domingo, 23 de março de 2014

Perfil:Isaac Bardavid - Ele não é imortal como o Wolverine, mas sua voz, sim

O Globo 23/03/2014

Com 83 anos e uma longa carreira na TV e no teatro, o artista é responsável pela dublagem de personagens de desenhos animados clássicos, como o vilão Esqueleto, de ‘He-Man’; Tigrão, de ‘Ursinho Puff’; e o mais popular dos X-Men
GABRIEL MENEZES
gabriel.menezes@oglobo.com.br

O temperamento e até mesmo
o visual de Isaac Bardavid
lembram o personagem
mais famoso que ele dubla
na TV e nos cinemas. Assim
como Wolverine, o artista
tem uma personalidade forte,
fala o que pensa e, até de
bom humor, carrega uma
certa dose de ranzinzice. As
sobrancelhas grossas e a barba
também ajudam na associação
ao herói.

No início da conversa com
a equipe do GLOBO-Niterói,
ele fez questão de frisar.

— O problema dessas entrevistas
é que... Sem qualquer
ofensa, geralmente são
feitas as mesmas perguntas e
eu tenho que dar as mesmas
respostas. Se você me pergunta
como eu comecei a
atuar, não tenho como inventar
uma história diferente.
Posto isso, vamos logo em
frente — disse, pronto para a
primeira pergunta.

Aos 83 anos (“Ninguém me
dá menos que 97’’, brinca), Bardavid
conquistou o público de
uma forma que poucos atores
conseguem. Para quem já passou
dos 50, ele é lembrado como
o cruel feitor Francisco da
novela “Escrava Isaura’’, de 1976,
seu papel de maior destaque na
TV. Já para os mais jovens —
que talvez nem tenham visto
seu rosto — ele é reconhecido
pela voz que dá vida a ícones da
cultura pop, como o mutante
mais popular da série X-Men;
Esqueleto, o vilão de “He-Man’’;
Tigrão (amigo do ursinho Puff);
e Capitão Haddock, o grande
parceiro de Tintim.

— Hoje em dia, sou mais reconhecido
pela minha voz.
Quando vou ao banco ou paro
diante de um guichê, geralmente
me perguntam se sou
dublador. Como ator, o papel
de Francisco foi meu maior sucesso.
Tanto é que fiz mais de
30 trabalhos na TV e muitas
pessoas acham que só tive
aquele — diz o artista.

Mas sua vida não se resume à
lembranças, pelo contrário: ele
mantém um ritmo intenso de
trabalho. Além de estar no ar
na novela das 19h da TV Globo,
“Além do horizonte”, Bardavid
faz dublagens praticamente
todos os dias. Uma de
suas próximas tarefas será colocar
voz no filme “X-Men: Dias
de um futuro esquecido”,
que chegará aos cinemas no
fim de maio.

— Na minha idade, não espero
muita coisa. Porém, não
reclamo. Tive, e ainda tenho,
uma vida muito boa. Poderia
ter parado de trabalhar, mas
nem penso nisso. Vida é movimento
— decreta.

NASCIDO E CRIADO EM NITERÓI

Bardavid nasceu numa casa na
Rua General Andrade de Neves,
no Centro, e nunca morou
em outra cidade. Atualmente,
vive num apartamento no
bairro de Santa Rosa, cercado
por centenas de livros, DVDs,
CDs de música clássica e presentes
de fãs, como uma caricatura
enviada de Cuba na
época da novela “Escrava Isaura’’
e um quadro que retrata o
feitor Francisco com as garras
do Wolverine. Apesar de morar
sozinho, ele é casado e, em setembro,
completará 54 anos de
união, com três filhos e cinco
netos já adultos.

— Eu e minha mulher nos
damos muito bem. Morar em
casas separadas foi a maneira
que encontramos para o casamento
dar certo — conta.

O ator e dublador considera
ter tido uma infância muito
mais divertida que a das crianças
de hoje, já que brincava na
rua, “em vez de ficar em frente
ao computador e à TV o dia inteiro’’.
Entre suas atividades
prediletas estavam jogar pião e
soltar cafifa. E tornou-se um
leitor voraz ainda menino.

— Quando alguém diz que as
pessoas mais velhas são muito
saudosistas não me sinto ofendido.
Eu sou mesmo. Antigamente,
a vida era mais tranquila,
mais devagar. A cidade ainda
não tinha essa poluição e
esse trânsito caótico — reclama
Bardavid.

Como já disse em várias entrevistas,
foi justamente na
rua, por acaso, que ele entrou
para o mundo da dramaturgia.
Aos 17 anos, enquanto batia
papo com amigos, avistou algumas
pessoas colando cartazes
nos muros. Ofereceu-se
para ajudar e acabou ganhando
um ingresso para “O dote”,
de Artur Azevedo, que estava
em cartaz no Teatro Municipal
de Niterói. Ele viu a peça e fez
questão de passar pelo camarim
para agradecer mais uma
vez pela cortesia.

— Estava conversando com
os produtores quando chegou
uma mulher muito nervosa,
dizendo que o ponto havia faltado.
Ponto era uma pessoa
que ficava escondida no palco,
lembrando as falas para os atores.
Naquela época, ninguém
decorava o texto todo. Eu me
ofereci para fazer o serviço e
eles adoraram — conta.

Depois de ser requisitado
outras vezes para a função,
ele decidiu que, se era para
trabalhar na área, queria estar
em cima do palco. Entrou
para o Clube Dramático
Fluminense, um grupo
amador, e, já no segundo espetáculo,
foi convidado pela
diretora e autora Maria Jacintha
para uma peça profissional.

— Aos 45 anos, fiz faculdade
de Direito e me formei,
mas segui trabalhando com
dramaturgia. Minha vida
sempre foi isso — diz.

sábado, 22 de março de 2014

50 ANOS DO GOLPE

O Globo 22/03/2014



Contradições do autoritarismo: as universidades e o regime militar

Obra mostra como as universidades, focos de resistência ao regime, sofreram com a opressão, mas também foram peça fundamental do projeto desenvolvimentista, passando por amplas mudanças

Por Leonardo Cazes

As universidades foram o principal centro de resistência à ditadura militar que começou em 1964. Ao mesmo tempo, tinham um papel central no projeto desenvolvimentista que ganhou corpo a partir do governo Costa e Silva, em 1967. Esse conflito atravessou todas as políticas dos regime para o ensino superior. Com uma mão, os militares criaram o regime de dedicação exclusiva para professores, investiram em laboratórios, na construção de novos campi e quadruplicaram o número de vagas. Com a outra, aposentaram compulsoriamente dezenas de docentes e pesquisadores, perseguiram e expulsaram estudantes. Os dois grupos foram alvos preferenciais da máquina da repressão.

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  Repressão e crescimento

 

Nas universidades do Rio, crescimento e repressão andaram juntos

 



Durante a ditadura, campus da UFRJ no Fundão foi construído e Unirio foi criada, mas expurgos de alunos e professores desfiguraram as instituições


Por Leonardo Cazes


 No dia 7 de setembro de 1972, o presidente Emílio Garrastazu Médici inaugurou a cidade universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão. A cerimônia fez parte das comemorações dos 150 anos da independência e é exemplo da importância dada pelo regime à sua política para o ensino superior público. Para os militares, a reforma universitária empreendida em 1968 e o investimento na construção de novos campi era uma forma de aplacar o principal foco de oposição, que se concentrava nas instituições, e de viabilizar o projeto desenvolvimentista. Durante a ditadura, as universidades viveram um boom de investimentos e foram reorganizadas no modelo departamental, atualmente em vigor.

 

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Ideias no exílio

 

Prisões, torturas e cassações forçaram alguns dos mais destacados pensadores da época, nas humanidades e nas ciências, a deixar o país. Projetos de pesquisa foram interrompidos e carreiras acadêmicas tiveram o rumo alterado

 Por Guilherme Freitas e Leonardo Cazes

Em 1º de abril de 1964, Luiz Costa Lima saiu de casa cedo e foi para a Universidade do Recife, onde dava aulas de literatura e colaborava com o Serviço de Extensão Cultural (SEC), inovador programa de alfabetização de adultos liderado pelo educador Paulo Freire. Preparava-se para enfrentar o golpe iminente. No campus, ele e um colega expropriaram uma kombi e um mimeógrafo, que julgaram essenciais para a resistência democrática. 

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Artigo

 O cultivo da terra estéril - LUIZ COSTA LIMA

ENTRE
NÓS, OS
PRÓPRIOS
TERMOS
“CULTURA” E
“REFLEXÃO”
SÃO VISTOS
COM FASTIO

 Já não se duvida que o golpe de 64 instaurou uma ditadura. Tampouco é questionável que toda ditadura representa uma presença letal a qualquer vigor cultural. Cultura supõe cultivo, seja das terras do chão, seja da terra da mente. Para que o golpe tivesse significado outra coisa senão medo, rancor surdo, sensação de impotência seria preciso que tivesse lidado com outra humanidade. Chega a ser ocioso pensar-se que a nossa recente ditadura pudesse ter tido outro perfil que não o de suas semelhantes. O que escrevo só fará sentido se considerarmos a ditadura de 64 dentro das coordenadas nacionais.

 

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Brasilianistas denunciaram regime militar no exterior

Acadêmicos americanos divulgaram casos de tortura, desafiaram governos e acolheram colegas brasileiros, recorda Ralph Della Cava
Por Guilherme Freitas




 Em 1964, o americano Ralph Della Cava desembarcou no Brasil para pesquisar sobre Padre Cícero, tema de seu doutorado em ciências sociais na Universidade de Columbia. Depois de uma passagem por Juazeiro do Norte, no Ceará, veio para o Rio, onde se viu no turbilhão do golpe em 1º de abril. Testemunha de primeira hora dos abusos cometidos pelos militares, ele se tornou, ao voltar para os Estados Unidos, um dos principais articuladores de uma campanha que buscava denunciar a ditadura brasileira no exterior. Ao lado de outros especialistas em história do Brasil, conhecidos como “brasilianistas”, Della Cava fundou associações como o American Committee for Information on Brazil (Comitê Americano para Informação sobre o Brasil) e o American Friends of Brazil (Amigos Americanos do Brasil). Nos anos 1970, esses acadêmicos traduziram e divulgaram depoimentos de presos políticos e documentos comprovando torturas, promoveram palestras de exilados brasileiros em universidades e denunciaram o envolvimento de autoridades americanas no golpe. Pesquisador do Instituto de Estudos Latino-americanos de Columbia e autor de uma obra de referência sobre Cícero (”Milagre em Joaseiro”, que acaba de ganhar nova edição pela Companhia das Letras), ele relembra a campanha nesta entrevista por e-mail.

 

O senhor estava no Rio no momento do golpe de 1964. Quais são suas lembranças daquele dia?

Minha esposa e eu tínhamos ido ver um filme na Cinelândia com um casal de amigos. Quando saímos do cinema, em meio ao som de tiros, ficou claro que a “Gloriosa” estava em marcha. Conseguimos pegar um táxi e fomos para a casa de nossos amigos, em Copacabana. Não foi a primeira nem a última depredação que testemunhei. Um colega de Columbia, que trabalhava como repórter na revista “Time”, pediu que eu ficasse de olho no prédio da UNE. Contra todas as nossas esperanças, ele foi incendiado — e o ódio foi um dos combustíveis.

 

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Terror cultural

Editoras e livrarias que se tornaram refúgio e referência para autores perseguidos enfrentaram forte
repressão, incluindo atentados a bomba, mas procuraram manter o debate político durante o período


Por Guilherme Freitas

 

 

Numa das muitas ocasiões em que foi preso durante a ditadura, em maio de 1965, o editor Ênio Silveira recebeu uma inesperada demonstração de apoio. Na mira do regime desde o início por sua atuação à frente da Civilização Brasileira, casa de vários autores de oposição, ele foi detido por promover uma feijoada em homenagem ao ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, cassado logo após o golpe. A prisão arbitrária foi contestada por um abaixo-assinado com mais de mil nomes, de militantes históricos de esquerda ao compositor Pixinguinha. E por um bilhete manuscrito do marechal Castelo Branco ao chefe de seu Gabinete Militar, general Ernesto Geisel: “Por que a prisão do Ênio? Só para depor?”, perguntava o presidente. “Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural”.

 

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A origem do método - José Castello



“FELIZ ANO NOVO” NOS MOSTRA UMA ESPÉCIE DE MARCO ZERO DE UMA VIOLÊNCIA QUE, APESAR DOS LONGOS ANOS DE DEMOCRACIA, AINDA SE ENCENA NO PAÍS

Fixo-me em “Feliz ano novo”, o conto que empresta título ao já lendário livro que Rubem Fonseca, cuja obra vem sendo relançada pela editora Agir, publicou em 1975. Não só, provavelmente, é o mais cruel relato da coletânea, mas uma das narrativas mais violentas produzidas pela literatura brasileira dos anos 1970. O conto guarda uma estranha síntese dos métodos da ditadura, que se espalharam pela entranhas da sociedade brasileira na ordem de uma peste — o livro de Fonseca seria censurado no ano seguinte ao seu lançamento. Antes de tudo, a violência, arbitrária, indiferente ao sentido, cruel que, na narrativa de Fonseca, deixa os cárceres do poder para penetrar na penumbra do dia a dia e se transformar em um método de ação. Contra a violência, mais violência. Contra a miséria, mais miséria. O método nefasto da duplicação e da retaliação.


A palavra como um risco para a sociedade


Censura a livros na ditadura deixou herança autoritária

Veto a livros considerados 'imorais' e proibição de obras de opositores deixaram como legado a ideia de que informação pode ser controlada, diz pesquisadora

Por Guilherme Freitas

 
A coletânea de contos “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, “retrata, em quase sua totalidade, personagens portadores de complexos, vícios e taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade na prática da delinquência, suborno, latrocínio e homicídio, sem qualquer referência a sanções”. A história que dá título à obra, sobre três marginais que invadem uma festa grã-fina de réveillon, assim como as outras 12 narrativas do volume, têm uma linguagem “bastante popular, onde a pornografia foi largamente empregada”, e “alusões desmerecedoras aos responsáveis pelo destino do Brasil”.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Talento para um leque de gêneros [Paulo Goulart] - Barbara Heliodora

BARBARA HELIODORA
Especial para O GLOBO

 14/03/2014

Homem bonito, de uma
simpatia irradiante, é
natural que desde logo
tenha encontrado o
sucesso e que passasse a
vida em intensa atividade,
entre o palco e a telinha

O teatro fica mais pobre com a morte de Paulo Goulart, que nunca permitiu que o sucesso na televisão o afastasse do palco, que era a sua casa. Minha primeira lembrança dele é em uma peça que eu nem sei qual é, um espetáculo modesto, mas que me deixou a nítida impressão de que eu tinha visto um ator. Homem bonito, de uma simpatia irradiante, é natural que desde logo tenha encontrado o sucesso e que passasse a vida em intensa atividade, entre o palco e a telinha. Dois trabalhos de há muito tempo eu guardo sempre na memória: o rígido professor sueco (com discreto sotaque alemão) na “Lição de botânica”, de Machado de Assis, e sua hilariante e charmosa atuação como a chefe da “Orquestra de senhoritas”, que servem também para mostrar como era amplo o leque de gêneros que seu talento alcançava.

Creio que é com isso que mais podemos identificar o ator Paulo Goulart : sua fome de teatro, sua disposição para fazer papéis nos mais variados gêneros (aos quais juntava a variedade na televisão, é claro). Foi ótima sua atuação em “Oh! Que delícia de guerra!”, o notável musical que denunciava os erros e as tragédias da Primeira Guerra Mundial, e foi sem dúvida de Paulo o melhor e mais esmerado trabalho do todo o elenco do “Rei Lear” de Celso Nunes. E após uma ausência por demais longa dos palcos cariocas, Paulo teve novamente uma brilhante atuação em “Arte”, a sofisticada comédia intelectual também diversa de muitos trabalhos anteriores.

Mas falar de Paulo Goulart tem de ser também falar do amigo e, principalmente, daquela unidade específica chamada Paulo e Nicette, e de sua transmissão do DNA do teatro a Barbara, Beth e Paulo Filho; entrar em sua casa era entrar em um clima muito especial, era ser recebido com uma alegria e um carinho com poucos iguais por este mundo. Todos atores, sempre formaram um conjunto tão harmônico que chegava por vezes a parecer irreal; e, no entanto, todos os que tiveram a sorte de privar com eles puderam sentir a solidez de realidade daquela vida familiar, em que não há triunfo pessoal que não seja curtido por todos, em que a vida e o trabalho são sempre encarados com alegria e esperança.

O desaparecimento de Paulo Goulart é uma grande perda para o universo das artes, e a pessoa, perda ainda maior não só para esse unidíssimo núcleo de sua família, mas também para seus amigos, a quem ele sempre deu tanto de sua inesgotável generosidade

domingo, 9 de março de 2014

Que fim levou Bo Derek? - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 09/03/2014

Eu estava em plena adolescência quando assisti no cinema ao filme Mulher Nota 10 com uma estreante chamada Bo Derek. A comédia contava a história de um cantor que um dia viu uma loira espetacular vestida de noiva e ficou obcecado por ela. O que aquela mulher tinha de nota 10? Que eu lembre, apenas um tremendo corpaço. Mas foi o que bastou para eu e mais umas tantas meninas da minha idade desejarem ser 10 também.

Mal sabíamos que estava em curso uma revolução que iria nos exigir muito mais do que um corpaço: iria nos exigir independência financeira, atitude, cultura, talento, sucesso profissional, inteligência acima da média, um bom casamento, filhos notáveis, um farto círculo de amigos, um apartamento bem decorado, uma ótima mão para a cozinha, conhecimento sobre política, economia, artes plásticas, jardinagem e comércio exterior, muita feminilidade, um guarda-roupa de matar de inveja a editora da Vogue, um rosto lisinho, um cabelo lisinho, dotes sexuais de humilhar o Kama Sutra e, para aguentar o tranco, o tal corpaço de parar o trânsito, claro.

Nem titubeamos. Parecia fácil. Daríamos conta. E demos, se abstrairmos o padrão cinematográfico das exigências.

Até que descobrimos que tínhamos tudo, menos a coisa mais importante do mundo: tempo. Deixamos de ser donas dos nossos dias, viramos escravas da perfeição, passamos a buscar a nota 10 em todos os quesitos, feito uma escola de samba, e ganhamos o quê? Um stress gigantesco e uma tremenda frustração por não conseguir manter tudo no topo: o casamento, a profissão, os seios. Nunca mais uma escapada de três dias num sítio, nunca mais pegar uma matinê num dia da semana, nunca mais passar a tarde conversando na casa de uma amiga, nunca mais deitar no sofá para ouvir nossa música preferida. Tic-tac, tic-tac. Proibido relaxar.

Trégua, por favor. Não estamos numa competição. Ninguém está contabilizando nossos recordes. A intenção não é virar uma campeã, e sim desfrutar a delícia de ser uma mulher divertida e desestressada. Por que isso precisa conflitar com a independência? Proponho uma pequena subversão: agrade si mesmo e a mais ninguém. E não brigue com o espelho, pois ter saúde é o único item de beleza indispensável, e isso só se enxerga por dentro. Trabalhe no que lhe dá gosto, aprenda a dizer não, invente sua própria maneira de ser quem é, e se for gorda, fumante, esquisita e sozinha, qual o problema? Aliás, sendo você mesma, dificilmente ficará sozinha.

Lembra das garotas nota 10 da sua sala de aula? Cá entre nós, umas chatas. Não aproveitavam a hora do recreio, não deixavam a blusa para fora da saia, não matavam as aulas de religião, só pensavam em ser exemplares. Pois tiveram o mesmo fim da Bo Derek: nunca mais se ouviu falar delas.

TeVê

TV paga


Estado de Minas: 09/03/2014 

 

 (Imagem Filmes/Divulgação )
ROMANCE O Telecine Premium exibe hoje, às 16h15, a comédia Um bom partido (foto), com Gerard Butler e Jessica Biel. George é um ex-jogador de futebol que recebe uma segunda chance para se aproximar de seu filho. Para reconstruir sua vida, ele precisa primeiro reconquistar sua ex-mulher.

INTERCÂMBIO
O programa Casa brasileira, que vai
ao ar às 23h no GNT, traz o episódio “Brasil e França”. Brasileiros
e franceses mesclam em casas e apartamentos a cultura de
seus países. Entre os convidados, Olivier Anquier, a pintora
Isabelle Tuchband e o arquiteto Sig Bergamin.


Enlatados Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br

Sangue, mortes e mentiras

Foi aberta a temporada sanguinolenta. Amanhã, às 23h, estreia a segunda temporada de Hannibal. Versão televisiva para o serial killer mais famoso do cinema contemporâneo, mostra o embate entre um investigador com uma intuição do outro mundo para caçar criminosos (Will Graham, interpretado por Hugh Dancy) e o psicopata canibal Hannibal Lecter (o ator Mads Mikkelsen). No final da primeira temporada, Will se dá mal e vai parar atrás das grades. Já no primeiro episódio do segundo ano ele busca provar sua inocência e a culpa de Hannibal por uma série de atrocidades. Neste segundo ano, foi confirmada a participação de Cynthia Nixon (de Sex and the city), que será uma funcionária do FBI.

Caninos afiados – Já na quinta, às 22h, o canal Universal exibe a estreia de Drácula. A nova versão do mítico personagem é estrelada por Jonathan Rhys Meyers (que viveu no passado o Rei Henrique VIII em The Tudors). Na Inglaterra do final do século 19, um industrial americano surge do nada chamando a atenção da alta sociedade local. Visionário, ele provoca um pequena revolução no mundo dos ricos. Ao mesmo tempo, figurões começam a morrer degolados, chamando a atenção de um grupo de caça-vampiros que atua secretamente. O industrial na verdade é Drácula, que quer se vingar daqueles que, no passado, mataram sua amada. A série traz como credenciais os produtores de Downton Abbey, mas as interpretações exageradas (Rhys Meyers carrega na canastrice) não empolgam.

Sequestro – Outra novidade é a microssérie Kidnap and ransom, que estreia no +Globosat na terça, às 21h. A trama gira em torno do negociador de sequestros britânico Dominic King contra uma sequência de raptos interligados, realizados pelo misterioso Willard, que se inicia na África do Sul e continua na Inglaterra. São somente três episódios. 

Caras & Bocas

Simone Castro - simone.castro@uai.com.br


 (AC Júnior/Canal Brasil)

Vez da parceira

Estreia, amanhã, a nona temporada de Espelho, que irá ao ar às 21h30, no Canal Brasil (TV paga). O apresentador Lázaro Ramos recebe no primeiro programa a sua mulher, a atriz Taís Araújo (foto). Uma das principais atrizes negras de sua geração, Taís fala sobre as capas de revistas femininas que fez, tentando abrir espaço para as artistas negras. “Via como um ato político”, afirma. Ela ainda comentou sobre sua personagem Helena na novela Viver a vida (Globo), de Manoel Carlos, muito criticada. “Talvez tenha sido o maior tombo profissional que tomei em quase 20 anos de profissão e foi o que melhor serviu na minha vida. Repensei toda a minha carreira e mudei meu caminho”, revelou. A novela foi um fracasso. Nesta temporada, Espelho terá 26 episódios, que mostrarão entrevistas, entre outros, com Ney Latorraca, Renato Aragão, Débora Bloch, Aracy Balabanian, Hélio de La Peña e Djavan. E uma novidade: ao fim de cada programa, Lázaro vai narrar um dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

CASOS DE FAMÍLIA VOLTA AO AR NO INÍCIO DA TARDE

Em mais uma mudança na grade do SBT, o Casos de família, com Christina Rocha, será exibido, a partir de amanhã, às 14h15. Em seguida, entram no ar as novelas vespertinas do canal. O programa será diário novamente.

SABARÁ E SEUS ATRATIVOS NA ROTA DA VIAÇÃO CIPÓ

Confira a primeira matéria do Viação Cipó. Neste domingo, às 10h, na TV Alterosa, o programa vai até Sabará e o telespectador fica por dentro da produção de jabuticaba e seu festival, as perspectivas da cidade para o futuro, a história do distrito onde Nhá Chica nasceu, além da música de Aline Calixto, a receita do cipó e muito mais.

NOVELA AINDA DEMORA MAS JÁ ESTÁ NO FORNO

Joia rara (Globo) termina em abril. A sucessora é o remake de Meu pedacinho de chão. Em seguida, virá Saber viver (que também pode se chamar Boogie-oogie), que será substituída por Lady Marizete. E os autores desta última já estão a todo vapor. Alcides Nogueira, Mário Teixeira e equipe se dedicam aos capítulos da história ambientada nos dias atuais, nas regiões do Morumbi e Paraisópolis, em São Paulo. A estreia está prevista para 2015.

AFASTAMENTO E REFORÇO NO SERIADO PÉ NA COVA
Enquanto Marília Pêra não retorna às gravações do seriado Pé na cova (Globo), pelo menos por enquanto, pois se recupera de uma cirurgia no quadril, um nome está confirmado no elenco na temporada 2014. O ator Diogo Vilela dará o ar da graça no programa de Miguel Falabella e companhia. Ele vai interpretar dr. Zoltan. Promete.

DOENÇA NO CORAÇÃO VAI ACOMETER CADU EM TRAMA

Miocardiopatia dilatada, que atinge o músculo do coração, o miocárdio, é a doença que acometerá Cadu, personagem de Reynaldo Gianecchini na novela Em família (Globo). A moléstia foi definida pelo autor Manoel Carlos. “A pessoa manifesta insuficiência cardíaca e, com a evolução dos sintomas, apresenta muito cansaço. Chega ao ponto de o paciente deixar de conseguir fazer as atividades do dia a dia, como tomar banho”, contou a pesquisadora Gabriela Miranda ao site da novela. O personagem já começou a sentir os primeiros sintomas de falta de ar e inchaço no tornozelo. Cadu terá a doença diagnosticada e tratada pela doutora Sílvia (Bianca Rinaldi). Gianecchini contou que visitará hospitais para acompanhar como é a vida dos pacientes. Ainda não se sabe se Cadu ficará curado.

ATRIZ PREPARA-SE PARA RETORNAR À TELINHA

 (Marcelo Theobald/Extra/Agência O Globo-3/4/13)

Nanda Costa (foto) é cotada para um dos principais personagens de Falso brilhante, novela de Aguinaldo Silva que vai substituir Em família. A última novela da atriz foi Salve Jorge, exibida em 2012, em que interpretou a protagonista Morena. Nenhum detalhe foi divulgado sobre a personagem, mas a atriz confirmou que voltará à telinha em breve. Também estão previstas as participações de Maria Padilha e de Ana Cecília Costa, a Gaia de Joia rara. Outra atriz que retorna às novelas é Marina Ruy Barbosa, que vai viver uma lolita amante de um homem mais velho. O papel é de Alexandre Nero, atualmente o vilão Hermes  em Além do horizonte (Globo), que morrerá para que o ator possa deixar a trama e descansar antes do novo trabalho.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA-O leopardo-das-neves e nós‏

O leopardo-das-neves e nós

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Estado de Minas: 09/03/2014
 
Qual a relação entre o leopardo-das -neves e essa crise lá na Ucrânia? O que Putin ou a Rússia têm a ver com aqueles caçadores nas montanhas do Afeganistão? O que há de animal e de humano nessa demarcação de fronteiras?

