domingo, 26 de janeiro de 2014

ALIVIA, CHEFIA? - Adriana Calcanhoto

O Globo 26/01/2014

Honorável editora deste Segundo Caderno, escrevo para dizer que acho que aquele momento, tão temido, pelo qual qualquer colunista terá sempre que uma hora ou outra passar, me é chegado. Simplesmente não sei o que dizer sobre os últimos 15 dias no Brasil. Desmatamento de madeira nativa para fazer carvão realizado com trabalho infantil escravo dói, parece que essa combinação de palavras machuca a língua portuguesa, só de ser escrita. Para produzir carvão, um veneno para o planeta. Uma praga da qual precisamos nos livrar. A espécie que se vê como a maravilha da criação e que está destruindo o único planeta onde por enquanto pode habitar e o está destruindo. É como se de alguma zona do meu cérebro eu conseguisse ouvir disparar um alarme “não tem registro”.

Investir em combustível fóssil e carvão pensando no futuro me dá a impressão de estar vivendo em tempos medievais, como é possível? Isso é pensar no final do mês, não no futuro dos nossos bisnetos. É um sinal tão inequívoco da natureza, humana, que dá um nó na garganta. Se a governadora do Estado, e do estado do Maranhão, não teve o que dizer sobre os últimos acontecimentos, sendo os últimos acontecimentos de acontecimentos começados em 1966, ou seja, sem qualquer possibilidade de a governadora repassar para o antecessor a responsabilidade, que teria eu, Venerável, a dizer? Sobre a menina que ia para a escola pela primeira vez e foi queimada viva, vítima de cruéis vítimas atiradas, amontoadas em jaulas como as de Pedrinhas ou Porto Alegre. Os detentos precisam fazer rodízio para dormir nas celas hipersuperlotadas, pegam sarna, doenças venéreas, perdem o senso, assistem ao estupro das próprias mulheres, mães de seus filhos, dentro das celas. Assistem à decapitações de outros detentos. Não tenho coragem de comentar, estou muda.


A produção de barris de petróleo só vai aumentar, celebram os números. Um estudo (“National contributions to observed global warming”) apontou que, por causa do desmatamento, o Brasil fica atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia em termos de responsabilidade pelo aumento das temperaturas no planeta, desde o início do século XX. Muito antes do que imaginamos, a Floresta Amazônica será apenas uma floresta de eucaliptos.


Seguimos comendo partículas plásticas que não se dissolvem porque, de tão pequenas, passam pelos filtros com as malhas mais finas. Usadas principalmente pela indústria cosmética, vão parar no mar, e nós comemos esse plástico dentro dos peixes, dos camarões, das lagostas nos salões.


Seedorf foi-se embora do Botafogo, o que posso dizer eu que modifique isso? A partir de agora só usarei aquele manjado e melancólico “já me deu muita alegria”. Alegria que não deu pra sentir nesta semana de imagens de feridos na Síria, de madeira nativa dizimada, de infâncias perdidas, de escravidão, de retrocesso, de jogadas para a plateia. O investimento em energia limpa caiu alarmantes 12% em 2013. Deixou o Ministério da Educação o ministro que no comando da pasta perguntou o que museu tem a ver com educação, não é má notícia, mas, Digníssima, uma vez isso acontecido, o que poderá estar por vir?



Queria, Impecável, poder dizer aos leitores, meus compadres queridos, “vamos até a praia, hoje é domingo, sol de maçarico ou talvez umas pancadas, as amorosas chuvas de verão, escutar a sinfonia das cigarras dando tudo de si, nossa, chega a doer o ouvido. O canto das cigarras não tem o intuito de ser belo, ele apenas é, o que é, é para o que serve. Natural, cheio de nuances, com intervalos e notas estranhos, às vezes metálicos e dissonantes, quando várias cigarras cantam juntas cada qual o seu próprio canto, esquisitos, inconcebíveis na música aprisionada em 12 notas que costumamos ouvir há centenas de anos. Uma maravilha sem igual. Vamos sentar em um banco de praça em Copacabana, vamos passear na Floresta da Tijuca enquanto seu lobo não vem. Mergulhar as retinas em flamboyants esplendorosos, roubar os jambos do vizinho, paquerar as jabuticabeiras carregadas. Vamos desenhar as paredes inteiras da casa da vovó. Vamos pingar sorvete no tapete da sala”, mas, Honorável, não estou mesmo conseguindo. Passo no departamento pessoal amanhã.