segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A força redentora da música - Carlos Alberto Di Franco

Frequentemente, a informação veiculada na mídia provoca um travo na alma. Violência, crise, trânsito caótico e péssima qualidade da educação e da saúde, pautas recorrentes nos cadernos de cidade, compõem um mosaico com pouca luz e muitas sombras. A sociedade desenhada no noticiário parece refém do vírus da morbidez. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam na passarela da imprensa. A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma surpresa, quase um fato inusitado. Redescobri, no entanto, que a sociedade violenta não inibe comoventes iniciativas de solidariedade. Foi o que pude constatar em recente apresentação da Camerata Bachiana do maestro João Carlos Martins em evento em comemoração aos 40 anos da Escola de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) em São Paulo.

Jovens nascidos nas zonas sombrias da exclusão, mas carregados de talento e esperança, mostraram que a solidariedade pode virar o jogo e transformar a vida. O jovem tenor Jean Willian, criado pelos avós, ele boia-fria e ela faxineira, foi aplaudido de pé. Descoberto pela Fundação Bachiana, apoiado e estimulado pelo maestro João Carlos Martins, Willian está estudando em Milão. Seu nome, estou certo, ocupará lugar de destaque no cenário da música erudita mundial. 

A Fundação Bachiana apostou na música como instrumento de inclusão social. E os resultados comovem e impressionam. A Bachiana Filarmônica Sesi é uma formidável ferramenta de democratização da música clássica. Recebida calorosamente pela crítica e pelo público no Carnegie Hall e no Lincoln Center, no coração de Nova York, a Bachiana é um belo exemplo da força redentora da música. Jovens infratores da Fundação Casa escreveram, recentemente, uma carta ao maestro João Carlos Martins. Conheceram, todos, o fundo do poço das drogas e da criminalidade, mas foram tocados pela magia da música. “A música venceu o crime.” Assim terminava o recado dos adolescentes ao maestro. Impressionante! 

Iniciativas, inúmeras, algumas quase anônimas e cimentadas na força da solidariedade, comprovam o papel redentor da arte. Basta pensar no magnífico trabalho de resgate social desenvolvido pela Fundação Bachiana. Favelas, frequentemente, ocupam a crônica policial. A música, no entanto, transportou o universo das periferias esquecidas para as páginas de cultura. Jovens, abandonados pelos governos e teoricamente predestinados para uma vida de crime, drogas, prostituição, miséria e dor, encontraram na música o passaporte para o resgate da dignidade e da esperança.

Jornais, frequentemente dominados pelo noticiário enfadonho do país oficial e pautados pela síndrome do negativismo, não têm “olhos de ver”. Iniciativas que mereceriam manchetes sucumbem à força do declaratório. Reportagens brilhantes, iluminadoras de iniciativas que constroem o país real, morrem na burocracia de um jornalismo que se distancia da vida e, consequentemente, dos seus leitores. O negativismo gratuito é, sem dúvida, uma das deformações da nossa profissão. “O rabo abana o cachorro” – o comentário, frequentemente esgrimido em seminários e debates sobre a imprensa, esconde uma tentativa de ocultar algo que nos incomoda: nossa enorme incapacidade de trabalhar em tempos de normalidade.

“Quando nada acontece”, dizia Guimarães Rosa, “há um milagre que não estamos vendo”. O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. A mídia, argumentam os aguerridos defensores do jornalismo realidade, retrata a vida como ela é. Teria, contudo, o cotidiano do brasileiro médio nada além de tamanhas e tão frequentes manifestações de violência e de tristeza? Penso que não. 

Por mais que a sociedade tenha mudado, tenho a certeza de que o pretenso realismo que se alardeia para sustentar o excesso de violência e mau gosto que, diariamente, desaba sobre leitores e telespectadores não retrata a realidade vivida pela maioria esmagadora da população. Na verdade, ainda há muita gente que cultua os valores éticos, os quais dão sentido e dignidade ao ato de viver. A grandeza humana bem vale uma matéria.

 Carlos Alberto Di FrancoDoutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha)

ESTADO DE MINAS
15/10/2012 

Nenhum comentário:

Postar um comentário