Revista Carta Capital -
22/04/2013

Na última sexta-feira 12, na sede da Primeira Igreja Batista de Campo
Grande (MS), um exército de homens de terno e gravata com Bíblias a
tiracolo se reuniu para um evento. Não era propriamente um culto. Entre
os 350 pastores havia 25 parlamentares, como a vereadora Rose Modesto
(PSDB), liderança da bancada evangélica local e autora da lei que obriga
o poder público a apoiar eventos evangélicos. Herculano Borges (PSC),
que aprovou projeto para proibir a instalação de máquinas de
preservativos nas escolas, e Alceu Bueno (PSL), opositor do
reconhecimento de uma associação de travestis como de utilidade pública,
também vieram. Mas o nome mais aguardado era o do pastor Wilton Acosta.
Ali para abrir o Encontro Estadual de Lideranças Evangélicas, o
presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política
(Fenasp) prestigiava ao mesmo tempo a criação da Frente Parlamentar
Evangélica da cidade. Daí os melhores pastores locais estarem dispostos
em fila, como soldados da batalha maior: “Alinhar os evangélicos para
disseminar valores cristãos por meio de leis políticas públicas”.

Atraso. A agenda moralista ganha força nas periferias, onde as igrejas são mais atuantes.
O evento é sinal de um fenômeno bem maior. Enquanto os holofotes da
sociedade civil e da imprensa focam na Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara dos Deputados, desde o mês passado presidida por um
pastor, Marco Feliciano (PSC-SP), que já fez declarações homofóbicas,
racistas e machistas, um processo mais silencioso se alastra pelo País.
Nos moldes da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, com seus
73 parlamentares,
o número de bancadas evangélicas em assembleias legislativas e câmaras
municipais, em capitais e cidades do interior, tem disparado. Já há
frentes parlamentares evangélicas (FPEs) organizadas em 15 estados
brasileiros, a maioria criada desde 2012. São mais de cem os deputados
estaduais evangélicos organizados. Já o número de FPEs nos municípios é
difícil de calcular. “A expectativa é passar de 10 mil vereadores
evangélicos”, garante Acosta.
Espécie de tutor do movimento, o pastor coordena um levantamento dos
parlamentares ligados à causa em todo o Brasil. Prestes a entrar num voo
para o Acre, ele afirma: “O objetivo é verticalizar a pauta parlamentar
nacional, aprovando leis em todas as assembleias e câmaras. Todas”. Com
oratória fluida e vertida em termos jurídicos, Acosta explica como deve
instalar um braço da Associação de Parlamentares Evangélicos do Brasil
(Apeb) em cada cidade. “Já temos 15 coordenações estaduais. Logo serão
28. Cada coordenador tem a missão de instalar uma unidade em toda cidade
de seu estado. Hoje, quando detectamos um projeto contra nossos
valores, contatamos o parlamentar para agir. Mas leva tempo. No futuro
será automático.”
A verticalização é levada a sério. Em 30 de novembro, Dia do Evangélico
em Brasília, 700 líderes de 20 estados, boa parte parlamentares e
juristas, se reuniram para decidir, com toda sua modéstia, os rumos do
País. Representantes da Apeb e do Fenasp leram seus relatórios de
atividades. Deputados federais da FPE do Congresso falaram de suas
experiências. Daí emergiu a "agenda estratégica nacional", que deve
pautar as ações de políticos evangélicos nos níveis estadual e
municipal. Entre os pontos estão impedir os avanços nos códigos Penal e
Civil, envolvendo aborto, posse de maconha, criminaização da homofobia e
casamento gay. "Para trazer o nacional para o local, faremos mais
encontros em todo o País", afirma o vereador Herculano Borges (PSC),
primeiro-secretário da Apeb. "A ide ia é subsidiar os vereadores com
fundamentos legais, para que ajam de forma local." Ou seja, lutar contra
o "avanço" dos movimentos gays e feministas. "Quando barramos as
propostas deles no Congresso, eles tentam implantá-las nas cidades e
estados. Aí criam jurisprudência. Não vamos permitir isso."
O
mesmo tem ocorrido no âmbito estadual. Ao liderar o movimento que criou,
em 2011, a Frente Parlamentar Evangélica da Assembleia de São Paulo, o
deputado Carlos Cezar (PSC) deixou claros os objetivos: ser contra a
descriminalização da maconha, o casamento gay e o aborto. "Não somos
bobos. Sabemos que são temas de competência do Congresso, mas o que
falamos aqui repercute em Brasília. Afinal, os deputados federais e
senadores se elegem com apoio de deputados estaduais e vereadores. A
base tem direito de cobrar uma postura firme deles no Parlamento." Hoje,
15 dos 94 deputados paulistas integram o movimento evangélico.
