sábado, 22 de fevereiro de 2014

Do racismo ao contrarracismo - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA 22/02/2014

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com

Ninguém de bom
senso pode negar a
existência de racismo
no Brasil. Não vamos,
porém, acirrar tão
infame problema
praticando o racismo
ao contrário

Em meu último artigo, adverti que não gostava de escrever sobre racismo pelas paixões que o tema provoca, mas destaquei a “imensa dívida” que a sociedade brasileira tinha para coma população negra. Era uma referência ao legado desastroso da escravidão.

Dois artigos publicados em A TARDE me levaram a tratar do problema, ambos afirmando que pessoas brancas estavam dificultando o acesso aos shoppings de “jovens negros da periferia”, nos chamados “rolezinhos”. Rebati tais acusações, qualificando- as de “racismo ao contrário”. Entre o verdadeiro dilúvio de manifestações que meu artigo provocou, apenas duas eram contrárias, uma assinada por um cidadão que se qualificou com o pomposo título de “superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia”.


Não vou aqui evocar minha biografia jornalística, marcada pelo combate a toda forma de opressão e discriminação racial, o que me levou, como autêntico gladiador da pena, a travar numerosas polêmicas. Em todas, jamais pedi condescendência aos adversários, mas apenas honestidade intelectual. Que jamais distorcessem minhas ideias para obter vantagens na argumentação. Pois bem: foi isto que precisamente fez o superintendente citado.

Disse ele ter eu afirmado que “quem combate o racismo faz racismo ao contrário”. Jamais escrevi tal absurdo. O que escrevi, sim, foi que “precisamos combater no Brasil o pensamento que discrimina a pretexto de combater a discriminação”. Isto está claro diante da acusação que os articulistas mencionados lançaram a supostas “pessoas brancas”, que estariam exibindo “a face perversa” da exclusão ao combater a presença de “jovens negros” nos shoppings.


Reafirmo que tais afirmações delirantes são racistas, pois contribuem para criar antagonismos conflituosos na sociedade. “Rolezinhos” são integrados não apenas por negros, mas por pessoas de raças variadas. Depois, são concentrações de massa que, como tal, podem provocar distúrbios onde quer que se instalem. Gostaria de saber dos acusadores de que forma seria possível, diante de uma invasão dos shoppings, pinçar no meio da turba os “jovens pacíficos” dos arruaceiros violentos que, nos próprios bailes “funks” e nos pagodes da periferia, distribuem pancadaria a torto e a direito e exigem presença policial.


Contenham seus delírios, temerários acusadores! O que desejam agora? Levar o clima de violência e intranquilidade social para dentro dos únicos espaços no país em que os velhos, os moços e as famílias podem andar com relativa segurança, em vez de ficarem expostos ao crime nas proibitivas ruas do Brasil de hoje, conflagradas pela guerra civil urbana que mata com rojão na cabeça ou ainda por balas perdidas e achadas? Só no último fim de semana em Salvador quatro crianças foram assassinadas. Em Guarulhos, um casal foi morto dentro de uma igreja, durante um batizado! No Rio, os traficantes sustentados pelos ricos drogados do Leblon fuzilaram a Rocinha e fecharam o túnel Zuzu Angel com pneus incendiados. É esse clima que desejam ver instalados nos shoppings invadidos?


Ninguém de bom senso pode negar a existência de racismo no Brasil, a deplorável prática iniciada quando os colonizadores começaram a predar não os negros, mas os índios. É prática tão antiga quanto a maldade do homem e uma das suas expressões mais danosas. Já li que Jesus Cristo era mulato de cabelos crespos, tipo comum na Palestina bíblica, mas a iconografia ocidental só o mostra como um belo homem louro de olhos azuis. Não vamos, porém, acirrar tão infame problema praticando o racismo ao contrário. Vamos, sim, praticar o contrarracismo.

A Bahia não é a Roma Negra, nem somos afrodescendentes ou eurodescendentes, expressões importadas que ofendem nossa brasilidade. Somos apenas cidadãos brasileiros, em sua maioria mestiços. Valeria terminar lembrando que a lei Afonso Arinos, de 1951, proíbe manifestações racistas partidas de brancos ou negros em qualquer espaço em que elas se manifestem. Inclusive nos shoppings, onde o que prevalece não é a cor da pele, mas o poder dos bolsos.

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