Zero Hora - 23/06/2013
A garota que parou o Congresso em 2001 ao sair nua contra o governo FHC ainda espera construir um Brasil socialista
Na semana em que caras, pintadas ou não, ajudaram a desenhar o maior
movimento da juventude brasileira dos últimos 20 anos, alguém aí se
lembra da "bunda-pintada"?
Carla Taís dos Santos, 33, ou Carlinha, para os mais chegados,
recorda-se como se fosse ontem do dia em que "parou tudo" em Brasília,
ao desfilar nua em frente ao Congresso Nacional.
Era 2001. A garota tinha 21 aninhos --e atributos típicos da idade,
por exemplo os bem distribuídos 56 quilos, um generoso painel para
abrigar frases do tipo "CPI Já".
Ao tirar a roupa contra o segundo governo de FHC (1999-2002), Carla,
então presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas), ganhou fama nacional de "bunda-pintada".
Na semana passada, ela participou de uma manifestação em Novo Hamburgo (RS) que fechou a BR 116.
Dessa vez, ou seja, 12 anos depois da nudez, de roupa.
Considera a redução das tarifas uma grande vitória que deve ser
comemorada e "servir de impulso para mais organização e novas
conquistas", embora "ainda não inverta a lógica das máfias do
transporte". Rechaça a proibição ou hostilidade às bandeiras de partidos
nos atos.
"É um absurdo. Lutamos por 21 anos contra uma ditadura que fez
exatamente o mesmo. Está na contramão da liberdade de expressão tão
defendida nos protestos."
Acha que a depredação de bancos, grandes redes de lojas e ônibus não
se justifica, mas "se explica". "Serão os empresários que mais lucram
que pagarão a conta."
Já a do patrimônio público, "não faz o menor sentido, pois, além de
ser mais um dinheiro que deixará de ser investido na educação e na
saúde, divide e afasta o movimento". Só serve ao "prazer egoísta de quem
se acha ultrarrevolucionário".
'TAPA-TETA'
Formada em letras pela USP, Carla hoje assessora uma das diretoras
da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Rosana dos Santos Alcântara.
Jura que o cargo não é "boquinha", tampouco cota do PC do B, partido ao
qual ela é filiada. "Mandei meu currículo para diferentes pessoas, e a
Rosana conhecia minha história de orelhada."
Só de orelhada? "Hoje, sou uma outra mulher", diz, mas os sonhos
continuam os mesmos da época de "bunda-pintada". "Se mudanças não
começarem a acontecer, a rua continuará a aumentar o volume de seu
grito. E eu estarei em todas as manifestações com a perspectiva de
construir um Brasil socialista."
Ok, mas pretende ficar pelada de novo? "Tirar a roupa sempre me
pareceu um gesto natural", filosofa Carla, que hoje só se despe para o
namorado, com quem está há três meses, ou numa praia de nudismo, "pra
extravasar".
Recorda-se, então, daquele momento que precedeu à nudez de Brasília.
"Diante do Congresso, os manifestantes da Ubes precisavam de um
desfecho para o protesto." Uns sugeriram velas; outros cogitaram
"enterrar" um boneco de FHC, ideias que demandavam tempo e, é claro, uma
corridinha ao mercado.
"Me lembrei de protestos na Europa em que as pessoas tiravam a
roupa. Vamos ficar pelados", disse, para o espanto dos garotos. "Eu
fico!" O carro de som virou camarim. Em cinco minutos, estava pintada de
guache.
Quando saiu, surpresa! Cadê os peladões? "Rodei a baiana. Agora que estou aqui, vou até o final", disse.
A imagem estampada nos principais jornais do Brasil e do mundo
derrubou a máxima de Andy Warhol: em vez dos 15 minutos de fama, o
espetáculo de Carlinha na capital do país durou 20.
Com uma bandeirinha da Ubes cobrindo os seios, entrou no
espelho-d'água do Congresso e organizou os estudantes para formar a
palavra CPI deitados no gramado.
E por que raios escondeu os peitos? "Desde menina, tenho complexo
dos meus seios. O que me incomoda é a forma. Acho caído. Nunca gostei
dessa parte do meu corpo", diz Carla, em sua casa, numa vilinha no
centro do Rio, onde vive desde março.
COMUNISTA TEEN
Apesar dessa relação, digamos, delicada, foram os seios que
"empurraram" Carlinha para a política. Gaúcha de Campo Bom (RS), a
"menina da roça", então com 11 anos, não curtia o uniforme da escola. A
blusa apertava os peitos, motivo para ela organizar um abaixo-assinado.
Assistia à aula de matemática, quando foi chamada à diretoria para
ser expulsa sob a alcunha de "comunista", baita palavrão na época.
Demorou menos de um ano para a "comunista" se infiltrar em grupos
culturais, se amarrar na história de Olga Benário e assumir de fato a
verdadeira identidade. Em novembro de 1999, Carlinha, que, quando
menina, sonhava ser bailarina do Bolshoi, finalmente livra-se das aspas e
torna-se comunista ao ingressar no PC do B.
Assim como o primeiro sutiã, que soltou a alça e machucou a menina
aos 12 anos, o primeiro "livro comunista", ela nunca esquece: "30 Anos
de Confronto Ideológico: Marxismo x Revisionismo".
Sem entender ao certo o que tudo aquilo significava, pintou, antes
do corpo, a cara em protesto contra o presidente Collor. "Até meus pais,
que votaram nele, me incentivaram a participar da passeata", lembra a
gaúcha.
Filha de um mecânico e de uma comerciante, Carlinha tem uma irmã mais nova, de 29 anos, que é modelista.
Mas a guria mais velha sempre foi uma "rebelde com causas". No final
de 99, já como presidente da Ubes, fugiu de casa, ao inventar que iria a
um seminário de educação em Goiânia. Veio parar em São Paulo, onde
dividiu uma república com 11 rapazes no bairro da Aclimação. Vivia na
pindaíba, dura que só, à base de doações da entidade.
A "bunda-pintada" repercutiu, mas o que pintou de concreto?
"Pintaram umas baixarias", brinca Carlinha, que chegou a ser assediada à
época por congressistas. "Virei motivo de gozação: a peladona do PC do
B, a banda pelada do partido", conta.
Qualquer bunda com outro sentido estava valendo, mas a dela era um
problema. "Preconceito contra uma bunda politizada. Nunca quis virar
celebridade. Meu sonho sempre foi e continua sendo fazer revolução no
Brasil."
Como filiada a um partido que faz parte da base aliada do governo,
acha que o PT está "fazendo uma revolução ao criar condições para isso".
Lula é o "melhor presidente que o país já teve". Dilma representa "as
mulheres no poder", mas "precisa de mais diálogo com os movimentos
sociais". Mensalão? "Não há provas concretas nos autos."
"Libertária comunista" --assim se define--, é a favor do aborto, da
legalização da maconha e da união homoafetiva. Não esconde discreto
orgulho ao assumir que ainda desperta nos homens um "fetiche de pegar a
Carlinha", aquela da "bunda-pintada".
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