Atuamente,
há duas frentes na batalha dos evangélicos na política. Uma volta-se
aos interesses institucionais e simbólicos. O objetivo é conseguir
dividendos para as igrejas, como manter o status quo das leis de
radiodifusão, arrebanhar pedaços de ruas para templos, não pagar IPTU e
instituir leis que reconheçam a cultura evangélica e forcem a abertura
dos cofres públicos a tais eventos, assim como conseguir maior espaço
simbólico, como nomear praças e logradouros com símbolos religiosos e
instituir feriados como o Dia do Evangélico. Exemplos abundam. O próprio
Borges ajudou a aprovar um projeto que reconheceu a música gospel como
manifestação cultural, o que abriu espaço para a prefeitura financiar a
Quinta Gospel e a Marcha para Jesus. "Hoje conseguimos ajuda para
contratar os músicos, montar a estrutura." Proposição do vereador João
Oscar (PRP) autorizou a prefeitura de Belo Horizonte a vender uma rua
para a expansão da igreja que freqüenta. Em São Paulo, a Câmara aprovou
em 2012, às vésperas da eleição, um projeto que permite à Igreja Mundial
em Santo Amaro ocupar uma rua. Diz-se que a aprovação veio em troca do
apoio a José Serra (PSDB). No Recife, foi aprovada a lei que institui a
Semana da Cultura Evangélica, obrigando a Secretaria de Cultura a
promover (e financiar) debates, "palestras em instituições de ensino" e
"apresentações artísticas em praças públicas".
Proibir bares a
menos de 300 metros de igrejas foi a proposta do vereador de Sorocaba
Benedito Oleriano (PMN). Os fiéis precisavam "de paz para orar". O mesmo
levou uma vara de marmelo à Câmara para defender o direito dos pais de
bater nos filhos. Com o Livro dos Provérbios em mãos, sentenciou: "Não
retires a disciplina da criança, porque, fustigando-a com a vara, nem
por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás sua alma do
inferno". Enquanto isso, os evangélicos de Maringá conseguiram, via
projeto de lei, transferir a data da Marcha para Jesus para coincidir
com a Parada Gay, e a Câmara do Rio concedeu ao pastor Silas Malafaia a
medalha Pedro Ernesto, dada a quem se destaca na sociedade.
Provas
da ocupação do discurso e dos espaços públicos pela religião. Assim,
era uma vez uma Praça Chico Mendes em São Gonçalo, na Região
Metropolitana do Rio. Homenagem ao ativista morto na Amazônia, o espaço
foi convertido pela prefeita evangélica Aparecida Panisset em Praça da
Bíblia. "Antes essa praça era relacionada a crimes e hoje manifesta a
palavra de Deus", disse no evento. Igualmente simbólico, o Dia do
Evangélico foi aprovado em dezenas de cidades. Mas o que mais preocupa
os laicos é a frente da ação voltada para projetos de cunho moral, em
prol de um ideário conservador de nação, família e vida. Não foi apenas
Carlos Apolinário (DEM) a propor a instituição do Dia do Orgulho Hétero e
o banheiro gay em São Paulo. Em Ilhéus (BA), o vereador Alzimário
Belmonte (PP) tentou transformar em lei a obrigatoriedade do Pai-Nosso
antes das aulas. Projetos mais esdrúxulos pipocam País afora.
Para
tal, os evangélicos dependem dos números. E têm conseguido. Há casos
emblemáticos, como a pequena São Leopoldo (RS), onde seis dos 13
vereadores São evangélicos (PRB, PSB, PP. PT, PSL e PSDB), um
crescimento de 100% em relação à última legislatura. Em cidades maiores,
o fenômeno é o mesmo. No Rio eram quatro evangélicos na última gestão:
hoje são sete, aumento de 75%. Em São Paulo, o número subiu de oito para
11. Em Aracaju eram dois, agora são quatro. No Recife, eram seis, e
agora são 11. Em Curitiba, a bancada surgiu em 2013 com 11 vereadores:
quase um terço da casa. A regra é clara: sem maioria para aprovar seus
projetos, os evangélicos formam alianças e usam a barganha política para
impedir propostas progressistas.
