quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Waldemar e Consuelo: unidos pela História - Maria Stella de Azevedo Santos

A Tade /BA - 23/10/2013

O oposto de morte é nascimento. Vida é uma palavra que não tem antônimo (...) A vida tem passagens de uma etapa para outra; tem um eterno recomeço

Maria Stella de Azevedo Santos
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opoafonja@gmail.com





Sempre se fala em morte como contrário de vida. Entretanto, com um pouco de reflexão se perceberá que o oposto de morte é nascimento. Vida é uma palavra que não tem antônimo, mesmo que os dicionários insistam em dar para esta palavra algo que a ela se oponha. A vida não tem começo, nem fim; tem passagens de uma etapa para outra; tem um eterno recomeço; um eterno retorno. Não falo assim por ter uma visão religiosa do existir, a ciência ainda nos dias de hoje diz: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Digo isso para poder falar de dois membros da Academia de Letras da Bahia: a confreira Consuelo Novais Sampaio, que deixou a cadeira 40 da referida instituição no dia 18 deste mês, e de um dos meus antecessores na cadeira 33, Waldemar Magalhães Mattos.

Para que um povo possa construir seu presente e planejar o futuro, é imprescindível que conheça sua história. Essa foi uma das missões que Consuelo Novais Sampaio realizou durante sua estadia aqui na Terra. Ela não se contentou apenas em fazer o curso superior em História. Ela fez mestrado, doutorado e pós-doutorado nessa ciência humana. Serviu a nosso estado sendo diretora do Centro de Memória da Bahia, além de ter registrado a história do local que é berço de nosso país. Consuelo Novais escreveu: Canudos: Cartas para o Barão; Pinto de Aguiar – Audacioso Inovador; O Poder Legislativo da Bahia – Primeira República 1889-1930; 50 Anos de Urbanização – Salvador da Bahia no Século XIX. Consuelo está viva em nossa memória, relembrando a todos que não podemos esquecer-nos de pessoas e obras que contribuíram para fortalecer nossa sociedade.

Sigo então cumprindo o compromisso que assumi no dia em que fui empossada como acadêmica: de levar ao público o conhecimento, ou melhor, o reconhecimento de algumas pessoas que são consideradas, por nós baianos, imortais. Faço questão de reafirmar o que disse naquele dia: Somos todos imortais! Contudo, quero aqui esclarecer que umimortal, de verdade, é aquele que se tornou um indivíduo coletivo, pois deixou algo de proveitoso não apenas para sua família, mas para a sociedade em que viveu, como foi o caso de Waldemar Magalhães Mattos, sobre o qual escrevi em meu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia.

Ele nasceu na cidade de Entre Rios, em 13 de setembro de 1917, e viveu na Terra por 86 anos. Era homem de números e letras. Bacharel em Ciências Contábeis, ingressou na carreira literária em 1940
pelo caminho jornalístico. O conjunto de sua obra é de um valor histórico imprescindível para a compreensão da Bahia e, consequentemente, do Brasil do século XIX. Tanto que em 2011, século XXI, portanto, dois de seus livros foram reeditados: Panorama Econômico da Bahia e O Palácio da Associação Comercial da Bahia, no qualWaldemar Mattos narra o baile que comemorou, em 1911, o centenário da Associação Comercial da Bahia, fundada em 15 de Julho de 1811:
 “Suntuoso no seu deslumbramento inexcedível, cheio de encantadora poesia e fulgurante pompa. Sem contestação, foi uma cerimônia de destaque excepcional, cujas impressões os anais das crônicas baianas guardarão para sempre".

Waldemar Mattos também escreveu o livro A Bahia de Castro Alves e foi na sede da Associação Comercial da Bahia que o conclamado poeta dos escravos, na verdade poeta dos fracos e oprimidos, fez sua última declamação pública. Na tarde do dia 10 de fevereiro de 1871, apenas cinco meses antes de deixar esta vida, Castro Alves recitou o poema No meeting du Comité du Pain durante uma reunião filantrópica promovida pela colônia francesa em benefício das crianças desvalidas da Guerra Franco-Prussiana.

Waldemar Mattos ligou-se ao patrono da cadeira 33 ao escrever o livro A Bahia de Castro Alves. E ligou-se a mim, atual ocupante desta honrosa cadeira, por ter ele escrito sobre dona Francisca de Sande, a primeira enfermeira do Brasil. Afinal, eu hoje sou Mãe Stella, uma iyalorixá que orienta as pessoas no sentido de cuidarem do espírito, mas um dia fui Maria Stella de Azevedo Santos, uma enfermeira que orientava sobre os cuidados com o corpo físico.


