terça-feira, 17 de novembro de 2015

Raymundo Costa: O segundo tempo do impeachment

  Valor Econômico - 17/11/2015
 
Troca de Levy por Meirelles empareda de vez a presidente

O ex-presidente Lula disse a amigos que não fará mais tanta pressão para a presidente Dilma Rousseff trocar de ministro da Fazenda. Vai deixar de falar ao pé do ouvido e dizer de público o que pensa. Lula não quer se indispor com Levy, com quem acha que tem divergências apenas eventuais. Em suas palavras, não quer fazer "uma cruzada contra o Levy". E o ouvido de Dilma, por outro lado, está quente de tanto ouvir os seus argumentos em favor de Henrique Meirelles.
Lula e Dilma tiveram uma longa conversa sobre economia há menos de 15 dias. Nem todos os ministros da Casa participaram da reunião, organizada por Jaques Wagner. Lula falou o que pensa da economia. E educadamente ouviu o que a presidente tinha a dizer - bem diferente dos relatos sobre conversas ocorridas no primeiro semestre. A relação entre os dois está melhor, contam os amigos em comum. O que chamou a atenção foi a ausência do ministro Joaquim Levy, aquele que Lula quer trocar por Henrique Meirelles.
Lula queria mover três peças no governo: tirar Aloizio Mercadante da Casa Civil, trocar Joaquim Levy por Henrique Meirelles na Fazenda e tirar José Eduardo Cardozo da Justiça. Conseguiu o primeiro objetivo, mantém a mesma opinião sobre Meirelles e mais do que nunca gostaria de ver Cardozo longe de Brasília. Na época, posou de vencedor. Agora deixou a conversa "desanimado". Diz que só falará em público, um perigo, pois é justamente quando desata a falar que Lula mais tem ajudado a minar a autoridade de Levy. Outro dia, um petista que defende a saída de Levy reagiu desconcertado quando um colega de partido resolveu brincar com ele: "Cuidado: Vocês podem gritar 'Fora Levy' e ganhar o Meirelles".
Lula não esperou muito tempo para declarar em público que a data de validade do ministro Levy está vencida. Dilma subiu o tom e respondeu que não era forçada a concordar com "avaliações" de pessoas das quais gosta imensamente. Levy que se cuide: Dias antes da demissão de Mercadante a presidente dizia que tirar o ministro da Casa Civil significaria gerar mais "instabilidade" no governo.
Levy vem sendo fritado há tempos. Segundo as fontes palacianas, primeiro foi Mercadante, então chefe da Casa Civil, que estimulava outros ministros a divergir do titular da Fazenda, assim como boicotou o vice-presidente Michel Temer quando este assumiu a coordenação política do governo. Mercadante saiu e agora os líderes no Congresso afirmam que a situação de Levy é insustentável. Tem mais alguém no Palácio do Planalto e arredores incomodado com o ministro.
A receita da fritura é a mesma de todos os governos: o ministro não teria o menor jogo de cintura político, se expôs numa conversa recente com senadores, sem avisar ou combinar nada com a área política do governo. Sua saída, nessas circunstâncias, seria questão de tempo. E por que Meirelles? Para recuperar a credibilidade do governo a partir da economia. É difícil medir a diferença. Numa tradução livre da piada petista: o 'Fora Levy, vive Meirelles!".
O ministro Jaques Wagner, que participou da reunião com Lula, afirma que está "alinhado" com a presidente - ou seja, Levy é um grande servidor público compromissado com o país. "Estou aqui para apoiá-la (a presidente) no que ela quiser", disse, por meio de sua assessoria. Wagner também disse que tem ajudado nas votações relacionadas à Fazenda e nega que tenha tomado partido do ministro Nelson Barbosa (Planejamento) em divergências entre as duas pastas. Alias, acha perfeitamente natural a discussão de projetos antes da tomada de decisão.
Pode ser. Wagner é um político jeitoso, cujos primeiros passos na Casa Civil têm sido elogiados no Congresso, onde habita sua clientela. Mas na prática o apoio do Congresso ao governo caiu, pouco mas caiu sobretudo devido às questões de natureza econômica. Sem uma saída para a questão econômica, dificilmente o governo voltará a ter a paz política de que necessita para retomar os projetos de desenvolvimento econômico.,
Com menos de 10% de popularidade, hoje pode-se dizer que Dilma é a chefe de Estado, mas já não é a chefe de governo. Há quem pense, no PT, em antecipar a votação da proposta de impeachment, por estar seguro de que tem pouco mais de 171 votos necessários para barrar o projeto. Talvez duzentos e alguns trocados. Um governo fraco politicamente. Dilma pode até escapar, mas sofrerá o "impeachment" de Estado, no momento em que Meirelles assumir a Fazenda, se assumir. Mas ao vencedores do PT terá restado mais que as batatas.
Análise de 13 votações realizadas em outubro revela que o apoio ao governo voltou a cair, após ligeira melhoria no semestre, segundo levantamento da empresa de consultoria política Arko Advice. Entre julho e setembro, a média de apoio na Câmara foi superior a 50% e apresentava tendência de alta. Em outubro, esse movimento foi interrompido, o índice ficou abaixo desse patamar e fechou o mês em 49,70%.
O analista Cristiano Noronha atribuiu a queda sobretudo à votação de matérias de natureza econômica. "A queda está relacionada ao número de matéria polêmicas que foram submetidas à votação como, por exemplo, repatriação, urgência para o projeto que revoga o regime de partilha nos leilões do pré-sal e medidas provisórias do ajuste fiscal", disse Noronha..
Na opinião da Arko Advice, essa é mais uma demonstração clara de que a reforma ministerial realizada pelo governo não contribuiu para melhorar "o nivel de coesão da base em matérias de interesse do governo". De qualquer forma, ressalta Noronha, "o percentual é bem maior do que a média de apoio verificada nos meses de março (38,34%) e abril (40,11%). Também é superior que a média que a presidente teve no primeiro mandato (45,24%)".
Sua conclusão: "Apesar da queda, o governo está conseguindo avançar - ainda que com dificuldade e de forma lenta - na agenda do ajuste fiscal".