Embalado pelo crescimento da
bancada, o vereador sindicalista evangélico Luiz Eustáquio (PT) criou
uma FPE na Câmara do Recife. Entre os temas discutidos estão formas de
impedir o aborto, a legalização da maconha e o casamento gay, explica o
vereador, recém-chegado de um encontro da FPE no Congresso, em Brasília.
"Fui lá me inspirar e aproveitei para participar do culto na Câmara."
Mas temas do Congresso cabem no âmbito municipal? "E importante replicar
os temas aqui para fortalecer o debate nacional." Um exemplo é a Lei do
Nascituro. Um projeto tramita na Câmara para estabelecer os direitos
dos embriões. "Talvez caiba propor algo municipal." O mesmo Dia do
Nascituro foi aprovado em dezenas de cidades, o que leva o poder público
a investir em palestras e seminários que ataquem a legalização do
aborto.
"A gente tem observado a replicação desses projetos no
âmbito do Congresso também nos estados e municípios", diz Kauara
Rodrigues, assessora parlamentar do Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (CFEMEA), ONG que monitora no Congresso Nacional projetos
relativos aos direitos das mulheres. Das 33 proposições em tramitação
hoje, 30 trazem retrocesso, a maioria de autoria da bancada evangélica,
afirma. O mesmo ocorre em , âmbito municipal. "O avanço dos evangélicos
tornou a luta muito mais desfavorável." Pois, além de propor leis que
impedem o avanço da legislação reprodutiva, as FPEs têm centrado fogo na
fonte de recursos das ONGs. Dias atrás, deputados requereram uma CPI
para "investigar a existência de interesses e financiamentos
internacionais para promover a legalização do aborto no Brasil". Exigir
transparência é parte da prática democrática.
"O problema é quando
essas ações servem não para punir um grupo, mas para negar políticas
públicas para segmentos que legitimamente, por razões históricas, se
sentem excluídos", alerta Marilene de Paula, coordenadora de direitos
humanos da Fundação Heinrich Bõll.
Para mulheres, gays e adeptos
de religiões de matrizes africanas, mais grave do que o avanço sobre o
poder público é o impacto social na vida dessas minorias. "Há uma
capilaridade grande dessas igrejas nas periferias" diz Rodrigues. "A
pauta é sempre conservadora. A mulher vai ao culto e ouve o pastor
pregar contra a camisinha, os homossexuais, dizer que lugar de mulher é
satisfazendo o marido." C) Censo reitera o crescimento do
pente-costalismo na base da pirâmide social: 64% do grupo ganha até um
salário mínimo e 42% tem ensino fundamental incompleto. "É nessas
periferias desassistidas que essas igrejas acabam servindo como
fronteira moral, como fortaleza contra o tráfico de drogas e a
violência", diz o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC-RS. "Ao servir de
suporte comunitário, ganham espaço para implantar sua agenda
moralizante."
Os símbolos do retrocesso em questões de liberdade
sexual ligados à religião pululam não apenas nas igrejas como na
internet. Há uma miríade de blogs a monitorar projetos de lei e ações do
Executivo e vídeos gravados direto do púlpito, como o famoso "Como ser
submissa a uma pessoa omissa?" Um exemplo mais radical chegou aos
ouvidos de Rodrigues. A jovem Noêmia chegou em casa após ir ao bar com
os amigos. O irmão achou que ela estava possuída pelo demônio e chamou
três amigos evangélicos da rua, que oraram, arrancaram seus piercings e
lhe deram uma surra de Bíblia. A garota procurou o CFEMEA, que
encaminhou o caso à Secretaria de Direitos Humanos. Outra cena chocante
aconteceu em Olinda. Centenas de evangélicos com faixas protestaram em
frente a um terreiro de umbanda. Testemunhas garantem que houve
depredação e ameaças de morte.
