O GLOBO - 13/03/2013
O
livro de poesias do vice-presidente da República é um composto de
perplexidades e angústias causadas pelo campo de sua atuação principal: a
política
Temos vivido uma avalanche de eventos. Da morte de
Chávez às divergências sobre os royalties do petróleo, cujas sequelas
vão mudar a cena política. Isso para não falar sobre a renúncia e agora
eleição de um novo pontífice e o rompimento de uma trégua pela Coreia do
Norte. Tudo isso pesa num mundo cada vez menor.
No plano
insignificante do cronista, há a carta insigne que recebi do
vice-presidente da República, o senhor Michel Temer — assinada como
Michel Temer —, reclamando do modo como ele é mencionado na crônica “Eu
não aceito”, publicada em 6 de fevereiro.
O sr. Michel Temer
ficou magoado com o que leu como uma censura à sua poesia. Ora, não é
todo dia que um sujeito que dá aulas, lê, escreve e pesquisa por mais ou
menos 50 anos; um alucinado que andou estudando índios e que
transformou alegrias como o carnaval e futebol em chatices teóricas; que
vive denunciando a amizade e o apadrinhamento como valores essenciais
no mundo público; enfim, um professor, essa profissão tão valorizada no
Brasil, recebe uma carta acompanhada de três livros de um
vice-presidente da República, uma pessoa superocupada com os problemas
nacionais e com uma trajetória pública invejável. Daí porque — pela
deferência à figura de Michel Temer e pelo respeito que tenho pelo papel
que ocupa (e que a ele não pertence totalmente) — torno público um
assunto relativamente particular.
Observo que o nome do sr.
Michel Temer surge na minha crônica no papel de poeta. E de poeta hígido
(hígido, para quem não sabe, significa saudável!). Observo, em seguida,
que minha crônica é permeada de ironia que se manifesta nas imagens que
usei para salientar a minha desilusão com a dinâmica política nacional.
O fato concreto, entretanto, é que jamais larguei coisa alguma. Muito
pelo contrário, estou enfronhado no Brasil e, por circunstâncias que não
inventei, tenho viajado muito mais para dentro do que para fora de mim
mesmo. No momento, estou aprendendo a viver com menos.
Michel
Temer escreve-me discorrendo sobre a sua vocação poética e explica que
somente publicou seus pensamentos instado por amigos fiéis que, por
sinal, são indivíduos admiráveis. Em seguida, ele fala de sua trajetória
como acadêmico no campo do Direito Constitucional, cujo sucesso foi
inegável e exprime, não sem uma boa e justa dose de sarcasmo, o seu
ressentimento por eu ter condenado a sua poesia. Termina dizendo uma
verdade: “Talvez o que o tenha influenciado é o meu lado político.
Duvido que V.S. seja daqueles que desestimulam os ‘calouros’ que se
atrevem a impulsionar pelas letras sentimentais.”
O poeta no
vice-presidente está certo. Depois de ler o seu livro “Anônima
intimidade”, percebo sua reação. Michel Temer é um homem dividido como
eu. É um correligionário de letras e de mediunidade que a política
escondeu e que, espero, não tenha liquidado totalmente. Na carta que ele
se dignou a me endereçar, Michel Temer me situa no Olimpo da vida
literária nacional. Ledo engano, Michel. Eu moro em Niterói e tenho a
certeza, como muitos que criticaram o meu trabalho, que sou um
especialista menor, errado ou superficial, que luta para fechar suas
contas praticando uma antropologia antiga.
Na referida crônica,
eu expressava a minha indignação não contra a sua poesia, mas contra a
posse como presidente do Senado de um político sobre o qual pesam graves
acusações. Um parlamentar que, entre outros fatos, é um recordista de
atos secretos e mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, dava uma aula de
“ética”. Se o poeta Michel Temer reler a minha crônica, ele verá que o
seu nome aparece por ele ser a segunda pessoa da República e sua
excelência, o presidente do Senado, o sr. Renan Calheiros, o qual
pertence ao seu partido, ser a terceira. Quer se queira ou não, o
vice-presidente faz parte de um governo no qual a política tem sido
descarrilhada por troca de favores e escândalos que me envergonham —
razão do meu desabafo.
Eu não o julguei como poeta, mas
testemunhei pela leitura do seu livro a angústia contida na poesia
rascunhada em papel de guardanapo de avião ao sair de Brasília.
Vejo
que é um composto de perplexidades e angústias causadas pelo campo de
sua atuação principal: a política — justo a dimensão que motivou minha
crônica. Lendo as suas ansiedades eu bem posso imaginar a profundeza das
consternações que marcam a sua biografia. No seu livro enxerguei a
purgação que uns poucos podem fazer diante de um quadro político tão,
data vênia, deprimente. Se fazemos em parte o mesmo, como poderia
censurá-lo como poeta? Lamento o mal-entendido e por ele me desculpo.
Mas
gostaria de aproveitar essa ocasião para dizer como eu gostaria que o
seu lado de poeta estivesse mais próximo do seu lado de político
profissional e — ouso sugerir com índole fraternal — pudesse ouvir esse
seu lado literário com mais frequência. Foi imperdoável tê-lo ignorado
como poeta e rogo para que sua poesia possa iluminar — com a agonia e as
incertezas de todo poema — esse nosso Brasil cujo palco político produz
dramas tão calhordas sem nenhum constrangimento.
PS: Aqui fica
um convite para um encontro em minha casa no Olimpo chamado Niterói.
Seria um prazer conhecer pessoalmente o poeta que é vice-presidente da
República e liderança da base governista.
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