Poderes de guerra

Hollande pede mudanças constitucionais para combater ameaça terrorista

 

  • 17 nov 2015
  • O Globo
  • DEBORAH BERLINCK Especial para O Globo internacio@oglobo.com.br

 

 

França envia porta- aviões nuclear Charles de Gaulle ao Mediterrâneo para triplicar sua capacidade ofensiva contra o Estado Islâmico na Síria; polícia francesa faz 168 operações e prende 23 suspeitos


REUTERS União contra o terrorismo. François Hollande na chegada ao Palácio de Versalhes, onde se reuniu em sessão especial com parlamentares. Presidente prometeu intensificar combate a jihadistas e propôs alterações na Constituição


 
Em resposta ao massacre de 129 pessoas por jihadistas em Paris, na sexta- feira, o presidente François Hollande propôs a uma chocada França a reforma da Constituição para dar mais poderes ao Executivo, conta DEBORAH BERLINCK. No terceiro discurso de um chefe de Estado em sessão conjunta do Parlamento desde 1848, ele disse que o país enfrenta “um novo tipo de guerra” e precisa de outros instrumentos para combater os extremistas. Hollande afirmou que vai se reunir com os presidentes Obama, dos EUA, e Putin, da Rússia, na busca da união contra o terrorismo. Na Turquia para a reunião do G- 20, Obama voltou a descartar o uso de forças terrestres contra o EI. Na frente militar, a França enviou um portaaviões nuclear ao Mediterrâneo para reforçar o ataque ao terror na Síria. Ontem, a polícia francesa prendeu 23 suspeitos. - PARIS- Foi um discurso abertamente de guerra, longe dos temas que, até sexta- feira, mais preocupavam os franceses, como o desemprego e a crise. O presidente francês, François Hollande, carregou nas palavras, propondo até mudar a Constituição.