Mais do que ninguém, os
homossexuais têm fatia mais farta desse retrocesso. Não apenas as FPEs
travam luta cerrada contra a criminalização da homofobia e associam
homossexualismo à pedofilia como o deputado tucano João Campos,
presidente da frente evangélica no Congresso, propôs que a resolução do
Conselho Federal de Psicologia, que não permite "cura" aos gays, fosse
revogada. "Temos de aprovar leis como no México, onde quem exerce função
religiosa fica impedido de exercer função governa mental", defende Toni
Reis, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais. "Assistimos hoje a um aumento visível da homofobia no
Brasil, o que tem uma ligação direta com essa onda de incentivo ao ódio e
à intolerância." Exemplos da pressão evangélica, diz, foram a suspensão
do material educativo do projeto Escola sem Homofobia (o "kit gay") e o
veto presidencial à campanha de prevenção da Aids a jovens gays no
carnaval.
o governo, o assunto é tabu. Não apenas a presidenta Dilma
Rousseff tem se mantido silente diante da polêmica a envolver Marco
Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
como a Secretaria de Políticas para as Mulheres não se pronuncia sobre o
tema. A titular da pasta, Eleonora Menicucci, é abertamente a favor do
aborto. Sua indicação foi vista como afronta pelos evangélicos. Mas seu
silêncio incomoda ainda mais as feministas. A Secretaria de Diretos
Humanos tampouco respondeu a questões sobre o tema. O silêncio é total.
Mas
qual é, afinal, o poder de fato dos parlamentares evangélicos sobre o
futuro moral do País? "Não dá para subestimar o voto evangélico nem a
organização política das igrejas", diz Ari Oro, professor de
antropologia da religião da UFRGS e autor de Os Votos de Deus:
Evangélicos, política e eleições no Brasil. "Se esse crescimento vai
continuar dependerá da organização das próprias igrejas." O professor
cita o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, tratado por outras
como modelo de gestão política. Sua cúpula dirigente decide,
verticalmente, quais os candidatos em cada eleição e quantos, para
evitar a repartição de votos. "Já ouvi pastores de igrejas menores
dizendo que é preciso adotar o modelo da Universal." Se outras igrejas
se organizarem de modo a garantir a transformação dos fiéis em
candidatos eleitos, a tendência é uma participação cada vez maior de
evangélicos na política.
Igreja com a maior representação
evangélica no Congresso (24 deputados), a Assembleia de Deus preparou,
em 2010, uma ofensiva para as eleições municipais. Queriam eleger um
vereador em cada um dos 5.570 municípios. "Infelizmente, não atingimos a
meta. Mas 60% das cidades têm ao menos um vereador ligado à nossa
igreja", afirma o pastor Lélis Washington Marinhos, presidente do
conselho político da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil.
Para o Censo, há 12 milhões de fiéis da Assembleia, igreja que mais
cresceu nos últimos dez anos: 4 milhões de novos adeptos. "Mas somos
entre 18 milhões e 20 milhões. Por isso entendemos que estamos
sub-representados. Deveríamos ter ao menos 50 deputados federais/" Isso
porque o engajamento político dos assembleianos começou há menos de 20
anos. A igreja existe desde 1910. "Os pastores eram refratários à
política, mas as igrejas dependem do poder público para ter alvarás,
licenças para obras, verbas para tocar projetos sociais", lista. "Sem
falar dos projetos que ameaçam a família."
Não que essa guinada
moral seja prerrogativa exclusiva dos evangélicos. "Eles vocalizam esse
conservadorismo que acaba pulverizado na sociedade e no Congresso",
pondera a professora Maria das Dores Machado, da UFRJ. Oro, da UFRGS,
concorda. "Desde a Constituinte de 1988, a Igreja Católica tentou formar
um bloco parecido, nos mesmos moldes." A Renovação Carismática tem
eleito políticos todos os anos, ainda que menos do que a Universal, por
exemplo. "Sempre que a discussão tem base moral, se envolve a vida, a
família e os costumes, evangélicos e católicos se unem." Exemplo é a
criação das chamadas "frentes da família", com católicos e evangélicos
lado a lado.
Mas a política dita laica também tem
responsabilidade. "A esquerda, desde 2002, fez alianças fortes com os
neopentecostais, misturando grupos feministas e pró-homossexuais com
segmentos religiosos ultraconservadores, o cúmulo do pragmatismo", diz
Mariano. Um cenário difícil de mudar. De 2000 a 2010, a população
evangélica arrebanhou 16,1 milhões de fiéis, somando 42,3 milhões de
brasileiros. Uma multidão encabeçada por dezenas de igrejas, cada uma
com seus canais de rádio e tevê. Só a Universal, estima-se, é dona de 20
canais de tevê e 40 emissoras de rádio.
