sábado, 11 de janeiro de 2014

Tem aquele livro com a capa verde? - MARCOS DIAS

A Tarde /BA 11/01/2014

Porque não há mais livrarias no Centro, porque não há como andar em calçadas esburacadas, porque a insegurança não está nas entrelinhas e porque um centro de cultura é apenas promessa de gestores públicos, as lojas de redes de livrarias acabam sendo, para muitos, referências de espaços culturais.

Localizadas em shopping centers, templos de consumo para o movediço vazio da subjetividade contemporânea, muitas delas têm se tornado pontos de encontro.

Mas nada que se compare ao que foram casas como a Civilização Brasileira da rua Chile, ou a Livraria Progresso,na Praça da Sé, em meados do século passado. Eram ali que literatos, intelectuais, jornalistas e estudantes se encontravam, sem precisar marcar encontros.

E há pouco mais de uma década, ainda respiravam a Grandes Autores, no Itaigara, e a Sabor dos Saberes, no Pelourinho. Por esses locais, muitos tiveram acesso ao melhor da literatura brasileira e estrangeira— numa época em que e-books seriam como alucinações.

Mas hoje é possível, para quem quiser, passar o dia nas lojas das grandes redes, que também vendem CDs, blue-ray, e-readers e têm espaços para eventos e espetáculos. Ar-condicionado, cafés e ambientação aconchegante podem fidelizar leitores de todos os gêneros.

As lojas costumam ter, logo à entrada, os livros mais vendidos e os lançamentos. Os mais criativos, de vez em quando colocam produtos baianos ou sobre a Bahia separados.

A foto de acarajés na capa do livro mais recente de Raul Lody, Bahia Bem Temperada, por exemplo, faz um pai dizer ao seu filho de 2 anos: “Quer um livro de acarajé? Hein? Você pode comer esse livrinho”. E ele mesmo ri da brincadeira. A criança parece mais preocupada em acompanhar os passos largos do seu herói.

Mas as seções infantis, que expressam a crescente demanda para o segmento, é que sabem o que essa piadinha pode surtir – ou fazer surtar.

Mostruário

Não raro as crianças rasgam ou quebram brinquedos e aí ... pai, mãe, onde estão vocês?Muitos não pagam pelos danos. Alegam que aquilo é um mostruário. Mas ainda há vovós ou pais que levam seus pimpolhos paraler histórias.

As adolescentes, por sua vez, parecem que estão cansadas com essas histórias de vampiros. Vão ali mesmo para azarar seus pares, alimentadas por leituras, como a regurgitante série de Bella Andre, Se Você Fosse Minha, entre outras, com a chancela de ser Best Seller do New York Times.

A verdade é que o amor (chamemos assim) já os espreita, como acontece a todos, mais cedo ou mais tarde. Adultos, lerão algo para tentar resolver suas crises conjugais.

Mas, por enquanto, podem ter que lidar apenas com os limites sinalizados pelos vendedores para que não mostrem tanto, ou tão explicitamente, como se gostam.

Aquela jovem ali, com dois livros na mão, por exemplo, vive o dilema entre escolher o marketizado Eu Me Chamo Antonio (“Uns plantam, outros colhem, mas onde estão os que cultuam o amor?”), do publicitário Pedro Gabriel, ou o detonante A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. “É o mais romântico dela”, diz a jovem para uma amiga.

Sim, quem quer que tenha dado essa informação a ela deveria ser processado.Mas quem sabe não pode ser um bom desvio e daí ela vai entender, como a própria Clarice já disse, que “a vida dos sentimentos é extremamente burguesa”.

Na seção de música, jovens podem tanto ouvir o que gostam ou, se forem mais relax, tocar o violão que um deles levou. E é aquilo: se deixarem, gravam o clipe da própria banda ali mesmo.Os CDs,DVDs etc. da prateleira simplesmente dizem: é possível, siga o seu sonho.


Para muitos adultos, aliás, o grande sonho é que tudo ali fosse de graça. Há os que ficam por lá lendo horas a fio. Assim como há os que não devolvem os livros às respectivas prateleiras. Outros gostam tanto da leitura que escondem o título numa seção improvável. No dia seguinte, continuam.

Um livreiro, a propósito, me recomenda uma checagem no blog manual pratico de bons modos em livrarias. blogspot.com cheio de histórias, ou melhor, “delírios da freguesia”.

E se alguns reclamam que antes as livrarias havia vendedores mais informados, talvez relativize a opinião se souber que há quem procure títulos como “O Último Voo do Flamengo” (e não O Último Voo do Flamingo, de Mia Couto), ou por “aquele livro com a capa verde”.

Best-sellers

Leitores mais exigentes queixam-se que as tais redes só têm pilhas de best-sellers. Será preciso encomendar o que você quer, dirá um dos atendentes. Um professor ficou irritado nesta semana por que numa delas não encontrou Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado, de Romeu Tuma Jr.

A lacuna o fez lembrar que,há não muito, tinha que viajar para o Rio de Janeiro ou São Paulo para comprar livros. “Aqui só colocam livros que vendem rápido”, argumenta.

E pode ter razão: nas redes, como numa sapataria ou centro de telemarketing, também é preciso bater metas.

Mas mesmo nas redes, e com os livros físicos sobretudo, está preservada aquela magia de caminhar entre as estantes e ser surpreendido. Independentemente do gosto do freguês, o design,o texto e uma espécie de radiação emanam daqueles objetos cheios de páginas e fazem crer que aquele livro tem algo a lhe dizer. E eis a felicidade.

Pode ser um livro de um colecionador apaixonado com capas de disco de soul e funk, ou um já muito manuseado livro do pintor George Quaintance. Ou um tesouro numa edição de bolso como O Mal Estar na Civilização, de Freud. É de 1930 e ainda parece uma novidade.

O ideal é que essas redes de livrarias tivessem, realmente, redes. Mas os cafés instalados nesses espaços ajudam a relaxar, a repor as energias e,quem sabe, a trocar uma ideia com amantes de livros. Mas, ora, estão quase todos ligados em seus tablets e smartphones. Então é isto: ali é como um escritório. E os profissionais jogam duro— coma conexão sem fio gratuita da livraria, claro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário