sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A página virada na tela - Josélia Aguiar

Valor Econômico - 29/01/2016

LITERATURA

Em um mercado editorial retraído, autores brasileiros ampliam a repercussão de suas obras negociando adaptações para o audiovisual. 


Por Joselia Aguiar, para o Valor, de São Paulo



Sérgio Machado é um diretor de cinema que costuma encontrar na literatura ideias para filmes. Já levou
para as telas “Quincas Berro d’Água”, de Jorge Amado. Prevê começar a filmar neste ano uma história saída da antologia de contos “A Cidade Ilhada”, de Milton Hatoum. Por agora, está em cartaz em todo o país com “Tudo o Que Aprendemos Juntos”, que tem como mote uma peça de Antônio Ermírio de Moraes sobre a experiência do Instituto Baccarelli na formação de jovens músicos em Heliópolis, na zona sul de São Paulo. Entre projetos para concluir mais adiante, há uma nova versão, em filme de animação, de “A Arca de Noé”, clássico infantil de Vinicius de Moraes.


“Nos intervalos de produção, vou buscar títulos com os quais posso me identificar”, conta ao Valor, na filial de uma grande rede de livrarias, na avenida Paulista. “Tento acompanhar o que posso de ficção contemporânea.” A busca por títulos de autores brasileiros não é exclusiva. Outros diretores e produtores, tanto de cinema quanto de TV, têm procurado a ficção nacional para seus projetos. Num mercado editorial de tiragens que não crescem, escritores  são cada vez mais procurados — ou procuram via agentes literários — para vender direitos autorais para adaptações.


“O ano de 2015 foi até que bem ativo no audiovisual”, conta Lucia Riff, da maior agência literária do país—para esse tipo de negociação, atua em parceria com a Film2B, de Ana Luiza Beraba, Eduardo Senna e Raquel Leiko. “Mesmo com a crise, não passamos um mês sem fechar dois a três contratos de cinema, o que me pareceu bastante bom.” Isso está relacionado, em parte, à recente lei que determinou a exibição de conteúdo nacional por canais a cabo. “Outro belo estímulo foram os núcleos criativos da Ancine, uma forma bem interessante de o mercado financiar novos projetos.” Quanto a valores, não depende apenas do autor ou título. “Depende do projeto em si: orçamento, formato, desdobramentos possíveis.”

 Lucia, da agência literária Riff: 2015 teve contratos para cinema todo mês
 O produtor Teixeira contratou com Lucia obras de Maria Valéria e Ferroni


Entre os recém-assinados, tanto “Quarenta Dias”, de Maria Valéria Rezende, vencedor do Prêmio Jabuti, quanto “Das Paredes,Meu Amor, os Escravos Nos Contemplam”, de Marcelo Ferroni, foram contratados por Rodrigo Teixeira, da RT Features.A obra de Jorge Andrade, pela Rede Globo. “Tudo ou Nada”, a história de Eike Batista escrita por Malu Gaspar, ficou com Mariza Leão, da Morena Filmes. “O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo”, de Oswald de Andrade, com Joana Mariani. A série “Amor Veríssimo”, a partir de crônicas de Luis Fernando Verissimo, seguirá em nova temporada realizada pela Conspiração Filmes. “Borges e os Orangotangos Eternos”, do mesmo autor, teve direitos adquiridos por Paulo Boccato, da Glaz Entretenimento e Neoplastique.



A procura por conteúdo nacional coincide com o surgimento de uma geração de escritores que têm vocação ou pelo menos curiosidade com o audiovisual. “A literatura contemporânea tem autores cujas obras têm forte influência do próprio cinema, dos seriados de TV e dos videogames,o que torna essa aproximação praticamente inevitável”, diz Marianna Teixeira Soares, à frente da agência literária MTS. Títulos que gerencia, “Tempo de Espalhar Pedras”, de Estevão Azevedo, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura; “Quatro Soldados”, de Samir Machado de Machado; e “F”, de Antônio Xerxenesky, estão comos direitos de adaptação vendidos. Neste ano começa a produção do filme baseado em “Hoje Está um Dia Morto”, de André de Leones.

“Quando o autor tem alguma experiência com o audiovisual participa de alguma forma do processo de adaptação, muitas vezes nas equipes de desenvolvimento ou mesmo na confecção do roteiro”, conta a agente literária. “Autodidata em roteiro”, como se define, Marisa Ferrari é um dos casos de autora interessada em participar da adaptação. Relata que seu romance histórico “Arrabal e a Noiva do Capitão” nasceu, de início, como uma ideia para o cinema. Justamente esse potencial audiovisual chamou a atenção de sua agente literária, Luciana Villas-Boas, da VBM Agência e Consultoria Literária, que conseguiu negociá-lo com a TV Globo — produção ainda sem data para iniciar.