Estou assistindo a um documentário francês sobre a caça ao leopardo-das-neves na altas montanhas do Afeganistão. Uma equipe de biólogos e estudiosos desse animal se preparou cuidadosamente para a façanha. Trazem equipamentos sofisticadíssimos. Sabem tudo sobre essa bela fera. O animal não sabe de nada. Está lá em cima, nos picos pedregosos, cuidando de sua vida, caçando marmotas e antílopes. É guiado apenas pelo instinto.

Chamamos de instinto a essa sabedoria inexplicável que os humanos e os animais têm inscrita nos seus sentidos. A sabedoria que está ao nível da natureza, antes da invenção da cultura. Os humanos, seja Putin ou Obama, acham que agem racional e politicamente, mas guardam suas fronteiras sem saber que o instinto os comanda. Não sabem que são como um leopardo-das-neves. Chamam seus assessores, seus generais e estrategistas para posicionar suas tropas e dizem: estamos defendendo nossos interesses ao proteger a soberania do nosso território.

O leopardo-das-neves no Afeganistão nunca foi à universidade, mas também defende seu território. Como ele faz isto? Os caçadores (na verdade, invejáveis estudiosos dessa espécie) monitoram as andanças do animal. Num mapa mostram por onde ele anda, todo o território que lhe pertence. E para assinalar que aquela região é dele, o leopardo-das-neves usa de uma artimanha instintiva: deixa a sua urina, faz marcas precisas assinalando sua passagem até pela presença das fezes.
Minha cachorrinha faz isso em Friburgo: quando chega, vai logo remarcando seu território com urina e latidos. Os especialistas em teoria dos jogos, lá no Pentágono ou no alto-comando russo, fazem a mesma coisa. Volta e meia aprontam alguma cagada quando pensam marcar seu território. Fizeram isso na Guerra Fria. E tanto Guevara quanto milhares de sonhadores instintivos pagaram com sua vida por não saber ou não querer admitir que aquele território tinha dono. O leopardo-das-neves, em Washington ou Moscou, nos vigiava. Os mais velhos se lembram da crise dos mísseis em Cuba, nos anos 1960. Kennedy e Brejenev eram os leopardos de plantão.

Teve um tempo em que me interessei tanto por esse assunto que descobri uma ciência chamada proxemia, que estuda as relações que o animal tem com o espaço. E posso lhes dizer: somos mito aparecidos com os nobres antílopes, com a desprezível barata e com o majestoso leopardo-das-neves.

No documentário que vi, os cientistas sobem as montanhas e plantam várias armadilhas para caçar o leopardo. O animal vem na sua trilha, palmilhando o território que lhe pertence, e bota o pé na armadilha. Fica preso. Os caçadores estudiosos então se aproximam, dão um tiro anestésico na fera presa e ela desmaia.

Eles então se aproximam cautelosos, felizes, tocam no animal, admiram sua beleza, tiram suas medidas, acariciam-no e enquanto ele está inconsciente colocam no seu dorso um equipamento para que possam acompanhá-lo durante um ano. E se afastam.
O lindo animal acorda da anestesia, meio atordoado. Não entende o que lhe aconteceu. Equilibra-se com alguma dificuldade e vai andando pelas escarpas. Recuperou a liberdade e a vida. Vai voltar às suas trilhas, ao seu território.

A marmota ou antílope que entrar desavisado nessa área será comido inapelavelmente.
Neste momento Putin e Obama são dois leopardos-das-neves vigiando seu território.

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Entre o melhor e o pior‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Entre o melhor e o pior


Brasileiros sempre foram pacíficos e indiferentes e agora percebem que o momento é de não mais se calar

regina teixeira da costa

Estado de Minas: 09/03/2014
 

Assistimos à festa de carnaval, à alegria do povo cantando e dançando nas ruas da cidade. Com certeza o carnaval de Belo Horizonte pegou para valer e a cada ano reforçará o desejo dos mineiros de fazer a folia em casa.

Uma festa boa para soltar as feras, liberar as fantasias e botar o bloco na rua sem medo de ser feliz. Dias reservados para empreender a catarse daquilo que fica contido o ano todo, quando devemos ser sérios e normais, entre aspas, no trabalho e na vida.

Mas nem só de festa vive o homem, apesar de que quando se faz festa se esquece de todo o resto. Esquecemos a miséria, a pobreza, a doença, a tristeza. Como disse uma carta pretensamente maçom que circula nas redes sociais, o governo tem dado pão e circo por meio das Bolsas e da Copa e isso fará o povo feliz, dominado.

Se isso já foi verdade um dia, nota-se que hoje temos uma população avisada. Os movimentos de protesto pelos quais as pessoas vão às ruas denunciam a distorção de gastar tanto na Copa do Mundo em um país onde nem em 10 anos se gastará soma igual na educação e na saúde da população.

Países com problemas estruturais como o nosso não deveriam sediar a Copa. É um luxo para o qual não estamos preparados. E em ano eleitoral é tapar muito o sol com a peneira. Os movimentos de rua cada vez mais fortes, não apenas os de carnaval, os de protesto, têm sido alvo de muitos artigos e comentários na mídia por terem sido raros por aqui.

Brasileiros sempre foram pacíficos e indiferentes e agora percebem que o momento é de não mais se calar porque hoje é dia de futebol e carnaval. Ainda gostando dos dois é tempo de se inquietar e mover os pauzinhos para termos o país que queremos.

Que país é este? Um país do qual queremos nos orgulhar. Um país que cuida do seu povo como a coisa mais rara e preciosa que há. Um país que deseja crianças na escola, professores preparados, médicos satisfeitos e hospitais com leitos em número suficiente na rede pública.

Um país que oferece transporte para sua população não ter de usar carro próprio todo dia, impossibilitando o trânsito de fluir. E não o que estimula o consumo, baixando impostos para vendas de mais automóveis. Um país em que não se tem medo de sair na rua e ser assaltado a qualquer momento, e talvez até assassinado. Sem cadeias cheias de gente improdutiva. Por que nenhum projeto para aproveitar essa mão de obra decola?

É certo que a mídia ressalta fatos trágicos e nos assusta, alarma, mas são fatos e alcançam o objetivo. Ninguém aqui está satisfeito, nem poderia ficar, depois de cada edição do jornal. Ninguém está feliz com o jogo político atual. O cenário preocupa. As melhoras são pequenas.

Podem até dizer que estou sonhando. Posso estar. Mas há países assim e não é à toa que muito brasileiro sonha em ir para os Estados Unidos, não que lá seja ideal ou perfeito, mas a ilusão de que seja ocupa o ideário nacional. E não só do brasileiro, vejam o resultado da ditadura em Cuba. Médicos vêm para o Brasil para escapar da miséria de lá. Se abrirem a fronteira não restará um cubano em Cuba.

Infelizmente, dentre os que fazem protestos aproveitam a cena os baderneiros e marginais. Nada ainda pode ser provado sobre a tentativa política de desestabilizar o país com infiltrados, mas é um risco real. Oportunistas enxergam chance nos furos do real e podem sim articular manobras contra a democracia. Diante da natureza humana, todo cuidado é pouco, pois bem sabemos que a oportunidade pode fazer o ladrão.

O homem usa qualquer coisa como pretexto para sua conduta. Não age de modo próprio, mas conforme uma situação que lhe proporcione certo modelo convencional para seu comportamento. Se aquilo que a situação permite é a crueldade, tanto melhor. Sem escrúpulos com toda intensidade, aproveita a permissão e faz dela um uso tão amplo que não se pode pôr em dúvida: em sua maioria, os homens esperam apenas que as circunstâncias lhes deixem a passagem livre para a crueldade e grosseria e lhes permitam ser livremente brutais.

Sabendo disso, cada um deve cuidar de sua parte pior, porque negá-la é não negociar. Talvez, assim, possamos escolher o melhor ao invés de sermos levados pelo pior.

O que move Yuka - Ailton Magioli

O que move Yuka

Compositor prepara lançamento do álbum Canções para depois do ódio e fala de seu processo de recuperação. Ele diz que ioga e meditação foram fundamentais

Ailton Magioli
Estado de Minas: 09/03/2014



O título do novo disco de Marcelo Yuka, de 48 anos, já diz tudo. Gravado com a banda A Entidade, Canções para depois do ódio, como sempre ocorre com tudo que o ex-baterista de O Rappa faz, é para botar os bichos para fora. “É o primeiro depois de alguns entendimentos adquiridos com a prática da meditação e da ioga, que mudaram a minha vida”, afirma Yuka, que faz do cantor belga Bukassa Kabengele, radicado no Brasil, o principal porta-voz de suas aflições, entre as quais figuram, inclusive, o amor.

