domingo, 9 de março de 2014

Estudo descobre pessoas incapazes de sentir prazer ao ouvir música

A música não os toca

Estudo espanhol identifica pessoas incapazes de sentir prazer com melodias e canções apesar de terem satisfação com outros estímulos. A causa do fenômeno ainda não é conhecida

Flávia Franco
Estado de Minas: 09/03/2014 


Há milhares de anos a música é uma grande fonte de prazer para o ser humano. Antigos povos tinham o hábito de se reunir para escutar melodias, como se faz até hoje, época em que concertos atraem multidões prontas para cantar em uníssono com os ídolos. No entanto, de acordo com uma pesquisa espanhola publicada esta semana na revista Current Biology, existem pessoas insensíveis ao poder dessa arte. Para elas, os sons musicais não geram nenhum tipo de satisfação.

O estudo, realizado pela Universidade de Barcelona, constatou que esses indivíduos são perfeitamente capazes de ter experiências prazerosas de outras formas. O diferencial deles está mesmo na música, que não é compreendida da mesma forma como faz o restante das pessoas. Por isso, a condição recebeu o nome de anedonia musical. “A possibilidade de identificar essas pessoas abre portas para compreender melhor de que forma a música é traduzida em emoções”, explica Josep Marco-Pallarés, líder da pesquisa. Além disso, o fenômeno sugere que há diferentes caminhos para a ativação do centro de prazer do cérebro, uma constatação que pode ajudar, por exemplo, em estudos sobre o vício.

Para chegar à conclusão de que a ausência de prazer com a música existe, os pesquisadores partiram de uma investigação na internet. Eles disponibilizaram um questionário on-line que avaliava a relação das pessoas com as melodias. Dos 1,5 mil sujeitos que responderam o instrumento de pesquisa, 5,5% se mostraram muito pouco sensíveis às canções. “A proposta inicial era descrever os principais aspectos que diferenciam a gratificação de experiências musicais entre as pessoas. Com as respostas obtidas, observamos que alguns participantes relataram sentir pouca ou nenhuma sensibilidade relacionada à música”, conta Marco-Pallarés.

Esse dado, no entanto, ainda era só um indicativo que precisava ser melhor avaliado. “Não estávamos convencidos. Pensei que alguns voluntários tinham respondido sem cuidado, outros poderiam ter amusia (déficit específico para percepção musical, que afeta cerca de 3% da população musical)”, conta o pesquisador. Foi então que se decidiu fazer testes de laboratório.

Recompensa


A partir do questionário, os cientistas chegaram a 30 pessoas que podiam ser divididas em três grupos: com baixa, média e alta sensibilidade para música. Elas realizaram, então, duas tarefas. Na primeira, ouviam trechos de canções consideradas agradáveis (algumas selecionadas por elas mesmas, outras por outros indivíduos) e avaliavam o grau de prazer que sentiam durante a atividade.

Na segunda, os voluntários participavam de um jogo em que podiam ganhar ou não dinheiro, uma tarefa que tinha a função de verificar se os insensíveis à musica conseguiam experimentar satisfação com outras atividades. “Recompensa monetária também é capaz de gerar sensações de prazer nas pessoas”, justifica o pesquisador espanhol. Em todos os momentos, os voluntários tinham sinais físicos, como o batimento cardíaco e a mudança de temperatura na pele, monitorados.

Os resultados mostraram que as duas experiências apresentaram envolvimento entre os circuitos neurais responsáveis pelo sistema de recompensas, que libera dopamina. No entanto, para o grupo insensível à música, as respostas gratificantes só apareceram no segundo exercício.

A descoberta pode levar a uma nova compreensão do sistema de recompensa do cérebro, relacionado à sensação agradável experimentada nas mais diversas atividades, como fazer sexo e provar um pedaço de bolo de chocolate. “A possibilidade de as pessoas serem insensíveis a um tipo de estímulo, mas não a outros, sugere que podem existir diferentes maneiras de acessar o sistema e que, para cada pessoa, algumas formas podem ser mais eficazes do que outras”, afirma Marco-Pallarés.

Neurologista e professor da Universidade Católica de Brasília, Carlos Bernardo Tauil explica que todo esse processo está relacionado às conexões cerebrais. Para ele, uma falha nesse sistema pode explicar a falta de prazer específica. Tauil conta que já existem trabalhos que propõem uma recuperação da capacidade de sentir prazer relacionada a estímulos diversos. “Causas mais graves, como acidentes e traumatismos cranianos, podem causar essas incapacidades específicas também. Em busca de amenizar os efeitos desses traumas, pesquisadores americanos estão tentando readaptar o sistema de recompensa para que as pessoas voltem a sentir prazer”, conta.

Marco-Pallarés adianta que ele e sua equipe vão se dedicar à busca das causas da anedonia musical, investigando, inclusive, a possibilidade de o fenômeno ter origem física. “Ainda não sabemos se essa condição está relacionada a alguma formação do cérebro. Pouco sabemos sobre as bases cerebrais que podem explicar a anedonia específica para a música, mas estamos trabalhando nisso”, garante.


Imunes ao som

Veja como foi feito o estudo que identificou pessoas indiferentes à música


Primeiro, os pesquisadores aplicaram um questionário pela internet por meio do qual as participantes diziam como se sentiam quando ouviam música. Cerca de 1,5 mil pessoas responderam ao questionário

Os resultados mostraram que 5,5% dos participantes relataram ter pouca ou nenhuma gratificação em experiências musicais. O instrumento de pesquisa ajudou os cientistas a reunir três grupos, cada um formado por 10 pessoas, que apresentavam baixa, média ou alta gratificação em experiências musicais

Os participantes, então, ouviam trechos de música escolhidos por eles mesmos, além de obras consideradas prazerosas por um outro grupo de indivíduos. Durante a audição, os voluntários apontavam, por meio de uma escala, o quanto prazer sentiam com cada peça musical

Cada pessoa tinha também os batimentos cardíacos e a temperatura da pele acompanhados, como uma forma de medir a reação emocional durante o estudo. Tanto as respostas quanto o monitoramento mostraram que um grupo realmente não sentia prazer com a música

Para verificar se as pessoas insensíveis às melodias tinham outras fontes de prazer, os pesquisadores fizeram um experimento com os três grupos,mm no qual os participantes tinham de reagir rapidamente a estímulos para marcar pontos e ganhar dinheiro.
A tarefa pareceu prazerosa igualmente para todos

CONCLUSÕES

Os resultados indicam que, ao sentir prazer com a possibilidade de ganhar dinheiro, mas não com a música, essas pessoas têm uma forma de anedonia (falta de prazer) específica para as melodias. Elas continuam achando outras experiências agradáveis

Esse dado sugere que deve haver formas distintas de acessar o centro de recompensa do cérebro humano, uma para cada fonte de prazer

Para os pesquisadores, vale a pena investigar se a anedonia musical é relacionada a um problema na formação cerebral, o que pode ajudar a compreender melhor problemas como o vício

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