O cinema por vezes se torna mesmo um caminho paralelo. João Paulo Cuenca, que vendeu direitos de adaptação e escreveu um seriado para a mesma emissora — “Afinal, o Que Querem as Mulheres”, em 2010 —, acaba de fazer seu primeiro longa-metragem como diretor, “A Morte de J.P. Cuenca”.O filme já passou pela roda dos festivais no país e teve estreia europeia. Cuenca diz acreditar que, nesse nicho, ainda há muito projeto para pouca realização. “Como tenho interesse em cinema desde sempre, resolvi
eu mesmo estudar, tocar minhas coisas e dirigir”, diz. “Já tenho outros filmes na manga. Estou trabalhando em pelo menos outros dois projetos”, anuncia. “É possível que nos próximos anos eu me dedique igualmente ao cinema e à literatura.”

 Hatoum já tem quatro obras que estrearam ou estão em produção em cinema ou TV: escritor se diz “um cinéfilo que nunca se aventurou a escrever roteiros”

Há os que prefiram manter os caminhos separados.Cercado hoje por diretores - são quatro obras suas que estrearam ou já estão em produção em cinema ou TV - , Milton Hatoum se diz “um cinéfilo que nunca se aventurou a escrever roteiros”. “Não me meto no roteiro nem na filmagem. Por que faria isso? Não domino essas linguagens nem sinto ciúme dos livros.” Por diversão, fez uma ponta como pescador em “Órfãos do Eldorado”, de Guilherme Coelho, que entrou em cartaz no fim do ano passado. Para o filme de Sérgio Machado, escreve uma história complementar ao conto “Adeus do Comandante”, que dá origem ao filme. Ele se reserva, mas todos querem seus palpites.


Na adaptação de obras de Hatoum, quem cuida do roteiro é a experiente Maria Camargo. A expertise desenvolve-se desde que preparou o roteiro de seu “Dois Irmãos” para a minissérie que Luiz Fernando Carvalho começou a gravar para a Globo no ano passado. “Sempre fui muito leitora”, conta a roteirista, para quem adaptar obra de autor consagrado é tarefa de “muita responsabilidade”. Entre trabalhos recentes, fez o “Correio Sentimental”, de Clarice Lispector, para o “Fantástico”. Encantada ao ler “A Vendedora de Fósforos”, de Adriana Lunardi, decidiu ela mesma fazer a produção, projeto que está tocando ao mesmo tempo.


Se hoje há uma geração de autores brasileiros que floresce, o mesmo se pode dizer da de roteiristas. “Em dez anos, mudou bastante. É um mercado em expansão, com muita gente talentosa, mas ainda falta formar gente. Não só roteirista, também produtor e diretor com visão mais ampla”, comenta Maria. Por ora, está trabalhando numa versão de “Fim”, de Fernanda Torres, para José Luiz Villamarim, na Globo.


Fernanda: versão do seu romance “Fim”está sendo feita pela experiente Maria Camargo para a Globo


O ofício do roteirista de fato passa “por um crescimento lento, proporcionado pela valorização do roteiro dentro do processo de produção audiovisual e um crescimento da produção nacional”, avalia Iana Paro, roteirista brasileira que também leciona roteiro na Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICT), de San Antonio de los Baños, em Cuba. Seu primeiro longa, “Eu Te Levo”, dirigido por Marcelo Müller, tem estreia prevista para este ano. “Falta valorizar o trabalho do roteirista em si, de tempo e remuneração, além de rever as regras que movem a questão dos direitos autorais.” Conta que tem crescido a procura de brasileiros por cursos e oficinas de curta duração — está aberta agora a seleção de um dos mais concorridos, durante o Carnaval, ministrado pelo cubano Eliseo Altunaga na EICT.

“Ainda é muito difícil ser roteirista no Brasil. É um trabalho delongo prazo e solitário”, diz Carolina Benjamin, roteirista, produtora e curadora do Festival Adaptação, no Rio, que, nos últimos anos, tinha se tornado um evento interessante não só de exibição como de formação, com participantes de todo o país. Por ora, a falta de financiamento inviabiliza a realização de novas edições. “Antes, havia alguns editais de fomento com linhas para festivais,como a SEC-Rio, a Rio Filme e a Petrobras, que não foram reabertas. E o Fundo Setorial do Audiovisual, que hoje é o grande fomentador do audiovisual no Brasil, não tem linhas para festivais.”

