Contradições do autoritarismo: as universidades e o regime militar
Obra mostra como as universidades,
focos de resistência ao regime, sofreram com a opressão, mas também
foram peça fundamental do projeto desenvolvimentista, passando por
amplas mudanças
Por Leonardo Cazes
As
universidades foram o principal centro de resistência à ditadura
militar que começou em 1964. Ao mesmo tempo, tinham um papel central no
projeto desenvolvimentista que ganhou corpo a partir do governo Costa e
Silva, em 1967. Esse conflito atravessou todas as políticas dos regime
para o ensino superior. Com uma mão, os militares criaram o regime de
dedicação exclusiva para professores, investiram em laboratórios, na
construção de novos campi e quadruplicaram o número de vagas. Com a
outra, aposentaram compulsoriamente dezenas de docentes e pesquisadores,
perseguiram e expulsaram estudantes. Os dois grupos foram alvos
preferenciais da máquina da repressão.
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Repressão e crescimento
Nas universidades do Rio, crescimento e repressão andaram juntos
Durante a ditadura, campus da UFRJ no Fundão foi construído e Unirio foi criada, mas expurgos de alunos e professores desfiguraram as instituições
Por Leonardo Cazes
No dia 7 de setembro de 1972, o presidente Emílio Garrastazu Médici inaugurou a cidade universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão. A cerimônia fez parte das comemorações dos 150 anos da independência e é exemplo da importância dada pelo regime à sua política para o ensino superior público. Para os militares, a reforma universitária empreendida em 1968 e o investimento na construção de novos campi era uma forma de aplacar o principal foco de oposição, que se concentrava nas instituições, e de viabilizar o projeto desenvolvimentista. Durante a ditadura, as universidades viveram um boom de investimentos e foram reorganizadas no modelo departamental, atualmente em vigor.
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Ideias no exílio
Prisões, torturas e cassações forçaram alguns dos mais destacados pensadores da época, nas humanidades e nas ciências, a deixar o país. Projetos de pesquisa foram interrompidos e carreiras acadêmicas tiveram o rumo alterado
Por Guilherme Freitas e Leonardo Cazes
Em
1º de abril de 1964, Luiz Costa Lima saiu de casa cedo e foi para a
Universidade do Recife, onde dava aulas de literatura e colaborava com o
Serviço de Extensão Cultural (SEC), inovador programa de alfabetização
de adultos liderado pelo educador Paulo Freire. Preparava-se para
enfrentar o golpe iminente. No campus, ele e um colega expropriaram uma
kombi e um mimeógrafo, que julgaram essenciais para a resistência
democrática.
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Artigo
O cultivo da terra estéril - LUIZ COSTA LIMA
ENTRE
NÓS, OS
PRÓPRIOS
TERMOS
“CULTURA” E
“REFLEXÃO”
SÃO VISTOS
COM FASTIO
NÓS, OS
PRÓPRIOS
TERMOS
“CULTURA” E
“REFLEXÃO”
SÃO VISTOS
COM FASTIO
Já não se duvida que o golpe de 64 instaurou uma ditadura. Tampouco é questionável que toda ditadura representa uma presença letal a qualquer vigor cultural. Cultura supõe cultivo, seja das terras do chão, seja da terra da mente. Para que o golpe tivesse significado outra coisa senão medo, rancor surdo, sensação de impotência seria preciso que tivesse lidado com outra humanidade. Chega a ser ocioso pensar-se que a nossa recente ditadura pudesse ter tido outro perfil que não o de suas semelhantes. O que escrevo só fará sentido se considerarmos a ditadura de 64 dentro das coordenadas nacionais.
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Acadêmicos americanos divulgaram casos de tortura, desafiaram governos e acolheram colegas brasileiros, recorda Ralph Della Cava
Por Guilherme Freitas
Em 1964, o americano Ralph Della Cava
desembarcou no Brasil para pesquisar sobre Padre Cícero, tema de seu
doutorado em ciências sociais na Universidade de Columbia. Depois de uma
passagem por Juazeiro do Norte, no Ceará, veio para o Rio, onde se viu
no turbilhão do golpe em 1º de abril. Testemunha de primeira hora dos
abusos cometidos pelos militares, ele se tornou, ao voltar para os
Estados Unidos, um dos principais articuladores de uma campanha que
buscava denunciar a ditadura brasileira no exterior. Ao lado de outros
especialistas em história do Brasil, conhecidos como “brasilianistas”,
Della Cava fundou associações como o American Committee for Information
on Brazil (Comitê Americano para Informação sobre o Brasil) e o American
Friends of Brazil (Amigos Americanos do Brasil). Nos anos 1970, esses
acadêmicos traduziram e divulgaram depoimentos de presos políticos e
documentos comprovando torturas, promoveram palestras de exilados
brasileiros em universidades e denunciaram o envolvimento de autoridades
americanas no golpe. Pesquisador do Instituto de Estudos
Latino-americanos de Columbia e autor de uma obra de referência sobre
Cícero (”Milagre em Joaseiro”, que acaba de ganhar nova edição pela
Companhia das Letras), ele relembra a campanha nesta entrevista por
e-mail.