"Não por acaso,
parlamentares temem irritar esses grupos e provocar um boicote ou reação
desse poderio midiático", avalia Mariano. Assim, a influência
evangélica na política se dá não apenas pelo confronto direto nas
sessões, mas por meio de uma espécie de tática de não agressão. "Daí
você entender por que RR Soares e José Wellington têm sempre os tapetes
vermelhos dos executivos de estados e municípios e mesmo do Planalto.
Isso cristalizou a legitimação do ativismo político religioso no
Brasil."
ma das últimas vitórias do segmento foi o projeto de lei que
prevê o pagamento de um salário por 18 anos a mulheres estupradas,
batizado de "Bolsa Estupro". Pelo projeto, psicólogos cristãos
atenderiam as vítimas para convencê-las "sobre a importância da vida".
Tudo pago pelo Estado. Pensando nisso, a procuradora do município de São
Paulo, Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no código
eleitoral que acabe com as bancadas religiosas. "Se tivéssemos uma
Constituinte hoje, o texto dela resultante seria certamente muito mais
conservador, em nada parecido com a Constituição Cidadã que hoje temos e
com a qual o STF nos tem socorrido."
Na avaliação do pastor
Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda, a corrida política dos
evangélicos é reflexo da disputa entre as igrejas no mercado religioso.
"Elas querem ter cada vez mais fiéis e mais representantes políticos.
Mas parecem esquecer que a expansão do protestantismo só foi possível
com a conquista do Estado laico." Acusado pelo mainstream evangélico de
ser "herege" por defender que temas como o casamento gay e o aborto
devem ser vistos como questão de direitos civis e saúde pública,
respectivamente, Gondim teme que o radicalismo evangélico ameace a
liberdade religiosa no País. "Assim como não quero um burocrata de
Brasília dizendo o que posso dizer em meu púlpito, o Legislativo e o
Judiciário não podem tomar uma decisão para agradar a este ou àquele
grupo religioso. Queremos ter uma teocracia?"
as há limites à
ascensão conservadora. Primeiro, porque os evangélicos mais radicais
tendem a não emplacar candidatos em eleições majoritárias, visto a
rejeição da sociedade laica a pautas morais extremas. Segundo, porque o
voto dos evangélicos já não está mais confinado na direita como outrora.
"Hoje, os votos dos evangélicos estão distribuídos em diversos
partidos, algo que tende a prosseguir", diz o sociólogo André Ricardo
Souza, da UFS-Car. "Com maior acesso a programas sociais, renda e
educação, a autonomia dessas pessoas tende a aumentar. Por isso, não
vejo um futuro teocrático fundamentalista evangélico."
E Jesus a salvou
Única vereadora da oposição em Curitiba, Noemi Rocha acaba de criar uma bancada evangélica com quase um terço da Câmara
Líder
da oposição na Câmara de Curitiba, Noêmia Rocha (PMDB) costuma brincar
que é "líder de si mesma". Todos os outros 37 vereadores, a despeito do
partido pelo qual tenham sido eleitos, decidiram apoiar o prefeito
Gustavo Fruet (PDT) ou se declarar "independentes". Mesmo assim, a única
oposicionista da Casa não se sente isolada. Integrante da igreja
Assembleia de Deus e filha de pastor, ela formou, no início do ano, a
primeira bancada evangélica da cidade, com 11 vereadores, quase um terço
do total.
Na seqüência, coletou 32 assinaturas para constituir a
Frente Parlamentar em Defesa da Família. "Promovemos seminários para
discutir temas como aborto, pedofilia, drogas e outros temas que ameaçam
a família brasileira", afirma. Em seu segundo mandato, a vereadora diz
que passou a infância ouvindo os pastores de sua igreja dizendo que
política e religião não se misturam. Pensa diferente.
"A igreja
espiritual não precisa da política para nada. Mas a instituição, sim.
Hoje, Curitiba tem 56 casas de recuperação de dependentes químicos
mantidas por igrejas. Mas nem sempre elas têm estrutura adequada,
profissionais de saúde, recursos para se manter. Sofrem com multas,
fiscalizações e ameaças de fechamento. Mas o que fazer? Deixar os
viciados na rua?"
Por ora engajada no projeto de criar um centro
especializado para a recuperação de gestantes viciadas em crack,
financiado com recursos da União, Noêmia também se preocupa com a
situação dos templos religiosos de Curitiba. "Muitos precisam passar por
reformas e os pastores não sabem como cumprir a legislação contra
incêndios, como obter licença para as obras ou alvarás de funcionamento.
Estamos aqui para ajudá-los."