sábado, 16 de novembro de 2013

Miriam Makeba TRIBUTO A MAMA ÁFRICA

O Globo 16/11/2013

Obra da cantora morta em 2008 é celebrada no Back2Black, com artistas brasileiros, como Gilberto Gil, e africanos, como Aicha Koné


Chegada ao Rio. Em 1968, com o sucesso “Pata pata”, cantora veio ao Brasil, trazendo sua música política e espiritual


LEONARDO LICHOTE
llichote@oglobo.com.br

Em 1968, quando desembarcou no Rio, Miriam Makeba foi recebida pela bateria da Mangueira. Agora, 45 anos depois, a cantora sul-africana (morta em 2008, aos 76 anos) é novamente acolhida por batuques locais, filhos da diáspora. A artista é a grande homenageada hoje no Back2Black, às 22h30m, na Cidade das Artes, com um tributo que reunirá brasileiros (Gilberto Gil, Alcione, Ganhadeiras de Itapoã) e africanos (a neta de Miriam Zenzi Makeba Lee, Sayon Bamba, Sidiki Diabaté, Iyeoka, Ismael Lô, Aicha Koné, Ladysmith Black Mambazo, Salif Keita, Boncana Maiga e Papa Konaté), além de Buika (espanhola, de pais africanos), sob os tambores do candomblé.

— A ideia é criar uma ponte, uma conversa entre o universo dela e o brasileiro — explica Letieres Leite, responsável pelos arranjos do show. — É uma banda que tem na base atabaques de Salvador, de diferentes nações do candomblé. Junto deles, um naipe de sopros, a banda e um DJ. Queremos aproximar essa ancestralidade da música afro-brasileira com a música de toques mais contemporâneos produzida na África a partir de Makeba. Em última instância, tudo vem do mesmo lugar, da escravidão, esse holocausto que motivou a saída dos negros da África. A diáspora é a base da música popular ocidental, e é isso que veremos no palco.

Miriam Makeba sintetizou como poucos essa fusão entre o poder da música popular — não apenas por seu hit internacional “Pata pata”, mas pelos ouvidos abertos e pelo desejo de secomunicar com plateias do mundo inteiro — e a história de opressão e injustiça do povo africano.Não foi por acaso, portanto, que ela se tornou conhecida como Mama África. Nesse sentido, é emblemático vê-la interpretando “Khawuleza” (há um belo vídeo no YouTube gravado para a TV sueca em 1966). Antes de cantá-la, ela explica que a música vem das periferias da África do Sul do apartheid: “As crianças gritam das ruas quando veem os carros de polícia chegando para atacar suas casas por um motivo ou outro. Elas gritam ‘khawuleza, mama’, que simplesmente quer dizer, ‘corra, mamãe, por favor, não deixe eles pegarem você’”.

— É difícil responder como seu lado ativista e seu lado cantora se relacionavam — diz Nelson Lumumba Lee, neto da cantora. — Ela atendia a um chamado. Porque, quando foi para os Estados Unidos e começou a fazer sucesso, ela poderia simplesmente se esquecer de onde veio e cuidar de sua carreira. Mas ela atendeu a esse chamado e nunca se desligou de seu povo. Nunca foi algo que ela planejou, simplesmente veio.

Porque não era elegante dizer o que ela dizia. Era arriscado. Ela foi banida de seu país, sua música foi banida.

A trajetória de Miriam foi realmente tão intensa quanto acidentada. Ela começou a cantar nosanos 1950, em conjuntos vocais sul-africanos. Em 1959, uma participação no documentário “Come back, Africa”, exibido no Festival de Veneza, chamou a atenção para ela. A artista se mudou para a Europa e, em 1960, ao tentar voltar para casa para o enterro da mãe, descobriu que não podia entrar em seu país novamente. Em 1963, ela proferiu um discurso histórico no Comitê das Nações Unidas contra o apartheid. Mais tarde, já morando nos Estados Unidos — para onde foi levada por Harry Belafonte (com quem ganhou um Grammy em 1966 pelo álbum “An evening with Belafonte/Makeba”) —, ela sofreu novas sanções, dessa vez do mercado, ao se casar com o ativista político Stokely Carmichael, porta-voz dos Panteras Negras.

PROXIMIDADE COM A MÚSICA BRASILEIRA



Miriam não via sua obra como essencialmente política. “Eu só disse a verdade ao mundo, e se a verdade se tornou política, não posso fazer nada a respeito”, declarou em 2000.

— Ela era mais do que cantora e ativista — defende sua neta Zenzi Makeba Lee, que no tributo cantará “Khawuleza”, entre outras. — Sua mãe era uma sangoma, curava pessoas por meio da música. Ou seja, havia algo espiritual e ancestral na relação de Mama Makeba com a música. E ela deixou não só um legado musical, mas também um legado social, como o Makeba Centre for Girls (instituição que dá um lar e suporte a meninas abandonadas ou que sofreram abuso).

Ao longo de sua carreira, Miriam manteve uma relação com a música brasileira, fosse pela colaboração de Sivuca (com quem tocou e que escreveu arranjos para ela) ou gravando músicas como “Mas que nada” e “Xica da Silva”, ambas de Jorge Benjor.

— Ela sempre procurou se aproximar das plateias cantando músicas de seus países — lembra seu neto. — Cantou em francês, português, iídiche... Ela acreditava na unidade de culturas, na diversidade, na construção de um mundo de paz a partir do encontro. Ela fez isso em toda sua vida na música. E estaria bem feliz com a homenagem.

Zenzi concorda:
— Estou honrada de estar aqui com artistas brasileiros e outros africanos no tributo. Especialmente agora, quando se completam 50 anos de seu discurso no Comitê das Nações Unidas. Mais do que amar a música brasileira, Miriam Makeba se envolveu com ela. Essa é a beleza deste tributo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário