domingo, 30 de junho de 2013

A SEREIA PAROU DE SORRIR

 CL Gente Boa - O Globo - 30/06/2013


 COM MARIA FORTUNA, ISABELA BASTOS E ADALBERTO NETO



Maio de 1965. Vinte e cinco mil pessoas lotavam o Maracanãzinho para acompanhar a disputa pelo título de Miss Estado da Guanabara. Vera Lucia Couto, Miss 1964, esperava a decisão dos 11 jurados para passar a faixa à sua sucessora. Duas louras ainda estavam no páreo: Maria Raquel de Andrade, representando o Botafogo, e Sonia Schuller, o Clube Caça e Pesca.

Quando Sonia começou a desfilar, a plateia veio abaixo. “Ela era ensolarada, cheia de energia e tinha um sorriso lindo”, lembra o advogado Daslan Mello Lima, criador de um blog sobre misses. “Foi um frisson incrível quando essa moça apareceu no palco”, lembra Vera Lucia Couto, hoje uma funcionária da Riotur. Sonia acabou não levando o título, mas, segundo a revista “Manchete” da semana seguinte, a catarinense que veio para  Rio ainda criança recebeu “uma das maiores ovações da história do Maracanãzinho”.

Quarenta e oito anos depois, não ficou nada daquele sorriso que encantou Daslan e a multidão no ginásio. Sem nenhum dente na arcada superior e com a inferior em frangalhos, Sonia tem dificuldades até para comer o pastel chinês que o dono de um bar no Jardim de Alah dá a ela todos os dias. O salgado costuma ser sua única refeição. A ex-vicecampeã do Miss Guanabara e Sereia das Praias Cariocas de 1965 virou uma pedinte nas ruas de Ipanema, bairro onde mora.

“Sonia sofre de esquizofrenia”, informa seu irmão, Cláudio Schuller. Ele conta que “a desgraça da vida dela começou em 1986”, depois que uma moto a atropelou, perto d Praça General Osório. Sonia atravessava a Rua Prudente de Morais, na esquina com a Teixeira de Melo, quando um motoqueiro ultrapassou um ônibus parado e a acertou em cheio. “Naquele dia, ela perdeu os dentes e a autoestima”, diz Cláudio.

Filho mais velho da ex-miss, Bruno, de 46 anos, confirma o baque. “Dali pra frente tudo desandou.” Bruno, que há 19 anos mora em Curitiba, é fruto do curto relacionamento de Sonia com Sergio Petezzoni, um dos fundadores do Clube dos Cafajestes, de Copacabana. Nasceu e foi criado no apartamento 404 do prédio número 42 da Rua Barão da Torre, Ipanema, onde vivia com a mãe e a avó, a fisioterapeuta Antonia Schuller.


No último andar fica a famosa cobertura de Rubem Braga — que Sonia conhece bem. Ela e Rubem tiveram um namorico. “Era uma admiração mútua, ela vivia na casa dele”, conta Cláudio. “Eu ia lá para ler jornal, pegar uns livros”, conta a ex-Sereia, que, num batepapo na Visconde de Pirajá (seu habitat), alterna momentos de extrema lucidez com comentários que fazem pouco sentido e incluem ciborgues, androides e assuntos como “uma nova tecnologia que suga a energia e te deixa seca como uma ameixa”.

Ex-aluna do colégio N. Sra. Auxiliadora, na Tijuca, e do Melo e Souza, em Ipanema, Sonia não fez faculdade. “Achei que esse negócio de sereia era suficiente”, diz, coçando o dedão do pé esquerdo, com unhas enormes e empretecidas. “Minha mãe também achava. Mas olhaí, virei uma sereia desdentada.”

Sentada na mureta da Praça Nossa Senhora da Paz, Sonia pede uma pausa na conversa para acender um Marlboro. No dedo indicador da mão direita há um anel igualzinho ao que Kate Middleton usou no noivado com o príncipe William, aquele mesmo anel que era de Lady Di. “É bijouteria, claro”, esclarece. O cigarro, ela conta, é sua perdição. É por ele que Sonia sai de casa todos os dias. Vai para as ruas pedir dinheiro para comprar pelo menos um maço.



A abordagem é direta, sem rodeios. Não fala que está com fome, não faz drama. “Oi, pode me dar um real?”. Também não conta que é para comprar cigarro. “Claro que não. É uma questão de ética.”

“Peço um real e vou juntando. Quando consigo comprar um maço, volto para casa”. Num desses dias, ela foi até o Leblon. Parou em frente à Padaria Rio-Lisboa e pediu dinheiro a um taxista. No balcão, seu irmão, Cláudio, tomava café e fingiu que não a conhecia. “Fiquei constrangido”, diz. Numa outra vez, Cláudio, que mora em Friburgo e vem ao Rio com frequência, estava no supermercado Zona Sul e a viu, também na porta, (“ela não entra nos lugares, fica só na porta”) falando sozinha. “Me senti mal, claro. Mas a chamei de volta para casa.” É ele também quem paga o condomínio do apartamento.

A derrocada da ex-Sereia começou mesmo quando ela perdeu o emprego de executiva de marketing no BarraShopping, no início dos anos 80, pouco depois da morte do pai. “Lembro dela nesta época do shopping, linda, saindo de carro, salto agulha e tailleur”, diz o vizinho Mario Vicenzio Cardillo.

Desempregada, Sonia passava temporadas entre Mirantão, em Visconde de Mauá, e Maricá, na Região dos Lagos. Voltava para o apartamento da Barão da Torre com frequência, mas gostava de ficar nessas cidades com seus bichos. A casa de Ipanema chegou a ter quase 50 cachorros, a maioria da raça pointer. E também gatos, muitos gatos. “Eu ia à feira e voltava com dois baldes de cabeça de peixe para dar para eles”, lembra Cláudio.



A família reparou que alguma coisa não estava bem quando Sonia passou a falar sozinha. Fazia isso com frequência. Também começou a riscar as paredes com carvão. Chegava em casa com cabos de vassoura e sacolas cheias de lixo recolhido na rua. Foi com esse pano de fundo, bem nessa fase sinistra, que a moto a atropelou. “Foi demais para ela”, diz Mario, o vizinho e fã, que mora no primeiro andar.

Ele, que aos 7 anos foi com a mãe ao Maracanãzinho torcer por Sonia no concurso de Miss, não acreditava no que via. “Ela estava toda quebrada, sem os dentes, irreconhecível.” Sonia chegou a botar uma prótese na arcada superior, mas anos depois tirou.

No final dos anos 90, ela chegou a passar duas semanas internada no Instituto Pinel, onde foi diagnosticada a esquizofrenia. Como não tomou os remédios prescritos, voltou à estaca zero. Desde então, vive de caminhar, em andrajos, pelas ruas de Ipanema, em busca de dinheiro para o cigarro. Faz colagens com papéis e revistas que recolhe nos lixos e quer publicar um livro. “Mas sem ninguém dizer como tem que ser. Livro artesanal mesmo.”

Quem a conhece diz que Sonia piorou ainda mais desde que a mãe morreu, há dois anos. Ela estaria mais triste, ficando mais tempo fechada no apartamento, entulhado de coisas que pega na rua. Sonia usa o elevador e a entrada de serviço do prédio onde mora com o filho mais novo, o estudante de Direito Igor, nascido um ano depois do acidente.

A ex-Sereia das praias cariocas só dorme na cama de massagem da mãe, talvez para tentar manter algum contato com ela. Perguntada sobre o que a deixaria feliz, nem pensa duas vezes. “Meu sonho dourado é um empadão de camarão com chopinho bem gelado.”


Pausa para poesia - Márcia Vieira

O Globo - 30/06/2013

Quando a rua fala mais alto do que a Fifa - João Máximo

O Globo - 30/06/2013

Um junho histórico chega
ao fim, um julho imprevisível
lhe sucede.
Imprevisível não
quanto às manifestações que estão
nas ruas, nem quanto aos delinquentes
que tentam manchálas,
muito menos sobre quem vai
ganhar, Brasil ou Espanha. As manifestações
vieram para ficar. Os
delinquentes, que as autoridades
cuidem para que, daqui a um ano,
eles não transformem o Brasil numa
imensa praça de guerra. Por
último, o resultado do jogo não
tem tanta importância para a seleção
brasileira, o futebol, o momento,
o país.

O imprevisível, no caso, referese
a assunto aparentemente menos
grave, mas que tem a ver
com este mês de junho. É que
nos três primeiros dias de julho o
secretário-geral da Fifa, Jérôme
Valcke, vai se reunir com o governo
(leia-se: ministro, dirigentes
esportivos, membros do Comitê
Organizador da Copa do Mundo)
para tratar do que vem sendo
chamado, vagamente, de “passagem
de conhecimento”.

Traduzindo, Valcke vai dizer
onde erramos, onde acertamos,
o que mais temos de fazer para
atender às múltiplas exigências
da entidade que ele representa.
Para quem não sabe ou não se
lembra, o secretário-geral é
aquele francês que nos ameaçou
com um pontapé no traseiro e
que, em claro tom de deboche,
espalhou pelo mundo que nossas
coisas são organizadas em
ritmo de samba. Pelo jeito respeitoso
e serviçal com que o recebemos,
pelas homenagens
que lhe prestamos, até parece
que concordamos.

O resultado de
Brasil x Espanha não
tem tanta importância
para a seleção
brasileira, o futebol,
o momento, o país

As manifestações das ruas, evidentemente,
não são contra
Valcke, a Copa do Mundo no Brasil,
o futebol, e sim contra não se
gastarem em Saúde, Educação,
Transporte os bilhões investidos
para atender ao que a Fifa nos exigiu.
Também não são (mas poderiam
ser) em protesto contra o
quanto nos rebaixamos para que
Valcke e seu presidente Joseph
Blatter nos concedessem a graça
de seu assentimento. Porque os
homens são mesmo severos. Mudando
nossas leis, transformando
nossos estádios em arenas, proibindo
o que bem entendem, tentando
ensinar nossa gente a torcer
e até querendo alterar nosso
Hino, ganham tantos bilhões
quanto os superfaturados por
aqueles que vão se reunir com
Valcke nos três primeiros dias de
julho, naturalmente, ansiosos para
que o francês lhes dê nota alta
em comportamento. O imprevisível?
Está em sua entrevista ao
GLOBO, na qual diz: “Precisamos
resgatar a imagem positiva da Copa,
levar o sucesso que conseguimos
dentro do estádio para fora
dele.” Será que o homem está se
referindo aos delinquentes ou —
como tudo pode — às manifestações?

Gás - Caetano Veloso


O Globo

30/06/203

 

Qual é a lógica da ação policial nas manifestações do Rio?

É quinta-feira. Sentei-me aqui para escrever e, antes que eu abrisse o computador, Neide, minha empregada, veio até a porta do meu quarto e me perguntou se eu sabia que ia haver uma greve geral na segunda-feira. O filho dela tinha telefonado: “Vai parar tudo”. Saio com amigos adorados. Nosso plano é ir ver o show do grande Pedro Miranda no centro da cidade. No carro, meus amigos me contam que estavam na manifestação da quinta passada. Com restos de entusiasmo e cargas de ansiedade, eles narram o que tiveram de enfrentar. São muito mais jovens do que eu e, na marcha, estavam com amigos de sua idade. No fim da Avenida Presidente Vargas, já perto do “Piranhão” (que é um velho apelido que o prédio da prefeitura tem, dizem que tanto pelo histórico da área em que foi construído quanto pela sua atual ocupação), na linha de frente da passeata, meus amigos observam que, em meio a tantos grupos diferentes e reivindicações variadas, a caminhada nem segue em frente nem decide dispersar-se: os caminhantes apenas param por ali. A chegada ao Piranhão era, parece, a meta. Meus amigos são um casal. Ele comenta o quanto ficou impressionado com um grupo representativo do movimento negro, formado de habitantes da Baixada, cujos cartazes exibiam estatísticas sobre a posição de desvantagem em que vivem os negros no Brasil. Ela reclama de ainda estar mal da garganta por causa do gás lacrimogêneo. Ambos descrevem as cenas que viram com muita vivacidade, ainda sob a pressão dos acontecimentos.

Como a multidão estava ordeira e não os imprensasse — permitindo, portanto, que eles vissem os outros manifestantes que estavam no abre-alas — estão seguros de que não houve nenhum gesto que detonasse o começo da agressividade policial. Bombas de gás e tiros cuja natureza eles não podiam no momento definir assustaram a multidão. Mas não houve pânico, a ordem “não corre” sendo espalhada com firmeza e rapidez. A essa altura, temperamentos mais combativos queriam enfrentar a força policial e atacar o Piranhão. Impressionou meu amigo que o grupo de negros — que, além dos cartazes, exibiam marra de rappers e panos amarrados no rosto que deixavam apenas os olhos à mostra — tenha sido firme em dissuadir de praticar qualquer tipo de violência aqueles que tendiam a fazê-lo. Andando, meus amigos começaram a voltar, buscando uma rua lateral pela qual fazer a aglomeração escoar, no que foram seguidos pelos que vinham atrás. Para espanto deles (e de todos) uma parede de policiais com escudos e bombas de gás fechava a saída no outro extremo da rua. O gás e o medo faziam muitos quererem livrar-se da emboscada. O risco de pânico e de pisoteamento os angustiou. Mas a discreta palavra de ordem “não corre” virou um grito uníssono e intenso, que deu calma e coragem para que se fizesse o equilíbrio possível entre recuar e enfrentar os policiais.

Eles tinham visto muitos manifestantes prenderem seus cartazes nas grades do Campo de Santana (os policiais, a essa altura, os tinham enxotado até a altura da Central do Brasil e do prédio do antigo Ministério da Guerra — e assim o nomeio aqui porque foi assim que meu amigo, tão moço ainda, se referiu ao Palácio Duque de Caxias). Eles tinham achado bonita a improvisada exposição. Agora, em seu caminho de volta, viam que alguns baderneiros lhe tinham ateado fogo. Essa definição de baderneiros vinha, na conversa, temperada de perguntas não feitas. A atitude de tentar invadir a prefeitura, segundo eles viram, foi posterior e não anterior à ofensiva policial. Além disso, como explicar o cerco ao conjunto dos manifestantes quando estes tentaram sair por uma rua lateral? E, pior, como justificar — sobretudo quando o que eles viram foi a ausência da polícia em cenas de arruaça — a invasão da Lapa, para onde muitos grupos que tinham participado da passeata tinham ido? Relembro aqui a narração de outro amigo, um americano que vive no Rio, do horror que foi ficar acuado no restaurante Nova Capela. Confirmando o que me disseram meus amigos brasileiros, o americano contou que a Lapa ficou como uma praça de guerra, com bombas sendo jogadas para afugentar as pessoas. Todos se perguntam: qual a lógica da ação policial? Como Beltrame tem planejado a segurança nesses dias exuberantes e complexos? Que ideia fazem do que vem se passando as autoridades? A correria no Congresso e os pactos de Dilma estão em sintonia rítmica com os eventos? Meus amigos me dizem que viram na redes sociais discussões por causa do boato de greve geral. O filho da minha empregada já a tinha como certa. No carro, recebemos mensagem de Pedro Miranda: cancelado o show. Nova marcha no centro da cidade.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ministros do STF discordam sobre convocar a Constituinte

O Globo - 26/06/2013
 
Carolina Brígido

Gilmar Mendes diz que proposta é juridicamente inviável; Barroso defende Constituinte reformadora
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a ideia lançada pela presidente Dilma Rousseff de criar uma Assembleia Constituinte para discutir a reforma política. Para ele, a proposta é desnecessária, juridicamente inviável - além de desestabilizar as instituições e afetar a reputação do Brasil no exterior. Gilmar considera que "o Brasil dormiu Alemanha e acordou Venezuela". Também disse que estão "flertando com a doutrina constitucional bolivariana".

- O prestígio que o Brasil tem hoje no exterior está também associado ao progresso institucional. O fato de respeitar as regras do jogo, ter independência entre os poderes. Por isso que eu fiquei muito infeliz. O Brasil dormiu como se fosse Alemanha, Itália, Espanha, Portugal em termos de estabilidade institucional e amanheceu parecido com a Bolívia ou a Venezuela. Não é razoável isso, ficar flertando com uma doutrina constitucional bolivariana. Felizmente não pediram que na Assembleia Constituinte se falasse espanhol - afirmou o ministro.

Gilmar alertou para o fato de que a reforma política pode ser feita por lei, sem a necessidade de Constituinte. Ele citou como exemplo as coligações para as eleições proporcionais e a cláusula de barreira.
Na análise do ministro, a reforma política não anda por falta de articulação política do governo e de consenso no Congresso. Gilmar citou outros exemplos de temas paralisados pelo mesmo motivo.

- Hoje há impasse em todas as áreas. A questão federativa, FPE (Fundo de Participação dos Estados), FPM (Fundo de Participação dos Municípios), dos royalties, guerra fiscal. São todos temas ligados a disciplina legal. A minha intuição é que nesses temas, e os temas se dividem muito, o governo federal acaba tendo dificuldades de se posicionar, porque tem de ser chamado a pagar a conta, criar fundos, acaba não se envolvendo no debate e o resultado é esse conflito aberto entre os estados e sem nenhuma solução. Mas isso tem a ver com a funcionalidade do Congresso, não tem a ver com um processo constituinte. No Congresso está havendo um estranhamento muito grande, e a ausência do governo federal na articulação desses temas tem feito com que as questões não se resolvam - afirmou.

O ministro Luís Roberto Barroso, que toma posse hoje no STF, afirmou que é legítimo convocar uma Constituinte exclusiva para a reforma política, desde que ela seja apenas reformadora, para um tema específico, e não altere cláusulas pétreas.

- O Congresso, por meio de uma emenda constitucional, poder conduzir uma reforma diretamente; pode convocar um plebiscito; e pode deliberar pela convocação de um órgão específico, mas nunca uma constituinte originária, e sim uma constituinte reformadora, nos limites dados pelo Congresso e nos limites das cláusulas pétreas. Uma constituinte originária é um papel em branco. O Congresso pode reformar a Constituição desde que não mexa nas cláusulas pétreas. Não pode, por exemplo, abolir a federação nem a separação entre os Poderes - explicou.

Barroso foi ao Senado entregar convite para sua posse ao presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele acabou participando do início de uma reunião de líderes partidários sobre a proposta, feita pela presidente Dilma Rousseff, de fazer um plebiscito para convocar uma constituinte exclusiva para uma reforma política. Nessa reunião, de acordo com presentes, o ministro do STF afirmou que, pessoalmente, preferia um plebiscito com temas específicos, como consultar se a população concorda ou não com financiamento público de campanha, por exemplo.

Ao deixar a presidência do Senado e ser questionado, pela imprensa, se havia o risco dessa questão ir parar no STF, ele disse que sim:

- Hoje em dia tudo acaba parando no Supremo.

terça-feira, 25 de junho de 2013

MARINA SEM CENSURA

 O Globo - CL. Gente Boa - 25/06/2013

Cantora fala sobre assuntos polêmicos antes de show no Rival


No camarim. Marina Lima falou sobre cura gay, descriminalização da maconha e sua mudança para São Paulo

As manifestações de quinta-
feira passada fizeram
com que Marina Lima
cancelasse o show “Maneira
de ser”, no Teatro Rival. Na sexta,
ela se apresentou normalmente
e, no camarim, contou à
coluna que o cancelamento do
dia anterior “foi por uma boa
causa”. “Os protestos têm todo
o meu apoio. As pessoas querem
hospitais no padrão Fifa.”

Marina explicou que o show é
um recorte do seu livro, de
mesmo nome. “Tem coisas relevantes
da minha carreira,
que fizeram de mim o que
sou.” Conta que, no palco, fala
de seus afetos: “Amigos, amores,
família, Tom Jobim, bichos,
mar. Também de droga.”

Droga, como assim?, quer saber
o repórter. “O Brasil tem
que se tornar Primeiro Mundo
nessa questão. É preciso diferenciar
a maconha da cocaína,
por exemplo. Se liberam o álcool,
por que não liberar a maconha?
Ela precisa ser descriminalizada.”
O papo em seguida
é sobre a cura gay

“O Feliciano é um cara engraçado.
Quando o país inteiro está
focado numa coisa séria,
vem ele e inventa alguma bobagem
para chamar a atenção.
É estratégico. Mas a hora dele
vai chegar.”

Marina se mudou para São Paulo
porque chegou à conclusão
de que lá tem mais mercado de
trabalho. “Também porque
achei importante mudar”.



“Sou carioca da gema, adoro o
Rio, mas chegou um momento
em que eu já estava virando
uma propriedade da cidade, como
o Cristo Redentor.”

Marina está gostando de São
Paulo. “Parece que estou no
exterior. Está sendo muito saudável.
Mas o mar continua
dentro de mim.”

A iluminação do Rival passou
por mudanças para ficar mais
aconchegante. “Botamos 50
lâmpadas vermelhas para dar
o clima que a Marina gosta. Ela
jamais receberia alguém em
casa com uma luz fria”, comenta
o diretor Marcio Debellian.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Não existe almoço grátis

Revista Época - 24/06/2013

 A ideia de tarifa zero soa atraente, mas é quase impossível fechar a conta. De uma forma ou de outra, a sociedade paga pelos serviços públicos.
 
José Fucs

A ideia de tornar gratuitos os ônibus urbanos no Brasil, defendida pelo Movimento Passe Livre (MPL), pode ter um forte apelo social, mas provocaria um rombo dramático nas finanças dos municípios e comprometeria outros serviços prestados à população. De acordo com a teoria econômica, tudo tem um custo — mesmo que ele não seja visível a olho nu. Como dizia o economista Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia em 1976, "não existe almoço grátis". Como os recursos disponíveis são limitados, seria preciso encontrar fontes alternativas para custear o sistema, se o ônibus fosse de graça.

Isso poderia ser feito por meio de um aumento da arrecadação, com a elevação de impostos, hoje já altíssimos no país. Ou da redistribuição do dinheiro reservado a outros gastos, como os salários dos professores, a melhoria do atendimento nos postos de saúde e a contratação de mais policiais para garantir a segurança da população. Também seria possível fazer isso por meio do corte de despesas. Só que, diante da incapacidade crônica de os governos em todas as instâncias - municipal, estadual e federal - apertarem o cinto, tal solução teria poucas chances de se transformar em realidade. "A tarifa zero é um cobertor curto", diz o professor Samy Dana, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. "Se você puxar de um lado, descobrirá do outro." O rombo gerado no orçamento dos municípios pela tarifa zero não estaria restrito apenas a cobrir o custo do sistema hoje, estimado em R$ 5,5 bilhões anuais só em São Paulo (em 2013, com a redução do bilhete de R$ 3,20 para R$ 3, as despesas da cidade com subsídios na área deverão ficar em R$ 1,4 bilhão, ou 25% do total do orçamento). Com a tarifa zero, o custo da operação tenderia a subir.

Segundo a clássica lei da oferta e da procura, com a redução do preço das passagens, o número de usuários pode dar um salto. Isso obrigaria as prefeituras a investir mais na ampliação da frota. Caso contrário, a superlotação observada hoje se agravaria, levando a uma deterioração ainda maior na qualidade do sistema. É o que ocorre hoje na índia e em outros países emergentes, onde o sistema de transporte coletivo é bem pior que nas principais cidades brasileiras.

É possível que a demanda por transporte coletivo seja menos suscetível a mudanças de preços do que outros produtos e serviços. As viagens de ida e volta para o trabalho e para a escola estão incluídas na conta atual de usuários.

Os sete dias que mudaram o Brasil

Revista Veja - 24/06/2013

Quando se espalhou por São Paulo um protesto contra o aumento de 20 centavos na passagem de ônibus, todo mundo sentiu que a coisa era bem maior. Tão maior, mais inebriante, mais mobilizadora, mais assustadora e mais apaixonante que, em uma semana, multidões bem acima de 1 milhão de pessoas jorraram Brasil afora na histórica noite de quinta-feira. Todos os parâmetros comparativos anteriores, como Diretas Já e Fora Collor, empalideceram diante do abismo aberto entre os representantes dos poderes, de um lado, e o poder dos que se sentem muito mal representados, de outro. A presidente acuada, as instituições em estado de estupor, os políticos desaparecidos e a turbamulta subindo a frágil passarela do Palácio Itamaraty criaram outro sentimento estarrecedor: é muito fácil quebrar o vidro que separa a ordem do caos.

Podem-se passar décadas sem que nada mude, mas uma semana pode concentrar décadas de mudança. Foi o que se viu no Brasil semana passada. Quem acha que não mudou passou os últimos dias isolado em uma bolha hemértica. Curiosamente, aqueles que mais enxergam como agentes da mudança, os partidos de esquerda, foram os que mais se viram emparedados pela nova realidade das ruas. O PT acreditava que a paixão dos brasileiros pelo futebol seria exacerbada pelas Copas, de tal forma que ninguém mais notaria a corrupção e a ineficiência do governo. Errou feio. Os cartazes nas ruas fizeram das Copas símbolos odiados dos gasto público de péssima qualidades, do desvio de dinheiro e do abuso de poder. O pobre presidente do PT, Rui Falcão, saiu do episódio apelidados de Rui Falcollor. Em 1992, em gesto de desespero, o então presidente Fernando Collor convocou os brasileiros a sair às ruas de verde e amarelo. O povo saiu de preto, e ele saiu do Palácio do Planalto. Falcollor mandou a militância retomar as ruas das quais os petitas se achavam donos, e viu o povo cair de pau na hipocrisia. Lula mandou os sindicalistas se fingirem de povo e o resultado foi o mesmo. Cascudos nos intrusos e bandeiras queimadas e rasgadas. Os esquerdistas tiveram de ouvir um dos mais elegantes xingamentos da história mundial das manifestações: "Oportunistas, oportunistas". Para quem não é do ramo, a frase que abre este texto é do pai de todas as revoluções, o russo Lênin. Até que ficaria sem palpite se tivesse presenciado as mudanças dos últimos dias no Brasil.

Dilma continua franca favorita

Revista Carta Capital - 24/06/2013

Análise: Apesar de vários revezes, o saldo para o governo federal é muito positivo

  POR MARCOS COIMBRA

A primeira pesquisa da parceria Vox Populi/CartaCapital confirma os dados mostrados por outras recentes e ajuda a explicá-los. Como as demais, ela indica um elevado nível de satisfação da população com a situação nacional e alta aprovação do governo Dilma Rousseff.

Mundo afora, são poucos os países e os governantes que alcançam resultados semelhantes. Se na quase totalidade da Europa ou nos Estados Unidos saíssem pesquisas como as atuais no Brasil, muita gente por lá soltaria foguetes.

A mais evidente consequência da prevalência desses sentimentos é a folgada dianteira de Dilma nos cenários para a eleição presidencial de 2014. Ela é a destacada favorita, seja nas menções espontâneas, seja diante de qualquer simulação com adversários possíveis.

De novo, tanto quando se comparam suas perspectivas eleitorais com aquelas de outras lideranças internacionais quanto com a situação de seus antecessores em momento semelhante, a presidenta tem muitos motivos para se alegrar. A 15 meses do pleito em que disputaram a reeleição. Fernando Henrique Cardoso e Lula tinham números piores comparados aos atuais de Dilma. E ambos terminaram por vencer.

Quando cotejamos as pesquisas de junho com aquelas realizadas há alguns meses, registram-se, porém, quedas. Seja nos resultados publicados do Datafolha e da CNT, seja em levantamentos não divulgados de outros institutos (entre os quais da própria Vox Populi), elas são perceptíveis.

São quedas pequenas, insuficientes para mudar o panorama geral. Satisfação (com o Brasil), aprovação (da presidenta) e favoritismo (da candidata) continuam predominantes, por largas maiorias.

A nossa cultura política se desacostumou, no entanto, das oscilações negativas nas pesquisas de avaliação do governo, tão comuns no resto do mundo e tão frequentes em nosso passado recente. Qualquer queda, por menor que seja, passou a ser considerada "anormal" e prenúncio de mudanças definitivas nos humores da população.

Do lado do PT, de seus aliados e simpatizantes, difundiu-se a crença de que nada seria capaz de arranhar a solidez dos sentimentos populares em relação ao governo. Do lado das oposições, depois de tudo tentarem para abalá-los e sem obter sucesso, o desalento passou a ser regra.

Vivemos um longo ciclo de popularidade governamental cm alta, iniciado com Lula em 2007 e que atravessou a transição para Dilma e durou quase seis anos. Desde quando Lula saiu incólume daquele desastre aéreo em Congonhas, que tentaram tornar responsabilidade sua, até agora, nunca tivemos qualquer inflexão nessa tendência, nem mesmo no auge da crise internacional em 2008.

Há, é claro, limites para esse movimento. O aumento ininterrupto da popularidade esbarra na reação dos opositores, que se tornam mais combativos à medida que se sentem mais acuados. Os segmentos recentemente incorporados às maiorias da aprovação são menos convictos do que aqueles apoiadores de longa data. Suas motivações são menos sólidas.

A nova radical idade da oposição, somada à volatilidade do "neogovernismo", bastaria para explicar as quedas observadas. Mas não parece ser a única explicação.

Quando no fim de 2012 ficou nítido que o grande circo armado em torno do "julgamento du século" havia sido incapaz de alterar os prognósticos para 2011, as oposições, especialmente seu braço midiático, assestaram suas baterias para novos alvos e foram atacar a competência do governo. Passaram o primeiro semestre de 2013 em dedicação exclusiva e tempo integral na missão de desconstruí-la.

Seu maior sucesso foi transformar uma situação crônica, mas relativamente administrada, com a qual convivemos há mais de 15 anos, em problema agudo e urgente: a inflação. De tanto insistir no risco de "explosão inflacionária", o coro da mídia oposicionista ampliou o tamanho da parcela da sociedade sempre assustada com a "carestia".

Segundo os dados da pesquisa Vox Populi/CartaCapital, 92% dos entrevistados perceberam que os preços aumentaram nos últimos meses e 72% esperam que continuem a subir nos próximos. Ou seja, para uma significativa maioria, a situação econômica se deteriorou e tende a piorar no futuro imediato.

Metade dos entrevistados diz preocupar-se "muito" e outros 38% se "preocupam, mas não muito" com a inflação. Em maior ou menor intensidade, mostra a pesquisa, 88% da população não está tranquila com o risco do "retorno da inflação".

Quanto desse sentimento é pura subjetividade e quanto é fato objetivo? Quem olha o conjunto dos indicadores da economia brasileira não tem dúvidas: a maior parte guia-se por temores artificialmente estimulados.

A construção da inflação como "ameaça iminente" provoca (ou aguça) sentimentos raros nos últimos tempos, quase desaparecidos: de insegurança em relação ao futuro e ã capacidade do governo de resolver os problemas do País.

A população brasileira conhece bem a sensação: experimentou-a com José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Para ficar apenas no último, quem não se lembra do sobressalto com a volta da hiperinflação e o racionamento de energia no segundo governo do tucano?

Dois episódios encarregaram-se de ampliar a sensação difusa de insegurança de maio para cá: os boatos a respeito do fim do Bolsa Família e a temporada de caos urbano em São Paulo. Esta começou com manifestações inteiramente comuns na democracia, contra aumentos nos preços das passagens de ônibus (assim contribuindo para tornar mais consistente o "medo da inflação"), mas logo virou um quebra-quebra c estimulou imagens assustadoras na cobertura dos canais de televisão.

Quem ganha com o aumento da insegurança da sociedade? Os porcentuais de popularidade perdidos pelo governo se transformam cm algo positivo pai a alguém?

Não, sugere a pesquisa. Em parte pelo fato de o processo de perda não ser grande e parecer limitado. Também pela ausência de uma oposição com credenciais para capitalizar o desgaste. De seus possíveis candidatos, alguns têm um passado bastante pesado para carregar, en quanto outros inexistem para a vasta maioria do eleitorado.

O caso mais complicado é o do PSDB. Embora houvesse se aproveitada do tempo integral da propaganda partidária nacional e de boa parte das inserções nos estados, Aécio Neves mostrou crescimento pequeno entre março e junho. Subiu somente 4 pontos porcentuais, de acordo com o Datafolha. Nesta pesquisa, varia de 4% a 15% das intenções de voto, a depender do quadro de concorrentes,

Se a primeira janela de mídia partidária foi-lhe tão pouco proveitosa, como esperar um crescimento nas duas vindouras (no segundo semestre deste ano e no primeiro de 2014), as únicas antes de começar o período da propaganda eleitoral gratuita, em agosto do próximo ano?

Com todos os acontecimentos desses primeiros seis meses de 2013, o saldo para Dilma Rousseff e o governo só pode ser considerado satisfatório. No fundo, é a oposição que deveria se preocupar. Quem acumula mais de 50% de intenções de voto, equivalentes a quase 62% dos votos válidos, tem muitos problemas a menos.

E as manifestações populares dos últimos dias? Por enquanto, é impossível estimar suas consequências eleitorais. De um lado, falta-lhes sentido político direto, pois a maioria dos participantes parece orgulhar-se de um vago viés apolítico. De outro, exatamente por isso, não favorecem ou prejudicam os candidatos reais na disputa, por mais que a direita queira se apropriar dos protestos.

Em 5 de outubro de 2014, os eleitores terão nomes concretos dentre os quais escolher, cada um com seu passado e suas propostas para o futuro. Até aqueles que são "contra tudo e contra todos" terminarão por fazer uma opção.

ENGRAÇADO DESDE SEMPRE

CL. GENTE BOA - O GLOBO - 24/06/2013

Ney Latorraca conta histórias de sua vida em gravação de programa para o Canal Brasil, que vai ao ar em agosto


HOLOFOTE. Ney Latorraca na gravação do programa: “Quando era pequeno, virei atração da vila onde morava”

Ney Latorraca tem “ódio”
da TV de alta definição.
“A linda Paolla Oliveira
tem um cravinho que vira uma
coisa enorme na tela”, dizia ele,
na gravação do programa Palco
& Plateia, do Canal Brasil,
que vai ao ar em agosto.

Uma brincadeira dos pais, que
diziam tê-lo adotado, fez Ney
ter a primeira experiência de representar.
“Para me vingar, eu
fingia receber uma entidade”.

“Virei atração da vila e aproveitava
para pedir pão, leite...”,
brinca ele, contando que sua família
estava dura, enfrentava dificuldades
financeiras.

“Quando melhorei de vida, mamãe
encheu a casa de freezers,
tudo lotado de comida”. Numa
temporada de “Hair”, Ney pedia
esmola na porta do teatro. “Ele
dizia: ‘Me pagam muito mal’”,
lembrava José Wilker, apresentador
do programa.

Encontros - Lígia Cortez

"Por ser uma atividade de corpo presente, o teatro provoca embates"

 Direto da Fonte - Sônia Racy

 O Estado de S. Paulo - 24/06/2013

 

Lígia Cortez arranca, há pouco mais de quinze dias, aplausos do público no Sesc Pinheiros. O motivo é sua atuação em A Dama do Mar, de Henrik Johan Ibsen - peça adaptada por Susan Sontag e dirigida por Bob Wilson, que fica em cartaz em São Paulo até o dia 7.

O diretor norte-americano está em um relacionamento sério com o Brasil desde o ano passado, quando começou a trazer seus espetáculos para cá. A Dama do Mar foi o primeiro realizado com atores brasileiros. Para Lígia, a experiência foi intensa. A preparação da personagem Élida exigiu da atriz oito horas diárias. "Foi um processo diferente do que eu estou acostumada", conta. "Mas tem sido maravilhoso.”

O desafio de interpretar o papel moveu a atriz a mergulhar em reflexões colocadas pelo autor. "A peça aborda a questão de um desejo de liberdade que é universal", diz. "Élida é uma mulher desambientada, que não foi aceita. Ninguém se debruçou sobre o universo dela, ela que tinha que se adaptar".

Além de atriz e diretora, teatral Lígia também é diretora artística da Escola Superior de Artes Célia Helena, do Célia Helena Teatro-escola e da Casa do Teatro. "Sou uma pessoa do teatro. Meus pais eram atores", ressalta, lembrando o legado de seus pais, Raul Cortez e Célia Helena.

Uma das principais educadoras da área teatral do País, ela acredita que é preciso ter uma política cultural para esse incentivo. "As universidades públicas, em todo o País, estão abrindo um departamento de artes cênicas. Isso vai mudar, a médio prazo, todo o panorama cultural no Brasil", explica. E defende: “O teatro mexe com estruturas. Nesse sentido, acho que mantém uma linha, sim, de contravenção, mas também tem uma linha muito forte: a de que o ser humano precisa ouvir histórias. E quando uma história é bem. contada ao vivo, ninguém esquece. É muito difícil esquecermos de uma peça de teatro boa".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Ibsen escreveu a peça em 1887, Susan Sontag adaptou para a década de 90. As questões apresentadas no texto, sobre os conflitos do casamento, o desejo de liberdade, o senso de família ainda assombram as mulheres?