À MESA COMO VALOR - DJAVAN

O homem que falava‘djavanês’

VALOR ECONÔMICO 29/01/2016

 

Não custa repetir - Marina Silva

VALOR ECONÔMICO 29/01/2016

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Em brancas nuvens

Polêmica sobre a exclusão de negros entre os indicados ao Oscar 2016 se acirra e obriga Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a reagir, anunciando mudança futura no perfil dos votantes

 

Carolina Braga e Mariana Peixoto
Estado de Minas : 20/01/2016 

 

O cineasta Spike Lee, que será homenageado pelo 88º Oscar, em fevereiro, e convocou boicote à cerimônia (DIMITRIOS KOMBOURIS/AFP)
O cineasta Spike Lee, que será homenageado pelo 88º Oscar, em fevereiro, e convocou boicote à cerimônia


“Não é à toa que ele tem um filme chamado Faça a coisa certa (1989). Foi mais um gol de Spike Lee”, opina a atriz brasileira Zezé Motta. O ator e diretor norte-americano foi escolhido para receber o Oscar honorário em 2016. Anteontem, Spike Lee comunicou sua decisão de não comparecer à cerimônia, marcada para 28 de fevereiro. Mais que isso: ao lado da atriz Jada Pinkett-Smith, ele defendeu o boicote à mais celebrada cerimônia da indústria do cinema em protesto à recorrente exclusão de negros entre os indicados ao prêmio.

O protesto de Spike Lee teve repercussão mundial e arrancou da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood uma reação contundente. Em comunicado oficial divulgado ontem, a presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs (a primeira negra a assumir o posto), reconheceu a lacuna e anunciou medidas para mudar os critérios de admissão de novos integrantes, para garantir diversidade no perfil dos votantes.

“Nos próximos dias e semanas vamos analisar o processo de seleção de nossos membros com o objetivo de refletir a diversidade de nossa classe em 2016”, afirmou. Segundo Cheryl, não é a primeira vez que a renovação da Academia torna-se urgente. Entre as décadas de 1960 e 1970, apontou a nota, a meta era rejuvenescer o grupo, “para permanecer vital e relevante”. “Em 2016, a ordem é para inclusão em todas as suas facetas: gênero, raça, etnicidade e orientação sexual. Reconhecemos que são preocupações muito reais da nossa comunidade e contamos com o apoio de todos para que possamos avançar juntos”, disse.

A polêmica veio à tona na segunda, no dia do aniversário de Martin Luther King. Pelo Instagram, Spike Lee publicou texto justificando sua decisão. “Dr. King disse ‘chegará o dia quando será preciso tomar uma posição que não será segura, política ou popular, mas necessária, pois a consciência diz que está certa’”, citou. “O Oscar não é onde o real batalha.” A atriz Jada Pinkett-Smith protestou por meio de um vídeo publicado no Facebook.

Com as hashtags #OscarsSoWhite (Oscar tão branco) e #OscarsBoycott, o movimento ganhou proporção e adeptos. Esnobado no ano passado pela atuação em Selma, o ator David Oyelowo Slams, em entrevista ao site Vulture, questionou a imutabilidade do Oscar. “A Academia é uma instituição em que todos dizem que as mudanças radicais não podem ocorrer rápido. É melhor que isso mude.”

Votante na categoria de documentário, o cineasta Michael Moore também fez coro ao boicote. “Pensei sobre isso o dia inteiro. Não pretendo ir à cerimônia. Não pretendo assistir à cerimônia e não pretendo ir a nenhuma festa relacionada a ela”, anunciou o diretor de Tiros em Columbine (2002) e Fahrenheit 11 de Setembro (2004).

BRASIL


“Spike Lee encontrou o momento certo para falar. A luta persiste, e a gente tem que continuar dando cotovelada e cobrando cada vez mais nossos direitos”, acredita Zezé Motta. Com 50 anos de carreira, a atriz brasileira observa uma preocupação maior relacionada à diversidade racial. “Estou muito feliz com o protagonismo de Taís (Araújo) e Lázaro (Ramos), mas acho que ainda falta espaço para muita gente”, cobra. É preciso também avançar em relação aos personagens.