— A França está em guerra — disse, solenemente, ao iniciar o terceiro pronunciamento de um presidente às duas câmaras do Parlamento desde 1848.

Três dias depois do maior atentado terrorista da História recente da França, Hollande anunciou um vasto plano de segurança e a caça implacável aos radicais do país, sob os aplausos de pé de parlamentares de diferentes partidos, que cantaram “A Marselhesa”, o Hino Nacional francês.

Três grupos supostamente sob o comando do Estado Islâmico ( EI) massacraram 129 pessoas que se divertiam nos bairros boêmios de Paris, na sexta- feira à noite. E ainda deixaram o rastro do terror em 350 feridos, dos quais 88 ainda lutam pela vida.

Entre as medidas sugeridas estão a remoção da nacionalidade de cidadãos acusados de terrorismo, acesso irrestrito dos juízes antiterroristas às mais sote tecnologias de informação, e a criação de 5 mil vagas nas forças policiais e outras mil no serviço de aduanas.

Hollande também anunciou planos de alterar a Constituição, nos artigos 16 — que dá ao presidente poderes especiais em circunstâncias excepcionais — e 36, que regula o estado de emergência, declarado em caso de ameaça iminente contra o país, como a situação após os atentados em Paris.

— Este novo tipo de guerra exige um regime constitucional capaz de lidar com ela — afirmou.
Contrariando muitos na comunidade muçulmana da França que acham que o país erra ao se unir aos EUA para intervir no Oriente Médio, o presidente prometeu justo o contrário: intensificar os ataques na Síria, estreitar suas relações com o presidente americano Barack Obama, e o russo, Vladimir Putin, para “unificar as forças contra o terrorismo”. Ontem mesmo a França anunciou o envio do portaaviões nuclear Charles de Gaulle — a nau- capitânia da Marinha — ao Mediterrâneo, o que triplicará seu poder de fogo contra o EI na Síria.

Hollande também disse que vai apresentar uma medida para ampliar o estado de emergência decretado na sexta- feira após os ataques — o que exigiria aprovação do Parlamento.
— Vamos erradicar o terrorismo — afirmou Hollande após 50 minutos de discurso.

Apesar das palavras de Hollande, que destacou a necessidade de “união” no país após os ataques, a política francesa ainda lida com visões conflitantes sobre como lidar com o problema do extremismo no país. O ex- presidente Nicolas Sarkozy, líder dos Republicanos, principal legenda da oposição, pediu leis mais duras para cidadãos que se envolvam com o radicalismo islâmico.

— No momento há 520 jovens entre a Síria e o Iraque. Aqueles que retornarem devem ser presos — declarou Sarkozy, que defendeu a deportação de suspeitos com dupla nacionalidade. AMEAÇAS CONTINUAM Já a líder do partido de extrema- direita Frente Nacional, Marine Le Pen, defendeu a interrupção imediata do abrigo a imigrantes no país. Em nota, Le Pen — que atualmente enfrenta um processo por incitação ao ódio racial — afirmou que a decisão francesa de aceitar a cota de refugiados proposta pela União Europeia ( UE) foi “irresponsável”.

— A decisão de declarar estado de emergência foi boa. Mas independentemente do que a UE disser, é necessário que a França recupere permanentemenfisticadas o controle das fronteiras nacionais.
O Estado Islâmico alertou em um novo vídeo divulgado ontem que os países que participam dos ataques aéreos contra a Síria terão o mesmo destino da França, e ainda ameaçou atacar Washington. O vídeo, divulgado em um site usado pelo grupo radical para publicar suas mensagens, começa com o noticiário sobre os ataques de sexta- feira, em Paris.

