domingo, 10 de fevereiro de 2013

Suíte tabagística - Humberto Werneck

Na cela 3 do DOPS, em Belo Horizonte, onde aos 21 anos me trancafiaram por um mês, achei que a meu perfil de jovem intelectual insubmisso faltava um arremate visual. Podia não ter o cachecol e o olho torto do Sartre, porém o mais estava à mão. Pedi aos amigos que me arranjassem um cachimbo.

Fui atendido pelo José Márcio Penido, e, durante horas, encostado à grade (na cela em frente estava o sociólogo Bolívar - então oxítono: Bolivar - Lamounier), fiz o que pude para manter acesa, já não digo a flama revolucionária, mas a brasa do cachimbo. A outra, com o tempo, também arrefeceu, tanto quanto meu pique para desbravar a Introdução Sistemática ao Estudo da Sociologia, de Harry M. Johnson, que o vizinho de cana me recomendara. Bem mais adiante, tive uma fase de charuto, fumegante adereço que definitivamente não combinava com o meu temperamento bem pouco contemplativo. Repare: a não ser em filme de gângster, na permanente iminência da chegada dos pneus cantantes da lei, você não vê ninguém pitando nervosamente um puro, talhado, ao contrário, para ser saboreado em sossego, de preferência ao pé de uma lareira e com um cálice de conhaque na outra mão.

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O ANO DOS GAYS - HELENA CELESTINO


Conceitos e preconceitos estão sendo revistos dentro e fora das igrejas

Dos cardeais do Vaticano a escoteiros e bandeirantes, todos estão sendo obrigados a rever conceitos e, quem sabe, desfazer preconceitos. Em cada cabeça, uma sentença; em cada país, uma polêmica. No Reino Unido, uma parte do movimento gay não entende por que tanto barulho por tão pouco. Concordam que a aprovação no Parlamento do direito de os gays se casarem foi uma vitória da turma do bem; vai favorecer os casais homos, seus filhos e a sociedade de uma maneira geral. É mais uma etapa em direção à igualdade de direitos num país em que criminalização do sexo entre iguais — lei que mandou o escritor Oscar Wilde para a cadeia — só terminou nos anos 60. Mas a pergunta que não quer calar é por que o Estado tem de se meter num assunto tão privado como o amor entre duas pessoas, sejam elas hétero ou homo? Os ocidentais criticam a intromissão da lei islâmica na vida privada de mulheres e homens, mas repetem o procedimento ao legislar sobre o comportamento sexual: “Quase todas as questões envolvidas num casamento podem ser resolvidas consensualmente entre dois adultos — divisão de propriedades, obrigações e direitos de família — não precisa do Estado para ser regulamentado”, diz o ativista Sam Bowman, num texto no “Guardian”.

Desejo e preconceito - RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

 Um Estado laico não deveria
permitir que continuem
acontecendo injustiças e exclusões
sociais em razão de convicções
morais particularizadas
e estigmatizantes

Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o companheiro de uma relação homoafetiva pudesse ser incluído como dependen­te do Club Athlético Paulistano. Tal decisão in­sere-se em um contexto histórico de luta contra o preconceito e discriminação.

Em 1984 o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que uma mulher, pelo simples fato de ser mãe solteira, não mais poderia ser impe­dida de freqüentar o clube social da cidade de Conselheiro Lafaiete. Paradoxalmente o pai sol­teiro, desta mesma criança nenhuma restrição ou discriminação sofria naquele ambiente.

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O abacaxi da cultura

Para antropólogo, governo tem dificuldade em implantar uma política cultural, mas a anticultural é corriqueira



 Salada. No barracão da Vila Isabel, funcionário vistoria carro alegórico. ‘Este carnaval é do sertanejo, do arrocha, do funk paulistano’, diz autor

IVAN MARSIGLIA 

Com a sua peculiar estridência, a assim chamada "nova classe média" ocupa, além de aeroportos e manchetes de economia, o centro da cena cultural brasileira. É o Carnaval do Ai se eu te Pego, do tche-rerê-tche-tchê, da Beyoncé paraense Gaby Amarantos, da redenção do funk carioca e também da tragédia da Gurizada Fandangueira. Nessa explosão de sentidos figurados e literais, que marcas deixarão impressas na cultura nacional os cerca de 40 milhões de "ex-pobres" - na jocosa definição de MC Papo - que ascenderam ao mercado na última década?
Na opinião do antropólogo Hermano Vianna, antes de mais nada vale a pena remeter para a discussão da cultura a crítica feita pelo ex-presidente FHC ao termo nova classe média. "Há de tudo nela: pastores de igrejas evangélicas, DJs de tecnobrega, militantes de coletivos periféricos, donos de lan houses", diz o irmão mais velho do guitarrista Herbert Vianna, dos Paralamas, e um dos mais importantes pesquisadores musicais do País. "O rótulo impreciso tenta dar conta de uma grande transformação da sociedade brasileira ainda não analisada devidamente."
Aos que denunciam um suposto empobrecimento geral das manifestações artísticas no País, o doutor em antropologia social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - que também é consultor do programa Esquenta!, de Regina Casé, na Globo lança mão de uma metáfora, a do disco voador: trata-se de um olhar que sobrevoa o País sem conexão com o mundo de baixo que agora penetra a fuselagem da nave, incomodando seus finos tripulantes. E reedita, em tom de provocação, a enfática defesa que faz há anos da música mais popular dos morros cariocas. "Encontro no funk muitos elementos que o tornam superior a uma sub-MPB que tentam me empurrar como música de qualidade."
Na entrevista a seguir, Hermano Vianna desvenda a origem moderna do Carnaval carioca, vê com bons olhos a chegada do baiano Juca Ferreira à paulistaníssima prefeitura de Fernando Haddad, afirma não morrer de amores pelo Vale Cultura encampado pela ministra Marta Suplicy e reitera aos puristas que, assim como já declarou Gilberto Gil, "raiz para mim só de mandioca".

Na última década, o Brasil vive a ascensão de uma nova classe média e a chamada inclusão pelo consumo. De que forma essa transformaçao se expressa no âmbito da cultura?
Em seu artigo de domingo passado no Estado, Fernando Henrique Cardoso escreveu que "a dissolução do conceito de classes em "categorias de renda" chamadas classes A, B, C, D, ou nesta "nova classe média", dificilmente se sustenta teoricamente". Falou mais como sociólogo do que como ex-presidente ou político da oposição. Eu, como antropólogo, orientando de Gilberto Velho - por sua vez orientando de Ruth Cardoso, corajosa o suficiente para, durante a ditadura militar, aceitar que Gilberto fizesse tese sobre o consumo de drogas entre jovens da velha classe média posso afirmar que tal dissolução também não se sustenta culturalmente. Quando dizemos "nova classe média" estamos pensando num grupo extremamente heterogêneo em termos de estilos de Vida e visões de mundo. Há de tudo nela: pastores de igrejas evangélicas, DJs de tecnobrega, militantes de coletivos periféricos, donos de lan houses, etc. O rótulo impreciso tenta dar conta de uma grande transformação da sociedade brasileira, ainda não analisada devidamente.

Em que termos falta analisá-la?
Ela não é apenas uma transformação econômica. Aconteceu ao mesmo tempo em que outras mudanças profundas se processavam. Na cultura, as conseqüências da revolução digital foram imediatas. O modelo de negócios da "indústria cultural", que funciona na base do broadcast, poucos-para-muitos, ainda não conseguiu se adaptar ao mundo das redes, muitos-para-muitos. Por exemplo, o mundo das gravadoras de discos, que comandava o mercado mundial de música popular, praticamente desmoronou. Milhares de pequenos estúdios surgiram em todas as periferias. Seus produtos são distribuídos via internet e fazem sucesso sem precisar de rádio, imprensa, TV. Em 2006, quando escrevi o texto para lançamento do programa Central da Periferia, na Globo, deixei claro: somos a mídia de massa correndo atrás da música mais popular nas ruas brasileiras que nunca esteve na TV antes. Descrevi a grande mídia como um disco voador, sobrevoando o País, sem conexão com o mundo "de baixo". De lá para cá, nada mudou tanto assim: apenas o barulho de fora (Ai se eu te Pego), amplificado por milhões de alto-falantes de som automotivo ou de celulares ligados em redes sociais, já penetra a fuselagem da nave, incomodando seus finos tripulantes.

O sr. quer dizer que há um incômodo com a democratização da cultura?
O melhor texto sobre isso é o do Otávio Velho dizendo que não há mais grotões no Brasil. Ele criticava a opinião de que os votos que elegeram Lula vinham de grotões ignorantes e sem conexão com a realidade contemporânea. Quem não viaja pelo interior não deve se dar conta disso. Quando piso em qualquer biboca, longe das capitais, logo encontro grupos articuladíssimos, tocando projetos sociais e culturais muitas vezes com repercussão internacional. E há também uma politizaçào geral nesse interior que não é só de esquerda, e quase sempre não tem lugar definido no espectro ideológico tradicional. Ela é alternativa a vida político-partidária, parte do "disco voador", e produziu importantes organizações como a Cufa (Central Única de Favelas) e o AfroReggae. O pop periférico e a politizaçào cultural periférica - que não mantêm relações harmoniosas entre si - são as principais novidades culturais brasileiras das duas últimas décadas.
E as políticas de cultura do País, estão dando o melhor a essa população ou apenas reforçando estereótipos?
Políticas de cultura não devem "dar" nada para a população. Isso se parece com promessa velha de político acostumado ao ar condicionado no disco voador: "Vou levar cultura para as favelas". A imagem tradicional era a favela como vazio cultural que devia ser iluminada com arte de fora. Os próprios favelados já deram a resposta: "Qual é, mané, o que não falta aqui é cultura". As políticas de cultura, então, precisam trabalhar junto com o que já acontece em cada lugar, possibilitando uma melhor circulação de informações e contribuindo para ampliações de horizontes de maneiras de fazer arte, que foram criadas muitas vezes aos trancos e barrancos (ou dentro de barracos). Outro dia vi um censo cultural realizado com jovens de áreas "ex-pobres" - expressão inventada pelo MC Papo rei do reggaeton mineiro - do Rio revelando uma maioria absoluta que nunca tinha ido a um show musical. Conheço bem as áreas onde a pesquisa foi aplicada e sei que essa rapaziada freqüenta baile funk com muitas apresentações ao vivo. Aquilo não é considerado show musical? Por quem, o pesquisador ou o pesquisado? Show musical é o quê? Só o que acontece no Citibank Hall?
O sr. foi um defensor dos CEUs e dos Telecentros da então prefeita Marta Suplicy. O que achou do Vale Cultura, apresentado pela agora ministra?

O Vale Cultura não foi inventado pelo ministério Marta. Tem longa história de formulação e debate, anterior até à data de 2009, quando foi para o Congresso. Na época, o então ministro Juca Ferreira já precisou atacar a opinião de que o dinheiro "não deveria ser usado em baile funk"". Juca seguiu o pensamento de Gilberto Gil, que numa de suas melhores frases como ministro disse: "Cultura ruim também é cultura". E isso, não tenho o que acrescentar porque sei que Gil e Juca sabem que funk não é cultura ruim. Gil até já cantou, em declaração de amor para o Rio, "quero ser teu funk".
Então o sr. concorda com a resposta da ministra aos críticos do Vale Cultura: ‘Se quiser comprar revista de quinta categoria, pode’ e ‘compra porcaria quem quiser’?

É engraçado: quando a política deixa o mercado decidir como o incentivo vai ser usado, é acusada de sustentar cultura de mercado com dinheiro público. Quando quer corrigir “distorções do mercado”, como o fato de a região Sudeste acabar com a maior porcentagem do dinheiro da Lei Rouanet, é acusada de dirigismo cultural Parece que todos preferem o imobilismo, que o ministério não proponha política nenhuma. Não morro de amores pelo Vale Cultura, mas encaro sua implementação como uma experiência. Por que, de antemão, achar que ele vai ser usado só em porcaria? Essa é a imagem que temos do tal “povo”, coitadinho, que precisa de nossa orientação para saber o que é bom. E se for assim, por que esses críticos não partem para a porta das fábricas para ensinar ao povo o que é bom, com serviço de van grátis direto para a Sala São Paulo? Essa é a imagem que temos do tal “povo”, coitadinho, que precisa de nossa orientação para saber o que é bom. E se for assim, por que esses críticos não partem para a porta das fábricas para ensinar ao povo o que é bom, com serviço de van grátis direto para a Sala São Paulo?

A ida de Juca Ferreira, um baiano, para a Secretaria de Cultura paulistana de Fernando Haddad, lhe agradou?

Confesso que fiquei surpreso. Estamos acostumados a pensar a política estadual ou municipal de forma paroquial, como se só os locais pudessem lidar com realidades locais. Então foi surpresa boa: uma pessoa de fora pode descobrir maneiras novas para resolver velhos problemas já naturalizados pelos nativos. Mesmo quando entende as coisas de forma errada. Lembro a descoberta do tropicalismo pelos críticos estrangeiros nos anos 1990: eles falaram muita besteira, não captavam as sutilezas do nosso contexto, terrivelmente complexo para gringos. Mas aquilo me fez entender nosso passado musical com novos olhos, e tudo ficou ainda mais interessante. Espero que o mesmo aconteça com o diálogo entre o baiano Juca e os paulistanos, que sempre souberam acolher bem os baianos, a ponto de ninguém poder dizer com certeza se o tropicalismo é baiano ou paulistano. Mandei até uma sugestão, de que uma das primeiras ações do novo secretário deveria ser um encontro com a grande comunidade do samba paulistano.

E como vai a cultura em sua cidade, o Rio?

No Rio acontecem outras surpresas: uma pessoa de fora, o gaúcho Beltrame, impulsionou o projeto das UPPs. Por anos fui defender o funk e a possibilidade de realização dos bailes na Secretaria de Segurança -já que a Secretaria de Cultura nunca se pronunciava. Hoje, há uma nova era de projetos culturais. Bom sinal para a cidade, que agora, pós-tragédia em Santa Maria, terra do Beltrame, percebe como as coisas estavam descontroladas. Havia a tal da Resolução 013 que era sempre usada por policiais quando queriam fechar um baile. Tudo podia ser motivo: falta de saídas de emergência, banheiros, isolamento acústico, etc. Agora sabemos que mesmo os espaços culturais da prefeitura ou do Estado funcionavam contrariando regras de segurança. Por que só os bailes eram fechados?

E o Carnaval? Nessa semana de exaltação e júbilo país afora, temos o que comemorar?

Este Carnaval é do sertanejo, do arrocha, do funk paulistano. Ela é Top, do paulistano MC Bola, é a música mais tocada no rádio em Salvador, com versão bem local. Essa é a brincadeira musical preferida atualmente: os sucessos ganham versões em todos os ritmos do momento. E os estilos se misturam. Quem diria que o sertanejo iria virar música de balada? Quem diria que Campo Grande, Mato Grosso do Sul, iria se transformar na capital do pop brasileiro? Eu não entendia muito bem o mundo do sertanejo. Até que fui numa festa de fundo de quintal, bem familiar, em Campo Grande. Uma dupla tocava canções que eu nunca ouvira antes e todo mundo fazia coro, com emoção tão explosiva quanto no momento mais animado do bumbódromo de Parintins. Foi minha rendição: gosto de pop fake, mas também não resisto diante da autenticidade. Naquele momento, gostei por motivos antropológicos, o que me encantava era o amor que aquelas pessoas sentiam por aquela música. Estava claro que algo grande iria acontecer dali. Hoje gosto também por motivos musicais. Mas há outro aspecto interessante nessa brincadeira, que é bem mais que música. Ninguém, nem mesmo o fã mais “inculto”, acha que Ai se eu te Pego é um clássico de Tom Jobim. Aquilo é outra coisa: um mote para festa, para animação coletiva. Começou com uma cantoria de meninas paraibanas viajando para a Disney, virou refrão para animar turistas em Porto Seguro e depois forró em Feira de Santana. Michel Teló transformou o resultado em canção pop, que já foi apropriada em vídeos em todo o planeta, como Gangnam Style. O que importa aí é o processo, a diversão agora, o riso solto, e não a obra-prima para ser venerada como fuga de Bach. É preciso julgar as duas coisas com critérios diferentes.