Muito. Acho que a peça trata de um desejo de liberdade que é universal. Esse sentimento talvez não exista, senão na forma de desejo. A liberdade, é algo bem discutível, mas a questão da mulher ainda está muito presente como um conflito. As mulheres conquistaram muitas coisas, mas, em diversas situações, ainda são um apêndice social do homem. Falar sobre desejo também não é uma questão fácil para ninguém, tanto homens quanto mulheres. Acho que a peça, de alguma forma, aborda tudo isso de uma maneira bastante profunda.

O conflito de sua personagem, Élida, é recorrente em várias obras, literárias e cinematográficas. Você acredita que o desejo na figura da mulher reflete algo pejorativo?

Muitas vezes. Realmente tem uma coisa extremamente pejorativa quando entra nessa relação com a mulher. Às vezes - a peça fala um pouco disso também -, a questão com que o homem precisa manifestar o seu poder. Élida é uma mulher desambientada, que não foi aceita. Ninguém se debruçou sobre o universo dela, ela que tinha que se adaptar.

Como foi a preparação para interpretar esse papel?

Foi muito intensa e diferente do que eu estou acostumada. Além disso, a parte coreográfica é essencial para o Bob - a limpeza, a rigidez de movimentos. Foram oito horas de preparação diária. Mas esta foi uma experiência maravilhosa. Porque ele é um diretor que deixa ator trabalhar.

E a sinergia do elenco?

Demais. Eu já conhecia alguns integrantes do elenco. Todos têm uma trajetória enorme no teatro. Então, foi criativamente muito intenso.

Bob Wilson tem desenvolvido e apresentado muitos trabalhos no Brasil. Há uma tendência de diretores estrangeiros virem para cá mostrar sua arte?

Antigamente tínhamos poucas oportunidades de ver coisas estrangeiras. Hoje temos o Sesc, que é um grande fomentador das artes cênicas em SP. Política cultural de nenhum governo fez o que Sesc faz.
Como foi o trabalho com ele?

Eu já tinha visto muitas coisas do Bob. Isso me deu uma sensação engraçada, de que eu já o conhecia. O artista, às vezes, se coloca tanto, que a gente se sente um pouco íntimo dele. O trabalho foi muito bom. Entramos em uma sintonia ótima. E meu trabalho é diferente, venho de uma linha de muita interioridade. Então, quando me chamaram para o teste eu pensei: "será?" Mas foi um encontro maravilhoso.

Gostar de teatro é uma questão de educar o olhar?

Totalmente. Quem nunca foi ao teatro nunca vai “precisar ir”. Cultura é algo que você passa a precisar depois que tem um contato com ela.

Você acredita que ainda existe, no Brasil, um estereótipo do teatro como uma arte considerada “marginal”?

Existem duas vertentes: o teatro enquanto linguagem artística - que pode trazer muito crescimento na formação de uma pessoa. E, neste sentido, existir uma formação sólida é fundamental, que proporcione a parte técnica e conceitual. É essa preocupação que temos na faculdade. A outra questão é artística. O teatro lida com coisas que são novas, que são caóticas. O teatro desorganiza. E, por ser uma atividade de corpo presente, existe um embate, que muitas vez pode ser de ideias, ou político, ou de questões de comportamento. Não há como dizer que o teatro não é uma arte.

Provocativa.

Exatamente. Que mexe com estruturas. Acho que mantém uma linha, sim, de contravenção. No entanto, também tem uma linha muito forte: a de que o ser humano precisa ouvir histórias. Quando essa história é bem contada ao vivo, ninguém esquece. É muito difícil esquecermos uma peça de teatro boa. A gente esquece filme, mas peça nunca.

Fala-se muito nos preços dos espetáculos. O que você acha da meia-entrada?

Há um abuso da meia-entrada, que faz com que todo mundo pague um preço. Por conta disso, o ingresso fica mais caro. É tanta meia-entrada que a meia-entrada vira quase o valor do ingresso. Acredito que, antes de discutir isso, temos que levantar a dificuldade que é sustentar um espetáculo sem apoios. Precisamos de uma política cultural de governo, de novos espaços, de novas propostas. Hoje o espetáculo tem que estrear pago, senão toma prejuízo.

E o que acha da nossa política cultural voltada para o teatro? Existe algum formato de incentivo que poderia ser implementado no País?

Acho que tem coisas muito boas acontecendo. A Lei do Fomento, por exemplo, fez com que muitos grupos novos aparecessem. Entretanto, a verba destinada à cultura ainda é muito baixa. É necessário um incentivo aos grupos que estão começando. Em São Paulo, acredito que faltem espaços públicos, teatros bem cuidados. A boa perspectiva é que universidades públicas, em todo o País, estão abrindo um departamento de artes cênicas. Isso vai mudar, a médio prazo, todo o panorama cultural no Brasil.

domingo, 23 de junho de 2013

Bonito - Caetano Veloso


 O Globo  

 23/06/2013

Os recuos — primeiro na repressão e, depois, no preço das tarifas dos ônibus — reafirmam, em vez de desmentir, a falta de inspiração dos governantes

Acabo de chegar a Natal e, ao abrir o Yahoo para ler e-mails, fico sabendo que Dilma não vai ao Japão agora porque as movimentações das ruas brasileiras demandam sua presença. Um amigo me escreve que ela vai reunir-se com os ministros. Outro me reenvia um longo texto em que uma moça de São Paulo mostra-se paranoica com os usos a que o movimento está se prestando: para ela, palavras de ordem “vazias”, tipo “abaixo a corrupção”, revelam um conservadorismo velho conhecido. Pelo que ela diz, a agenda do MPL foi esquecida, afogada no estilo anódino que as manifestações ganharam desde que a mídia decidiu incentivá-las em vez de rechaçá-las, como tinham feito a princípio. Ela descreve aspectos nada anódinos do fenômeno: nota que ninguém agredia o governador Alckmin, enquanto muitos insultavam os nomes de Dilma e Haddad. Diz-se de esquerda e teme um golpe, alertando para o fato de que a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil é a mesma que servia no Paraguai quando do “golpe contra Lugo”. Lendo rápido, observo, de cara, que ela nada diz sobre os cartazes de protesto contra a PEC 37. Para não falar de frases como “Meu cu é laico”.

É interessante ler o que ela narra de suas andanças pelas ruas, pontes e estações de metrô de Sampa. E a desconfiança de que as manifestações podem estar sendo roubadas por forças da direita não soa absurda. Mil posturas podem aparecer em meio a essas multidões. E uma saída às ruas de tão grande número de pessoas (e a simpatia da maioria da população por elas) pode produzir efeitos importantes. E isso mais no Brasil (e nos países árabes) do que nos EUA ou na Inglaterra. É o monstro de Gaspari/Juscelino. Até aqui, os governantes imediatamente atingidos reagiram mal. Alckmin e Haddad, num primeiro momento, mostraram fazer a mais errada das avaliações. Os recuos — primeiro na repressão e, depois, no preço das tarifas dos ônibus — reafirmam, em vez de desmentir, a falta de inspiração deles e dos outros que os seguiram. Vimos ruas demagogicamente despoliciadas e rebaixamento dos preços oferecidos como ameaça aos serviços de saúde.

Três outros textos que li (e, tal como o da paulistana, nem sequer pude digerir direito) falam igualmente da domesticação do grande acontecimento pela apenas um pouco tardia conversão da mídia (sobretudo a Rede Globo) a seu favor. Mas esses são textos mais intelectualizados. Neles encontrei, não um esboço de defesa do PT e dos governos “de esquerda” da América Latina, mas um depoimento do transe que foi ser arrastado pela imprevisível mobilidade flexível dos corpos na ruas do Rio. Um dos autores se vê sendo levado até a Alerj, sem que tenha tido tempo de pensar. Toda a sua linguagem exala um apaixonado foucaultianismo, a veraz narração de sua experiência (realmente forte como texto) vem eivada de palavras-chave do pós-estruturalismo francês: o “corpo” nietzscheano retomado por Deleuze e pela “política do corpo”, que ecoa nos livros de Toni Negri. A impressão que dá é de que o autor carioca deslumbra-se por estar vivenciando tudo aquilo que ele amava na literatura desses filósofos. Mas não que isso destrua a força da reavaliação dos atos ditos vândalos, praticados por aqueles encapuzados que vimos na TV, que seu texto sugere. Não. A gente percebe que a violência da destruição direta das ferramentas concretas do poder instituído tem papel propriamente político importante — e não apenas o de ser pretexto arranjado para justificar golpes.

Estamos no meio dessa complexidade fascinante, exaltante e aterradora. Vi os atos violentos em Salvador, direcionados sobretudo ao estádio de futebol. A polícia afastou os manifestantes das imediações da Arena Fonte Nova (que, com meia casa, torcia acaloradamente pelo time da Nigéria), mas no centro da cidade o tema dos gastos com os eventos esportivos dava a tônica. Na véspera, eu tinha assistido àquele passe de Neymar que resultou no segundo gol do Brasil contra o México. Neymar saiu do armário. O drible que ele deu nos adversários antes de passar, com precisão absoluta, a bola para Jô golear, foi tudo o que desejamos que qualquer coisa produzida por brasileiros seja. Com os ânimos divididos, dentro da gente, com relação à preparação do país para a Copa, entre simplesmente apoiar o gesto que esboça demolir os estádios (pelos modos suspeitos como foram erguidos, pela omissão de possível contaminação de áreas a eles adjacentes, pelo, enfim, mero fato de que outras prioridades gritam) e torcer pelo renascimento da grandeza de nosso futebol, o jogo de Neymar ensina que o movimento emaranhado das ruas tem de achar o jeito inspirado de acertar no melhor. Que saibamos chegar ao mais bonito.


Entrevista: Eduardo Giannetti da Fonseca

O Estado de S.Paulo - 23/06/2013

‘O BRASILEIRO TEM ESPINHA DORSAL E ELA NÃO É UMA MARIA-MOLE’

País estaria dando uma resposta à sucessão de desacertos da política econômica que somam inflação em alta, baixo crescimento, ressaca de consumo e infraestrutura precária

Alexa Salomão

O economista e cientista social Eduardo Giannetti da Fonseca acredita que há um nítida ligação entre as manifestações que tomaram conta do Brasil e a má gestão da economia. “O governo represou o aumento da tarifa e, quando liberou, coincidiu que a inflação está alta.” Na entrevista a seguir, Giannetti explica como o governo terá de rever a condução da política econômica e a relação com o cidadão, hoje muito distante, se quiser reverter a situação.

O que provocou as manifestações?
Muitos elementos se combinaram. O primeiro deles foi retardar o reajuste da tarifa de transporte público para segurar a inflação. O governo represou o aumento e, quando liberou, coincidiu com o momento em que a inflação está em alta e as pessoas estão endividadas. Como os serviços tiveram uma alta grande, a inflação para as famílias é muito maior do que a inflação oficial. Há restrição orçamentária neste momento. A aposta desastrada no carro particular também pesou. O governo fez um movimento agressivo para estimular a venda do automóvel com a crise, em 2008, mas não investiu na infraestrutura para acomodar o aumento da frota. Para quem comprou, o carro era para ser o instrumento de liberdade individual, mas virou um cárcere privado e uma câmara de estresse. Com mais carros, as cidades vivem a angústia diária da mobilidade imóvel. Outro elemento foi a truculência da repressão na quinta-feira passada (13/06) em São Paulo. Muita gente que não estava disposta a se engajar aderiu porque ficou indignada A visibilidade do Brasil na Copa das Confederações ajudou. O Brasil está na vitrine, o que abre espaço para se constranger os governantes e maximizar a reivindicação. Junte tudo isso e teremos um ambiente propício para a revolta.

Qual é a alternativa do governo para
amenizar as manifestações se elas
continuarem?

Eu acho que uma reforma ministerial é inevitável. Os protestos, sem dúvida, reforçam as fragilidade na condução da política econômica. Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), um pragmático, já fala abertamente isso.

