sábado, 22 de fevereiro de 2014

Racismo, macacos e a imbecilidade - Luiz Mott

A Tarde/BA 22/02/2014

Luiz Mott
Professor titular de Antropologia da Ufba
luizmott@oi.com.br

Chamar negro de touro, gatão, é elogio.
Chamar um negro de macaco é crime
inafiançável no Brasil. Temos presenciado
nos últimos tempos deploráveis gestos de
racismo contra negroides vips, associando-os
aos nossos parentes antropoides mais semelhantes
na escala evolutiva: duas ministras negras,
na Itália e França, foram referidas de
orangotangas por colegas do governo. Nalguns
estádios da Europa, torcedores jogam banana
ou imitam macacos para insultar jogadores
negros. Há poucos dias, no Peru, um estádio
inteiro simulou o “guincho” de macaco quando
o futebolista afro-brasileiro de cabelo rastafári
pegava a bola. Racismo deprimente agravado
por serem os peruanos predominantemente
indígenas.

Essa associação de negros a macacos tem
como substrato ideológico a desumanização
dos cidadãos de pele escura, cabelos crespos e
narizes mais platirrínios do que os brancos e
amarelos. Como se os pretos não pertencessem
à nossa mesma classe homo sapiens, preconceituosamente
indissociáveis da desengonçada
natureza simiesca. Como diz racista provérbio
espanhol, “una mona, aún de seda, mona es y
mona se queda": uma macaca, ainda que vestida
de seda, é e continua sendo macaca.

Às vezes, contudo, somos obrigados a reconhecer
que esses nossos parentes próximos
pouco abaixo na escala evolutiva dão-nos sábias
lições de vida: “cada macaco no seu galho”,
“macaco velho não mete a mão embotija”. São,
contudo, desastrados: “comomacaco numa loja
de cristal”... ou mal sucedidos nalgum mister,
“fulano pagou um mico...”

Inédito episódio na história da Bahia retrata
essa associação simiesca: em 1645, “o
mulato Mateus Soares, pequeno de corpo,
acusado à Inquisição de ser sodomita,
acompanhava seu senhor em comédias fazendo
figura de bugio e dançando com um
pote na cabeça”. Creio ser essa primeira
referência a uma representação teatral nas
ruas da velha Salvador. Lastimavelmente, o
jovem mestiço afrodescendente prestando-
se à perpetuação do mesmo estereótipo
desumanizante da raça etíope.

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