O sr. parece otimista, mas há alguns dias o sambista Zeca Pagodinho criticou o Carnaval no Rio, disse que ‘tudo foi roubado’ e não se vê mais nem enfeites nas ruas de periferia. Sambas-enredo falam de países distantes e cavalos manga-larga por exigência de patrocinadores. E até o elogiado renascimento dos bloquinhos de rua, em contraponto ao mega-show mercantilizado do sambódromo, já é promovido por marcas de cerveja. A massificação põe em risco a riqueza da festa?

O Carnaval é uma festa moderna, que cresceu mesmo a partir do final do século 19. O primeiro desfile de escola de samba aconteceu em 1929, e o patrocínio dos jornais foi importante para sua popularização e “oficialização”. Antes era algo menor no calendário cultural do Rio. A grande festa da cidade era o Divino, que ocupava o Campo de Santana durante várias semanas. Desapareceu. Nem por isso o Rio deixou de ser o Rio. Tudo muda. E muitas novidades importantes têm origem em desrespeito a tradições. O baiano Hilário queria botar seu terno de Reis nas ruas cariocas. Notando que o 6 de janeiro não era dia de folia no Rio, resolveu sair no Carnaval. Deu nos ranchos, nas escolas de samba e assim por diante. Se fosse fiel às regras tradicionais, a cultura da cidade hoje seria bem diferente. Eu adorava o Carnaval no Centro do Rio no início dos anos 80. Cacique de Ramos e Bafo da Onça desfilavam gigantescos, empolgadíssimos. Aquilo foi minguando, melancolicamente. Houve ano que não escutei nenhum som de blocos na rua. Hoje há cada dia mais blocos, cada vez maiores. A garotada carioca, de todas as classes, voltou a ter no Carnaval sua melhor festa. Você não gosta de blocos comerciais? Não se preocupe, há muitos outros que fogem do comércio. Neste ano vai ter até bloco que só canta marchinhas baseadas em tragédias gregas.

Há quem veja, no entanto, um empobrecimento nas manifestações artísticas de hoje, especialmente se lembrarmos do samba de raiz de Cartola e Pixinguinha, por exemplo. Não há em seu discurso uma certa correção política que impede a crítica?

Cito mais uma vez Gil: raiz para mim só de mandioca. Samba é música moderna, criada no início do século 20, inclusive com a invenção de instrumentos novos, como o surdo, criado a partir de tonéis industriais. Tudo muda, o tempo todo. Ficou mais pobre? A partir de que critério? Sei que o relativismo está fora de moda. Nem ligo: sou relativista incorrigível, cada vez mais radical. Constantemente me pego fazendo coro para Hêmon brigando com seu pai Creonte, em Antígona: “Guarda-te, pois, de te apegares a um só modo de pensar, crendo que o que dizes, e por sères tu que o dizes, exclui qualquer outra possibilidade de ver e sentir as coisas”. Não tem quem me convença que há um fundamento estético único a partir do qual podemos decretar o empobrecimento ou o enriquecimento das criações humanas. Mas digamos que há: então encontro no funk muitos elementos que o tornam superior a uma sub-MPB que tentam me empurrar como música de qualidade. O tamborzão do funk salvou a música brasileira na virada do século 20 para o 21. E vanguarda mesmo, concretismo eletrônico afro-brasileiro. Mas para quem acha que hip hop não é música, ou que Stockhausen não é música, o que estou falando é delírio. Um consolo é saber que a produção da gravadora Motown um dia foi considerada por todos os críticos como lixo comercial sem futuro.

A que servem iniciativas suas como o programa Esquenta!, com Regina Casé?

Antes de qualquer outra coisa queremos fazer uma boa festa. Nas gravações do programa, os momentos que mais nos agradam são quando a platéia assume o controle e viramos espectadores da farra coletiva, Como em qualquer outra festa boa, para isso acontecer é preciso reunir gente que pensa diferente e não tenha preconceito diante das diferenças. Reunião só com gente que pensa igual não tem graça.

O Brasil deveria apostar num programa de inclusão social pela cultura?

