sexta-feira, 15 de março de 2013

Mundo e guerras ciber - Hermano Vianna


 O Globo - 15/03/2013

 

Alguma obras de ficção não são apenas proféticas: sua leitura exerce tal influência no pensamento contemporâneo que passamos a agir para que aquele universo se transforme em realidade

Vivo momento de descobertas em série de acontecimentos reais previamente “anunciados” em romances. Exemplo da coluna anterior: não prestaria tanta atenção no meteoro russo se não tivesse lido antes a “Trilogia do Gelo” de Vladimir Sorokin. Outras obras de ficção não são apenas proféticas. Sua leitura exerce tal influência no pensamento contemporâneo que passamos a agir, pragmaticamente, para que aquele universo paralelo se transforme em realidade. Esse é o caso de “Neuromancer”, de William Gibson, cuja primeira edição completará 30 anos em 2013. Foi lá que a palavra ciberespaço apareceu pela primeira vez. Ficamos tão encantados com sua descrição ficcional que continuamos trabalhando duro para que o mundo em que vivemos fique cada vez mais parecido — para o bem e para o mal — com tudo que o livro apresentava de mais improvável.

Claro que tive que lembrar de “Neuromancer” — onde as verdadeiras guerras acontecem dentro das redes de computadores — ao me deparar com as notícias, publicadas no final de janeiro, de que a Unidade Ciber Comando do Pentágono vai passar por uma grande expansão nos próximos anos, quintuplicando seu tamanho, segundo o “Washington Post”, e passando dos atuais 900 funcionários para 4.000, segundo o “New York Times”. Fui pego de surpresa: não tinha ideia que as forças armadas dos EUA criaram um comando chamado “ciber”. Curioso e assustado, acabei encontrando a declaração de Leon Panetta, secretário da Defesa na presidência Obama, nos alertando em outubro do ano passado para a possibilidade de um “ciber-Pearl Harbor”.

Seguindo links de texto apocalítico de colunista do “The Guardian”, fui parar em artigo de 1/6/2012 assinado por David E. Sanger, o correspondente chefe do “New York Times” em Washington, que considero uma das peças jornalísticas mais impressionantes do novo século. Se não fossem as credenciais realistas do seu autor e do órgão de imprensa para o qual trabalha, eu desconfiaria que se tratava na verdade da mais delirante criação da ficção científica. Porém, o texto somente revelava pela primeira vez fatos acontecidos há vários anos.

Tudo é nebuloso. O governo Obama, com reforço israelense, teria dado continuidade a projeto secreto anterior— denominado “Jogos olímpicos” — de criação de cibervírus poderoso capaz de sabotar o programa nuclear iraniano. Provavelmente um espião conseguiu entrar em Natanz com um pen drive contendo o vírus que foi passado para a rede de computadores interna — portanto desconectada da internet — dessa usina de refinamento de urânio. Centenas de suas centrifugadoras começaram a deixar de funcionar, mas os técnicos iranianos não desconfiaram de cibersabotagem e sim pensavam que os problema eram gerados por seus próprios erros.

O que aparentemente não estava nos planos americanos (mas há suspeita de que algum hacker militar deixou essa possibilidade aberta de propósito): um laptop de engenheiro pode ter se conectado à rede interna da usina, foi infectado e depois —sem querer — transmitiu o vírus, chamado de Stuxnet, para a internet, contaminando vários sistemas, inclusive bancários. As empresas de antivírus nunca tinham visto nada parecido. Começaram a circular rumores de que deveria haver governos poderosos por trás da nova ameaça. Mas só o artigo de David E. Sanger confirmou o que ninguém tinha coragem de afirmar publicamente.

Resultado, como declarou um ex-chefe da CIA: ficou claro que “alguém cruzou o Rubicão”. Entramos em nova fase, com consequências imprevisíveis, da história das guerras e da estratégia militar, uma realidade bem próxima com aquela de “Neuromancer”. Quando o Irã e a China descobriram o que os EUA e Israel tinham feito, logo criaram seus próprios e secretos cibercomandos. Dezenas de vírus novos e cada vez mais imperceptíveis, como o Flame, podem estar prontos para escapar de uma base militar escondida em algum recanto isolado do planeta. O pior: não existe tratado regulamentando o uso dessas novas ciber-armas, como aquele que cuida da não proliferação do nuclear. E lembrando: o Stuxnet fui utilizado em tempo de paz, onde não havia guerra oficial declarada.

Mesmo países que não pretendem atacar ninguém com vírus eletrônico vão precisar aprender a se defender, detectando ameaças em seu ciberespaço (e hoje tudo, de redes elétricas a hospitais, depende do ciberespaço para funcionar). Detesto voltar a falar de educação neste contexto guerreiro, mas precisamos ser realistas (está tudo cibermisturado): uma nação sem boa cultura de programação digital está condenada a ser vítima fácil de ciber-ataques, mesmo amadores”. Voltarei a falar do lado Jedi da força educativa na coluna da semana que vem.


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