Faltou, então, visão ao governo?
Faltou estratégia. Esse governo reage caso a caso. Criou tantas incertezas em relação às regras do jogo
que é temerário investir no País hoje. Os empresários se perguntam: ‘Será que a isenção que recebi vale daqui a quatro anos? Será que a proteção tarifária que eu consegui no lobby em Brasília permanece? Será que o crédito subsidiário que estão me oferecendo fica?’. Ninguém sabe. A política econômica
não tem um norte. Para controlar a inflação e favorecer a compra do carro, o governo eliminou a Cide, a contribuição cobrada sobre o preço da gasolina para financiar a infraestrutura de transporte. Eu fui olhar os números. No acumulado, deixamos de arrecadar R$ 22 bilhões desde 2008. O custo acumulado do não reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo, até o final da gestão Haddad (Fernando Haddad, prefeito de São Paulo), será de R$ 2,6 bilhões – um décimo. Se o dinheiro da Cide tivesse sido investido na infraestrutura de transporte público, estaríamos em outro patamar.

Faltou, então, visão ao governo?
Faltou estratégia. Esse governo reage caso a caso. Criou tantas incertezas em relação às regras do jogo
que é temerário investir no País hoje. Os empresários se perguntam: ‘Será que a isenção que recebi vale daqui a quatro anos? Será que a proteção tarifária que eu consegui no lobby em Brasília permanece? Será que o crédito subsidiário que estão me oferecendo fica?’. Ninguém sabe. A política econômica não tem um norte. Para controlar a inflação e favorecer a compra do carro, o governo eliminou a Cide, a contribuição cobrada sobre o preço da gasolina para financiar a infraestrutura de transporte. Eu fui olhar os números. No acumulado, deixamos de arrecadar R$ 22 bilhões desde 2008. O custo acumulado do não reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo, até o final da gestão Haddad (Fernando Haddad, prefeito de São Paulo), será de R$ 2,6 bilhões – um décimo. Se o dinheiro da Cide tivesse sido investido na infraestrutura de transporte público, estaríamos em outro patamar.

A classe C foi beneficiada pelo governo porque teve aumento de renda e ascendeu no consumo, mas também está nas ruas protestando. Ela não deveria estar satisfeita?
Cerca de 37 milhões de brasileiros mudaram de categoria de renda em 10 anos. É ótimo. Mas agora começamos a sentir o que isso representa. O governo esqueceu que essa nova classe média ascendeu ao consumo, mas também tem mais acesso à informação. Tem internet. Tem uma consciência mais clara de que paga impostos e pode cobrar serviços compatíveis com essa contribuição. Esse novo grupo demanda automóveis, transporte aéreo, eletrodomésticos, educação. Veja só: cresceu a demanda por automóveis e o governo ajudou, reduzindo o IPI, facilitando o crédito. Mas não foi feita a outra parte, os investimentos na infraestrutura urbana para suportar o aumento da frota. Transporte aéreo: há mais pessoas com dinheiro para viajar de avião, mas sem a estrutura aeroportuária é um caos embarcar e desembarcar. Eletrodomésticos: o Brasil se tornou um dos cinco mercados de aparelhos elétricos do mundo – vendemos mais geladeiras, microondas, freezers. Mas se a economia tivesse crescido no ano passado, tinha tido apagão. A sorte – se é que isso é sorte – foi que o baixíssimo crescimento evitou um colapso. Moradia: o Minha Casa, Minha Vida é a cereja no bolo do PAC, e onde está o saneamento básico? E há ainda o caso grave da educação. A nova classe média vê na educação uma credencial para continuar ascendendo socialmente, mas se não houver um controle de qualidade, as escolas privadas vão virar um balcão de negócios. Percebe que há um padrão? A demanda infla, mas não há consistência na oferta. Aquilo que exige poupança e investimento, que não seja um anseio imediato, não está sendo atendido.

As manifestações vêm em um momento já complicado para o governo: os indicadores econômicos estão piorando e há eleição no ano que vem...
O governo já vinha perdendo popularidade e agora isso se acentua. O capital político do governo da Dilma está em depreciação.

Apenas o da Dilma?
Pega principalmente o governo federal. No fundo é a democracia brasileira e os órgãos de poder que estão se desgastando. Deixaram de nos representar. Temos um Executivo tecnocrata e um pouco autista, com 39 ministérios, inoperante, que não consegue fazer as concessões acontecerem e tem muita dificuldade de deslanchar os investimentos prometidos. Eu chamo o PAC de Plano de Abuso da Credulidade. O Congresso Nacional virou um balcão de negócios de onde só saem coisas ruins, sem compromisso com o País.

O que ocorre se o mercado de trabalho
virar e houver desemprego?

Já temos crescimento baixo, inflação pressionada e deterioração das contas externas. Se acrescentarmos o desemprego, haverá um estress social adicional e o quadro piora. Poderíamos ter tido políticas de geração de emprego mais inteligentes durante a crise. Por exemplo, investir em infraestrutura para criar as bases de um crescimento sustentado.

O fim dos 20 centavos de reajuste
da passagem vai tirar a força das manifestações
ou elas tendem a migrar
para outras causas?

O Brasil é pródigo em explosões efêmeras de indignação. Mas minha intuição me diz fortemente que tende amigrar para outras causas. Os manifestantes foram vitoriosos. Os protestos, basicamente, mostraram que o brasileiro tem espinha dorsal e que ela não é flexível. Não é uma maria-mole.

Mas o governo vai ter caixa para
atender novas demandas, em áreas
como saúde e educação?

Vai ter de ter. A carga tributária do Brasil é de 36% do PIB. Cerca de 40% da renda gerada pelo trabalho dos brasileiros transita pelo governo – União, estados e municípios. Como é que os nossos serviços públicos são o que são? Essa é a pergunta fundamental dessa brincadeira toda. Gasta-se muito mal.

Criou-se um novo cenário eleitoral?
O cenário ficou bem mais aberto.

O sr. apoia a Marina Silva. Como a
situação repercute para eventuais
candidatos fora do poder?

Acredito que os 20 milhões de votos que a Marina recebeu foram apenas o prenúncio da insatisfação que hoje vemos nas ruas.

Eduardo Giannetti da Fonseca Economista associa temas cotidianos com teoria econômica
Mineiro de Belo Horizonte, cursou economia e ciência social na Universidade de São Paulo e o doutorado em economia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Foi professor em ambas instituições. Seus artigos e livros têm a peculiaridade de estabelecer relações entre temas cotidianos e psicológicos com a teoria econômica

SEM VERGONHA... de protestar

 Zero Hora - 23/06/2013

A garota que parou o Congresso em 2001 ao sair nua contra o governo FHC ainda espera construir um Brasil socialista

Na semana em que caras, pintadas ou não, ajudaram a desenhar o maior movimento da juventude brasileira dos últimos 20 anos, alguém aí se lembra da "bunda-pintada"?

Carla Taís dos Santos, 33, ou Carlinha, para os mais chegados, recorda-se como se fosse ontem do dia em que "parou tudo" em Brasília, ao desfilar nua em frente ao Congresso Nacional.

Era 2001. A garota tinha 21 aninhos --e atributos típicos da idade, por exemplo os bem distribuídos 56 quilos, um generoso painel para abrigar frases do tipo "CPI Já".

Ao tirar a roupa contra o segundo governo de FHC (1999-2002), Carla, então presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), ganhou fama nacional de "bunda-pintada".

Na semana passada, ela participou de uma manifestação em Novo Hamburgo (RS) que fechou a BR 116.

Dessa vez, ou seja, 12 anos depois da nudez, de roupa.

Considera a redução das tarifas uma grande vitória que deve ser comemorada e "servir de impulso para mais organização e novas conquistas", embora "ainda não inverta a lógica das máfias do transporte". Rechaça a proibição ou hostilidade às bandeiras de partidos nos atos.

"É um absurdo. Lutamos por 21 anos contra uma ditadura que fez exatamente o mesmo. Está na contramão da liberdade de expressão tão defendida nos protestos."

Acha que a depredação de bancos, grandes redes de lojas e ônibus não se justifica, mas "se explica". "Serão os empresários que mais lucram que pagarão a conta."

Já a do patrimônio público, "não faz o menor sentido, pois, além de ser mais um dinheiro que deixará de ser investido na educação e na saúde, divide e afasta o movimento". Só serve ao "prazer egoísta de quem se acha ultrarrevolucionário".

'TAPA-TETA'

Formada em letras pela USP, Carla hoje assessora uma das diretoras da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Rosana dos Santos Alcântara. Jura que o cargo não é "boquinha", tampouco cota do PC do B, partido ao qual ela é filiada. "Mandei meu currículo para diferentes pessoas, e a Rosana conhecia minha história de orelhada."

Só de orelhada? "Hoje, sou uma outra mulher", diz, mas os sonhos continuam os mesmos da época de "bunda-pintada". "Se mudanças não começarem a acontecer, a rua continuará a aumentar o volume de seu grito. E eu estarei em todas as manifestações com a perspectiva de construir um Brasil socialista."

Ok, mas pretende ficar pelada de novo? "Tirar a roupa sempre me pareceu um gesto natural", filosofa Carla, que hoje só se despe para o namorado, com quem está há três meses, ou numa praia de nudismo, "pra extravasar".

Recorda-se, então, daquele momento que precedeu à nudez de Brasília. "Diante do Congresso, os manifestantes da Ubes precisavam de um desfecho para o protesto." Uns sugeriram velas; outros cogitaram "enterrar" um boneco de FHC, ideias que demandavam tempo e, é claro, uma corridinha ao mercado.

"Me lembrei de protestos na Europa em que as pessoas tiravam a roupa. Vamos ficar pelados", disse, para o espanto dos garotos. "Eu fico!" O carro de som virou camarim. Em cinco minutos, estava pintada de guache.

Quando saiu, surpresa! Cadê os peladões? "Rodei a baiana. Agora que estou aqui, vou até o final", disse.

A imagem estampada nos principais jornais do Brasil e do mundo derrubou a máxima de Andy Warhol: em vez dos 15 minutos de fama, o espetáculo de Carlinha na capital do país durou 20.

Com uma bandeirinha da Ubes cobrindo os seios, entrou no espelho-d'água do Congresso e organizou os estudantes para formar a palavra CPI deitados no gramado.

E por que raios escondeu os peitos? "Desde menina, tenho complexo dos meus seios. O que me incomoda é a forma. Acho caído. Nunca gostei dessa parte do meu corpo", diz Carla, em sua casa, numa vilinha no centro do Rio, onde vive desde março.

COMUNISTA TEEN

Apesar dessa relação, digamos, delicada, foram os seios que "empurraram" Carlinha para a política. Gaúcha de Campo Bom (RS), a "menina da roça", então com 11 anos, não curtia o uniforme da escola. A blusa apertava os peitos, motivo para ela organizar um abaixo-assinado.

Assistia à aula de matemática, quando foi chamada à diretoria para ser expulsa sob a alcunha de "comunista", baita palavrão na época.

Demorou menos de um ano para a "comunista" se infiltrar em grupos culturais, se amarrar na história de Olga Benário e assumir de fato a verdadeira identidade. Em novembro de 1999, Carlinha, que, quando menina, sonhava ser bailarina do Bolshoi, finalmente livra-se das aspas e torna-se comunista ao ingressar no PC do B.

Assim como o primeiro sutiã, que soltou a alça e machucou a menina aos 12 anos, o primeiro "livro comunista", ela nunca esquece: "30 Anos de Confronto Ideológico: Marxismo x Revisionismo".

Sem entender ao certo o que tudo aquilo significava, pintou, antes do corpo, a cara em protesto contra o presidente Collor. "Até meus pais, que votaram nele, me incentivaram a participar da passeata", lembra a gaúcha.

Filha de um mecânico e de uma comerciante, Carlinha tem uma irmã mais nova, de 29 anos, que é modelista.

Mas a guria mais velha sempre foi uma "rebelde com causas". No final de 99, já como presidente da Ubes, fugiu de casa, ao inventar que iria a um seminário de educação em Goiânia. Veio parar em São Paulo, onde dividiu uma república com 11 rapazes no bairro da Aclimação. Vivia na pindaíba, dura que só, à base de doações da entidade.

A "bunda-pintada" repercutiu, mas o que pintou de concreto? "Pintaram umas baixarias", brinca Carlinha, que chegou a ser assediada à época por congressistas. "Virei motivo de gozação: a peladona do PC do B, a banda pelada do partido", conta.

Qualquer bunda com outro sentido estava valendo, mas a dela era um problema. "Preconceito contra uma bunda politizada. Nunca quis virar celebridade. Meu sonho sempre foi e continua sendo fazer revolução no Brasil."