Detesto a palavra inclusão por motivos que já comentei nas respostas anteriores: parece que a salvação do excluído - que não tem nada, é um vazio a ser preenchido por bom conteúdo - está na sua captura por um mundo que não é dele, não sua transformação em Outro. Partindo dessa premissa, a política cultural já seria de grande valor se não atrapalhasse o que já existe. O governo tem enorme dificuldade para criar e implantar política cultural. Mas política anti-cultural é corriqueira. Como a proibição dos bailes funk quando a música estava nascendo, empurrando-a para dentro de morros controlados pelo tráfico armado. O “funk proibidão” foi produto dessa ação an-ticultural do poder público.

Pátria e morte - DORRIT HARAZIM

Chris Kyle matou, sozinho, comprovadamente, mais de 160 iraquianos (pelas contas dos colegas foram 255). E morreu sem entender nada da guerra, em que acreditava ter triunfado


Nestes tempos de drones, como são chamados os aviões não tripulados capazes de matar à distância e anonimamente, sobra menos espaço para a glorificação individual de atiradores que se notabilizam pelo número de inimigos eliminados.

O texano Chris Kyle tem lugar garantido na história militar dos Estados Unidos. Como franco-atirador da tropa de elite Seal, da Marinha ( a mesma que desentocou e executou Osama Bin-Laden dois anos atrás), ele serviu quatro turnos na guerra do Iraque. Cumpriu como ninguém a missão para a qual fora treinado: garantir a proteção de seus companheiros na fase mais sangrenta dos combates. Matou, sozinho, comprovadamente, mais de 160 iraquianos (pelas contas dos colegas foram 255) e teve a cabeça colocada a prêmio de 20.000 dólares pelas milícias locais. Ao retornar para casa, em 2009, trazia no peito dezesseis condecorações — entre elas 2 Purple Hearts, 2 Estrelas de Prata, 5 Estrelas de Bronze.


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Futebol guerreiro - TOSTÃO

Felipão terá de decidir entre o estilo das grandes equipes do mundo ou o guerreiro, truncado

NA DERROTA para a Inglaterra, muitos disseram que Felipão não foi Felipão, porque contrariou seu estilo, ao escalar dois volantes que avançam. Ocorreu o contrário, ao colocar Ramires e Paulinho muito atrás, estáticos, sem marcar por pressão, o que os dois fizeram muito bem, com Mano Menezes.

Um dos assuntos mais comentados na semana, que tem a ver com a maneira de jogar do futebol brasileiro, foi o vídeo mostrado pelo Botafogo, em que o zagueiro Bolívar, conhecido por suas cacetadas, gritava: "Vamos deixar cicatrizes nesses caras".


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Exame da OAB: controle de qualidade? - CARLOS EDUARDO DIPP SCHOEMBAKLA

Algum tempo atrás, uma notícia estampou praticamente todos os jornais do país: “Primeira fase do Exame de Ordem registra pior resultado desde 2010”. Tal fato provoca nos acadêmicos de Direito um grande temor quanto ao exame, e eles deixam de acreditar em si mesmos, na bagagem acadêmica que adquiriram durante o curso e, claro, nos estudos que realizaram e que devem realizar constantemente. Mas tal notícia, além de temor, também suscita raiva em alguns, dúvidas em outros, e sempre um mesmo questionamento: qual a necessidade do exame aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil? Por que para outras profissões não existe tal exame?

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Outra carta da Dorinha - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não confessa a idade mas diz ser absolutamente falso que o número do seu primeiro telefone era 2, porque o 1 era do Alexander Graham Bell. Ela desistiu de desfilar como madrinha de bateria neste Carnaval depois do lamentável incidente, ainda não devidamente esclarecido, do ano passado, quando seu tapa-sexo engatou num agogô. Dorinha ainda não sabe o que vai fazer no carnaval, só sabe que quer manter uma distância segura de qualquer desfile, inclusive porque ainda não recuperou o tapa-sexo. Ela está até pensando em... Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinha lilás em papel azul, cheirando a Oui! Oui!, um perfume banido em vários países.

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Trincadura da alma - CARLOS AYRES BRITTO

Esta fase do gerenciamento das perdas afetivas é a mais difícil, até por uma questão de cultura


A tragédia atual de Santa Maria, Rio Grande do Sul, traz à tona uma expressão antiga: "há crimes que clamam aos céus e pedem a Deus castigo". O brado de indignação é tanto mais compartilhado quanto proferido por essa dimensão do ser humano a que chamamos de cidadania. No caso, cidadania que submete as coisas à lupa da razão mais dedutiva ou cartesiana para escancarar a desrazão dos causadores da hecatombe em que se traduz a morte de quase duas centenas e meia de seres humanos.


