos. Esse preconceito sustentava-se em leis e interpretações de leis que tomavam por natural o tratamento diferenciado e menos favorecido a essas pessoas. Contra elas, houve projetos de legislação para estender direitos iguais aos núcleos familiares formados por pessoas de mesmo sexo. Tais propostas encontraram no Congresso Nacional ouvidos moucos. Não chegaram a ser discutidas e serviram mais de uma vez como moeda de troca em acordos políticos. Como o Judiciário também é parte do poder soberano e é o lugar constitucionalmente privilegiado da defesa dos direitos fundamentais de grupos minoritários, foi por ali que avançou a luta pela igualdade,como de resto já se dera em outras partes do mundo e em outros momentos da história do Brasil. Lembremos que foi nos tribunais que as famílias constituídas por heterossexuais desquitados, antes de haver o divórcio no Brasil, foram pouco a pouco encontrando reconhecimentoe proteção.

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça, para não falar de outras instâncias,vinham eliminando o tratamento discriminatório direto e indireto ainda abrigado na legislação brasileira. Por meio de interpretação, vinham alterando nossa maneira de compreender a família no âmbito do direito e o faziam assumindo que não equiparar héteros e homos equivalia a distribuir diferentemente as liberdades civis por causa de atividades absolutamente privadas, que não causam dano a ninguém e não repercutem no patrimônio ou na liberdade alheios.

Porque,afinal de contas,não entender as uniões homossexuais como uniões familiares? Os que têm memória lembram-sebem que no auge da epidemia de aids em meados dos anos 80, foram os homossexuais, travestis e transgêneros que em primeiro lugar organizaram sistemas de apoio mútuo e tratamento para os afetados. Em não poucos casos as famílias heterossexuais das quais procediam os doentes os abandonavam e rejeitavam, assim como essas famílias muitas vezes os haviam humilhado e desprezado pelo caráter de seus afetos. Por que, então, o Estado mesmo não assumiria o dever que lhe compete de impedir essas violências físicas e morais contra uma parte de seus cidadãos? Fechadas as portas do Parlamento, por que não buscar na Justiça o que lhes era devido por justiça?

O Conselho Nacional de Justiça resolveu agora pôr fim a certo estado de incerteza. Uma vez reconhecida a equivalência jurídica da união estável de parceiros do mesmo sexo à união estável de parceiros de sexo
diferente, poderia ainda assim haver resistências localizadas ao processamento de pedidos junto aos sistemas de registro. Já em janeiro de 2013, a Instrução Normativa nº14 indicara o procedimento que os cartórios deveriam adotar, especialmente porque em diversos estados os respectivos Tribunais de Justiça haviam tentado ordenar a matéria por suas corregedorias. A Resolução nº 175, de 14 demaio de 2013, tomou a si transformar a negativa de registro ou celebração de casamento de pessoas do mesmo sexo em ato indisciplinar dos encarregados dos registros públicos no Brasil.

Haverá os que criticarão a decisão dizendo tratar- se de verdadeira emenda ao Código Civil. Como toda decisão, esta também poderá ser impugnada judicialmentee, se for o caso,revista pelo Supremo, porque, dirão,uma coisa é união estável e outra casamento. Entretanto, como a união estável pode ser transformada em casamento, o que o CNJ fez foi dar um passo adiante: uniões estáveis são uma forma de estabelecer família e esta forma pode converter-se em casamento, logo a resolução antecipou-se a objeções e instruiu os cartórios a aceitarem desde já o casamento igualitário, visto que a decisão do STF sobre o assunto na ADPF132 foi vinculante.

Se é constitucionalmente obrigatório aceitar uniões entre pessoas do mesmo sexo, e se elas podem converter-se em casamento, por quenão deveria ser permitido o casamento diretamente? Essa é a racionalidade da Resolução. Enquanto vigorar, a resolução equivale à plena equiparação dos casos, o que gera automaticamente todos os direitos e deveres inerentes a qualquer casamento, inclusive quanto a filiação e adoção.Talvez haja mais batalhas pela frente. Nessa semana, tivemos a prova de que o Parlamento, numa sociedade democrática e liberal, não deveria abdicar de sua função de discutir os temas, tomar decisões e pagar o preço que for necessário.

JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES É PROFESSOR DA
FACULDADE DE DIREITO DA USP E DA DIREITO GV

Quase nada - Caetano Veloso


 O GLOBO - 19/05/2013

Alegra-me repetir o nome de Marina Silva quando esperneiam para que o apaguemos

As palavras de Marina Silva sobre o caso Feliciano são sensatas e dizem o que deve ser dito. A imprensa deu um tom suspeito nas manchetes e os malucos das redes sociais (segundo me contam) entraram em surto. Meu amigo Rafael Rodriguez acha que querem desqualificar Marina para que se mantenha a disputa eleitoral ente PT e PSDB. Isso parece com o que eu dizia quando o nome de Mangabeira Unger era limado de minhas entrevistas, algumas eleições atrás: os jornalistas são petistas e os donos dos jornais são tucanos, não há lugar para terceiros nomes. Mas Mangabeira é uma referência incontornável e Marina é um peso político-eleitoral difícil de destruir. Não estou nem aí.

Gostei muito foi do comentário de Elio Gaspari sobre cotistas. A reportagem que parecia comprovar que cotas só servem para destruir a meritocracia revela-se vazia de conteúdo diante da pesagem das estatísticas feita pelo grande jornalista. Aliás, o artigo dele sobre a substituição, pelo governo Dilma, do secretário executivo do Ministério da Fazenda é de leitura obrigatória (eu, que pouco sei sobre essas coisas, fiquei mais inteligente ao lê-lo).

Voltando: será que alguém crê que Marina Silva está assinando embaixo de declarações inaceitáveis feitas por Feliciano só porque ele é evangélico? Esses doidos não podem fingir que acreditam nisso. De repente é como se Marina apoiasse a interpretação do assassinato de John Lennon feita pelo pastor. Impossível. Ele disse que o crime era uma manifestação da Santíssima Trindade. Que queria estar lá quando acharam o corpo do cantor e dizer: “Este primeiro tiro é em nome do Pai, o segundo é em nome do Filho e o terceiro é em nome do Espírito Santo”. O “Não matarás” da Bíblia fica assim desvalorizado, submetido à ideia de um Deus ciumento e vingativo, tão pré-cristão e tão anticristão, como se os nossos valores morais se baseassem nas punições contra quem, na conquista da Terra Prometida, deixasse de matar, por piedade, mesmo “uma criança de peito”. O pecado ingênuo de um adolescente (dizer que seu grupo de rock estava mais popular do que Jesus Cristo) é tido, assim, como mais grave do que o assassinato a sangue frio. Como a compassiva Marina iria compactuar com essa interpretação dos ensinamentos bíblicos? O que ela diz é que Feliciano não representa o pensamento de todos os evangélicos. Nem mesmo da maioria. Marina defende o Estado laico. E o diz com todas as letras. Por que querer criar confusão onde há tanta clareza?

Outro dia li um jornalista reclamando que falo sobre tudo e mais alguma coisa. A piada da “Piauí”, em que apareço com uma capa de magistrado do STF (que, aliás, na montagem fotográfica me caiu muito bem), sob uma manchete que dava conta de que uma decisão momentosa ia ser arbitrada por mim, é engraçadaça. Me mostraram um vídeo no YouTube em que estou dizendo a alguém “Você é burro, cara”. Eu repetia que o cara era burro e dizia que ele formulara a pergunta de modo tão burro que eu não conseguia sequer memorizar. Meu amigo Eduardo Sá achou de onde tiraram esse clipe. Foi de um programa de TV chamado “Vox Populi”. É dos anos 1970. Eu tinha o cabelo muito longo, muito preto e muito cacheado (esses dois últimos atributos sendo os de que tenho mais saudade). E falava com uma mistura um tanto estranha de moleza e arrogância. O quadro do período explica minha atitude. Eu tinha começado o trabalho com A Outra Banda da Terra sob apedrejamento crítico. O disco “Muito” foi achincalhado como sendo a prova final de minha inépcia e falta de inspiração. “Sampa” e “Terra” estavam sendo lançadas nesse disco. Anteontem reli um artigo de Tárik de Souza em que ele avalia, com forte espírito de corpo jornalístico, minhas brigas com a imprensa da fase que se seguiu a esse lançamento. Quem eu tinha chamado de burro era Geraldo Mayrink, da “Veja”, que destacava frases de músicas de Ary Barroso, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que eu citara em minhas letras, como exemplos de maus versos, crendo que eram meus (eram de músicas muito conhecidas por quem atentasse para a MPB). Sei que eu estava certo, mas não me senti bem vendo o vídeo. Valeu para eu poder mostrar a meu filho mais novo meu pai falando (ele aparece fazendo pergunta íntima). Mas meu desejo de desprezar as opiniões negativas sobre meu trabalho me irritou um pouco. Preferi ver um “Roda Viva” em que eu, mais velho (com o cabelo já liso mas ainda todo preto), falo “de tudo”, mas em tom mais modesto.

O que vale o que eu penso sobre Gaspari ou Marina? Creio que quase nada. Mas alegra-me poder repetir o nome de Marina Silva quando páginas de jornal e telas de computadores esperneiam para que o apaguemos.