Produto da parceria de Yuka com Marisa Monte, a canção Para ti não sei, gravada no disco pela cantora, é reflexo do novo momento do compositor, que diz ter descoberto o amor como “forma de inteligência”. Graças à prática semanal da ioga, que descobriu em 2005, e da meditação diária, Marcelo Yuka acredita ter aberto os canais para a vida. “A primeira coisa que essas filosofias me ensinaram foi a me ver como prática de meu próprio remédio”, garante o artista, paraplégico depois de baleado em um assalto no fim de 2000, no Rio de Janeiro.

De lá para cá, Yuka entrou em profunda depressão, da qual está se livrando mais de uma década depois, graças aos novos hábitos que adquiriu. “A lesão física é fácil de ver, mas a psicológica é mais forte”, justifica o longo processo de recuperação, por meio do qual diz ter aprendido a ouvir o próprio silêncio, além da respiração. “Eram três antidepressivos ao dia; hoje não tomo nenhum”, comemora o artista.

Ao avaliar o processo pelo qual passou, Yuka diz que acabou chegando a Canções para depois do ódio, que, como admite, é autobiográfico na medida em que nasceu “fincado” no que ele teria aprendido em todo processo. “Mas tem outras coisas no disco também. Socialmente ele é contundente, está tudo lá”, observa. “Mas tendo o amor como forma. Sempre fui um cara apaixonado. É esta paixão que me move todo dia”, avalia. Seu Jorge, Apollo 9 e Cibelle, além de Marisa Monte e Bukassa, estão no disco, cujo lançamento está programado para junho.

Enquanto finaliza o petardo, Marcelo Yuka negocia a distribuição com uma gravadora. Se no disco anterior – Sangueaudiência, de 2005 – ele assinava o trabalho coletivamente com a banda F. U. R. T. O., o novo álbum terá a assinatura dele, além da banda A Entidade. Paralelamente, Yuka se dedica à produção de Mestiço, projeto eletro-indígena-hardcore. “Trata-se de algo mais pesado, com guitarras distorcidas e base eletrônica. As letras são todas sobre a questão indígena”, diz sobre o projeto punk-eletrônico, que desenvolve ao lado de Sérgio Espírito Santo, que foi da banda Tubarões Voadores.

Em casa Um mês antes de o novo disco de Marcelo Yuka chegar às lojas e redes sociais, ele vai estrear na PlayTV o talk show Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa. Trata-se de programa semanal de entrevistas, com 40 minutos de duração, que promete abordar temas como pobreza, maconha, manifestações de rua, questões ambientais e tantos outros que estiverem em pauta.

Militante de causas sociais desde os 16 anos, Yuka garante que o talk show terá linguagem documental, acompanhando seu cotidiano, com direito a café de fim de tarde, que ele estenderá para músicos e artistas. A direção de Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa é de Antônio de Andrade e duas temporadas já estão gravadas, cada uma com 13 programas.
Entre os primeiros convidados do artista estão a atriz Letícia Sabatella, o delegado hare-krisha Orlando Zacone, o biólogo Mário Moscatelli, o senador Cristovam Buarque, o teólogo Leonardo Boff, o protagonista do documentário Lixo extraordinário, Tião Santos, e o diretor do filme, Vik Muniz. “Estou gostando da experiência com a TV, porque o programa é quase uma trincheira no ar”, confessa Yuka, para quem a defesa de temas na telinha deve ser feita com argumentos.

“Hoje, há poucos programas na TV com opinião”, lamenta. Para ele, nem sempre é confortável tomar posição diante de temas polêmicos. “A ideia de transmitir é que é legal. Sempre gostei de rádio”, admite o artista, que cursou jornalismo no Rio, na década de 1980. Morador da Tijuca, na Zona Norte carioca, o artista criou em casa um loft sem paredes, especialmente adaptado para se locomover na cadeira de rodas. Yuka mora no primeiro andar, com direito ao próprio estúdio, e sua mãe vive no andar de cima.

Entusiasmo Como artista, Marcelo Yuka nunca produziu tanto. “O susto passou e tudo que está por vir é consequência deste entendimento”, justifica. Ele ressalta que, apesar de tudo, a vida pode ser boa. “O ser humano se adapta a tudo”, consente ele, lembrando que as pessoas saem transformadas depois de uma situação-limite como a que ele viveu.

“Acho que a palavra certa para definir o que estou sentindo é entusiasmo. Eu estou cheio de Deus. Trabalhei para chegar a este momento, entusiasmado. Trata-se de uma consequência direta para alguém que viveu um limite tão grande quanto eu.” Tal situação, no entanto, como faz questão de dizer, independe de religiosidade. Longe de uma prática religiosa, o artista diz ter “entendimento espiritualizante”.


Paradoxo brasileiro

Para Yuka, o fato de o brasileiro ter ido para as ruas se manifestar, em junho, é sintoma de que está tudo mais à flor da pele no país. “Se por um lado o povo está procurando se manifestar, por outro nunca houve tanto reacionarismo. Os reacionários estão todos saindo do armário”, denuncia. E lamenta o ocorrido com o movimento gay de São Paulo, que depois de obter conquistas com as paradas, passou a sofrer com a ação de gangues de extermínio.

“Não por acaso vieram à tona figuras como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano”, cita os deputados cuja postura político-social e homofobia têm provocado polêmicas. “O Brasil vive um grande paradoxo. Se por um lado estamos próximos dos grandes eventos, por outro ainda convivemos com a pior educação do mundo”, lamenta.

Marcelo Yuka começou a sair mais de casa. Além de ocupações, nas quais a arte e a cultura são vistas do ponto de vista político, ele também participou ativamente do bloco Devotos de Marley. “Isso me levanta, empurra minha cadeira, embora ainda haja um pensamento reacionário enorme no Brasil.”


Nas páginas
Nos próximos dias, Marcelo Yuka lança no eixo Rio-São Paulo a biografia que escreveu a quatro mãos com o jornalista Bruno Levinson. Trata-se de Não se preocupe comigo, que vai sair pela Sextante, cujo título foi tirado da canção homônima do compositor e baterista carioca. O livro narra momentos marcantes da vida de Yuka, no campo da arte e da militância social.


Nas telas
Uma série para a TV também está nos planos do artista, que escreveu sob encomenda para uma produtora o argumento de Castigo, inspirado no momento brasileiro. Em cena, um grupo de pessoas que confunde justiça com vingança. “Eles não são justiceiros, são normais. O processo utilizado para fazer justiça é que é diferente.” Os protagonistas se encontram uma vez por mês para armar ciladas.

Elas só ganham NO GRITO

Elas só ganham NO GRITO

Estrelas do pop não honram a tradição das divas de antigamente. Indústria fonográfica aposta em cantoras que se valem de truques eletrônicos, falsas rebeldias e canções melodramáticas

Arthur G Couto Duarte
Estado de Minas: 09/03/2014

 
Aino Jawo e Caroline Hjel, do Icona Pop: o disco This is tenta despistar a fragilidade vocal da dupla sueca  (Theo Wargo/Getty/AFP)
Aino Jawo e Caroline Hjel, do Icona Pop: o disco This is tenta despistar a fragilidade vocal da dupla sueca


Em outros tempos, a palavra diva, no mais das vezes, restringia-se ao mundo da música erudita – equivalente do termo italiano prima donna, usualmente aplicado a estrelas mundiais da ópera. Poucas fizeram por merecer tal classificação no exercício do bel canto: Maria Callas, Yma Sumac, Bidu Sayão, Montserrat Caballé.

No jazz, passaram a ser consideradas como tal Billie Holiday, Lena Horne, Ella Fitzgerald e Dinah Washington. No soul  e no rhythm & blues, Aretha Franklin e Laura Nyro. A anos luz de simulacros providos pela tecnologia dos estúdios de gravação, essas cantoras fascinavam o público se valendo unicamente de suas personalidades magnéticas e da extensão natural que vai dos registros graves e médios ao alcance sem esforço das mais extremas notas agudas. Dons quase divinos manifestos pelo domínio sobre coloraturas, glissandos, melismas e escalas mais complexas, a ponto de fazer da voz a expressão mais direta e intensa dos afetos humanos.

Na cada vez mais efêmera música pop, a banalização do termo “diva” acabou contemplando cantoras providas de pouco ou nenhum talento vocal. Mais: flanqueadas pela moral hedonista da sociedade de consumo, estrelas da pós-contemporaneidade se espalharam como metástase. Defrontadas com a legitimação do provisório e o culto do perecível, elas reformularam o conceito que muitos se esforçaram para lhes aplicar quando passaram a estampar o abjeto e o escândalo como embalagem – pérfida “humanização” que destrói mitos e condiciona seus sujeitos à absoluta vacuidade.
No jogo da moda, a fragilidade, ao tomar para si o lugar da raridade (da diva, enfim), acabou por promover a definitiva entronização da carência.

ICONA POP
. This is

Espécie de clonagem genética de Kesha com Abba e Spice Girls, a dupla sueca Icona Pop tem obtido fama transcontinental com açucaradas diluições do batidão sintético e das novidades da radical cena EBM transpostas de forma palatável para o mercado pop. Tal pesadelo sônico se viu materializado nas 11 faixas que Caroline Hjelt e Aino Jawo bancaram sob a forma de melodrama plastificado no CD This is. Soterrada por pulsos gerados por sintetizadores e outras formas de vertigem rítmica eletrônica, a dupla evita a exposição solo das respectivas vozes, optando por dividir o microfone de modo a disfarçar parcos recursos. Um engodo harmônico veio outorgar às integrantes do Icona Pop imediato status de “divas” por conta de toneladas de delays, efeitos reverberados, compressores e o famigerado auto-tune.

