terça-feira, 30 de abril de 2013

A Portela desejada - Toninho Nascimento e Luiz Carlos Máximo

O Globo - 30/04/2013

Separação entre direção e comunidade levou a uma grave crise
 

Toninho Nascimento e Luiz Carlos Máximo

 

Toda instituição com longos anos de existência, inevitavelmente, é acometida por momentos de crise. E com o glorioso Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela não é diferente. Em sua história, a escola teve três traumáticas rupturas. A saída de Paulo da Portela, viga mestra da agremiação, o rompimento de Candeia e Paulinho da Viola, na década de 70, e, anos mais tarde, a dissidência que fundou a Tradição.

Ao completar 90 anos, a Portela vive sua maior crise. Não somente pelo jejum de títulos, mas, fundamentalmente, pela não realização do sonho de que a escola de samba de Oswaldo Cruz e Madureira reocuparia seu lugar na cultura. E as consequências são sempre desastrosas quando uma esperança é apunhalada. A crise da Portela é de diagnóstico simples, porém grave: é a separação entre sua direção e a comunidade. Um corpo sem alma. Mas para um portelense, a esperança nunca finda, muda de lugar. E neste lugar, capital dos nossos sonhos, vislumbramos o retorno da verdadeira Portela em seu conceito mais amplo, retomando a utilização do seu espaço como ambiente sociocultural da comunidade, em que o samba tem primazia.

Fortalecer a ala de compositores, investindo na formação de novos talentos, com a realização de rodas de samba e festivais de sambas de quadra, são iniciativas necessárias para a Portela prosseguir como fonte de referência da música popular brasileira. Assim como é premente que a disputa de samba de enredo seja igualitária. Não queremos a transformação em gueto, mas o entendimento de que a escolha do “hino” é um momento sagrado, em que o mérito da obra deve prevalecer, sem a interferência de interesses e/ou do poder financeiro. Não estamos entre os que não querem navegar, mas na defesa de que tenhamos o leme em mãos. O pioneirismo e a ousadia permeiam as belas páginas da nossa história. Parafraseando o mestre Paulinho da Viola, não moramos no passado, mas o temos em nós. A Portela foi fundada num momento em que a política de Estado era a de apagar as heranças culturais negras. E, remando contra a maré, a escola nasceu e abriu caminhos.

Não fechamos os olhos às transformações. A negociação entre a tradição e os novos tempos é o desafio de uma nova gestão, que desejamos democrática, sem perpetuação nos cargos de poder, com profissionalismo administrativo e financeiro, em que os recursos sejam investidos com planejamento e transparência, valorizando os profissionais e priorizando as alas comunitárias. A ampliação do colégio eleitoral, com pessoas identificadas com a Portela, e a criação de um conselho de baluartes, guardiões da nossa tradição cultural, também são iniciativas primordiais para a democracia ser exercida de forma plena e os princípios preservados. Queremos uma direção que seja um instrumento dos anseios dos portelenses. Cientes de que não são proprietários de uma instituição em que dezenas de milhares de apaixonados depositam seus sonhos. Mais do que nossa, a Portela é um patrimônio cultural do país.