MÃE STELLA ESCREVE NA 4-FEIRA, QUINZENALMENTE

Uma cabeça cheia de drama - Tom Cardoso

VALOR ECONÕMICO - 18/10/2013

Tom Cardoso

 Lula / Lula


"Eu quero erro! Eu quero erro! Eu quero erro!" Os métodos da diretora Amora Mautner são conhecidos - e temidos - no Projac, o centro de produção da Rede Globo. Uma de suas táticas, para extrair o máximo de cada ator, é levá-lo ao erro, livrá-lo de qualquer condicionamento. Para chegar lá, ela costuma conduzir o set de gravação em voz alta, sob efeito de energéticos, quase em transe - quanto maior o caos, melhor. Quase sempre dá certo. "Eu detesto ator 'pronto' - considero o Sean Penn o pior ator do mundo, um mala", diz Amora, diante de um prato de sopa de legumes. Meia hora antes, ela transformara a sala do seu confortável apartamento no Leblon, o lugar escolhido por ela para este "À Mesa com o Valor", na extensão de um estúdio da Globo, mas sem, claro, o método do erro. Marisete, sua secretária, é quem tinha a missão de deixar a mesa pronta e impecável para o jantar.

Amora chegou do Projac, vinda da longínqua Barra da Tijuca, distância que não foi suficiente para tirá-lo do "transe". Elétrica, a diretora atravessou a sala em direção à cozinha perguntando se o penne com tomate e manjericão já estava pronto, se o vinho era mantido na temperatura certa, onde o repórter e o fotógrafo se sentariam, por que as taças não eram de cristal e o que o regime Detox, a dieta da moda, lhe reservara para o jantar (era a substanciosa sopa de legumes).

O repórter não sabia o que era "Detox" - para espanto de Amora. "Só você e meu pai não sabem. É coisa de intelectual", diz. O pai da diretora é o compositor Jorge Mautner, autor de "Maracatu Atômico", parceiro de Caetano Veloso e Gilberto Gil, o poeta do Kaos, com "K", não o caos profetizado pela racional e ao mesmo tempo irascível diretora. Mautner é zen - Amora inquieta, geminiana, instável. Não que pai e filha sejam totalmente antípodas. "Somos muito diferentes, mas parecidos em traços importantes, que moldam o meu jeito de viver até hoje", conta. Quais? "Somos livres. Não nos importamos com a opinião dos outros." E as diferenças? "Ele é satisfeito com a vida interna dele, passa boa parte do dia lendo, meditando - eu sou caótica, difícil me fazer parar."

Quando Amora decidiu fazer um teste para trabalhar na Rede Globo, aos 20 e poucos anos, o pai foi contra. "A TV vai empobrecê-la. Vai deixar de ler um livro para ler texto de novela?", disse, na época. Hoje, Mautner é fã incondicional da diretora Amora - e de novelas, desde que sejam dirigidas pela filha.

"Eu criei uma nova linguagem, menos naturalista, tenho total consciência disso. As pessoas dizem que sou metida, mas é isso mesmo"


Mautner, assim como muitos brasileiros, não perdeu um só capítulo de "Avenida Brasil", telenovela exibida no ano passado que oxigenou o gênero ao introduzir conceitos de séries americanas e trazer para o centro da trama personagens da nova classe média brasileira. Amora, a diretora, e o autor, João Emanuel Carneiro, deram, juntos, vida à suburbana família Tufão, o núcleo central e responsável pela espantosa repercussão do folhetim. "Quando recebi o texto do João, achei, de cara, inovador, diferente, e tinha, como diretora, de fazer que os atores assimilassem toda aquele frescor", relata. O processo começou com a escolha - também em conjunto com Carneiro e os outros diretores da trama, Ricardo Waddington e José Luiz Villamarin - do elenco de atores e com uma rápida imersão no universo popular, que incluiu uma noite num baile charme, em Madureira. "Em dois segundos o João já sabia o que queria. Ele é um gênio."