LAURA PAUSINI
. The greatest hits

Entronizada em sua terra natal por amarguradas donas de casa e adolescentes problemáticas como “diva do pop romântico”, a italiana Laura Pausini conquistou milhares de fãs no Brasil. Até o finado rocker Renato Russo se rendeu à cantora, ao assumir sua porção brega quando gravou CD só com versões de xaroposas baladas italianas. O repertório dele trazia quatro canções gravadas pela ainda relativamente desconhecida Pausini: Gente, Lettera e os sucessos Strano amore e La solitude. Ainda que não apele para o erotismo vulgar de uma Rihanna e possa ser considerada mezzosoprano, Pausini – mesmo com certa discrição – também é adepta de “anabolizantes eletrônicos” como o auto-tune, de modo a corrigir imprecisões de performances vocais ou potencializar gravações e apresentações ao vivo. Na melhor das hipóteses (confira versões remixadas ou relidas de suas músicas mais conhecidas em The greatest hits), Pausini não passa de uma Celine Dion em roupagem e look atlanto-mediterrâneos. Ou seja, outra “diva” descartável que se tornou uma praga no Brasil depois do aval obtido junto à Rede Globo, vide suas incontáveis aparições em trilhas sonoras da emissora ou programas de auditório como Domingão do Faustão.


KELLY CLARKSON
. Wrapped in

Com o oportunismo que lhe é comum, o conglomerado formado pelos selos Sony Music e RCA fez chegar ao mercado norte-americano, no apagar das luzes de 2013, o álbum da “diva” texana, recheado com músicas alusivas ao Natal. Desovado no Brasil em pleno verão, fica claro que os “15 segundos de fama” destinados a tal frígido registro se derreteram rapidamente, sem grande esforço. Vide a foto da loirinha brincando com flocos de neve na contracapa, bem como as releituras com as quais destroçou as até então antológicas White Christmas (Irving Berlin), Please come home for Christmas (Charles Brown/Gene Redd) e My favourite things (Hammerstein/Rodgers).


AVRIL LAVIGNE
. Avril Lavigne

Espécie de involuntária precursora dos rolezinhos que grassam pelos shopping centers do país, a usualmente desafinada Avril Lavigne e sua rebeldia fake jamais nos enganaram. Mesmo batizando faixas de seu último CD com títulos como Rock’n’roll, Bad girl (para a qual tentou angariar credibilidade convidando Marylin Manson para uma participação especial) e Bitchin’ summer, a gravação – na qual a voz da “diva” aparece devidamente modificada por filtros e outras trucagens eletrônicas – serve, na melhor das hipóteses, como polaroide de um tempo e de uma sociedade em que jovens e inconformados acabam transformados, da noite para o dia, de consumidores em mercadoria de liquidação.


BRITNEY SPEARS
. Britney Jean

Como lídimo exemplar das “divas” do nosso admirável mundo novo, Spears sempre abusou de playbacks para tentar disfarçar – sem muito êxito – sua gemida, pusilânime e anasalada voz. Ainda que inegavelmente tenha melhorado sua técnica depois de incontáveis aulas de canto, o pesadelo de ouvi-la persiste. Isso pode ser aferido neste oitavo disco de estúdio da dublê de dançarina, atriz e cantora. Concebido como uma espécie de álbum conceitual sobre “a solidão da vida no mundo pop” (quanta originalidade!), Britney Jean ao menos dá sinal de que o poderio da estrela já não é o mesmo. O novo CD não só foi o disco da cantora que menos vendeu nos Estados Unidos –, também não emplacou na Inglaterra e em outros países da Europa. Resumindo: merece ser confinado para sempre nos arquivos do esquecimento.

CELINE DION
 . Loved me back to life

Ao melhor estilo “sessão tortura”, com o qual a finada Whitney Houston atormentou a humanidade via sua tonitruante performance no tema do filme O guarda-costas, Celine Dion sempre abusou da capacidade de sustentar notas que parecem não ter fim. Detentora de extensão de 3,1 oitavas, ela pode até acreditar naqueles que a chamam de diva. Porém, a vasta discografia e as cifras milionárias – conforme reiteram as quase 250 milhões de cópias vendidas do recém-lançado Loved me back to life – não foram suficientes para mascarar o tatibitate do timbre característico de que ela se valeu para surrar ouvidos alheios com pieguissímo melodrama pop durante mais de três décadas. Prova de que nem mesmo uma portentosa voz e técnica acima da média são capazes de privar as “admiráveis divas do mundo novo” do mau gosto e da mesmice. 

Tereza Cruvinel -Filme em reprise‏

Tereza Cruvinel

A história do PMDB sugere que não há mais reza que garanta o apoio unitário do partido a Dilma, como o que ela excepcionalmente obteve do partido em 2010

Estado de Minas: 09/03/2014
 
Filme em reprise

Hoje tem pajelança no Alvorada, onde a presidente Dilma Rousseff (PT) recebe os cardeais do PMDB para dizer-lhes um “toma que o filho é seu”. Em outras palavras, para continuar juntos, precisam dar um jeito nos rebeldes liderados por Eduardo Cunha (RJ). Governo é governo, oposição é oposição. Sexto ministério não haverá: o partido não cresceu nem nada ocorreu para justificar tal ampliação de espaço, dizem os petistas. Dilma não está em descompasso com Lula na decisão de pagar para ver. Os dois acham, com razão, que o alto-comando não vai desertar da candidatura Dilma, com tudo que isso significa, da vaga de vice aos grandes nacos conquistados. Mas a história do PMDB também sugere que não há mais reza que garanta apoio unitário, como o que excepcionalmente houve a Dilma em 2010.
O filme é velho e vale a pena recordá-lo, pois tudo indica uma nova exibição. Em 1989, depois de ter liderado a travessia para o regime democrático, o PMDB traiu vergonhosamente aquele que o conduziu.
 
 Aprovou a candidatura presidencial de Ulysses Guimarães, mas “cristianizou-o”. Os mais importantes governadores fizeram corpo mole ou o traíram abertamente, de Orestes Quércia (SP) a Miguel Arraes (PE). Ulysses amargou um humilhante e imerecido quinto lugar. Em 1994, Quércia se impôs como candidato, mas acabou em quarto lugar. O partido não marchou unido com ele. Em 1998, o racha interno produziu situações bizarras, com escaramuças entre claques e brigas na Justiça para anular a convenção que aprovara o apoio à reeleição de Fernando Henrique, contra a candidatura própria de Itamar Franco. Tanto brigaram que o partido não decidiu por uma coisa nem por outra e cada qual fez o que quis. O grupo que apoiou FH acabou mantendo os dois ministérios que recebera no primeiro mandato. Em 2002, após novas brigas internas e na Justiça, capitaneadas por Itamar, Paes de Andrade, Pedro Simon e Roberto Requião — que queria ser candidato —, o cardinalato governista aprovou o apoio a José Serra e a indicação de Rita Camata como vice. Serra levou o tempo de TV e Lula o apoio dos caciques mais importantes. Na formação do ministério, entretanto, vetou o acordo que José Dirceu costurava para garantir o apoio parlamentar do PMDB. Errou: só depois da crise do mensalão cortejou o partido e o levou para o governo. Isso não impediu que a brigalhada voltasse em 2006, agora com o barulho ampliado pela postulação de Garotinho. No fim, o partido apoiou a reeleição de Lula, que costurou o apoio a Dilma em 2010. Foi a única vez que o PMDB pós-ditadura tomou uma decisão pacífica sobre a disputa presidencial.

No ponto a que as coisas chegaram, não há muito o que fazer. A rebeldia da bancada da Câmara tem a ver com gula e com as disputas eleitorais nos estados. Requião já se oferece como candidato próprio e os rebeldes coletam assinaturas (teriam o apoio da maioria dos diretórios) para realizar uma pré-convenção em abril, que decidiria sobre a manutenção da aliança no plano nacional. Ainda que não consigam realizá-la, haverá barulho na convenção oficial, que precisa ser realizada até o fim de junho, para oficializar a coligação e a indicação de Michel Temer como candidato a vice. Alguém acredita que será uma decisão pacífica? Nem eu. O apoio oficial a Dilma deve ser formalizado. Afinal, Sarney, Renan e o próprio Michel devem ter votos para tanto, garantindo à presidente o precioso tempo de TV do partido. Nos estados, cada qual fará seu jogo e salve-se quem puder.

Por que as coisas desandaram? Dilma e o PT cometeram erros formais no relacionamento, com manifestações de desapreço e arrogância. Honraram, entretanto, os compromissos fundamentais, como a entrega das presidências das duas Casas do Congresso, cinco ministérios e uma penca de estatais. Os menos contemplados ruminaram o tempo todo e acabaram encontrando em Cunha um porta-voz. Os apetites eleitorais nos estados fizeram o resto, embora haja no PT quem considere um erro comprometer a sustentação no Congresso por conta de disputas regionais. Pois, se Dilma conseguir a reeleição, novamente precisará do PMDB para governar. Ela ou qualquer um.

