quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Falta consenso sobre vacinas anti-HPV - Bruna Sensêve‏

Como não há opção para atacar todos os tipos de papilomavírus humano, países consideram preço e abrangência das drogas para definir como imunizar 

Bruna Sensêve
Publicação: 17/10/2012 04:00


Em torno de 60 países incluíram a vacina contra o papilomavírus humano (HPV) nos programas de imunização. Na América Latina, Argentina, Panamá, México, Colômbia, Peru e Ilhas Caimã passaram na frente do Brasil e administram doses imunizantes em meninas desde a infância. Alguns desses países apresentam redução de até 90% na incidência de verrugas genitais e, segundo pesquisadores, possivelmente o número de mulheres acometidas com câncer do colo do útero deverá acompanhar esses resultados a longo prazo. Mas há uma questão que divide essas nações. Há dúvidas sobre a escolha do composto ideal para combater o vírus. Pesquisa divulgada, neste mês, na revista The Lancet  traz elementos que vão inflamar o debate: a vacina bivalente, que teoricamente combate uma menor quantidade de tipos do HPV, tem uma eficiência geral maior contra o câncer de colo do útero que a quadrivalente, segundo cientistas da Agência de Saúde Pública do Canadá. 

Aproximadamente 90% de todas as ocorrências de câncer de colo do útero no mundo são causadas pelos tipos 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58 do HPV, sendo que, juntos, os dois primeiros são responsáveis por cerca de 70% dessa incidência. Mais barata, a vacina bivalente foi criada exatamente para atuar nesses principais casos de câncer, relacionados aos tipos 16 e 18. A quadrivalente combate os dois da bivalente e os tipos 6 e 11, responsáveis por manifestações do condiloma culminado, popularmente conhecido como verruga genital. 
Os cientistas canadenses realizaram uma meta-análise de cinco estudos que avaliam o efeito cruzado das duas vacinas, ou seja, quão eficientes elas podem ser para tipos de HPV além dos especificados em suas composições. A vacina bivalente, segundo eles, apresentou resultados de proteção muito superiores aos da quadrivalente para os tipos 31, 33 e 45. Os dados para os tipos 52 e 58 não foram significativamente diferentes entre elas e inexpressivos para proteção. Os resultados do estudo confrontam, por exemplo, com decisão recente do Reino Unido de trocar a opção bivalente pela quadrivalente. 
 “É uma questão extremamente importante que pode dirigir a escolha tanto individual quanto na saúde pública. Porém, existem vários fatores a serem analisados, como segurança, eficiência e durabilidade desses efeitos”, avalia Luisa Lina Villa, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Doenças do Papilomavírus Humano. A médica detalha que os benefícios cruzados encontrados na vacina bivalente são momentâneos, já que ela não foi criada para combater aqueles tipos de vírus, diferentemente do que ocorre com os HPVs 16 e 18. Somente quando houver uma vacina voltada para os nove principais tipos, acredita a especialista, será possível verificar uma proteção assertiva, duradoura e altamente eficaz contra o vírus. 
“As duas vacinas estão aprovadas para os programas de imunização de mais ou menos o mesmo número de países, com uma tendência para a bivalente na América Latina. Mas todos os pesquisadores e médicos tendem a olhar para a vantagem adicional daquela que protege também contra as verrugas genitais (a quadrivalente)”, analisa. Luisa Villa alerta que, mesmo consideradas lesões benignas, as verrugas genitais podem ser mórbidas, requerem muitos tratamentos e são altamente infecciosas. Aquelas que acometem o trato respiratório podem levar à asfixia, por exemplo. “Tendemos a valorizar pouco o impacto da verruga pelo fato de ela ter um tratamento mais ou menos simples, mas existem consequências psicológicas, culpa e vergonha para o paciente que não são desprezíveis.”

Atraso brasileiro No Brasil, as vacinas contra o HPV só são encontradas no setor privado. O preço significativamente alto afasta grande parte da população. A aplicação de uma dose da quadrivalente varia entre R$ 320 e R$ 400. A da bivalente custa cerca de R$ 200. Em ambos os casos são necessárias três doses para a imunização completa.
O Ministério da Saúde não consegue estimar quando as vacinas elas estarão disponíveis na rede pública. De acordo com o órgão, até o fim deste ano deverá ser finalizado o levantamento técnico que avaliará a adoção da vacina contra o HPV no país. Além das vantagens e desvantagens de cada tipo, a pasta analisa as propostas dos produtores quanto à transferência de tecnologia para a produção nacional. A previsão é de que, em janeiro de 2013, sejam tomadas as decisões definitivas. “Estamos falando de um programa nacional de imunização. São mais ou menos 35 mil postos de vacinação que precisam estar preparados para administrar a vacina corretamente. Não é um processo que ocorre de um ano para o outro”, afirma o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa.
 Professor e chefe do Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mauro Romero defende o uso da vacina quadrivalente e critica a demora de sua adoção pelo Sistema Único de Saúde. “Estamos falando de omissão. O preço é um problema para a imunização. Uma coisa é uma pessoa ir a uma clínica particular e comprar uma dose. Outra coisa é o governo comprar uma grande quantidade a um preço bem menor”, argumenta. 
Barbosa ressalta que o impacto da vacina na mortalidade por câncer do colo do útero só poderá ser sentida 30 anos depois do início da vacinação.  “Já conseguimos um redução da mortalidade por ter uma boa estratégia de detecção precoce pelo exame papanicolau e o tratamento de lesões. A vacina vai ser uma importante aliada, mas não substitui essas iniciativas”, pondera o secretário de Vigilância em Saúde. No mês passado, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou projeto de lei que garante o direito de meninas entre 9 e 13 anos de receberem gratuitamente a vacina contra o HPV na rede pública de saúde. O texto ainda deverá ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

Ação inédita 
em são paulo


Taboão da Serra, no interior de São Paulo, foi o primeiro município brasileiro a vacinar meninos e meninas do 5º ano de todas as 25 escolas de ensino fundamental da cidade contra o HPV. A primeira dose da vacina foi ministrada em indivíduos do sexo masculino, no mês passado. Os homens normalmente apresentam menos sintomas e doenças associadas ao HPV, embora sejam os principais responsáveis pela transmissão do vírus às mulheres. Para entender a vacinação, a prefeitura realizou palestras com diretores, professores e profissionais de saúde, que tiraram as principais dúvidas sobre infecções e doenças. A segunda etapa vacinal está prevista para 5 e 9 de novembro. A última, entre 11 e 15 de março de 2013. Considerado um modelo mundial da vacinação contra infecções e doenças causadas por HPV, a Austrália anunciou que começará a imunizar os meninos a partir do ano que vem.


ESTADO DE MINAS
17/10/2012 

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