Já Amora preferiu estender o intensivão em classe C para a casa da babá de sua filha, também no subúrbio carioca, onde passou um fim de semana. "Foi incrível. Eu queria saber exatamente como era esse áudio meio 'Maracanã' de todo mundo falando ao mesmo tempo e se fazendo entender, enquanto a televisão está no último volume, o aparelho de som também e o carro da pamonha passa na rua."

Depois da ida ao baile charme, do fim de semana na casa da babá, Amora reviu alguns filmes de Frank Capra (1897-1991), em "que a situação da família era muito presente", e todo o seriado "Família Soprano", para resgatar o lado meio "nonsense", essa mistura da comédia com drama que os roteiristas da série fazem tão bem. "Eu tinha um texto muito bom, um elenco privilegiado nas mãos, precisava fazer a lição de casa como diretora e levar para o ar algo de fato inovador que, em outras novelas, por uma série de circunstâncias, eu não consegui estabelecer de forma tão profunda, essa sinergia entre texto, atores e direção", diz Amora. Acha que ela e Carneiro - e o elenco - chegaram lá. "Conseguimos reproduzir com bastante fidelidade o cotidiano dessas pessoas, sobretudo nas falas da família Tufão, um dos pontos altos da novela."

Amora também tem seu ritmo de falar - frenético e ao mesmo tempo articulado e seguro. Enquanto explica detalhes das gravações de "Joia Rara", telenovela das seis, dirigida por ela e exibida na Rede Globo, tenta convencer Marisete de que as taças trazidas pela secretária não são de cristal. As taças de vidro são recolhidas. Amora agora fala sobre o desejo de filmar o primeiro longa-metragem. Cinéfila, fã de John Cassavetes e Paul Thomas Anderson, ela se obriga a assistir, no mínimo, a três filmes por semana e alguns seriados. Quase nunca vê a programação da TV aberta. Por falta de tempo e para não "contaminar" o seu trabalho como diretora. "Eu sou ligada em neurociência e sei que o cérebro guarda tudo que a gente vê", diz. "Então, a quanto menos filme ruim eu assistir, melhor." O seu primeiro longa-metragem será inspirado num livro, que ela não revela qual é, mas está perto de comprar os direitos para o cinema. Amora pretende rodá-lo na Argentina, com atores locais - e falado em espanhol. Será um "filme de ator", de baixo orçamento, algo raro, segundo ela, na atual indústria cinematográfica, cada vez mais dominada pelos "blockbusters" e, no caso brasileiro, pelas comédias de costume. "Se for para dirigir uma comédia, um gênero em que não tenho o mínimo interesse, prefiro não fazer cinema."


Leo Pinheiro/Valor / Leo Pinheiro/Valor
Amora em casa, lugar que escolheu para receber o "Valor", diante da sopa de legumes: "Eu detesto ator 'pronto'. Considero o Sean Penn o pior ator do mundo, um mala"



Marisete, aflita, traz, enfim, as tão solicitadas taças. "Arrasou, amor", diz Amora. A diretora brinda com repórter e fotógrafo. "No cinema, sou da turma do baixo orçamento, mas aqui em casa não tem economia, não", brinca. A sopa de legumes permanece intocada. "Sempre fui de comer muito pouco à noite, prefiro comer bem no almoço." A comilança do almoço resumiu-se a um hambúrguer de quinua com grãos e o lanche da tarde, em meio às gravações, a um purê de couve-flor.

Amora sempre recorre ao regime quando volta de uma longa viagem, como era o caso, ou quando o trabalho não permite que ela mantenha uma alimentação equilibrada. Para quem virou diretora da Globo aos 23 anos, a rotina incessante de gravações, cercada de Big Mac e empadinhas, poderia transformá-la numa sedentária e bem-sucedida diretora global. Mas ela se policia. "Já estou sentindo que estou desinchando, estou leve", observa. Em forma, aparentando bem menos do que os 38 anos, Amora conseguiria facilmente uma participação em "Malhação", série de televisão para o público adolescente, mas isso seria tão impossível quanto vê-la dirigindo a continuação de "E aí... Comeu?", comédia brasileira que levou milhões de espectadores ao cinema.