Aliás, vendo o circo pegar fogo, Eduardo Campos (PSB) deu uma piscadinha para o PMDB. Para mostrar que está no jogo, pois, no duro, sabe que, diante de tal aliança, Marina Silva pediria o divórcio.

Mulheres: avanços e atrasos
O Dia Internacional da Mulher foi ontem, mas ainda vale recordar o que temos para celebrar e o que falta conquistar. A roda girou muito a nosso favor nas décadas e anos recentes, mas a liberdade individual não suprimiu ainda a odiosa violência de gênero, embora tenhamos hoje uma política de Estado muito efetiva nesse campo, baseada no Disque 180, na aplicação da Lei Maria da Penha e nos abrigos para recolher as vítimas até que elas possam reorganizar suas vidas.
Segundo o Relatório Global sobre Desigualdade de Gênero, recentemente divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (Davos), entre 136 países analisados em 2013, o Brasil ficou na posição 62 entre os mais desiguais, a mesmo do ano anterior — embora no quesito acesso à saúde e à educação tenha compartilhado o primeiro lugar com um grupo seleto de países. Já no capítulo da igualdade econômica, despencou para a posição 120 por conta dos salários inferiores aos dos homens e da menor participação no mercado de trabalho: 64% contra 85% dos homens.

Não menos vergonhoso é o perfil deste país governado por uma mulher no quesito poder político, que lhe valeu a 116ª posição. As brasileiras ocupam 10% das cadeiras do Senado e pouco mais de 8% das da Câmara.

Não dá... Eduardo Almeida Reis‏

Não dá...
Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 09/03/2014

 



Final de tarde quente, que rima com decente: detesto frio. Tomo um banho, janto qualquer coisinha, acendo um charutinho e ligo o televisor para o noticiário das 19h20. Primeira notícia ilustrada pelos vídeos das câmeras do metrô: um sujeito de camisa branca, cabelos curtos, aparentando 25 anos, rouba a bolsa de uma senhora. Empurrada para a linha do trem, ela tem um braço amputado pela roda de um vagão.

O provedor de internet já havia transmitido a notícia, que não li, como também não vi o final da matéria televisiva: troquei de canal. Concluí que não dá mais para acompanhar os telejornais. É muito crime, muita tragédia, ninguém aguenta.

Fui assistir ao VT do jogo do Real Madrid contra o Schalke 04 no lindíssimo e lotadíssimo estádio desse último. Como sou inteligentíssimo, confundi o Schalke 04 com o Shakhtar Donetsk, um time de futebol da Ucrânia, país que tem abastecido nosso noticiário de continuadas manifestações populares e militares com mortos e feridos.

O estádio e aquele povo animado me deixaram de queixo caído: como pode um país de 40 milhões de habitantes, à beira da guerra civil, encher um lindo estádio com gente alegre e civilizada. Só então descobri, num raríssimo acesso de inteligência, que assistia ao jogo do Real Madrid contra o FC Gelsenkirchen-Schake 04, um clube do futebol alemão sediado na cidade de Gelsenkirchen, no populoso Vale do Ruhr, fundado em 4 de maio de 1904, em vias de inteirar 110 anos.

Notas momescas

Durante muitos anos tive a fortuna de passar o tríduo momesco em Belo Horizonte, dias maravilhosos para os que detestam carnaval. No tríduo (espaço de três dias sucessivos), que dura oito ou 10 dias, mineiros ricos vão para Miami, Paris ou Angra, enquanto os carnavalescos viajam para o Rio e para Olinda, PE, onde alugam casa e se esbaldam durante dias.

Então, a capital de todos os mineiros se transforma num paraíso livre de carnavalescos e de milionários. Não que o autor destas bem-traçadas tenha qualquer coisa contra uns e outros, mas são gente e quanto “menas” gente melhor. Pronto: até o Word 7 corrigiu automaticamente “menas”, que escrevi entre aspas, para “menos”. E muitos de vocês elegeram um honoris causa que, sem menoscabo, levou anos dizendo “menas”, se é que parou de dizer.

Com a cidade esvaziada, o trânsito flui, a barulheira diminui, tem-se a impressão de residir numa cidade norueguesa sem frio, o que é importantíssimo.

Xereta ou imodesto?

De quando em vez, muito raramente, resolvo xeretear o Google sobre assuntos relacionados comigo e com os meus ilustres colaboradores, como o professor doutor R. Manso Neto. Dia desses havia 1.470.000 entradas para frases de r. manso neto, sem aspas; das que abri, grande parte era efetivamente do insigne colaborador, mas havia um ror de entradas para neto, manso e R. em textos que nada tinham comigo.

Aspeado, “R. Manso Neto” apareceu 15 mil vezes, aí sim, geralmente do preclaro colaborador e amigo. Melhor que isso: numa porção de blogs a transcrição integral, ipsis litteris, da coluna Tiro&Queda, o que dá boa ideia da força de penetração deste jornal.

Volto à pergunta que tenho feito: o Google foi criado ainda outro dia e já nos mostra milhões de entradas para determinados assuntos. A pergunta é: aonde vai parar? Para tentar comprar, via internet, determinados produtos – como, por exemplo, uma cadeira de rodinhas para computador, especificando uma cidade mineira de 600 mil habitantes – já são tantas as “entradas”, que o candidato a comprador se perde, se confunde.

Nessa toada, daqui a cinco anos o número de entradas para cada assunto ou artigo chegará à casa dos bilhões e a porca torce o rabo, ou, como dizia o personal trainer de Cícero: ibidem porcina caudam torquet. Que, por falar em personal, conheci outro dia a moça que faz pilates domiciliares em BH para mineiros ricos: é das criaturas mais bonitas de quantas habitam este planeta. E o coroa fazendo pilates é a imagem da felicidade.

O mundo é uma bola
9 de março de 1074: o papa Gregório VII decreta que todos os padres católicos casados seriam excomungados. Obrou muito bem o piedoso Gregório VII, nascido Hildebrando, hoje São Gregório VII, O. S. B., o 157º papa. Casamento, de um tempos a esta parte, é obsessão de gays e lésbicas. Homens e mulheres, sejam ou não padres católicos, dispensam o matrimônio para sacrificar no altar de Afrodite.

Em 1500, a armada de Pedro Álvares Cabral zarpa de Lisboa rumo a Calecute, aproveitando a viagem para oficializar o descobrimento de um país grande e bobo, que já pertencia a Portugal desde 1494 pelo Tratado de Tordesilhas. Em 1521, Domingo de Invocavit: Martinho Lutero, durante oito dias consecutivos, na quaresma, prega oito sermões que ficariam conhecidos como Sermões de Invocavit.

Em 1796, Napoleão Bonaparte se casa com sua primeira mulher, Josefina de Beauharnais, nascida Marie Josèphe Rose Tascher de La Pagerie, viúva, com dois filhos. Dizem que o general, depois imperador, não gostava que ela se lavasse.

Ruminanças


“Se queres prever o futuro, estuda o passado” (Confúcio, 551-479 a.C.).

Estudo descobre pessoas incapazes de sentir prazer ao ouvir música

A música não os toca

Estudo espanhol identifica pessoas incapazes de sentir prazer com melodias e canções apesar de terem satisfação com outros estímulos. A causa do fenômeno ainda não é conhecida

Flávia Franco
Estado de Minas: 09/03/2014 


Há milhares de anos a música é uma grande fonte de prazer para o ser humano. Antigos povos tinham o hábito de se reunir para escutar melodias, como se faz até hoje, época em que concertos atraem multidões prontas para cantar em uníssono com os ídolos. No entanto, de acordo com uma pesquisa espanhola publicada esta semana na revista Current Biology, existem pessoas insensíveis ao poder dessa arte. Para elas, os sons musicais não geram nenhum tipo de satisfação.

O estudo, realizado pela Universidade de Barcelona, constatou que esses indivíduos são perfeitamente capazes de ter experiências prazerosas de outras formas. O diferencial deles está mesmo na música, que não é compreendida da mesma forma como faz o restante das pessoas. Por isso, a condição recebeu o nome de anedonia musical. “A possibilidade de identificar essas pessoas abre portas para compreender melhor de que forma a música é traduzida em emoções”, explica Josep Marco-Pallarés, líder da pesquisa. Além disso, o fenômeno sugere que há diferentes caminhos para a ativação do centro de prazer do cérebro, uma constatação que pode ajudar, por exemplo, em estudos sobre o vício.

Para chegar à conclusão de que a ausência de prazer com a música existe, os pesquisadores partiram de uma investigação na internet. Eles disponibilizaram um questionário on-line que avaliava a relação das pessoas com as melodias. Dos 1,5 mil sujeitos que responderam o instrumento de pesquisa, 5,5% se mostraram muito pouco sensíveis às canções. “A proposta inicial era descrever os principais aspectos que diferenciam a gratificação de experiências musicais entre as pessoas. Com as respostas obtidas, observamos que alguns participantes relataram sentir pouca ou nenhuma sensibilidade relacionada à música”, conta Marco-Pallarés.