Em 2014, Zezé Motta vivenciou experiência que classifica como humilhante. Foi chamada para fazer Sebastiana, uma empregada doméstica na novela Boogie oogie. “Nada contra, mas quero saber o conteúdo”, frisou. A promessa é de que seria a mãe da personagem de Fabrício Boliveira, cujo sonho seria se tornar diplomata. Ela seria a pessoa responsável para que o filho lutasse por isso, mas a atuação incisiva que sua empregada teria se perdeu ao longo da novela, escrita pelo português Rui Vilhena.

“A gente tem muita luta pela frente e tem que aproveitar essas oportunidades (como faz Spike Lee) e botar a boca no mundo”, afirma Zezé. Para o cineasta Joel Zito Araújo, diretor de A negação do Brasil, a distorção apresentada na lista de indicados ao Oscar é fruto do perfil de votantes da Academia. Por isso, ele considera interessante não apenas o protesto de Lee como a resposta da instituição.

De acordo com levantamento feito pelo jornal Los Angeles Times, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem hoje 6 mil integrantes. Desses, 94% são brancos, 77% homens e 86% com mais de 50 anos de idade.

“Essas gerações mais velhas não só não têm olhos para a diversidade como também são reativas. Todas essas transformações da sociedade, aos olhos deles, são vistas como aberração, pressão indevida. Eles querem manter a mentalidade de outra época”, analisa Joel Zito.

Decano do cinema brasileiro, o ator Milton Gonçalves tem uma opinião diferente da de seus colegas de profissão. “Não vamos colocar isso (o fato de nenhum negro ter sido indicado) como se fosse preconceito. O cinema e o teatro norte-americanos sempre foram muito gentis com os atores negros. Se este ano não tem nenhum indicado, é porque não houve um grande filme com eles.”

Gonçalves se diz mais preocupado com o Brasil. “Nos EUA, o presidente é negro e benquisto. Nós nunca tivemos um presidente negro, nem um perto disso.” O bailarino e coreógrafo Rui Moreira é outro que traz a questão para o país. “É interessante observar como a ausência de negros em um grande prêmio causa manifestações em todo o mundo. No Brasil, uma das fortes diásporas negras no planeta, a falta de indicados e laureados num prêmio (de teatro ou cinema) passa batida.”

Já o ator Luis Miranda afirma que a Academia de Hollywood precisa se conscientizar. “(A falta de indicados negros) é um desrespeito não só com os atores negros, mas com a classe artística como um todo.”

Cheryl Boone Isaacs, presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (VALERIE MACON/APF
)
Cheryl Boone Isaacs, presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood


Filme repetido

Neste século, o Oscar já foi branco (ou tão branco, como comprova a hashtag #OscarsSoWhite) outras vezes. A primeira, em 2001 (que deu o troféu de melhor filme para Gladiador, ator para Russell Crowe e atriz para Julia Roberts). A segunda, uma década mais tarde, que premiou O discurso do rei, Colin Firth e Natalie Portman como melhores filme, ator e atriz.

O embranquecimento da maior premiação da indústria ainda se repetiu na edição de 2015. Selma – Uma luta pela igualdade, longa-metragem sobre a histórica marcha pacifista organizada por Martin Luther King em 1965, concorreu a melhor filme. Mas nem por isso nenhum de seus atores foi indicado, tampouco sua diretora, Ava DuVernay.

A edição passada do Oscar passou para a história como aquela em que nenhum negro foi indicado e nenhuma mulher apareceu nas categorias de direção, roteiro e fotografia. Os discursos de agradecimento mais contundentes – como o de Patricia Arquette, eleita a melhor atriz coadjuvante – enfatizaram as diferenças entre homens e mulheres em Hollywood.

O mesmo Spike Lee que vai boicotar a premiação de 2016 afirmou, em 2015, ao site The Daily Beast, que “quem pensou que este ano ia ser como no ano passado é retardado”. Ele referia-se à edição de 2014, que deu a 12 anos de escravidão os principais troféus.

E é também de Spike Lee uma das mais notórias brigas da indústria. Em 2012, quando Quentin Tarantino lançou Django livre, o cineasta negro classificou de “desrespeitoso” o faroeste ambientado durante a Guerra Civil americana. “A escravidão nos EUA não foi um western spaghetti de Sergio Leone, mas um Holocausto. Meus ancestrais foram escravos, roubados da África. Eu os honrarei”, acrescentou.

A polêmica entre os dois cineastas voltou à tona em novembro, quando Tarantino esteve no Brasil para lançar Os oito odiados, atualmente em cartaz. Quando perguntado se faria um filme com Lee, Tarantino, que pretende dirigir somente mais dois longas, afirmou: “Só tenho dois filmes mais para fazer. Não vou desperdiçá-los com Spike Lee.”