"Nunca mais vou interpretar, aquela foi a pior experiência da minha vida", diz, referindo-se à sua participação na novela "Vamp", de Antônio Calmon, que foi ao ar em 1991, ano em que ela entrou, meio por acaso, na Globo. Ela vinha de uma experiência pouco produtiva como publicitária na produtora Conspiração Filmes e achava, ao contrário do pai, que a Globo era o lugar ideal para dar início ao sonho de virar diretora - na época, o cinema brasileiro definhava, com o fim da Embrafilme (empresa estatal, produtora e distribuidora de filmes, extinta em 1990 pelo governo do presidente Fernando Collor). A extrovertida Amora chegou chegando. Com uma amiga, decidiu fazer um teste na emissora. "Eu não me lembro muito bem - eu acho que me perguntaram algo sobre a Madonna -, só sei que gostaram tanto de mim que eu fui escalada para fazer a novela das sete seguinte", conta. "Eu não queria, nunca quis ser atriz, mas o Calmon cismou comigo." Foram longos oito meses de martírio (a novela se tornou um sucesso no horário das sete), que incluíram uma tentativa - de Amora - de matar o seu personagem. Em "Vamp", ela fazia a filha do casal interpretado por Paulo José e Zezé Polessa, que, em determinado momento da trama, perdiam a vida. "Eu aproveitei e liguei para o Calmon, sugerindo que eu morresse também." Quase foi morta - de verdade - pelo diretor. "Ele ficou possesso, furioso, disse que eu era muito abusada de ligar para ele e que ficaria de qualquer jeito até o fim da novela."


Um dos piores momentos de sua breve e traumática experiência de atriz foi quando se viu obrigada a chorar pela morte dos pais fictícios. "Eu não sei chorar, nunca vou saber, sou muito racional, tanto que tenho enorme dificuldade de trabalhar com atores que são como eu", revela. "Quando me vi chorando lágrimas de crocodilo em 'Vamp', tive a certeza que só havia um caminho a seguir: virar diretora." Era um caminho tortuoso almejar um cargo de diretora numa emissora onde todo o núcleo de dramaturgia, com raras exceções, era formado por homens, dos diretores à equipe técnica.

A primeira oportunidade surgiu com o convite, em 1999, para ser uma das assistentes de direção de Dennis Carvalho em "Caminho das Nuvens", novela do horário das seis, escrita por Euclydes Marinho e Letícia Dornelles, para trabalhar exclusivamente com atores adolescentes, como toda iniciante. Teve apenas uma oportunidade - após a falta de um dos diretores - de dirigir o protagonista da novela, Marco Nanini. Arrasou. "O Nanini ligou para o Dennis Carvalho, me elogiando. Foi o meu primeiro grande incentivo." O que não serviu, na prática, para mudar muito o seu status na emissora - ela continuava sendo uma "pirralha" de 23 anos metida a diretora. E ainda por cima mulher.

Em 2000, mais uma vez como diretora-assistente, Amora enfrentou a prova dos noves: trabalhar ao lado de Walter Avancini (1935-2000), um dos maiores diretores de telenovelas do país e famoso pelo estilo durão e pela pouca paciência com profissionais inexperientes. Avancini voltava à Globo depois de dirigir quatro novelas na extinta Rede Manchete e, ao contrário do que ocorria normalmente, quando o diretor forma o próprio núcleo de trabalho, a direção da Globo selecionou uma equipe para Avancini e incluiu Amora no quadro de diretores-assistentes da novela "O Cravo e a Rosa".

O Talma [diretor e produtor] costuma dizer que para 'fazer televisão tem que ser macho. Macho homem, macho mulher e macho gay'"

"Conversamos por telefone, foi tudo ótimo, mas quando ele me viu pessoalmente, já dentro do Projac, ficou parado, em silêncio, me medindo dos pés à cabeça, e disse: 'Você não tem idade para ser diretora'." A partir dali, segundo ela, o diretor iniciou uma luta. E armou um teste de fogo para a jovem diretora-assistente: gravar uma noturna "na fazenda", com os dois protagonistas. Era uma cena tecnicamente difícil de ser gravada e de grande importância para a novela. "Ele queria ter um pretexto para chegar à direção da emissora e dizer: 'Olha, gente, essa menina não tem condições de ser diretora da Rede Globo'."

Cinéfila desde a adolescência - na sala de estar há uma imensa prateleira abarrotada de livros sobre o tema e DVDs de longas dirigidos por nomes como Stanley Kubrick, Andrei Tarkovski e David Lynch -, Amora salvou-se da degola recorrendo-se às suas referências sobre cinema. Como a cena seria gravada numa fazenda, lembrou-se de cara de "Babe, o Porquinho Atrapalhado", filme infantil dirigido pelo australiano Chris Noonan, de grande apuro técnico (ganhou o Oscar na categoria de melhores efeitos especiais), e também dos longas dirigidos pelos irmãos Joel e Ethan Coen, famosos pela inovação nos enquadramentos de câmera.