O senhor estava no Rio no momento do golpe de 1964. Quais são suas lembranças daquele dia?
Minha
esposa e eu tínhamos ido ver um filme na Cinelândia com um casal de
amigos. Quando saímos do cinema, em meio ao som de tiros, ficou claro
que a “Gloriosa” estava em marcha. Conseguimos pegar um táxi e fomos
para a casa de nossos amigos, em Copacabana. Não foi a primeira nem a
última depredação que testemunhei. Um colega de Columbia, que trabalhava
como repórter na revista “Time”, pediu que eu ficasse de olho no prédio
da UNE. Contra todas as nossas esperanças, ele foi incendiado — e o
ódio foi um dos combustíveis.
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Terror cultural
Editoras e livrarias que se tornaram refúgio e referência para autores perseguidos enfrentaram forte
repressão, incluindo atentados a bomba, mas procuraram manter o debate político durante o período
Por Guilherme Freitas
Numa das muitas ocasiões em que foi preso durante a ditadura, em maio de 1965, o editor Ênio Silveira recebeu uma inesperada demonstração de apoio. Na mira do regime desde o início por sua atuação à frente da Civilização Brasileira, casa de vários autores de oposição, ele foi detido por promover uma feijoada em homenagem ao ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, cassado logo após o golpe. A prisão arbitrária foi contestada por um abaixo-assinado com mais de mil nomes, de militantes históricos de esquerda ao compositor Pixinguinha. E por um bilhete manuscrito do marechal Castelo Branco ao chefe de seu Gabinete Militar, general Ernesto Geisel: “Por que a prisão do Ênio? Só para depor?”, perguntava o presidente. “Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural”.
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A origem do método - José Castello
“FELIZ ANO NOVO” NOS MOSTRA UMA ESPÉCIE DE MARCO ZERO DE UMA VIOLÊNCIA QUE, APESAR DOS LONGOS ANOS DE DEMOCRACIA, AINDA SE ENCENA NO PAÍS
Fixo-me em “Feliz ano novo”, o conto que empresta título ao já lendário livro que Rubem Fonseca, cuja obra vem sendo relançada pela editora Agir, publicou em 1975. Não só, provavelmente, é o mais cruel relato da coletânea, mas uma das narrativas mais violentas produzidas pela literatura brasileira dos anos 1970. O conto guarda uma estranha síntese dos métodos da ditadura, que se espalharam pela entranhas da sociedade brasileira na ordem de uma peste — o livro de Fonseca seria censurado no ano seguinte ao seu lançamento. Antes de tudo, a violência, arbitrária, indiferente ao sentido, cruel que, na narrativa de Fonseca, deixa os cárceres do poder para penetrar na penumbra do dia a dia e se transformar em um método de ação. Contra a violência, mais violência. Contra a miséria, mais miséria. O método nefasto da duplicação e da retaliação.
A palavra como um risco para a sociedade
Censura a livros na ditadura deixou herança autoritária
Veto a livros considerados 'imorais' e proibição de obras de opositores deixaram como legado a ideia de que informação pode ser controlada, diz pesquisadoraPor Guilherme Freitas

A
coletânea de contos “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, “retrata, em
quase sua totalidade, personagens portadores de complexos, vícios e
taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade na prática
da delinquência, suborno, latrocínio e homicídio, sem qualquer
referência a sanções”. A história que dá título à obra, sobre três
marginais que invadem uma festa grã-fina de réveillon, assim como as
outras 12 narrativas do volume, têm uma linguagem “bastante popular,
onde a pornografia foi largamente empregada”, e “alusões desmerecedoras
aos responsáveis pelo destino do Brasil”.