domingo, 9 de março de 2014

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA-O leopardo-das-neves e nós‏

O leopardo-das-neves e nós

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Estado de Minas: 09/03/2014
 
Qual a relação entre o leopardo-das -neves e essa crise lá na Ucrânia? O que Putin ou a Rússia têm a ver com aqueles caçadores nas montanhas do Afeganistão? O que há de animal e de humano nessa demarcação de fronteiras?

Estou assistindo a um documentário francês sobre a caça ao leopardo-das-neves na altas montanhas do Afeganistão. Uma equipe de biólogos e estudiosos desse animal se preparou cuidadosamente para a façanha. Trazem equipamentos sofisticadíssimos. Sabem tudo sobre essa bela fera. O animal não sabe de nada. Está lá em cima, nos picos pedregosos, cuidando de sua vida, caçando marmotas e antílopes. É guiado apenas pelo instinto.

Chamamos de instinto a essa sabedoria inexplicável que os humanos e os animais têm inscrita nos seus sentidos. A sabedoria que está ao nível da natureza, antes da invenção da cultura. Os humanos, seja Putin ou Obama, acham que agem racional e politicamente, mas guardam suas fronteiras sem saber que o instinto os comanda. Não sabem que são como um leopardo-das-neves. Chamam seus assessores, seus generais e estrategistas para posicionar suas tropas e dizem: estamos defendendo nossos interesses ao proteger a soberania do nosso território.

O leopardo-das-neves no Afeganistão nunca foi à universidade, mas também defende seu território. Como ele faz isto? Os caçadores (na verdade, invejáveis estudiosos dessa espécie) monitoram as andanças do animal. Num mapa mostram por onde ele anda, todo o território que lhe pertence. E para assinalar que aquela região é dele, o leopardo-das-neves usa de uma artimanha instintiva: deixa a sua urina, faz marcas precisas assinalando sua passagem até pela presença das fezes.
Minha cachorrinha faz isso em Friburgo: quando chega, vai logo remarcando seu território com urina e latidos. Os especialistas em teoria dos jogos, lá no Pentágono ou no alto-comando russo, fazem a mesma coisa. Volta e meia aprontam alguma cagada quando pensam marcar seu território. Fizeram isso na Guerra Fria. E tanto Guevara quanto milhares de sonhadores instintivos pagaram com sua vida por não saber ou não querer admitir que aquele território tinha dono. O leopardo-das-neves, em Washington ou Moscou, nos vigiava. Os mais velhos se lembram da crise dos mísseis em Cuba, nos anos 1960. Kennedy e Brejenev eram os leopardos de plantão.

Teve um tempo em que me interessei tanto por esse assunto que descobri uma ciência chamada proxemia, que estuda as relações que o animal tem com o espaço. E posso lhes dizer: somos mito aparecidos com os nobres antílopes, com a desprezível barata e com o majestoso leopardo-das-neves.

No documentário que vi, os cientistas sobem as montanhas e plantam várias armadilhas para caçar o leopardo. O animal vem na sua trilha, palmilhando o território que lhe pertence, e bota o pé na armadilha. Fica preso. Os caçadores estudiosos então se aproximam, dão um tiro anestésico na fera presa e ela desmaia.

Eles então se aproximam cautelosos, felizes, tocam no animal, admiram sua beleza, tiram suas medidas, acariciam-no e enquanto ele está inconsciente colocam no seu dorso um equipamento para que possam acompanhá-lo durante um ano. E se afastam.
O lindo animal acorda da anestesia, meio atordoado. Não entende o que lhe aconteceu. Equilibra-se com alguma dificuldade e vai andando pelas escarpas. Recuperou a liberdade e a vida. Vai voltar às suas trilhas, ao seu território.

A marmota ou antílope que entrar desavisado nessa área será comido inapelavelmente.
Neste momento Putin e Obama são dois leopardos-das-neves vigiando seu território.

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