Como filiada a um partido que faz parte da base aliada do governo, acha que o PT está "fazendo uma revolução ao criar condições para isso". Lula é o "melhor presidente que o país já teve". Dilma representa "as mulheres no poder", mas "precisa de mais diálogo com os movimentos sociais". Mensalão? "Não há provas concretas nos autos."

"Libertária comunista" --assim se define--, é a favor do aborto, da legalização da maconha e da união homoafetiva. Não esconde discreto orgulho ao assumir que ainda desperta nos homens um "fetiche de pegar a Carlinha", aquela da "bunda-pintada".

Opiniões - Fábio Porchat


Dois chocolates e a conta com...HARRY LOUIS

O Globo - 22/06/2013

POR MARCELLA SOBRAL
marcella.sobral@oglobo.com.br


Harry Louis ficou conhecido por aqui quando
começou a namorar o estilista nova-iorquino Marc
Jacobs, em novembro de 2011. Mas, lá fora, o rapaz,
que nasceu numa cidade de Bambuí, de 20 mil
habitantes, em Minas Gerais, já era uma celebridade
— uma estrela da indústria de filmes adultos gays,
tendo participado de 32 produções. Há dois meses,
Harry saiu de seu apartamento em Londres para
abrir sua primeira loja de chocolates artesanais no
Rio, a HL Chocolates: “Não estou aqui de vez. Aliás,
eu não moro de vez mais em lugar algum.” Apesar
do pouco tempo na cidade, Harry poderia receber o
título honorário de Garoto de Ipanema. Tirando o
topete irretocável e um sotaque quase chegando à
Marginal Tietê, ele já aprendeu direitinho como ser
feliz no Rio de Janeiro. Trabalha em casa, vai à praia
todos os dias e tem um perfil bombado no
Instagram com quase 28 mil seguidores, repleto de
corpos sarados . A primeira coisa que ele fez, aliás,
foi tirar uma foto nossa — antes, teve que deletar
um dos 16 mil arquivos da memória do telefone.
Entre fotos, trocas de mensagens de voz e
filminhos, 4.162 são só com Marc.

REVISTA O GLOBO Onde você aprendeu a fazer chocolate?

HARRY LOUIS:
Os chocolates são uma receita caseira da minha avó,
Maria Celeste. Sempre gostei de cozinhar. Meus amigos me chamam
de Mama Harry. Sou superfamília, aliás. Tenho meus pilares,
que são a minha avó, a minha mãe, Kenia, minha irmã Cristiane
e Marilene, minha madrinha.

Seus chocolates hoje não têm nada de caseiros. São pequenas
joias. Dá até pena de comer.
 
Tem que comer, não pode ter pena. Assim vocês me quebram.
Foi na festa de aniversário do Lorenzo (ex de Marc) que as pessoas
ficaram sabendo dos meus dotes culinários. Fiz 300 chocolates
de cinco sabores diferentes, todos ficaram loucos. Para o Andrey
Leon Talley (editor da revista “Vogue”), naquele dia, era
Deus no céu e eu na terra. Quando ele viu que tinha mais, levou
um prato cheio de doces. Pensei que só brasileiro gostava de levar
quentinha.

Como você começou a fazer pornô?
 
Estava morando em Londres, tinha um perfil de pegação na internet,
me convidaram para fazer um casting, e eu fui. Em menos
de duas semanas, me chamaram. No primeiro filme, já tinha
feito meu nome. Todos queriam saber quem era aquele latino.

Foi a sua latinidade que mais chamou a atenção do público?
 
É lógico que foram os meus atributos. Acho que não foi a minha
carinha linda, não.

Tinha roteiro?
 
Não está escrito “ai-ai-ai”, “ui-ui-ui”. A única coisa que eu pedia
era que, se tivesse diálogo, que, pelo amor de Dadá, me entregassem
uns dois dias antes, porque na hora você tem que se preocupar
com outras coisas, né?

Você deixou a carreira quando começou a namorar o Marc?
 
Em 2011, eu já tinha decidido parar e abrir a minha própria produtora.
Mas meu sócio investidor era grego, e isso foi justamente
na época em que a Grécia quebrou.

Você mora no Rio e em Londres. Ele fica entre Paris e Nova
 
York. Dá para namorar assim?
A gente tem uma megaconfiança um no outro. Quando a gente
está away, sempre encontra tempo para ligar, mandar uma foto.
Ele está sempre me incluindo no que faz.

Você chegou aqui justamente na época do debate sobre a liberação
do casamento gay.
 
É uma sina. Sempre estou num lugar em que o casamento gay
está sendo aprovado. Cheguei na Espanha e liberaram o casamento
gay, em Londres, a mesma coisa. E agora aqui.

Você já encontrou alguém para cortar o cabelo por aqui?
Já, é do W, lá em São Paulo. Eu postei uma foto depois de cortar o
cabelo, e o David, o meu cabeleireiro lá de Londres, botou uma
carinha triste no Instgram. Sorry, David.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Quanto mais Wilder, melhor - Por LUIZ CARLOS MERTEN

 O Estado de S.Paulo - 19/06/2013



Billy Wilder ganhou duas vezes o Oscar de direção - por Farrapo Humano, em 1945, e Se Meu Apartamento Falasse, de 1960. Por mais merecidos que tenham sido os prêmios, onze entre dez críticos serão capazes de jurar que Wilder merecia mais - ou que a Academia de Hollywood errou. Se era para premiar um de seus clássicos noir, Pacto de Sangue e Crepúsculo dos Deuses teriam sido escolhas mais certeiras. E, quanto às comédias, se Quanto Mais Quente Melhor foi escolhida pelo American Film Institute como a melhor de todos os tempos, como - sim, como - foi ignorada pela mesma Academia?

Quando Wilder morreu - de pneumonia, em 2002, aos 95 anos -, não dirigia havia mais de uma década. Buddy, Buddy/Amigos, Amigos, Negócios à Parte é de 1981. Não foi um fecho de ouro para uma carreira tão brilhante, mas o grande diretor passou seus últimos anos recebendo honrarias e homenagens - e também trabalhando, com espartana dedicação a projetos que nunca mais se concretizaram. Seu nome virou sinônimo de humor crítico, corrosivo. Wilder como diretor de comédias era uma consequência de seu começo como roteirista de Ernst Lubitsch. Mas Wilder fez um atalho e, antes de se estabelecer como rei do humor, exercitou-se no cinema noir.

Todo Wilder estará agora de volta na grande retrospectiva que o Cinesesc dedica ao grande artista e que começa amanhã. Todo Wilder! Para cada uma de suas fases,teve um colaborador – Charles Brackett para
os filmes noir; I.A.L. Diamond para as comédias. Wilder nasceu em Viena, filho de um hoteleiro,em 1906.Foi jornalista e roteirista de Robert Siodmak. Conta a lenda que teria tentado entrevistar o próprio Sigmund Freud. O advento do nazismo levou-o a fugir e, antes dos EUA, ele passou pela França, onde fez o primeiro longa, La Mauivaise Graine, com Danielle Darrieux, em 1933. Nos EUA, estreou com A Incrível Suzana, nove anos mais tarde. O filme conta a história deumhomem que se envolve com uma garota disfarçada de menino, num trem. O jovem Wilder já abordava temas um tanto escabrosos, como pedofilia e homossexualismo, mas Ginger Rogers, que fazia a travesti, já era mulher,e isso saltava aos olhos.

Pacto de Sangue, baseado numa história de James M. Cain, é considerado o mais noir dos filmes noir. A mulher fatal Barbara Stanwyck induz Fred Mac- Murray a matar seu marido, mas Edward G. Robinson, como o agente da seguradoras, não se deixa enganar.Com Farrapo Humano, investigando a mente enferma de um alcoólatra, durante um fim de semana de abstinência, Wilder ganhou o primeiro Oscar. O filme é o protótipo do que ficou conhecido como “problem movie”, o filme-problema, consciente de sua dimensão social. Exagera, talvez, nos efeitos de luz e sombra – a herança expressionista e,com certeza, não é um grande Wilder,um dos melhores, pelo menos. Crepúsculo dos Deuses, com seu olhar arguto sobre os bastidores de Hollywood, é melhor.

A estrela Norma Desmond contrata um roteirista para escrever o filme que marcará seu retorno triunfal à tela. Gloria Swanson cria uma personagem maior que a vida – e lamenta para William Holden como os filmes ficaram pequenos. O desfecho é antológico a enlouquecida Norma, depois de matar o roteirista, prepara-se para o “close”. Pedro Almodóvar, que é fã de Billy Wilder, diz que só aquilo já vale a existênciadocinema. O diretor ainda fez A Montanha dos Sete Abutres em 1951, mas seu ataque à imprensa sensacionalista – no personagem de Kirk Douglas –, foi muito avançado para a época e o público rejeitou o filme (que hoje é cult). Wilder deu então a grande guinada para o humor,com uma comédia desenrolada num campo de prisioneiros, durante a 2.ª Guerra Mundial, Inferno 17.

Veio o interregno romântico de Sabrina – o que quer a personagem de Audrey Hepburn? O marido rico ou o príncipe encantado? O humor impôs-se com dois tributos a Marilyn Monroe, o Pecado Mora ao Lado e Quanto Mais Quente Melhor. De novo o travestismo: Tony Curtis e Jack Lemmon vestem-se  de mulher. E tem ainda a frase que entrou para a história,“Ninguém é perfeito”. Wilder nunca parou de surpreender. Antecipou a débâcle do comunismo (o jogo imperialista de Cupido Não Tem Bandeira), fez o mais hitchcockiano dos filmes de suspense que Alfred Hitchcock não assinou (A Vida Íntima de Sherlock Holmes), voltou aos bastidores da imprensa (A Primeira Página) e do cinema (Fedora). O ciclo vai exibir cópias novas de longas com o Crepúsculo, Quanto Mais Quente e Pacto de Sangue. Wilder não gostaria do chavão,mas não há como fugir. A roupa nova só vai ajudar a mostrar que Wilder talvez só se tenha enganado uma vez. Ninguém é perfeito, mas não nada. O cinema dele é (perfeito).

Ecos de segunda

Foto: Paulo Giandalia/Estadão

Não foi só na internet que os artistas demonstraram seu apoio aos atos de anteontem. Muitos fizeram questão de ir ao Largo da Batata, em São Paulo. Ná Ozzetti, que participou da campanha pelas Diretas Já, contou à coluna que, na década de 80, o Brasil era outro. “Mas estou muito orgulhosa desses jovens de hoje. É importante sair às ruas e temos de aproveitar o benefício da internet”, disse a cantora.

Já a atriz Nathália Rodrigues, paulistana, considera o dia 17 de junho um marco de sua geração. “Estou aqui contra tudo o que acontece nessa politicagem e também para apoiar o movimento”, disparou, em meio a gritos de “veeeeem, veeeem, vem para rua, veeeem, contra o aumento!”.

Claudia Missura estava com um grupo de amigos, entre eles Gero Camilo, agachados e com maços de flores nas mãos. A atriz, que fez o papel de Janaína em Avenida Brasil, contou que mora em São Paulo há 20 anos e que são necessárias melhorias na cidade. “Estou achando linda essa demonstração de democracia, sem partido”, contou. Também participaram da passeata Criolo e Laerte.

 /MARILIA NEUSTEIN

Estadão - 19/06/2013

Editoriais 19/06/2013

O Globo 

Corrupção é o foco

 Mesmo que as reivindicações sejam várias e muitos cartazes exibam anseios mal explicados ou utopias inalcançáveis, há um ponto comum nessas manifestações dos últimos dias: a luta contra a corrupção. A vontade de que o dinheiro público seja gasto com transparência e que as prioridades dos governos sejam questões que afetam o dia a dia do cidadão, como saúde, educação, transportes, está revelada em cada palavra de ordem, até mesmo nas que parecem nada ter a ver com o fulcro das reivindicações, como no protesto contra a PEC 37.

Nele está contido o receio da sociedade de que, com o Ministério Público impedido de investigar, o combate à corrupção seja prejudicado. Todas as questões giram em torno do dinheiro público gasto sem controle, como nos estádios da Copa do Mundo, todos com acusações de superfaturamento. O dinheiro que sobra para construção de "elefantes brancos" falta na construção de hospitais ou sistemas de transportes que realmente facilitem a vida do cidadão.

O mundo político está de cabeça para baixo tentando digerir as mensagens que chegam da voz rouca das ruas, como dizia Ulysses Guimarães, que dizia também que "a única coisa que mete medo em político é o povo na rua". Ninguém entende, por exemplo, por que houve esse verdadeiro estouro da boiada agora, e não há um mês ou mesmo há um ano.

