sábado, 8 de março de 2014

Lepo lepo e cavalinho - Luiz Mott

 A Tarde/BA 08/03/2014


Luiz Mott
Professor titular de Antropologia da Ufba
luizmott@oi.com.br

Sou radical: ou vou de pipoca do Campo
Grande à Piedade, ou usufruo as
mordomias dos camarotes da Barra,
cortesia é claro, pois não sou maluco pra
pagar R$ 2 mil por uma noitada.

Vê-se e ouve-se de tudo na folia. A cena que
mais me impressionou foi a concentração dos
“cordeiros” na balaustrada perto do Farol. Nunca
vi tanto preto junto, apenas um quase branco
no meio de 300 homens e mulheres que pareciam
ter desembarcado de um navio negreiro.
Gente simples, ávida para ganhar seus R$ 45 por
sete horas na corda, tendo como merenda bolacha
seca. Um pouco mais adiante, na fila dos
catadores de latinha, predominavam morenos
claros e alguns brancos. Pobreza multirracial.

Não vi nenhuma briga, não fui vítima de
qualquer discriminação ou roubo, não presenciei,
como outrora, crianças dormindo no
chão atrás do isopor. Trabalho infantil quase
nenhum: ao questionar os pais de uma menina
de uns 12 anos que vendia cerveja para outro
adolescente, a donzela me respondeu demolidora:
melhor vender cerveja do que crack!

Vi crentes distribuindo pulseirinhas “Sou
de Jesus”. Soube que o Observatório do Racismo
registrou como abusivo o uso de
símbolos religiosos africanos na folia. Uai,
se pode se fantasiar de padre, bispo e pastor
de terno com a bíblia na mão, por que seria
ilícito se vestir com adereços dos orixás?

As duas músicas de maior sucesso, Lepo lepo
e Cavalinho, evocam e coreografam relações
sexuais quase explícitas: “É tão gostoso quando
eu ra ra ra o lepo lepo”, acompanhado de
gestos da mão e requebros, sugerem realisticamente
o órgão viril em pleno ato penetrativo.
A outra canção, “essa mulher quer
montar em cima de mim seu cavalinho, mas
quem dá palmadinha sou eu!”, reproduz a
gestualidade de uma cópula, onde a mulher
cavalga o corpo masculino. Tudo embalado ao
ritmo rebolante do arrocha.

Nenhuma novidade, pois nossos antepassados
dançaram coreografias não menos
descaradas, tipo lundu, maxixe, umbigada,
bate-cocha. “É tão gostoso quando eu lepo
lepo”, canta Psirico.

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