Esse dado, no entanto, ainda era só um indicativo que precisava ser melhor avaliado. “Não estávamos convencidos. Pensei que alguns voluntários tinham respondido sem cuidado, outros poderiam ter amusia (déficit específico para percepção musical, que afeta cerca de 3% da população musical)”, conta o pesquisador. Foi então que se decidiu fazer testes de laboratório.

Recompensa


A partir do questionário, os cientistas chegaram a 30 pessoas que podiam ser divididas em três grupos: com baixa, média e alta sensibilidade para música. Elas realizaram, então, duas tarefas. Na primeira, ouviam trechos de canções consideradas agradáveis (algumas selecionadas por elas mesmas, outras por outros indivíduos) e avaliavam o grau de prazer que sentiam durante a atividade.

Na segunda, os voluntários participavam de um jogo em que podiam ganhar ou não dinheiro, uma tarefa que tinha a função de verificar se os insensíveis à musica conseguiam experimentar satisfação com outras atividades. “Recompensa monetária também é capaz de gerar sensações de prazer nas pessoas”, justifica o pesquisador espanhol. Em todos os momentos, os voluntários tinham sinais físicos, como o batimento cardíaco e a mudança de temperatura na pele, monitorados.

Os resultados mostraram que as duas experiências apresentaram envolvimento entre os circuitos neurais responsáveis pelo sistema de recompensas, que libera dopamina. No entanto, para o grupo insensível à música, as respostas gratificantes só apareceram no segundo exercício.

A descoberta pode levar a uma nova compreensão do sistema de recompensa do cérebro, relacionado à sensação agradável experimentada nas mais diversas atividades, como fazer sexo e provar um pedaço de bolo de chocolate. “A possibilidade de as pessoas serem insensíveis a um tipo de estímulo, mas não a outros, sugere que podem existir diferentes maneiras de acessar o sistema e que, para cada pessoa, algumas formas podem ser mais eficazes do que outras”, afirma Marco-Pallarés.

Neurologista e professor da Universidade Católica de Brasília, Carlos Bernardo Tauil explica que todo esse processo está relacionado às conexões cerebrais. Para ele, uma falha nesse sistema pode explicar a falta de prazer específica. Tauil conta que já existem trabalhos que propõem uma recuperação da capacidade de sentir prazer relacionada a estímulos diversos. “Causas mais graves, como acidentes e traumatismos cranianos, podem causar essas incapacidades específicas também. Em busca de amenizar os efeitos desses traumas, pesquisadores americanos estão tentando readaptar o sistema de recompensa para que as pessoas voltem a sentir prazer”, conta.

Marco-Pallarés adianta que ele e sua equipe vão se dedicar à busca das causas da anedonia musical, investigando, inclusive, a possibilidade de o fenômeno ter origem física. “Ainda não sabemos se essa condição está relacionada a alguma formação do cérebro. Pouco sabemos sobre as bases cerebrais que podem explicar a anedonia específica para a música, mas estamos trabalhando nisso”, garante.


Imunes ao som

Veja como foi feito o estudo que identificou pessoas indiferentes à música


Primeiro, os pesquisadores aplicaram um questionário pela internet por meio do qual as participantes diziam como se sentiam quando ouviam música. Cerca de 1,5 mil pessoas responderam ao questionário

Os resultados mostraram que 5,5% dos participantes relataram ter pouca ou nenhuma gratificação em experiências musicais. O instrumento de pesquisa ajudou os cientistas a reunir três grupos, cada um formado por 10 pessoas, que apresentavam baixa, média ou alta gratificação em experiências musicais

Os participantes, então, ouviam trechos de música escolhidos por eles mesmos, além de obras consideradas prazerosas por um outro grupo de indivíduos. Durante a audição, os voluntários apontavam, por meio de uma escala, o quanto prazer sentiam com cada peça musical

Cada pessoa tinha também os batimentos cardíacos e a temperatura da pele acompanhados, como uma forma de medir a reação emocional durante o estudo. Tanto as respostas quanto o monitoramento mostraram que um grupo realmente não sentia prazer com a música

Para verificar se as pessoas insensíveis às melodias tinham outras fontes de prazer, os pesquisadores fizeram um experimento com os três grupos,mm no qual os participantes tinham de reagir rapidamente a estímulos para marcar pontos e ganhar dinheiro.
A tarefa pareceu prazerosa igualmente para todos

CONCLUSÕES

Os resultados indicam que, ao sentir prazer com a possibilidade de ganhar dinheiro, mas não com a música, essas pessoas têm uma forma de anedonia (falta de prazer) específica para as melodias. Elas continuam achando outras experiências agradáveis

Esse dado sugere que deve haver formas distintas de acessar o centro de recompensa do cérebro humano, uma para cada fonte de prazer

Para os pesquisadores, vale a pena investigar se a anedonia musical é relacionada a um problema na formação cerebral, o que pode ajudar a compreender melhor problemas como o vício

Violência doméstica Homofobia é maior em casa que nas ruas‏


PRECONCEITO » O preço da intolerância Casos de violência em casa contra homossexuais ultrapassam agressões nas ruas. Das 3.084 queixas, 38% são domiciliares

Julia Chaib
Estado de Minas: 09/03/2014
 
Brasília – O caso de Alex Medeiros, de 8 anos, espancado até a morte pelo pai, Alex André, de 35, em 17 de fevereiro, no Rio de Janeiro, trouxe à tona mais um retrato de uma intolerância que não ocorre apenas nas ruas, mas, também, dentro de casa. Em depoimento à polícia, o pai da criança disse que bateu no filho para “dar um corretivo” porque ele tinha de “andar como homem”. A atitude violenta de Alex se encaixa em um perfil de violações que ocorrem Brasil afora. No último balanço disponível da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República sobre violência homofóbica, com as denúncias feitas à pasta em 2012, os casos de violação motivados pela orientação sexual e de gênero, em casa, representam 38,63% dos registros, seguido pelas agressões na rua, com 30,67% do total de 3.084 queixas.
 
Ainda segundo o relatório, 61,47% das violações ocorrem com pessoas de 12 a 29 anos. Alex estava abaixo dessa faixa etária, mas ilustra os casos de violência com jovens em casa, segundo especialistas. De acordo com o conselheiro tutelar Rodrigo Coelho, Alex André disse, em depoimento à polícia, que batia no menino porque era uma forma de corrigi-lo. O pai se incomodava com o fato de o filho gostar de dança do ventre, de lavar louça e de não querer cortar o cabelo. O homem declarou também que Alex era desobediente. “Pelo relato familiar, era uma criança ‘rebelde’, que não respeitava os pais, mas o que consta no relatório escolar da criança diz totalmente o contrário, que ele era um menino inteligente, calmo, tranquilo”, disse ao Estado de Minas.
Luiz Mott, antropólogo da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), acredita que a homofobia não tem retrocedido no Brasil e que faltam políticas para educar a população sobre o tema. “Existe no imaginário coletivo do machismo brasileiro essa pena de morte do filho homossexual”, diz. Já a doutora em psicologia com atuação em estudos de gênero Tatiana Lionço ressalta que, nesse caso, a violência corretiva para impedir que a criança seja gay ou “mulherzinha” é praticada contra uma pessoa que sequer consegue compreender o que ocorre à sua volta. “A criança não faz ideia do que é ser um homem afeminado, por que seria inapropriado brincar com certas coisas”, observa Tatiana.

Mott e Lionço concordam com a análise de que o fato de a homofobia não ser tipificada como crime contribuiu para o alastramento dos casos de violência. Desde 2001 tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei 122, que tornava inafiançável e imprescritível o crime de discriminação de homossexuais. Mas, no fim do ano passado, uma manobra do Senado fez com que o texto passasse a tramitar com o novo Código Penal. Para ativistas e defensores do projeto, isso representa uma perda de força do PL, que não tramitará mais isoladamente. Outro retrocesso em termos de política pública, para os especialistas, é o fato de o chamado “kit gay”, que continha material didático-pedagógico sobre gênero – e que deveria ser distribuído nas escolas –, ter sido barrado pela presidente Dilma Rousseff, em 2011.

CRIMINALIZAÇÃO O coordenador-geral de Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos, Gustavo Bernardes, também considera fundamental a criminalização da homofobia. "Não para colocar alguém na cadeia, mas por uma questão pedagógica. É importante que as pessoas saibam que o Estado não tolera nem compactua com essa violência. A forma de mostrar isso é ter uma legislação que criminalize", diz. Segundo Bernardes, a Noruega, a Suécia e o Chile já têm legislações a esse respeito.

O coordenador lembra que a expulsão de casa ou o abandono por parte dos pais estão entre os tipos de violência praticados. Segundo ele, a secretaria está buscando formas de conscientizar a população a lidar com esses casos. “Há três anos o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente abre uma parte específica do edital para trabalhar com adolescentes LGBT. Mas não aparece trabalho. O que queremos é sensibilizar pessoas e entidades para atuar nessa área.”
Bernardes diz ainda que o Sistema Nacional LGBT, que prevê a articulação de políticas com estados e municípios, está sendo implementado. E há 17 termos de cooperação com secretarias de segurança pública do país para preparar policiais e fornecer atendimento adequado a vítimas de homofobia dentro e fora dos presídios.