Tenho um palpite: assim como as manifestações na Tunísia, as primeiras da Primavera Árabe, começaram com o suicídio de Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante que ateou fogo ao corpo depois de proibido de trabalhar nas ruas por não ter documentos nem dinheiro para pagar propinas aos fiscais, as manifestações aqui foram grandemente impulsionadas pela reação violenta da polícia em SP semana passada.

O movimento contra o aumento das passagens de ônibus poderia não ter a amplitude que ganhou se não houvesse uma reação nas redes sociais à atitude da polícia, como se todos sentissem a opressão do Estado na sua pele, e de repente liberassem os diversos pleitos que estavam latentes na sociedade.
Creio que foi a partir do entendimento de que uma reivindicação justa como a da redução das tarifas de ônibus estava sendo tratada simplesmente como um pretexto para arruaças e vandalismos que a sociedade passou a se mobilizar para ampliar suas reivindicações.

Isso nada tem a ver com comparações entre as mobilizações que ganham as principais cidades do país e a Primavera Árabe, pois estamos em uma democracia e não se trata de derrubar governos, mas de mudar a maneira de geri-los, política e administrativamente. E também não é possível considerar que os abusos de um dia impedem as polícias de reprimir a parte radicalizada das manifestações, que vandaliza cidades ou tenta invadir prédios públicos ou residências das autoridades.

Creio mesmo que no Rio e em São Paulo as autoridades ficaram paralisadas diante da violência de parte dos manifestantes e não agiram com o rigor devido nessas ocasiões. O que demonstra falta de bom senso. Um detalhe que define bem a divisão desses movimentos foi o grupo de jovens que foi ao Centro do Rio ontem tentar limpar e consertar em parte o que os vândalos fizeram no dia anterior. E em São Paulo, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, enquanto um grupo tentava derrubar o portão de entrada, outros o recolocavam no lugar.

O ambiente econômico também deve ter contribuído para quebrar aquela falsa sensação de bem-estar. E é impressionante que o imenso aparato de informações de que cada governo dispõe, especialmente a Presidência da República, e as pesquisas de opinião não detectaram a indignação que explodiu nas ruas.
O dono de um desses institutos de opinião que vende seus serviços para o PT, e acrescenta a eles, como um bônus, comentários em revistas chapas-brancas, chegou a ironizar as oposições e analistas que criticavam o governo, afirmando que viviam em uma realidade paralela, que nada tinha a ver com a vida do cidadão comum, que estava muito satisfeito. Segundo ele, não havia sinal de mudança de ventos que suas pesquisas pudessem captar.

Também o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, que anunciou que "o bicho vai pegar", parece estar atordoado com o bicho novo que está pegando sem que ele ou o PT dominem a situação.

 O Globo 


Decifrar as mensagens da rua

 

Aestimativa de que cerca de 240 mil pessoas estavam nas ruas, no início da noite de terça-feira, em 11 capitais, para protestar já é algo significativo. Mais do que isso, são as imagens e o sentido do que aconteceu anteontem neste país que colocam a data de 17 de junho de 2013 no calendário dos grandes acontecimentos políticos e sociais dos últimos 28 anos, desde o início da redemocratização, em 1985, com a posse de José Sarney na Presidência.

As cenas de violência e vandalismo - ocorridas principalmente no Rio, na tentativa de invasão da Assembleia Legislativa, e na não menos criminosa depredação de bancos e estabelecimentos comerciais na área, além da pichação do Paço, patrimônio nacional - não conseguem reduzir o peso das mensagens que as ruas têm transmitido nestes últimos dias a governos, políticos e partidos da situação e da oposição.
A partir da descontrolada ação da PM paulista, na quinta-feira da semana passada, o movimento pelo "passe livre" no transporte público, deflagrado com o último aumento de tarifas, recebeu maciças adesões em escala nacional e passou a ganhar outra dimensão.

Não que a chamada (i)mobilidade urbana já não criasse imensas dificuldades para as pessoas, principalmente as de renda mais baixa, a grande maioria. E não só em função do custo, mas pelo crescente sacrifício físico que milhões de pessoas passam diariamente nas capitais brasileiras para se locomover. É que o movimento, deflagrado e organizado por meio das redes sociais, tem a questão do transporte público apenas como uma chave que destampa e coloca nas ruas a insatisfação acumulada nos últimos anos com uma sucessão de distorções. É a tal sensação difusa de desconforto com "tudo isso que está aí", amplificada pela volta da inflação.

A mobilização política ressurge no Brasil de um movimento subterrâneo, surdo, invisível, mas bastante ativo, a partir da rede mundial de computadores. O fenômeno não é novo, acontece em escala planetária. Mas há peculiaridades regionais. Onde existe liberdade, redes sociais facilitam a organização de grupos na defesa de pautas específicas. Em ditaduras, ajudam a driblar censores, a repressão política.

No Brasil, país democrático, vivia-se um longo período de inércia política. A situação, confortável no poder, e a oposição, também passiva, incapaz de metabolizar a fermentação das insatisfações que há tempos trafegam nas redes. As ruas acabam de atropelar ambas - má notícia para a democracia representativa, ruim para a estabilidade institucional.

É míope a tentativa de capitalização político-eleitoral desta espécie de erupção vulcânica. A questão é tão mais ampla quanto profunda. Devem ser entendidos por suas excelências do Executivo e do Legislativo gestos de manifestantes contra cartazes e bandeiras de partidos nas passeatas, mesmo os identificados com a extrema-esquerda. O representante da juventude do PT em Brasília foi escorraçado na tentativa de participar do comando da manifestação à frente do Congresso.

Toda esta mobilização conseguiu atravessar fronteiras geracionais, etárias e sociais. Pode ser que lá na origem de tudo tenham atuado grupos politizados, sem identificação com o estado de coisas na política brasileira. Não importa. Quando casais com filhos pequenos vão às ruas, ao lado de idosos, gente de toda idade, é porque apareceu algo novo no radar da sociedade. Maurício Matheus, a mulher, Thaís, com o filho João, de um ano e meio, foram entrevistados pelo GLOBO, em São Paulo. Preso ao macacão de João, o cartaz: "Não é por 0,20, é por direitos". Explicou o pai: "É um grito de socorro, precisamos de união e força para vetar os abusos ao povo." E existem diversas formas de abusos. No desprezo de políticos e governantes pela ética, por exemplo.

Se era urgente, diante do ronco das ruas tornou-se emergencial retomar a reforma da moralização do degradado quadro político-partidário. A Lei da Ficha Limpa foi vitória histórica, conquistada por grande mobilização, também pela internet, em torno de um projeto de origem popular. A vigilância continua necessária, agora para a sua aplicação correta.

É hora de voltar a atacar a pulverização partidária. Por erro técnico de encaminhamento - não pode ser por projeto de lei simples, mas emenda constitucional -, o Supremo rejeitou cláusula de barreira a legendas de rarefeito apoio entre os eleitores, mecanismo usado em democracias maduras. A fórmula elaborada é boa, basta resgatá-la das gavetas: para ter representação no Congresso, toda legenda necessita de, no mínimo, 5% dos votos nacionais e 2% em pelo menos nove estados.

Acabada a pulverização partidária, facilita-se a formação de alianças e reduz-se a margem para o uso de meios espúrios para a obtenção de maiorias. Um antídoto contra mensalões. Outra medida, também disponível nos escaninhos do Congresso - basta vontade política para resgatá-la -, é o fim da coligação em eleições proporcionais, pela qual o eleitor pode ser vítima de uma fraude, por ter o voto contabilizado para quem ele não conhece e em quem talvez não votasse. A conjugação dessas duas reformas ajudará a restabelecer uma seriedade mínima no jogo partidário. Se vigorassem há algum tempo, o político não teria sido transformado no Judas predileto de manifestantes.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, setorista de "movimentos sociais", confessou, na manhã de ontem, ainda não compreender o que acontece. Foi honesto. Seu mundo é o das organizações formais, em que há líderes visíveis, conversáveis e cooptáveis. A presidente Dilma Rousseff, ex-militante, presa política, não poderia ter outra reação: o governo "está ouvindo essas vozes pela mudança". E, entre as vozes, a presidente identificou o "repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público". Parece na pista certa a presidente.

Ao se investir contra a Copa das Confederações, ensaio para a Copa do Mundo, no ano que vem, com suas amplas e modernas "arenas", critica-se a incapacidade de o governo federal colocar os bilhões que arrecada de um contribuinte cada vez mais sobrecarregado de impostos naquilo que atenda às necessidades diretas da população: educação, saúde, transporte urbano, segurança.

Em vez disso, o poder público não para de ampliar os gastos em custeio, sem privilegiar os investimentos. E, quando investe, escolhe, por exemplo, projetos faraônicos como o do trem-bala entre Rio e São Paulo, dinheiro que poderia vir a ser aplicado na malha de transporte sobre trilhos nas grandes regiões metropolitanas, para promover de fato a mobilidade urbana.

As mensagens são várias. A torcida é para que os políticos, no poder e fora dele, as decifrem de maneira correta. A estabilidade institucional, em alguma medida, dependerá disso.

Correio Braziliense

Visão do Correio :: Manifestação sem vandalismo

 

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foram às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossaram o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras.

Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovia precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.

Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da quinta-feira uma dia inesquecível. “Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil”, dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país.

Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.

Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta — nem sempre justificável — dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha e, em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura da cidade.

É certo que são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.

 O ESTADO DE S. PAULO

 VONTADE DE FALAR 

 Das dezenas de frases de participantes e entusiastas das manifestações da segunda-feira em 12 capitais brasileiras, citadas pela imprensa para dar uma ideia do espírito dos protestos, provavelmente a mais expressiva tenha sido a da ex-voleibolista Ana Beatriz Moser. "O importante é esse coro, essa vontade de falar. Os governantes têm de ouvir."

Em um País onde a última vez em que centenas de milhares de pessoas saíram de casa para se fazer ouvir pelos governantes foi em 1992, com o coro "Fora Collor", não é fácil de explicar a presumível acomodação da juventude, em contraste com o histórico de proliferação de atos públicos de massa no exterior (contra alvos diversos como a globalização, os transgênicos, a invasão do Iraque, o poder de Wall Street, as políticas recessivas na Europa, as tiranias árabes e, agora, o autoritarismo do governo livremente eleito na Turquia).


Pode-se argumentar que, desde o Plano Real no governo Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, o Brasil amealhou mais notícias boas do que más - embora não raras entre essas tenham se tornado péssimas, a exemplo da criminalidade. O ciclo virtuoso de 18 anos - das administrações Fernando Henrique e Lula à primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff - promoveu o crescimento e generalizados aumentos de renda real, principalmente entre os mais pobres. O consumo explodiu e só não atordoou os grupos engajados nas causas chamadas "pós-materialistas", como a defesa do meio ambiente, a proteção das comunidades indígenas, os direitos dos negros, mulheres e minorias sexuais. É tentador, mas arriscado, estabelecer uma relação direta e exclusiva entre a volta da inflação e os pibinhos, de um lado, e a eclosão do descontentamento, de outro. Mas seria míope negar qualquer nexo entre a economia em baixa e a insatisfação em alta.


De fato, foi o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, na esteira dos de Porto Alegre e outras cidades, que fez o trânsito parar de vez. Na capital paulista, a brutalidade policial que se seguiu aos atos de vandalismo registrados na primeira passeata, no começo da semana passada, acirrou a indignação, deu nova motivação para a ida às ruas e remeteu a segundo plano (mas sem eliminar) as reclamações contra o preço dos bilhetes.


Esse é o dado crucial da onda de protestos que juntou anteontem mais de 230 mil pessoas do Pará ao Rio Grande do Sul - só no Rio foram cerca de 100 mil, com a Avenida Rio Branco tomada por compacta multidão fazendo lembrar as marchas pelas Diretas Já em 1984.


Deu uma vontade de falar que não se sabe como, quando ou se será aplacada: contra os padecimentos que o Estado impõe ao povo com os seus serviços de terceira e indiferença de primeira, a começar da saúde e educação públicas; contra os políticos e autoridades em geral que so cuidam dos seus interesses e são tidos como corruptos por definição; contra a selvageria do cotidiano por toda parte; contra a truculência das PMs; contra a lambança dos gastos com a Copa, que pegou de surpresa a cartolagem e seus parceiros no governo federal - e tudo o mais que se queira denunciar. Afinal, os jovens não se sentem representados por nenhuma instituição e desconfiam de todas. Tampouco a imprensa lhes merece crédito.