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O que será o amanhã? - MAURO LAVIOLA

A reunião de suposto congraçamento entre a Comunidade dos Estados Latino-america­nos e Caribenhos (Celac, ver­são latina da Organização dos Estados Americanos sem os EUA e o Canadá) e a União Européia, ocorrida em Santia­go do Chile no fim de janeiro, revelou o velho anacronismo existente em boa parte dos países da região dirigidos sob uma visão terceiromundista.

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Olegário - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

Não se via mais homem fantasiado de mulher no Carnaval. Não tinha mais graça.

O nome do bloco é Os Safados, e existe há 50 anos. Na sua formação inicial tinha 36 componentes, todos amigos, que saíam vestidos de mulher. Como haviam combinado jamais aceitar gente nova no bloco, e como a vida é o que é, depois de 50 anos sobravam apenas 13 do grupo original. Só 13 se não contassem, claro, o Olegário, que ainda vivia, mas mal podia andar e morava numa clinica. 


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Salomão e Cascadura -Caetano Veloso


Um dos melhores discos de rock brasileiro de sempre é o novo do Cascadura

Faz duas semanas, comentando aqui o “Gonzaga” de Breno Silveira, escrevi que o show “Luiz Gonzaga volta pra curtir” talvez tivesse sido dirigido por Waly Salomão. Não foi. O diretor foi Jorge Salomão. Waly, segundo o próprio Jorge, só criou o título, que ele logo aprovou. O show foi coisa que ficou marcada na minha cabeça como a oficialização do reconhecimento de Gonzaga por parte da juventude de então. Disse que senti falta de uma referência a isso no filme, como senti falta de Ivan Lins e do Som Livre Exportação. Ao afirmar que a ausência de referências ao tropicalismo não me incomodava, eu não estava renegando. Mal pensei no papel do tropicalismo nesse episódio. Lembro-me de ouvir jovens contraculturais dizerem que os Beatles iam gravar “Asa branca”. Essa lenda revela muito do clima mental da época. O ressurgimento de sons rurais que veio com o rock (e que Ruy Castro deplora em seu livro sobre a bossa nova, por considerar parte do assassinato da grande canção urbana dos anos 1930 e 40) levava a moçada a fantasiar que o campo brasileiro entraria no repertório do topo do pop-rock anglo-saxão.


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FALA CAETANO

Eliane Cantanhêde - Troféu Petrobras

BRASÍLIA - O petróleo é nosso, a Petrobras é um dos maiores orgulhos nacionais e o pré-sal (junto com a magia da "autossuficiência") embotou o brilho dos biocombustíveis, encheu os olhos do mundo, atiçou a verve de Lula e recheou as urnas de Dilma Rousseff em 2010.

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Helio Schwartsman - Saudades do PT

SÃO PAULO - O PT faz falta na oposição. Colocando de outra forma, o país se ressente da ausência de uma oposição como a que o PT executava, isto é, atenta, sistemática e incisiva, ainda que às vezes injusta.
Numa semana em que a inflação deu mostras de descontrole, as ações da Petrobras derreteram -por culpa quase que exclusiva do governo- e o Planalto se viu obrigado a rever sua política de concessões, o que de mais relevante a oposição achou para criticar foi a presença do embaixador venezuelano num ato pró-Dirceu.

Oposições podem fazer bravatas e soar ranhetas, mas são um ingrediente crucial da democracia. Talvez possamos avançar mais e dizer que, sem algum tipo de contraditório, a própria razão fica ameaçada.

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Ferreira Gullar - Será arte?

Pode ser que me engane, mas estou convencido de que a pessoa nasce poeta, ou pintor ou cozinheiro
 
ESCREVER UM poema, pintar um quadro, fazer um filme, uma peça de teatro, uma composição musical, enfim, fazer o que se conhece como obra de arte, sempre requer do autor o domínio de um "métier", de uma linguagem própria a cada um desses gêneros artísticos, além, é claro, do talento, sem o qual aquelas outras condições não adiantam de nada.