Ontem, o primeiro- ministro Manuel Valls confirmou que a França e outros países europeus podem ser alvo de novos atentados nos próximos dias ou semanas. O diretor da CIA, por sua vez, afirmou que o Estado Islâmico está planejando novos ataques semelhantes aos de Paris. Na cúpula do G- 20 em Antália, na Turquia, Obama defendeu a estratégia utilizada pela coalizão que enfrenta o Estado Islâmico na Síria, e reiterou que os EUA não porão soldados em terra.

— A estratégia deve ser capaz de se sustentar — afirmou Obama.

As declarações seguiram o alerta do premier francês, que pediu para a França estar preparada. Ele destacou que os ataques foram “organizados, pensados e planejados” a partir da Síria.

— Vamos viver muito tempo com esta ameaça — advertiu Valls.

Qualidade no ensino - Arnaldo Niskier

Não seria uma boa ideia privatizar totalmente a educação superior


  • 17 nov 2015
  • O Globo
  • ARNALDO NISKIER Arnaldo Niskier é professor e jornalista

Ao falar para cem alunos do Centro de Estudos de Pessoal ( CEP) do Exército, no Forte Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, sentimos que o desejo de uma educação de qualidade é rigorosamente generalizado. Na fase de debates, perguntas alusivas ao tema surgiram de forma espontânea, ao lado de outras questões, como a que se refere à privatização do ensino superior. No futuro, ele deverá ser público ou particular?
Nossa resposta partiu das origens do ensino superior brasileiro, calcado no bacharelismo herdado de Portugal. Hoje, temos 75% do efetivo do ensino de terceiro grau na iniciativa privada.

O ensino público é minoritário e com tendência a perder cada vez mais substância, como se pode verificar pelo grande número de greves explodindo aqui e ali, sem qualquer perspectiva de solução. Mas não seria boa ideia privatizar o ensino superior, totalmente, pois defender essa tese seria reconhecer que os estudantes menos aquinhoados, do ponto de vista social, teriam que enfrentar a comercialização desenfreada, para o que não estariam preparados.

Veio à baila, na palestra sobre a educação brasileira, o atual estágio dos colégios militares em nosso país. Tema que interessou particularmente o comandante do CEP, coronel Álvaro Ferreira Lima, foi debatido com muito interesse pela plateia. Lembramos a amizade que nos uniu ao general Leônidas Pires Gonçalves, com quem nós conversamos muito a respeito de uma hipotética redução do número de escolas militares no Brasil. Não apenas fomos contrários a isso, como defendemos o aperfeiçoamento do seu projeto pedagógico, para assegurar a qualidade que já foi uma característica do Colégio Militar.
Hoje, compulsando o ranking do Enem, pode- se verificar que houve uma perda de posição — e as causas são variadas. Falta de recursos financeiros talvez seja a principal delas.

A discussão se estendeu para as agruras vividas pelo ensino médio. Não há dúvida de que se trata de uma tragédia pedagógica, agravada pela sucessão absurda de portarias oficiais, tentando regular a matéria. Há um número excessivo de matérias ( 13) e nenhum esforço inteligente do ponto de vista curricular.
Experiências internacionais ( foram citados os modelos da Finlândia, da Suécia, do Japão e da Coreia do Sul) demonstram que hoje não se pode mais manter a educação média no plano que era novidade, no século passado. A modernidade pede aulas menos unidirecionais e a formatação de grupos de trabalho para o ensino compartilhado. Será que é tão difícil entender isso?

Ainda sobrou tempo para condenar a excessiva politização das escolas públicas, em detrimento dos valores pedagógicos. E para reclamar a ausência de bibliotecas públicas, sacrificando os anseios de 15 milhões de estudantes de todo o país. Existe uma lei federal que procura corrigir essa omissão, mas os seus efeitos até aqui têm sido rigorosamente nulos.