Consideram-se mais bem informados pelos seus pares das redes sociais do que pela mídia. É também na internet que . encontram argumentos para as suas críticas, colhem e se prestam solidariedade, cimentando a coesão grupal.


Entre a quarta-feira passada e a noite da última segunda, 79 milhões de mensagens sobre as marchas foram trocadas pelos internautas. O senso de autocongratulação - "a juventude acordou" - e a natureza difusa de suas queixas combinam-se para dificultar a discussão de pautas específicas de mudança em eventuais encontros com agentes públicos. Como se diz, faz parte: o protesto precede à proposta. O lado bom das jornadas dos últimos dias, além do caráter em geral pacífico das manifestações, foi a preocupação com o País. "Parem de falar que é pela passagem", comentou um jovem. "É por um Brasil melhor."



VALOR ECONÔMICO

 DIFUSAS INSATISFAÇÕES TOMAM AS RUAS DO PAÍS

 A juventude brasileira está em pé de guerra e avisou isso claramente aos governantes nas passeatas que reuniram centenas de milhares de pessoas em 11 capitais. O sistema de transporte público e seus preços foram os alvos imediatos das manifestações, que ganharam impulso a partir de São Paulo, mas são um símbolo dos péssimos serviços oferecidos pelas três esferas de governo em outras áreas vitais para o bem-estar dos cidadãos - saúde, educação, e segurança, por exemplo.

Outros simbolismos desfilaram pelas ruas das capitais na segunda-feira. A relativa espontaneidade do movimento e seu comando refratário a partidos indicam, no mínimo, uma primeira condenação implícita dos objetivos, ações e resultados das legendas que governam o país. O PT, o partido que saiu das ruas no passado, foi deixado de lado e a reação do governo, ora de estupefação, ora de indignação, deixa no ar a possibilidade de o auge do partido ter ficado para trás. Símbolos também, estudantes e jovens catalisam, mais uma vez na história, insatisfações disseminadas por vastas camadas sociais.


Há dois momentos do movimento que desaguou com força nas capitais e a distinção é importante. O Movimento do Passe Livre paulistano sempre protestou toda vez que as passagens aumentaram, mas a adesão a seus protestos era pequena, e os resultados, nulos. Sua insistência, após várias derrotas, e seu propósito simples e claro, o qualificou como um dos poucos canais de protesto em potencial de reivindicações que interessam à maioria do público urbano e diferentes categorias profissionais. Embora este ano houvesse mais pessoas nos primeiros atos contra o aumento das passagens, o movimento não tinha ultrapassado ainda o estágio de uma minoria barulhenta, incapaz de controlar, como é frequente, a violência de setores que o apoiam.


Até que - o segundo momento - uma passeata inicialmente pacífica no dia 13 de junho foi dissolvida com requintes de crueldade e selvageria pela polícia do governo paulista, a quem cabe a responsabilidade pela agressão a um direito democrático. Não houve dúvidas de que a polícia atacou primeiro e estava ali para expulsar brutalmente cidadãos que protestavam.


A partir daí, diante de cidadãos atônitos e revoltados com a atitude da polícia paulista, a adesão ao movimento cresceu exponencialmente porque uma outra questão, mais importante que o preço da passagem de ônibus, estava em jogo - a da liberdade de reunião e manifestação. Os brasileiros se tornaram ciosos dela desde quando forçaram, igualmente nas ruas, a queda da ditadura militar. A causa do Passe Livre ganhou a simpatia popular e intergeracional que até então não havia conseguido.


Para as manifestações de segunda-feira, primeiro movimento de grandes massas convocado pelas redes sociais, confluíram por gravidade todas as demandas sociais a que os governos deveriam atender e para as quais mostram, ano após ano, partido após partido, uma inépcia desconcertante. Não por acaso, as manifestações ocorridas em São Paulo (pelo menos 65 mil pessoas), no Rio (100 mil) e em Brasília (mais de 10 mil) buscaram o Legislativo - o Congresso Nacional e a Assembleia Legislativa do Rio. Os protestos apontaram também a responsabilidade pelo estado atual das coisas dos políticos, cuja omissão, no caso dos Legislativos estaduais e municipais, tornou-se uma lamentável tradição.


O PT, o único partido de massas do país, fica mal na história após o 17 de junho. Ainda que não tenha sido diretamente rechaçado, a rapidez com que se metamorfoseou em um partido como os outros, interessado no poder e suas benesses, e a facilidade com que jogou fora sua ideologia para formar bases de apoio governistas com o que de pior há na política brasileira, fizeram com que fosse olhado com desconfiança por alguns movimentos sociais que antes tinham com ele afinidades eletivas.


Movimentos difusos como o capitaneado pelo Passe Livre podem obter vitórias em suas reivindicações, para depois sumirem do mapa político. Mesmo que haja muito deslumbramento com o poder das redes sociais, a política continua sendo uma velha senhora rabugenta. Ou surgem novos líderes que aceitem conviver com ela, ou os movimentos exercerão pressão de fora, com mobilizações pontuais e pressão permanente das ruas - uma novidade por aqui. A terceira via possível é o desânimo.


 ESTADO DE MINAS

 MANIFESTAÇÃO SEM VÂNDALOS

 Protestos que lotam as ruas não podem ser manchados pela minoria

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foi às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossou o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras. Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovias precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.


Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da segunda-feira um dia inesquecível. "Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil", dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país. Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.


Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta – nem sempre justificável – dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões, além de invadirem e roubarem comida de um restaurante, com dano de valor inestimável à imagem da Cidade Maravilhosa. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha, e em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura.
É certo que eles são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.


 GAZETA DO POVO (PR)

 BRASILEIROS NAS RUAS

 Na segunda-feira, os cidadãos rejeitaram as tentativas de direcionar ou monopolizar a pauta das manifestações, e sentiram-se livres para mostrar seu descontentamento com as mais diversas situações

Nunca o bordão “contra tudo isso que está aí” foi tão verdadeiro quanto nas manifestações que tomaram o Brasil na noite de segunda-feira, e se repetiram ontem em algumas cidades. O movimento que começou na semana anterior, motivado por aumentos na tarifa do transporte público em várias capitais e marcado por atos de vandalismo, sofreu uma metamorfose: dezenas de milhares de brasileiros protestaram pacificamente e apresentaram reivindicações as mais variadas possíveis – de temas locais (em Curitiba, por exemplo, a falta de táxis estava entre os temas observados nos cartazes) aos grandes assuntos nacionais, como a corrupção e a PEC 37, que deve ser votada até o fim do mês e que retira o poder de investigação do Ministério Público.
É verdade que ainda tem havido casos inaceitáveis de vandalismo, especialmente no Rio de Janeiro, onde a Assembleia Legislativa e prédios no entorno foram atacados anteontem; e em São Paulo, ontem, com depredação no prédio da Prefeitura e um carro de reportagem incendiado. Mas essas foram exceções; o tom das manifestações de segunda-feira foi pacífico a ponto de muitos pais terem levado até as crianças para presenciar um momento incomum da história brasileira, e os exemplos positivos, como o silêncio dos manifestantes curitibanos ao passar diante da Santa Casa, são os que merecem divulgação. O poder público também percebeu que não pode agir com violência contra as passeatas. A lição foi especialmente aprendida em São Paulo, depois das cenas de excesso policial da quinta-feira passada.


Em várias ocasiões, a Gazeta do Povo louvou o exemplo de nossos vizinhos argentinos, que não hesitam em tomar as ruas para protestar contra os desmandos de seus governantes. Embora ainda seja cedo para concluir que o brasileiro finalmente venceu a apatia que lhe é atribuída, os protestos revelam que o cidadão tem, sim, uma sede de participação política que vai além do voto a cada dois anos – aliás, é interessante perceber como outro bordão, o “não me representa”, dessa vez dirigido aos partidos políticos como um todo, também foi uma característica marcante das manifestações de anteontem. Ao impedir que as agremiações de esquerda monopolizassem ou direcionassem a pauta dos protestos, os brasileiros puderam mostrar livremente seu descontentamento com uma série de situações.


Mas é justamente nesse caráter difuso do movimento popular que reside uma de suas fraquezas. Se as reivindicações se mantiverem em um nível mais abstrato, a falta de um projeto consistente pode levar a uma ausência de resultados que frustre todos aqueles que tanto se empenharam – trazendo de volta a apatia, dessa vez com muito mais força. Outro risco é o de que radicais e aventureiros se aproveitem do clima de indignação generalizada para propor soluções de cunho inclusive antidemocrático, ou que se apropriem do movimento sem efetivamente representar os anseios da população que vai às ruas. É fácil comparar os protestos brasileiros com a Revolução Francesa nas mídias sociais, como se fez semana passada; difícil é lembrar que a revolta dos franceses do século 18 degringolou até chegar ao Terror.


O que estamos presenciando é uma grande oportunidade de aprendizado para o brasileiro: para que ele procure conhecer as causas e pense em soluções para as situações que o revoltam; para que ele desenvolva seu interesse pela coletividade e abandone o individualismo que tanto mal faz à sociedade; para que ele aprenda a dialogar e entender o ponto de vista de quem pensa diferente. Se a insatisfação crescente do brasileiro for canalizada para boas causas, ela será frutífera. Dissemos acima que a participação política transcende o exercício do voto, mas também as urnas oferecerão uma oportunidade para que a indignação se transforme em ação concreta. Exercer o voto consciente e se mobilizar por uma autêntica reforma político-eleitoral, baseada nos princípios republicanos e não nas conveniências da classe política, são atitudes que não deixarão os protestos nas ruas terminarem no vazio.


 ZERO HORA (RS)

 O RECADO DOS JOVENS 

 A história está repleta de datas que sintetizam espíritos e épocas. Sem esperar pelo veredicto da posteridade, já é possível afirmar que o 17 de Junho é o retrato de um novo Brasil. O país que foi para as ruas protestar na segunda-feira reflete um novo estado de ânimo de uma ampla parcela da população: rejeição à corrupção e ao descaso com a coisa pública, desconfiança de governantes e partidos, indignação com a desproporção entre os gastos com grandes eventos, por um lado, e com saúde, educação e transporte, por outro. O país que tomou praças e avenidas sente os efeitos da alta de preços de alimentos e serviços. A nação que tomou a palavra antevê, para além dos sinais incipientes de turbulência econômica, os percalços de um futuro que parece menos auspicioso do que há alguns anos. Sua voz ergue-se também contra governos, parlamentares, corporações e meios de comunicação. Pode-se saudar ou rejeitar a emergência desse Brasil do 17 de Junho. Mas não se pode ignorá-lo.

É utópico imaginar que dezenas de milhares de pessoas decidam se manifestar por fora dos canais até hoje existentes no interior do Estado de direito, por meio de ida massiva às ruas, sem que isso implique riscos para a segurança e até mesmo distúrbios isolados. É preciso separar a manifestação legítima e democrática da maioria das depredações, incêndios e pichações promovidos por uma ínfima minoria oportunista. Toda sorte de vandalismo pode e deve ser investigada, e os envolvidos, enquadrados criminalmente na forma da lei. O fato de tais atitudes terem prosperado nos primeiros dias do movimento reflete o fato de não haver objetivos, líderes e organização claras.


O mais importante é que a nação seja capaz de retirar ensinamentos dos acontecimentos. Em síntese, os jovens nas ruas estão enviando um recado para toda a sociedade, incluindo governantes, políticos, empresários e imprensa. O sentimento da maioria é, como bem sublinhou a presidente Dilma Rousseff ao citar o cartaz "Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil", carregado de civismo e boas intenções. É positivo que milhões de pessoas com menos de 30 anos estejam se dispondo a assumir um papel de protagonistas na história. Trata-se de uma geração que jamais viveu períodos de exceção ou de cerceamento de liberdades. Para o bem do país, esse aprendizado deve ocorrer de forma serena. A sociedade tem de saudar e acolher esse verdadeiro despertar jovem, zelando para que fortaleça o Estado democrático de direito. Não resta dúvida de que todos seremos testemunhas dos reflexos concretos do que está acontecendo hoje daqui a pouco mais de um ano, nas eleições presidenciais de 2014. É desejável que a experiência histórica de cada geração se reflita na participação eleitoral por meio do embate entre ideias, programas e concepções.