domingo, 17 de novembro de 2013

VAMOS ENTRAR PRA HISTÓRIA - ADRIANA CALCANHOTTO

O Globo 17/11/2013

Sobre o que escrever enquanto nas Filipinas as pessoas estão enfileirando corpos de entes queridos à beira da estrada, sem água, sem comida, sem saber se os parentes estão mortos senão vendo-os mortos, a filha, o irmão, a avó. Sem eletricidade, os aparelhos médicos, as máquinas de diálise, para dar um exemplo, não funcionam, e as pessoas estão morrendo por isso. Sem eletricidade, às escuras, o pouco que restou é saqueado, há mortes nesses saques, a ajuda tem que combater os saques antes para poder ajudar. Mulheres são agredidas, estão famintas e mortas de medo do escuro da noite.

Façamos um domingo de silêncio, no mínimo, por essas pessoas.

Mas agora, ao trabalho, vamos continuar perfurando mais e mais o planeta, em prol do crescimento. Vamos entrar com sondas profundas em camadas que ainda não perfuramos. E daí que desloquemos as placas das regiões abissais? Progresso. Ordem a gente vê mais tarde. Que impacto ambiental coisa nenhuma. Vão querer nos dizer que uma desgraça natural nas Filipinas tem relação com o nosso crescimento? Pois vamos continuar crescendo, vendendo mais carros, para poluirmos mais o planeta com o resíduo tóxico daquilo que fomos lá cavucar. Vamos destruir a camada de ozônio. Daqui a pouco aparece outra tsunami na televisão, coitados. As desgraças naturais são naturais como o próprio nome diz, nada têm a ver com o nosso crescimento. Vamos investir em combustível fóssil para ficarmos ricos. O petróleo é nosso. Como assim “nosso”? É do Rio ou é do Brasil? É do PT, do PSDB ou do DEM? Quem sabe de uma aliança espúria, ou melhor, uma bem cara de pau com sorrisos para as fotos, é mais cínico, mais na moda. E os que jogam todas as fichas em privilégios de informação do governo e perdem o jogo?

Alguns investidores de perfil conservador perguntam-se “mas já houve um case de sucesso antes?”. Quem já se deu bem apostando em energia eólica? Energia gerada por moinhos de vento? Aquela que não é utilizada na França só porque os franceses acham os cataventos feios? Perfurar é não mexer em time que está ganhando. São gerações de extrativismo. Importante é crescer agora, antes do pleito, vamos inaugurar construções em ruínas, e rápido. Bobajada essa coisa de energias alternativas. A tal da Energia Cinética. Imagina, geração de energia elétrica através das correntes marítimas. A alta e a baixa das marés fazem com que o mar todo flua, e essa energia, gerada pelas correntes marítimas, equipara-se em números ao que
produzem os tais cataventos eólicos para os quais os franceses fizeram bãfh. Tudo bem que vivamos em um país com uma costa considerável e de constante brisa. Vamos continuar enfiando as ruas de carros. Derrubando os prédios antigos, as obras-primas da arquitetura, para construirmos monstrengos modernos. Maiores.

Vamos comemorar o corte de árvores da Amazônia. Crescemos do ano passado para cá 28% em relação ao mesmo período do ano anterior. Números impressionantes. Nunca antes na história deste país a Amazônia teve menos árvores. E não vamos parar, a meta é crescer ainda mais. Com esses números, imagine daqui a uns anos, que beleza, a quantidade de carros rodando onde antes existia uma floresta, a maior do mundo, o pulmão do mundo, como se dizia antigamente, foi motivo de orgulho da Nação.

Continuemos maltratando os animais em nome do crescimento da indústria, são só animais, não são uma pessoa como outra qualquer. Somos a maravilha da criação. Superiores a qualquer forma de vida no planeta. A única espécie de vida sobre a Terra que está conseguindo derrotá-lo, somos os picões das galáxias. Vamos crescer, aumentar ainda mais, poluir mais, falar muito mais por muito menos, falar mais, mais, quebrar todos os recordes, rebentar a boca do balão.
Vamos entrar pra História.

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