ZERO HORA - 09/03/2014
Eu
estava em plena adolescência quando assisti no cinema ao filme Mulher
Nota 10 com uma estreante chamada Bo Derek. A comédia contava a história
de um cantor que um dia viu uma loira espetacular vestida de noiva e
ficou obcecado por ela. O que aquela mulher tinha de nota 10? Que eu
lembre, apenas um tremendo corpaço. Mas foi o que bastou para eu e mais
umas tantas meninas da minha idade desejarem ser 10 também.
Mal
sabíamos que estava em curso uma revolução que iria nos exigir muito
mais do que um corpaço: iria nos exigir independência financeira,
atitude, cultura, talento, sucesso profissional, inteligência acima da
média, um bom casamento, filhos notáveis, um farto círculo de amigos, um
apartamento bem decorado, uma ótima mão para a cozinha, conhecimento
sobre política, economia, artes plásticas, jardinagem e comércio
exterior, muita feminilidade, um guarda-roupa de matar de inveja a
editora da Vogue, um rosto lisinho, um cabelo lisinho, dotes sexuais de
humilhar o Kama Sutra e, para aguentar o tranco, o tal corpaço de parar o
trânsito, claro.
Nem titubeamos. Parecia fácil. Daríamos conta. E demos, se abstrairmos o padrão cinematográfico das exigências.
Até
que descobrimos que tínhamos tudo, menos a coisa mais importante do
mundo: tempo. Deixamos de ser donas dos nossos dias, viramos escravas da
perfeição, passamos a buscar a nota 10 em todos os quesitos, feito uma
escola de samba, e ganhamos o quê? Um stress gigantesco e uma tremenda
frustração por não conseguir manter tudo no topo: o casamento, a
profissão, os seios. Nunca mais uma escapada de três dias num sítio,
nunca mais pegar uma matinê num dia da semana, nunca mais passar a tarde
conversando na casa de uma amiga, nunca mais deitar no sofá para ouvir
nossa música preferida. Tic-tac, tic-tac. Proibido relaxar.
Trégua,
por favor. Não estamos numa competição. Ninguém está contabilizando
nossos recordes. A intenção não é virar uma campeã, e sim desfrutar a
delícia de ser uma mulher divertida e desestressada. Por que isso
precisa conflitar com a independência? Proponho uma pequena subversão:
agrade si mesmo e a mais ninguém. E não brigue com o espelho, pois ter
saúde é o único item de beleza indispensável, e isso só se enxerga por
dentro. Trabalhe no que lhe dá gosto, aprenda a dizer não, invente sua
própria maneira de ser quem é, e se for gorda, fumante, esquisita e
sozinha, qual o problema? Aliás, sendo você mesma, dificilmente ficará
sozinha.
Lembra das garotas nota 10 da sua sala de aula? Cá
entre nós, umas chatas. Não aproveitavam a hora do recreio, não deixavam
a blusa para fora da saia, não matavam as aulas de religião, só
pensavam em ser exemplares. Pois tiveram o mesmo fim da Bo Derek: nunca
mais se ouviu falar delas.
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