A primeira providência de Amora foi pedir à produção da novela que alugasse uma lente J11, muito usada no cinema, que não era, no entanto, utilizada pelos diretores da emissora até então. "Eu passei a noite gravando e, quando cheguei à ilha de edição, às duas da manhã, para editar o material, quem estava lá: o Avancini", relata Amora. "Não era para estar ali naquela hora nem ver o material antes de ser editado, mas ele fez questão de passar a noite na edição para atestar a minha 'incompetência'." Foi nesse clima de "UFC", diz Amora, que Avancini assistiu à cena gravada pela assistente. A sessão terminou com o diretor estupefato, aplaudindo-a em pé, durante cinco minutos. O salário de Amora foi triplicado e logo ela entraria para o seleto primeiro time de diretores de núcleo da TV Globo, assumindo a direção geral de novelas como "Cama de Gato" (2000), "Cordel Encantado" (2011) até a consagração definitiva com "Avenida Brasil".

Ela diz ter aprendido tudo de televisão com os seus três mestres - Avancini, Ricardo Waddington e Guel Arraes -, mas reconhece a sua importância para a teledramaturgia brasileira. "Eu criei uma nova linguagem, menos naturalista, tenho total consciência disso", afirma. "As pessoas dizem que sou metida, mas é isso mesmo."

Amora saboreia um sorvete "de mil frutas", um mix de maçã, cenoura e gengibre, desprovido de leite, gordura e glúten. Ela conta que nem o reconhecimento profissional, garantido pelos nomes Avancini e Arraes, a livrou de alguns dissabores, sobretudo por ser mulher e exercer um cargo de chefia. Logo depois do aumento salarial em plena gravação de "O Cravo e a Rosa", Amora passou a ser "provocada" pela equipe técnica, formada por câmeras, contrarregras, operadores de áudio - todos homens. Até que um dia um dos câmeras fez um trocadilho grosseiro com seu nome. "Eu fiquei possessa, briguei com cem homens ao mesmo tempo - deveria entrar para o livro dos recordes." Foram quatro meses sem dirigir uma palavra para a equipe técnica. "O Roberto Talma [diretor e produtor] costuma dizer que para 'fazer televisão tem que ser macho. Macho homem, macho mulher e macho gay'."

Atualmente, Amora corre poucos riscos de sofrer "bullying" no Projac, não só pelos quase 20 anos de casa, e pelo respeito conquistado como diretora, mas também por se dar ao luxo de ter uma equipe própria, altamente entrosada, que já conhece - e não se assusta tanto com o ritmo caótico imposto pela diretora. Ela também gosta de trabalhar sempre com os mesmos atores, os que não chegam "prontos" de casa e estão abertos ao método do erro. Entre os preferidos, Marcos Caruso, Eliane Giardini e Débora Bloch. Recentemente, sites especializados em televisão publicaram que Amora teria vetado, por falta de "afinidade artística", uma conhecida atriz global para integrar o elenco de uma de suas novelas. Amora não desconversa. "Não tenho nada contra o trabalho dessa moça como atriz, mas ela não vai somar nada ao meu trabalho nem eu ao dela", diz. "Na minha equipe não tem nenhum burocrata - todos pensam e criam junto comigo."

O fim do jantar coincide com a chegada de alguns atores ao apartamento de Amora. É parte do elenco de "Joia Rara", que não veio fazer uma visita à diretora - e sim trabalhar. É, um ensaio está programado para começar às 23 horas num dos quartos do apartamento. O clima é de festa. "Eu amo todos os meus atores, tenho paixão por eles." O ator Carmo Dalla Vecchia, de olho na sopa de legumes, pergunta quanto tempo Amora ainda tem de regime. Nathalia Dill elogia a forma física da diretora, que aproveita para contar a todos os atores presentes que existe mais alguém, além de Jorge Mautner, que nunca ouviu falar de dieta Detox. O elenco cai na gargalhada. Repórter e fotógrafo se despedem, agradecem pelo saboroso penne com manjericão, enquanto Amora começa a reunir o elenco para o improvisado ensaio. Do elevador, é possível ouvir os gritos de "Eu quero erro! Eu quero erro!" É a moradora do quarto andar.